quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

3354 - GUERRA RUSSO-JAPONESA (CONTINUAÇÃO)

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História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS
Comissão do Comitê Central do PC(b) da URSS
Capítulo IV — Os Mencheviques e os Bolcheviques Durante o Período da Reação Stolypiniana. Os Bolcheviques Passam a Formar um Partido Independente (1908-1912)

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2 — Sobre o Materialismo Dialético e o Materialismo Histórico.

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O materialismo dialético é a concepção filosófica do Partido marxista-leninista. Chama-se materialismo dialético, por que seu modo de abordar os fenômenos da natureza, seu modo de focalizá-los, sua teoria, materialista.

O materialismo histórico é a aplicação dos princípios do materialismo dialético ao estudo da vida, aos fenômenos da vida da sociedade, ao estudo desta e de sua história.

Caracterizando seu método dialético, Marx e Engels se referem com freqüência a Hegel como ao filósofo que formulou os traços fundamentais da dialética. Porém isto não quer dizer que a dialética de Marx e Engels seja idêntica à dialética hegeliana. Na realidade, Marx e Engels só tomaram da dialética de Hegel sua "medula racional" abandonando a casca idealista hegeliana e desenvolvendo a dialética para dar-lhe uma forma científica atual.

"Meu método dialético — diz Marx — não só é fundamentalmente diverso do método de Hegel, senão que é em tudo e por tudo, seu reverso. Para Hegel, o processo do pensamento que ele converte, inclusive, em sujeito com vida própria, sob o nome de idéia, é o demiurgo (criador) do real e este, a simples forma externa em que toma corpo. Para mim, o ideal, pelo contrário, não é mais do que o material, traduzido e transposto para a cabeça do homem". (K. Marx, palavras finais à 2ª. edição do t. I do "Capital").

Na caracterização de seu materialismo, Marx e Engels se referem com freqüência a Feuerbach, como ao filósofo que restaurou os direitos do materialismo. Porém isto não quer dizer que o materialismo de Marx e Engels seja idêntico ao materialismo de Feuerbach. Na realidade, Marx e Engels só tomaram do materialismo de Feuerbach sua "medula", desenvolvendo-a até convertê-la na teoria científico-íilosófica do materialismo, e desprezando sua escória idealista e ético-religiosa. É sabido que Feuerbach, que era no fundamental um materialista, se rebelava contra o nome de materialismo. Engels declarou mais de uma vez que

"malgrado a base materialista, Feuerbach não chegou a desprender-se dos vínculos idealistas tradicionais", e que "onde o verdadeiro idealismo de Feuerbach se põe em evidência é em sua filosofia da religião e em sua ética". (F. Engels, "Ludwig Feuerbach", em Karl Marx, Obras escolhidas, ed., Europa-América, t. I, pág. 414-417).

A palavra dialética vem do grego "dialegos", que quer dizer diálogo ou polêmica. Os antigos entendiam por dialética a arte de descobrir a verdade evidenciando as contradições implícitas na argumentação do adversário e superando estas contradições. Alguns filósofos da antiguidade entendiam que o descobrimento das contradições no processo discursivo e o choque das opiniões contrapostas era o melhor meio para encontrar a verdade. Este método dialético de pensamento, que mais tarde se fez extensivo aos fenômenos naturais, converteu-se no método dialético de conhecimento da natureza, consistente em considerar os fenômenos naturais como sujeitos a perpétuo movimento e mudança e o desenvolvimento da natureza como o resultado do desenvolvimento das contradições existentes nesta, como o resultado da ação mútua das forças contraditórias no seio da natureza.

A dialética é, fundamentalmente, o contrário da metafísica.

1) O método dialético marxista se caracteriza pelos seguintes pontos fundamentais:

a) Em oposição à metafísica, a dialética não considera a natureza como um conglomerado casual de objetos e fenômenos desligados e isolados uns dos outros e sem nenhuma relação de dependência entre si, senão como um todo articulado e único, no qual os objetos e os fenômenos se acham organicamente vinculados uns aos outros, dependem uns do outros e se condicionam uns aos outros.

Por isso, o método dialético entende que nenhum fenômeno da natureza pode ser compreendido, se é focalizado isoladamente, sem conexão com os fenômenos que o rodeiam, pois todo fenômeno, tomado de qualquer campo da natureza, pode converter-se num absurdo, se é examinado sem conexão com as condições que o rodeiam, desligado delas; e pelo contrário, todo fenômeno pode ser compreendido e explicado, se é examinado em sua conexão indissolúvel com os fenômenos circundantes e condicionado por eles.

b) Em oposição à metafísica, a dialética não considera a natureza como algo quieto e imóvel, parado e imutável, senão como algo sujeito a perene movimento e a mudanças constantes, como algo que se renova e se desenvolve incessantemente e onde há sempre alguma coisa que nasce e se desenvolve e algo que morre e caduca.

Por isso, o método dialético exige que se examinem os fenômenos, não só do ponto de vista de suas relações mútuas e de seu mútuo condicionamento, senão também do ponto de vista de seu movimento, de suas mudanças e de seu desenvolvimento, do ponto de vista de seu nascimento e de sua morte.

O que interessa, sobretudo, ao método dialético não é o que num momento dado parece estável porém começa já a morrer, senão o que nasce e se desenvolve, ainda que num momento dado pareça pouco estável pois a única coisa que há insuperável, segundo ele, é o que se acha em estado de nascimento e de desenvolvimento.

"Toda a natureza — diz Engels — desde suas partículas mais minúsculas até seus corpos mais gigantescos, desde o grão de areia até o Sol, desde o protozoário (célula viva primigênia. N. da R.) até o homem, se acha em estado perene de nascimento e morte, em fluxo constante, sujeita a incessantes mudanças e movimentos". (Engels, "Dialética da natureza", Obras completas de Marx e Engels, ed. alemã do Instituto Marx-Engels-Lenin, de Moscou, Sonderausgabe, pág. 491).

Por isso, a dialética — diz Engels — "focaliza as coisas e suas imagens conceituais, substancialmente, em suas conexões mútuas, em sua ligação e concatenação, em sua dinâmica, em seu processo de gênese e caducidade" ("Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico", em Karl Marx, Obras Escolhidas, ed. Europa-América, t. I, pág. 65).

c) Em oposição à metafísica, a dialética não examina o processo de desenvolvimento dos fenômenos como um simples processo de crescimento, em que as mudanças quantitativas não se traduzem em mudanças qualitativas, senão como um processo em que se passa das mudanças quantitativas insignificantes e ocultas às mudanças manifestas, às mudanças radicais, às mudanças qualitativas: em que estas se produzem, não de modo gradual, senão repentina e subitamente, em forma de saltos de um estado de cousas a outro, e não de um modo casual, senão de acordo com as leis, como resultado da acumulação de uma série de mudanças quantitativas inadvertidas e graduais.

Por isso, o método dialético entende que os processos de desenvolvimento não se devem conceber como movimentos circulares, como uma simples repetição do caminho já percorrido, senão como movimentos progressivos, como movimentos em linha ascendente, como a transição do velho estado qualitativo a um novo estado qualitativo como a evolução do simples ao complexo, do inferior ao superior.

"A natureza — diz Engels — é a pedra de toque da dialética, e as modernas ciências naturais nos blindam como prova disto um acervo de dados extraordinariamente copiosos e enriquecido com cada dia que se passa, demonstrando com isso que a natureza se move, em última instância, pelos canais dialéticos e não pelos trilhos metafísicos, que não se move na eterna monotonia de um ciclo constantemente repetido, senão que percorre uma verdadeira história. Aqui é necessário citar em primeiro lugar Darwin, que, com a prova de que toda a natureza orgânica existente, plantas e animais, e entre eles, como é lógico, o homem, é o produto de um processo evolutivo que dura milhões de anos, assestou à concepção metafísica da natureza o mais rude golpe". (F. Engels, "Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico", em Karl Marx, Obras Escolhidas, t. I, pág. 165).

Caracterizando o desenvolvimento dialético como a transição das mudanças quantitativas às mudanças qualitativas, diz Engels:

"Em Física... toda mudança é uma transformação de quantidade em qualidade, uma conseqüência da mudança quantitativa da massa de movimento de qualquer forma inerente ao corpo ou que se transmite a este. Assim, por exemplo, o grau de temperatura da água não influi em nada, a princípio, em seu estado líquido: porém, ao aumentar ou diminuir a temperatura da água líquida, se chega a um ponto em que seu estado de coesão se modifica e a água se converte, num caso, em vapor, e noutro caso, em gelo...

Assim também, para que o fio de platina da lâmpada elétrica acenda, é necessário um mínimo de corrente; todo metal tem seu grau térmico de fusão, e todo líquido, dentro de uma determinada pressão, seu ponto fixo de congelação e de ebulição, na medida em que os meios de que dispomos nos permitem produzir a temperatura necessária; e, finalmente, todo gás tem seu ponto crítico, no qual sob uma pressão e temperatura adequados se liquefaz em forma de gotas... As chamadas constantes da Física (os pontos de transição de um estado a outro. N. da R.) não são a maior parte das vezes, mais que os nomes dos pontos nodais em que a soma ou subtração quantitativas (mudanças quantitativas) de movimento provocam mudanças qualitativas no estado do corpo de que se trata, em que, portanto, a quantidade se troca em qualidade" (F. Engels, "Dialética da Natureza", ed. cit. pág. 503).

E mais adiante, passando à Química, Engels prossegue:

"Poderíamos dizer que a Química é a ciência das mudanças qualitativas dos corpos por efeito das mudanças operadas em sua composição quantitativa. E isto já o sabia o próprio Hegel... Basta observar o oxigênio: se combinarmos, para formar uma molécula, três átomos em vez de dois, que é o corrente, produziremos ozônio, corpo que se distingue de um modo muito definido do oxigênio normal, tanto pelo cheiro como pelos efeitos. E não falemos das diversas proporções em que o oxigênio se combina com o nitrogênio ou com o enxofre, e cada uma das quais produz um corpo quantitativamente diverso de todos os demais" (Obra citada, pág. 528).

Por último, criticando Dühring, que cumula Hegel de injúrias — sem prejuízo de tomar dele, sorrateiramente, a conhecida tese de que a transição do reino do insensível ao reino das sensações, do mundo inorgânico ao mundo da vida orgânica, representa um salto a um novo estado — Engels disse:

"É, certamente, a linha nodal hegeliana das proporções de medida, na qual o simples aumento ou a simples diminuição quantitativa determinam, ao chegar a um determinado nodal, um salto qualitativo, como ocorre, por exemplo com a água posta a aquecer ou a esfriar, onde o ponto de ebulição e o de congelação são os nódulos em que — sob uma pressão normal — se produz o salto a um novo estado de coesão, isto é, em que a quantidade se transforma em qualidade" (F. Engels, "Anti-Dühring", pág. 49).

d) Em oposição à metafísica, a dialética parte do critério de que os objetos e os fenômenos da natureza levam sempre implícitas contradições internas pois todos eles têm seu lado positivo e seu lado negativo, seu passado e seu futuro, seu lado de caducidade e seu lado de desenvolvimento: do critério de que a luta entre estes lados contrapostos, a luta entre o velho e o novo, entre o que agoniza e o que nasce, entre o que caduca e o que se desenvolve, forma o conteúdo interno do processo de desenvolvimento, o conteúdo interno da transformação das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas.

Por isso, o método dialético entende que o processo de desenvolvimento do inferior ao superior não decorre como um processo de desenvolvimento harmônico dos fenômenos, senão pondo sempre de relevo as contradições inerente aos objetos e aos fenômenos, num processo de "luta" entre as tendências contrapostas que atuam sobre a base daquelas contradições.

"Dialética, em sentido restrito, é — diz Lenin — o estudo das contradições contidas na própria essência dos objetos" (Lenin, "Cadernos filosóficos", pág. 263, ed. russa).

E mais adiante:

"O desenvolvimento é a "luta" entre tendências contrapostas" (Lenin, t. XIII pág. 301, ed. russa).

Tais são, brevemente expostos, os pontos fundamentais do método dialético marxista.

Não é difícil compreender quão enorme é a importância que a difusão dos princípios do método dialético tem para o estudo da vida social e da história da sociedade e que importância enorme encerra a aplicação destes princípios à história da sociedade e à atuação prática do Partido do proletariado.

Se no mundo não existem fenômenos isolados, se todos os fenômenos estão vinculados entre si e se condicionam uns aos outros, é evidente que todo regime social e todo movimento social que aparece na história deve ser julgado, não do ponto de vista da "justiça eterna" ou de qualquer outra idéia preconcebida, que é o que costumam fazer os historiadores, senão do ponto de vista das condições que engendraram este regime e este movimento social e aos quais se acham vinculados.

Dentro das condições modernas, o regime da escravidão é um absurdo e uma ignorância contrária à lógica. Em troca, dentro das condições de desagregação do regime do comunismo primitivo, a escravidão era um fenômeno perfeitamente lógico e natural já que representava um progresso em comparação com o comunismo primitivo.

A reivindicação da República democrático-burguesa dentro das condições do czarismo e da sociedade burguesa, por exemplo, na Rússia de 1905, era uma reivindicação perfeitamente lógica, acertada e revolucionária, pois a República burguesa representava, naquele tempo, um progresso. Em troca, dentro das condições atuais da U.R.S.S., a reivindicação da República democrático-burguesa seria absurda e contra-revolucionária, pois, comparada com a República Soviética, a República burguesa significa um retrocesso.

Tudo depende, pois, das condições, do lugar e do tempo.

E evidente que, sem abordar deste ponto de vista histórico os fenômenos sociais, não poderia existir nem desenvolver-se a ciência da história, pois este modo de abordar os fenômenos é o único que impede à ciência histórica converter-se num caos de sucessos fortuitos e num montão dos mais absurdos erros.

Pois bem, se o mundo se acha em incessantes movimento e desenvolvimento, e se a lei deste desenvolvimento é a extinção do velho e o fortalecimento do novo, é evidente que já não pode haver nenhum regime social "irremovível", nem podem existir os "princípios eternos" da propriedade privada e da exploração, nem as "idéias eternas" de submissão dos camponeses aos latifundiários e dos operários aos capitalistas.

Isto quer dizer que o regime capitalista pode ser substituído pelo regime socialista, do mesmo modo que, em seu dia, o regime capitalista substituiu o regime feudal.

Isto quer dizer que é preciso orientar-se, não para aquelas camadas da sociedade que chegaram já ao termo de seu desenvolvimento, embora no momento presente constituam a força predominante, senão para aquelas outras que se estão asseverando e que têm um porvir, ainda que não sejam as forças predominantes no momento atual.

Na década de 80 do século passado, na época de luta entre os marxistas e os populistas, o proletariado, na Rússia, constituía uma minoria insignificante, em comparação com os camponeses individuais, que formavam a imensa maioria da população. Porém o proletariado se estava desenvolvendo como classe, enquanto que os camponeses, como classe, se desagregavam. Precisamente por isto, porque o proletariado se estava desenvolvendo como classe, os marxistas se orientavam para ele. E não se equivocaram, pois, como é sabido, o proletariado se converteu, com o correr do tempo, de uma força insignificante numa força histórica e política de primeira ordem.

Isto quer dizer que em política, para não se equivocar, é preciso olhar para diante e não para trás.

Continuemos. Se a transição das lentas mudanças quantitativas às rápidas e súbitas mudanças qualitativas constitui uma lei do desenvolvimento, é evidente que as transformações revolucionárias levadas a cabo pelas classes oprimidas representam um fenômeno absolutamente natural e inevitável.

Isto quer dizer que a passagem do capitalismo ao socialismo e a libertação da classe operária do jugo capitalista não pode realizar-se por meio de mudanças lentas, por meio de reformas, mas só por meio da transformação qualitativa do regime capitalista, isto é, mediante a revolução.

Isto quer dizer que em política, para não se equivocar, é preciso ser revolucionário e não reformista.

Pois bem, se o processo de desenvolvimento é um processo de revolução de contradições internas, um processo de choques entre forças contrapostas, na base destas contradições, e com o fim de superá-las, é evidente que a luta de classes do proletariado constitui um fenômeno perfeitamente natural e inevitável.

Isto quer dizer que o que é preciso fazer, não é dissimular as contradições do regime capitalista, senão apresentá-las em toda sua extensão, — não é amortecer a luta de classes, senão levá-las ao fim conseqüentemente.

Isto quer dizer que em política, para não se equivocar, é preciso manter uma política proletária, de classe, intransigente, e não uma política reformista de harmonia de interesses entre o proletariado e a burguesia. Uma política oportunista de "evolução pacífica" do capitalismo ao socialismo.

Nisto consiste o método dialético marxista, aplicado à vida social e à história da sociedade.

No que se refere ao materialismo filosófico marxista, é, fundamentalmente, o oposto ao idealismo filosófico.

2) O Materialismo filosófico marxista se caracteriza pelos seguintes pontos fundamentais:

a) Em oposição ao idealismo, que considera o mundo como a materialização da "idéia absoluta", do "espírito universal", da "consciência", o materialismo filosófico de Marx parte do critério de que o mundo é, por sua natureza, algo material; de que os múltiplos e variados fenômenos do mundo constituem diversas formas e modalidades da matéria em movimento; de que os vínculos mútuos e as relações de interdependência entre os fenômenos que o método dialético põe de relevo são as leis, de acordo com as (mais se desenvolve a matéria em movimento; de que o mundo se desenvolve de acordo com as leis que regem o movimento da matéria, sem necessidade de nenhum "espírito universal".

"A concepção materialista do mundo — diz Engels — se limita simplesmente a conceber a natureza tal como é, sem nenhuma classe de aditamentos estranhos (F. Engels, "Ludwig Feuerbach, em Karl Marx, Obras Escolhidas, ed. Europa-América, t. I, pág. 413).

Referindo-se à concepção materialista de um filósofo da antiguidade, Heráclito, segundo o qual

"o mundo forma uma unidade por si mesmo e não foi criado por nenhum deus nem por nenhum homem, mas foi, é e será eternamente um fogo que se acende e se apaga de acordo com as leis",

diz Lenin:

"Eis uma excelente definição dos princípios do materialismo dialético" (Lenin, "Cadernos filosóficos" pág. 318).

b) Em oposição ao idealismo, o qual afirma que só nossa consciência tem uma existência real e que o mundo material, o ser, a natureza, só existem em nossa consciência, em nossas percepções, em nossas idéias, o materialismo filosófico marxista parte do critério de que a matéria, a natureza, o ser, são uma realidade objetiva, existem fora de nossa consciência e independentemente dela, de que a matéria é o primário, já que constitui a fonte da qual se derivam as sensações, as percepções e a consciência, e esta o secundário, o derivado, já que é a imagem refletida da matéria, a imagem refletida do ser; parte do critério de que o pensamento é um produto da matéria ao chegar a um alto grau de perfeição em seu desenvolvimento, e mais concretamente, um produto do cérebro e este o órgão do pensamento, e de que, portanto, não cabe, a menos que se caia num erro crasso, separar o pensamento da matéria.

"O problema da relação entre o pensamento e o ser, entre o espírito e a natureza é — diz Engels — o problema supremo de toda a filosofia... Os filósofos se dividiam em dois grandes campos, segundo a resposta que dessem a esta pergunta. Os que afirmavam o caráter primário do espírito frente à natureza... formavam no campo do idealismo. Os outros, os que reputavam a natureza como o primário, figuram nas diversas escolas do materialismo". (F. Engels, "Ludwig Feuerbach", em Karl Marx, Obras Escolhidas, t. I, págs. 407-408).

E mais adiante:

"O mundo material e perceptível pelos sentidos, do qual formamos parte também os homens, é o único mundo real... Nossa consciência e nosso pensamento, por muito desligados dos sentidos que pareçam, são o produto de um órgão material, físico: o cérebro. A matéria não é um produto do espírito, senão este, o produto supremo da matéria" (F. Engels, obra citada, pág. 411).

Referindo-se ao problema da matéria e do pensamento, Marx manifesta:

"Não é possível separar o pensamento da matéria pensante. A matéria é o objeto de todas as mudanças", (Obra citada, pág. 380).

Caracterizando o materialismo filosófico marxista, diz Lenin:

"O materialismo em geral reconhece a existência real e objetiva do ser (a matéria), independentemente da consciência, das sensações, da experiência... A consciência... não é mais que um reflexo do ser, no melhor dos casos seu reflexo mais ou menos exato (adequado, ideal (quanto à precisão), (t. XIII, págs. 26(5-2(37, ed. russa. Lenin).

E em outras passagens:

a) "É matéria o que, atuando sobre nossos órgãos sensoriais, produz as sensações; a matéria é a realidade objetiva, que as sensações nos transmitem... A matéria, a natureza, a existência, o físico, é o primário; o espírito, a consciência, as sensações, o psíquico, o secundário". (Obra citada, págs. 119-120).

b) "O quadro do mundo é o quadro de como se move e como pensa a matéria". (Obra citada, pág. 288).

c) "O cérebro é o órgão do pensamento". (Obra citada, pág. 125).

d) Em oposição ao idealismo, que disputa a possibilidade de conhecer o mundo e as leis por que se rege, que não crê na veracidade de nossos conhecimentos, que não reconhece a verdade objetiva e entende que o mundo está cheio de "coisas em si", que jamais poderão ser conhecidas pela ciência, o materialismo filosófico marxista parte do princípio de que o mundo e as leis por que se rege são perfeitamente cognoscíveis, de que nossos conhecimentos acerca das leis da natureza, comprovados pela experiência, pela prática, são conhecimentos verídicos, que têm o valor de verdades objetivas, de que no mundo não há coisas incognoscíveis, senão simplesmente coisas ainda não conhecidas, porém que a ciência e a experiência se encarregarão de revelar e de dar a conhecer.

Criticando a tese de Kant e de outros idealistas acerca da incognoscibilidade do mundo e das "coisas em si" incognoscíveis e defendendo a conhecida tese do marxismo acerca da veracidade de nossos conhecimentos, escreve Engels:

"A refutação mais contundente destas manias, como de todas as demais manias filosóficas, é a prática, ou seja a experiência. Se podemos demonstrar a exatidão de nosso modo de conceber um processo natural, reproduzindo-o nós mesmos, criando-o como resultado de suas próprias condições, e se, além disso, pomo-lo ao serviço de nossos próprios fins, daremos cabo da "coisa em si" inacessível de Kant. As substâncias químicas produzidas no mundo vegetal e animal continuaram sendo "coisas em si" se converteu em uma coisa para nós, como, por exemplo, a matéria carente da ruiva, a alizarina, que hoje não se extrai da raiz natural daquela planta, senão que se obtém do alcatrão da hulha, processo muito mais barato e mais fácil. O sistema solar de Copérnico foi durante trezentos anos uma hipótese, pela qual se podia apostar cem, mil, dez mil contra um, porém apesar de tudo, uma hipótese, até que Leverrier, com os dados tomados deste sistema, pôde calcular, não só a necessidade da existência de um planeta desconhecido, senão, além disso, o lugar em que este planeta tinha que se encontrar no firmamento; veio logo depois, Galle e descobriu efetivamente este planeta: a partir deste momento, o sistema de Copérnico ficou demonstrado". (Karl Marx, Obras Escolhidas, t. I, pág. 409).

Acusando Bogdanov, Basarov, Yushekevich e outros partidários de Mach de fideísmo e defendendo a conhecida tese do materialismo de que nossos conhecimentos científicos acerca das leis pelas quais a natureza se rege são conhecimentos verídicos e de que as leis da ciência constituem verdades objetivas, diz Lenin:

"O fideísmo moderno não rechaça, absolutamente, a ciência; a única coisa que rechaça são as "pretensões desmesuradas" da ciência; e concretamente, suas pretensões de verdade objetiva, (como entendem os materialistas) e se as ciências naturais, refletindo o mundo exterior na "experiência" do homem, são as únicas que nos podem dar essa verdade objetiva, todo fideísmo fica refutado incontrovertivelmente". (Lenin, t. XII, pág. 102, ed. russa).

Tais são, brevemente expostas, os pontos característicos do materialismo filosófico marxista.

É fácil compreender a enorme importância que tem a aplicação dos princípios do materialismo filosófico ao estudo da vida social, ao estudo da história da sociedade, a enorme importância que tem o aplicar estes princípios à história da sociedade e à atuação prática do Partido do proletariado.

Se a lei pela qual se rege o desenvolvimento da natureza é a relação entre os fenômenos naturais e sua interdependência, daqui se deduz que a relação e interdependência entre os fenômenos sociais não constituem tampouco um fato fortuito, senão a lei pela qual se rege o desenvolvimento da sociedade.

Isto quer dizer que a vida social e a história da sociedade já não são um conglomerado de fatos "fortuitos", pois a história da sociedade se converte no desenvolvimento da sociedade de acordo com suas leis, e o estudo da história da sociedade adquire categoria de ciência.

Isto quer dizer que a atuação prática do Partido do proletariado deve basear-se, não nos bons desejos das "ilustres personalidades", não nos postulados da "razão", da "moral universal", etc, senão nas leis do desenvolvimento da sociedade e no estudo destas.

Pois bem, se o mundo é cognoscível, e nossos conhecimentos acerca das leis que regem o desenvolvimento da natureza são conhecimentos verdadeiros, que têm o valor de verdades objetivas, isto quer dizer que também a vida social, o desenvolvimento da sociedade, são suscetíveis de serem conhecidos; e que os dados com que nos brinda a ciência sobre as leis do desenvolvimento da sociedade são dados veríficos, que têm o valor de verdades objetivas.

Isto quer dizer que a ciência que estuda a história da sociedade pode adquirir, malgrado toda a complexidade dos fenômenos da vida social, a mesma precisão que a Biologia, por exemplo, oferecendo-nos a possibilidade de dar uma aplicação prática das leis que regem o desenvolvimento da sociedade.

Isto quer dizer que, em sua atuação prática, o Partido do proletariado deve guiar-se, não por estes ou outros motivos fortuitos, senão pelas leis que regem o desenvolvimento da sociedade e pelas conclusões que delas derivam.

Isto quer dizer que o socialismo deixa de ser um sonho acerca de um futuro melhor da humanidade, para converter-se numa ciência.

Isto quer dizer que o enlace entre a ciência e a atuação prática, entre a teoria e a prática, sua unidade, deve ser a estrela polar que guia o Partido do proletariado.

Logo, se a natureza, a existência, o mundo material são o primário, e a consciência, o pensamento, o secundário, o derivado; se o mundo material constitui a realidade objetiva, que existe independentemente da consciência do homem, e a consciência é a imagem refletida desta realidade objetiva, deduz-se daí que a vida material da sociedade, sua existência, é também o primário, e sua vida espiritual, o secundário o derivado; que a vida material da sociedade é a realidade objetiva, que existe independentemente da vontade dos homens, e a vida espiritual da sociedade, o reflexo desta realidade objetiva, o reflexo do ser.

Isto quer dizer que a fonte donde se forma a vida espiritual da sociedade, a fonte da qual emanam as idéias sociais, as teorias sociais, as concepções e as instituições políticas devem buscar-se não nestas mesmas idéias, teorias, concepções e instituições políticas, senão nas condições da vida material da sociedade, na existência social, da qual são reflexo estas idéias, teorias, concepções, etc.

Isto quer dizer que se nos diversos períodos da história da sociedade nos encontramos com diversas idéias, teorias e concepções sociais e instituições políticas diferentes; se sob o regime da escravidão observamos umas idéias, teorias e concepções sociais, umas instituições políticas, sob o feudalismo outras, e outras diferentes sob o capitalismo, a explicação disto não está na "natureza", nem na "peculiaridade" das próprias idéias, teorias, concepções e instituições políticas, senão nas diferentes condições da vida material da sociedade dentro dos diversos períodos de desenvolvimento social.

Segundo sejam as condições de existência da sociedade, as condições em que se desenvolve sua vida material, assim são suas idéias, suas teorias, suas concepções e instituições políticas.

Em relação com isto, diz Marx:

"Não é a consciência do homem a que determina sua existência, senão, pelo contrário, sua existência social o que determina sua consciência" (Karl Marx, Obras Escolhidas, t. I, pág. 339).

Isto quer dizer que, em política, para não se equivocar e não se converter numa coleção de vagos sonhadores, o Partido do proletariado deve tomar como ponto de partida para sua atuação, não os "princípios" abstratos da "razão humana", senão as condições concretas da vida material da sociedade, que constituem a força decisiva do desenvolvimento social; não os bons desejos dos "grandes homens", senão as exigências reais, impostas pelo desenvolvimento da vida material da sociedade.

O fracasso dos utopistas, incluindo entre eles os populistas, os anarquistas e os social-revolucionários, explica-se, entre outras razões, porque não reconheciam a importância primária das condições da vida material da sociedade quanto ao desenvolvimento desta, senão que, caindo no idealismo, erigiam toda a atuação prática, não sobre as exigências do desenvolvimento da vida material da sociedade, senão, independentemente delas e contra elas, sobre "planos ideais" e "projetos universais", desligados da vida real da sociedade.

A força e a vitalidade do marxismo-leninismo se estribam precisamente em que toma como base para sua atuação prática as exigências do desenvolvimento da vida material da sociedade, sem desligar-se jamais da vida real desta.

No entanto, das palavras de Marx não se depreende que as idéias e as teorias sociais, as concepções e as instituições políticas, não tenham importância alguma na vida da sociedade, que não .exerçam de maneira incidental uma influência sobre a existência social, sobre o desenvolvimento das condições materiais da vida da sociedade. Até agora, viemos nos referindo unicamente à origem das idéias e teorias sociais e das concepções e instituições políticas, a seu nascimento, ao fato de que a vida espiritual da sociedade é o reflexo das condições de sua vida material. No tocante à importância das idéias e teorias sociais e das concepções e instituições políticas, no tocante ao papel que desempenham na história, o materialismo histórico não só não nega, mas, pelo contrário, salienta a importância do papel e da significação que lhes correspondem na vida e na história da sociedade.

Porém as idéias e teorias sociais não são todas iguais. Há idéias e teorias velhas que já cumpriram sua missão e que servem aos interesses de forças sociais caducas. Seu papel consiste em freiar o desenvolvimento da sociedade, sua marcha progressiva. E há idéias e teorias novas, avançadas, que servem aos interesses das forças de vanguarda da sociedade. O papel destas consiste em facilitar o desenvolvimento da sociedade, sua marcha progressiva, sendo sua importância tanto maior quanto maior é a exatidão com que correspondem às exigências do desenvolvimento da vida material da sociedade.

As novas idéias e teorias sociais só surgem depois que o desenvolvimento da vida material da sociedade apresenta a esta novas tarefas. Porém, depois de surgir, se convertem numa força importante, que facilita a execução destas novas tarefas exigidas pelo desenvolvimento da vida material da sociedade, que facilita os progressos desta. É aqui, precisamente, onde se acusa a formidável importância organizadora, mobilizadora e transformadora das novas idéias, das novas teorias e das novas concepções políticas, das novas instituições políticas. Por isso, as novas idéias e teorias sociais surgem em rigor, porque são necessárias para a sociedade, porque sem seu trabalho organizador, mobilizador e transformador seria impossível levar a cabo as tarefas que o desenvolvimento da vida material da sociedade exige e que já estão em tempo de ser cumpridas. E como surgem sobre a base das novas tarefas exigidas pelo desenvolvimento da vida material da sociedade, as novas idéias e teorias sociais abrem caminho, convertem-se em patrimônio das massas populares, mobilizam e organizam estas contra as forças sociais caducas, facilitando assim a derrocada destas forças sociais caducas que freiam o desenvolvimento da vida material da sociedade.

Eis como as idéias e teorias sociais, as instituições políticas, que brotam na base das tarefas já maduras para sua solução, exigidas pelo desenvolvimento da vida material da sociedade, pelo desenvolvimento da existência social, atuam logo depois, por sua vez, sobre esta existência social, sobre a vida material da sociedade, criando as condições necessárias para levar ao fim a execução das tarefas já maduras da vida material da sociedade e tornar possível seu desenvolvimento ulterior.

Em relação a isto, diz Marx:

"A teoria se converte numa força material tão cedo seja apreendida pelas massas" (K. Marx e F. Engels, Obras Completas, t I pág 406).

Isto quer dizer que para poder atuar sobre as condições da vida material da sociedade e acelerar seu desenvolvimento, acelerar seu melhoramento, o Partido do proletariado tem que se apoiar numa teoria social, numa idéia social que reflita acertadamente as exigências do desenvolvimento da vida material da sociedade que, graças a isso, seja capaz de pôr em movimento grandes massas do povo, de mobilizá-los e organizar com elas o grande exército do Partido proletário apto para esmagar as forças reacionárias e aplainar o caminho para as forças avançadas da sociedade.

O fracasso dos "economistas" e os mencheviques se explica, entre outras razões, pelo fato de que não reconheciam a importância mobilizadora, organizadora e transformadora da teoria de vanguarda, da idéia de vanguarda e, caindo num materialismo vulgar, reduziam seu papel quase a nada, e conseguintemente condenavam o Partido à passividade, a viver vegetando.

A força e a vitalidade do marxismo-leninismo se estribam em que se apoia numa teoria de vanguarda que reflete acertadamente as exigências do desenvolvimento da vida material da sociedade, e que coloca a teoria à altura que lhe corresponde e considera seu dever utilizar integralmente sua força de mobilização, de organização e de transformação.

É assim como o materialismo histórico resolve o problema das relações entre a existência social e a consciência social, entre as condições de desenvolvimento da vida material e o desenvolvimento da vida espiritual da sociedade.

Resta só responder a esta pergunta: Que se entende, do ponto de vista do materialismo histórico, por "condições de vida material da sociedade", que são as que determinam, em última instância, a fisionomia da sociedade, suas idéias, suas concepções, instituições políticas, etc?

Quais são essas "condições de vida material da sociedade", quais são seus traços característicos?

É indubitável que neste conceito de "condições de vida material da sociedade" entra, antes de tudo, a natureza que rodeia a sociedade, o meio geográfico, que é uma das condições necessárias e constantes da vida material da sociedade e que, naturalmente, influi no desenvolvimento desta. Qual é o papel do meio geográfico no desenvolvimento da sociedade? Não será, por acaso, o meio geográfico o fator fundamental que determina a fisionomia da sociedade, o caráter do regime social dos homens, a transição de um regime a outro?

O materialismo histórico responde negativamente a esta pergunta.

O meio geográfico é, indiscutivelmente, uma das condições constantes e necessárias do desenvolvimento da sociedade e influi, indubitavelmente, nele, acelerando-o ou amortecendo-o. Porém esta influência não é determinante, já que as mudanças e o desenvolvimento da sociedade se operam com uma rapidez incomparavelmente maior do que os que afetam o meio geográfico. No transcurso de três mil anos, a Europa viu desaparecer três regimes sociais: o do comunismo primitivo, o da escravidão e o regime feudal, e na parte Oriental da Europa, na U.R.S.S. feneceram quatro. Pois bem, durante este tempo, as condições geográficas da Europa não sofreram mudança alguma, ou se sofreram foi tão leve que a geografia não crê que mereça a pena registrá-lo. E se compreende que seja assim. Para que o meio geográfico experimente mudanças de certa importância, são precisos milhões de anos, enquanto que em umas centenas ou em um par de milhares de anos podem operar-se, inclusive, mudanças da maior importância no regime social.

Daqui se depreende que o meio geográfico não pode ser a causa fundamental, o fator determinante do desenvolvimento social, pois, como é que o que permanece quase invariável através de dezenas de milhares de anos vai poder ser a causa fundamental a que obedeça o desenvolvimento daquilo que no espaço de umas quantas centenas de anos experimenta mudanças radicais?

Do mesmo modo, é indubitável que o crescimento da população, a maior ou menor densidade da população é também um fator que forma também parte do conceito das "condições materiais da vida da sociedade", já que entre estas condições materiais se conta, como elemento necessário, o homem, e não poderia existir a materialidade da vida social sem um determinado mínimo de seres humanos. Não será, acaso, o desenvolvimento da população o fator cardial que determina o caráter do regime social em que os homens vivem?

O materialismo histórico também responde negativamente a esta pergunta.

E indubitável que o crescimento da população influi no desenvolvimento da sociedade, facilitando ou entorpecendo este desenvolvimento, porém não pode ser o fator cardial a que obedece, nem sua influência pode ter um caráter determinante quanto ao desenvolvimento social, já que o crescimento da população por si só não nos oferece a chave para explicar por que um dado regime social é substituído precisamente por um determinado regime novo e não por outro, porque o regime do comunismo primitivo foi substituído precisamente pelo regime da escravidão, o regime escravagista pelo regime feudal e este pelo burguês, e não por outros quaisquer.

Se o crescimento da população fosse o fator determinante do desenvolvimento social, a uma maior densidade de população teria que corresponder forçosamente, na prática, um tipo proporcionalmente mais elevado de regime social. Porém na realidade não ocorre assim. A densidade da população da China é quatro vezes maior que a dos Estados Unidos, apesar disso os Estados Unidos ocupam um lugar mais elevado do que a China no que se reiere ao desenvolvimento social, pois enquanto que na China continua imperando o regime semifeudal, os Estados Unidos já há muito tempo que chegaram à fase culminante de desenvolvimento do capitalismo. A densidade da população da Bélgica é 19 vezes maior que a dos Estados Unidos e 26 vezes maior que a da U.R.S.S. e, no entanto, a Norte-América sobrepassa a Bélgica no tocante a seu desenvolvimento social, e a U.R.S.S. leva-lhe de vantagem toda uma época histórica, pois enquanto que na Bélgica impera o regime capitalista, a U.R.S.S. já liquidou o capitalismo e instaurou o regime socialista.

Daí se depreende que o crescimento da população não é nem pode ser o fator cardial no desenvolvimento da sociedade, o fator determinante do caráter do regime social, da fisionomia da sociedade.

Qual é, então, dentro do sistema das condições materiais de vida da sociedade, o fator cardial que determina a fisionomia daquela, o caráter do regime social, a passagem da sociedade de um regime social a outro?

Este fator é, segundo o materialismo histórico, o modo de obtenção dos meios de vida necessários para a existência do homem, o modo de produção dos bens materiais, do alimento, do vestuário, do calçado, da habitação, do combustível, dos instrumentos da produção, etc, necessários para que a sociedade possa viver e desenvolver-se.

Para viver, o homem necessita de alimentos, vestuário, calçado, habitação, combustível, etc, para obter estes bens materiais, tem que produzi-los, e para poder produzi-los necessita dispor de meios de produção, com ajuda dos quais se consegue o alimento, se fabrica o vestuário, o calçado, se constrói a habitação, se obtém o combustível, etc.; necessita aprender a produzir estes instrumentos e a servir-se deles.

Instrumentos de produção, com ajuda dos quais se produzem os bens materiais, e homens que os manejam e efetuam a produção dos bens materiais, por ter uma certa experiência produtiva e hábitos de trabalho: tais são os elementos que, em conjunto, formam as forças produtivas da sociedade.

Porém as forças produtivas não são mais que um dos aspectos da produção, um dos aspectos do modo de produção, o aspecto que reflete a relação entre o homem e os objetos e as forças da natureza empregados para a produção dos bens materiais. O outro fator da produção, o outro aspecto do modo de produção, é constituído pelas relações de uns homens com outros, dentro do processo da produção, as relações de produção entre os homens. Os homens não lutam com a natureza e não a utilizam isoladamente, desligados uns dos outros, senão juntos, em grupos, em sociedades. Por isso, a produção é sempre e sob quaisquer condição uma produção social. Ao efetuar a produção dos bens materiais, os homens estabelecem entre si, dentro da produção, tais ou quais relações mútuas, tais ou quais relações de produção. Estas relações podem ser relações de colaboração e ajuda mútua entre homens livres de toda exploração, podem ser relações de império e subordinação ou podem ser, por último, relações de tipo transitório entre a primeira forma e a segunda. Porém, qualquer que seja seu caráter, as relações de produção constituem — sempre em todos os regimes — um elemento tão necessário da produção como as próprias forças produtivas da sociedade.

"Na produção — diz Marx — os homens não atuam somente sobre a natureza, senão que atuam também uns sobre os outros. Não podem produzir sem associar-se de um certo modo para atuar em comum e estabelecer um intercâmbio de atividades. Para produzir, os homens contraem determinados vínculos e relações, e através destes vínculos e relações sociais, e só através deles, é como se relacionam com a natureza e como se efetua a produção". (K. Marx, e F. Engels. Obras Completas, ed. citada, t. V, pág. 429).

Conseguintemente, a produção, o modo de produção, não abarca somente as forças produtivas da sociedade, senão também as relações de produção entre os homens, relações que são, portanto, a forma em que toma corpo sua unidade dentro do processo da produção de bens materiais.

Uma das características da produção é que jamais se detém num ponto durante um longo período, senão que muda e se desenvolve constantemente, com a particularidade de que estas mudanças operadas no modo de produção provocam inevitavelmente a mudança de todo o regime social, das idéias sociais, das concepções e instituições políticas, provocam a reorganização de todo o sistema político e social. Nas diversas fases de desenvolvimento, o homem emprega diversos modos de produção ou, para dizê-lo em termos mais vulgares, mantém gênero de vida diferente. Sob o regime do comunismo, o modo de produção empregado é diferente daquele que se dá sob a escravidão, sob o regime da escravidão é diferente daquele que se dá sob o feudalismo, etc. E, em consonância com isto, variam também o regime social de vida dos homens, sua vida espiritual, suas concepções e instituições políticas.

Segundo seja o modo de produção existente numa sociedade, assim é também, fundamentalmente, esta mesma sociedade e assim são suas idéias e suas teorias, suas concepções e instituições políticas.

Ou, para dizê-lo em termos vulgares, conforme vive o homem, assim pensa ele.

Isto significa que a história do desenvolvimento da sociedade é, antes de tudo, a história do desenvolvimento da produção, a história dos modos de produção que se sucedem uns aos outros ao longo dos séculos, a história do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção entre os homens.

Isto quer dizer que a história do desenvolvimento social é, ao mesmo tempo, a história dos próprios produtores de bens materiais, a história das massas trabalhadoras, que levam a cabo a produção dos bens materiais necessários para a existência da sociedade.

Isto quer dizer que a ciência histórica, se pretende ser uma verdadeira ciência, não deve continuar reduzindo a história do desenvolvimento social aos atos dos reis e dos caudilhos militares, aos atos dos "conquistadores" e "usurpadores" de Estados, mas deve ocupar-se, antes de tudo, da história das massas trabalhadoras, da história dos povos.

Isto quer dizer que a chave para o estudo das leis da história da sociedade não se deve procurar nas cabeças dos homens, nas idéias e concepções da sociedade, senão no modo de produção aplicado pela sociedade em cada um de seus períodos históricos, isto é, na economia da sociedade.

Isto quer dizer que a tarefa primordial da ciência história é o estudo e o descobrimento das leis da produção, das leis do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção das leis do desenvolvimento econômico da sociedade.

Isto quer dizer que o Partido do proletariado, para ser um verdadeiro partido, deve, antes de tudo, conhecer inteiramente as leis do desenvolvimento da produção, as leis do desenvolvimento econômico da sociedade.

Isto quer dizer que em política, para não se equivocar, o Partido do proletariado deve, antes de tudo, tanto no que se refere à formação de seu programa como no que toca à sua atuação prática, partir das leis do desenvolvimento da produção, das leis do desenvolvimento econômico da sociedade.

A segunda característica da produção consiste em que suas mudanças e seu desenvolvimento começam sempre, como de seu ponto de partida, das mudanças e do desenvolvimento das forças produtivas, e, antes de tudo, das que afetam aos instrumentos de produção. As forças produtivas constituem, portanto, o elemento mais dinâmico e mais revolucionário da produção. A princípio, mudam e se desenvolvem as forças produtivas da sociedade, e logo depois sujeitas a estas mudanças e congruentemente com elas, mudam as relações de produção entre os homens, suas relações econômicas. Entretanto, isto não quer dizer que as relações de produção não influam sobre o desenvolvimento das forças produtivas e que estas não dependam daquelas. As relações de produção, ainda que seu desenvolvimento dependa do das forças produtivas, atuam por sua vez sobre o desenvolvimento destas, acelerando-o ou amortecendo-o. A respeito convém advertir que as relações de produção não podem ficar por um tempo demasiado longo atrasadas das forças produtivas ao crescer estas, nem se achar em contradição com elas, já que as forças produtivas só podem desenvolver-se plenamente quando as relações de produção estão em harmonia com elas por seu caráter e seu estado de progresso e deixam margem para seu desenvolvimento. Por isso, por muito atrasadas que fiquem as relações de produção em relação ao desenvolvimento das forças produtivas, têm necessariamente que se pôr e se põem realmente — mais tarde ou mais cedo — em harmonia com o nível do desenvolvimento das forças produtivas, e com o caráter destas. De outro modo, nos encontraríamos ante uma ruptura radical da unidade entre as forças produtivas e as relações de produção dentro do sistema desta, com um desconjuntamento da produção em bloco, com uma crise de produção, com a derrubada das forças produtivas.

Um exemplo de desarmonia entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas, de conflito entre ambos os fatores, temo-lo nas crises econômicas dos países capitalistas, onde a propriedade privada capitalista sobre os meios de produção está em violenta discordância com o caráter social do processo de produção, com o caráter das forças produtivas. Resultado desta discordância são as crises econômicas, que conduzem à destruição das forças produtivas; e esta discordância constitui, por si só, a base econômica da revolução social, cuja missão consiste em destruir as relações de produção existentes, para criar outras novas, em harmonia com o caráter das forças produtivas.

Pelo contrário, um exemplo de uma harmonia completa entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas, nos oferece a economia socialista da U.R.S.S., onde a propriedade social sobre os meios de produção concorda plenamente com o caráter social do processo da produção e onde, portanto, não existem crises econômicas nem se produzem casos de destruição das forças produtivas.

Por conseguinte, as forças produtivas não são somente o elemento mais dinâmico e mais revolucionário da produção, mas são, além disso, o elemento determinante de seu desenvolvimento.

Conforme forem as forças produtivas, assim têm que ser também as relações de produção.

Se o estado das forças produtivas responde à pergunta de com que instrumento de produção os homens criam os bens materiais que lhes são necessários, o estado das relações de produção responde logo a outra pergunta: em poder de quem estão os meios de produção (a terra, os bosques, as águas, o subsolo, as matérias-primas, as ferramentas e os edifícios de produção, as vias e meios de comunicação, etc), à disposição de quem se acham os meios de produção: à disposição de toda a sociedade, ou à disposição de determinados indivíduos, grupos ou classes, que os empregam para explorar outros indivíduos, grupos ou classes?

Eis um quadro esquemático do desenvolvimento das forças produtivas desde os tempos primitivos até nossos dias. Das ferramentas de pedra sem polimento se passa ao arco e à flecha e, em relação com isto, da caça como sistema de vida à domesticação de animais e à criação de gado primitiva; das ferramentas de pedra se passa às ferramentas de metal (ao machado de ferro, arado com relha de ferro, etc.) e, em consonância com isto, ao cultivo das plantas e à agricultura; vem logo depois o melhoramento progressivo das ferramentas metálicas para a elaboração de materiais, passa-se à forja de fole e à olaria e, em consonância com isto, desenvolvem-se os ofícios artesãos, separam-se estes ofícios da agricultura, desenvolve-se a produção independente dos artesãos e, mais tarde, a manufatura; dos instrumentos artesãos de produção se passa à máquina, e a produção artesã e manufatureira se transforma na indústria mecânica, e, por fim, passa-se ao sistema de máquinas, e aparece a grande indústria mecânica moderna; tal é, em linhas gerais e não completas, o quadro de desenvolvimento das forças produtivas sociais no transcurso da história da Humanidade. Além disso, como é lógico, o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos instrumentos de produção correm a cargo de homens relacionados com a produção e não se realizam com independência destes: portanto, a par com as mudanças e o desenvolvimento dos instrumentos de produção, mudam e se desenvolvem também os homens, como elemento mais importante das forças produtivas, mudam e se desenvolvem sua experiência no que se refere à produção, seus hábitos de trabalho e seu talento para o emprego dos instrumentos de produção.

Em consonância com as mudanças e o desenvolvimento experimentados pelas forças produtivas da sociedade no curso da história, mudam também e se desenvolvem as relações de produção entre os homens, suas relações econômicas.

A história conhece cinco tipos fundamentais de relações de produção: o comunismo primitivo, a escravidão, o feudalismo, o capitalismo e o socialismo.

Sob o regime do comunismo primitivo, a base das relações de produção é a propriedade social sobre os meios de produção, isto é, o que em substância, corresponde ao caráter das forças produtivas durante este período. As ferramentas de pedra e o arco e a flecha, que aparecem mais tarde, excluíam a possibilidade de lutar isoladamente contra as forças da natureza e contra os animais ferozes. Se não queriam morrer de fome, ser devorados pelas feras ou sucumbir nas mãos das tribos vizinhas, os homens daquela época viam-se obrigados a trabalhar em comum, e assim era como recolhiam os frutos no bosque, como organizavam a pesca, como construíam suas habitações, etc. O trabalho em comum conduz à propriedade em comum sobre os instrumentos de produção do mesmo modo que sobre os produtos. Ainda não havia surgido a idéia da propriedade privada sobre os meios de produção, excetuando a propriedade pessoal de certas ferramentas, que ao mesmo tempo que ferramentas de trabalho eram armas de defesa contra os animais ferozes. Ainda não existia exploração, não existiam classes.

Sob o regime da escravidão, a base das relações de produção é a propriedade do escravagista sobre os meios de produção, assim como também sobre os próprios produtores, os escravos, a quem o escravagista podia vender, comprar e matar, como o gado. Estas relações de produção se acham, fundamentalmente, em consonância com o estado das forças produtivas durante este período.

Agora, em vez das ferramentas de pedra, o homem já dispõe de ferramentas de metal. Em vez daquela mísera economia primitiva baseada na caça e que não conhecia nem a pecuária nem a agricultura, existem a pecuária, a agricultura, os ofícios artesãos e a divisão do trabalho entre estes diversos ramos da produção; existe a possibilidade de efetuar um intercâmbio de produtos entre os diversos indivíduos e as diversas sociedades e a possibilidade de acumular riquezas em mãos de umas quantas pessoas; produz-se, com efeito, uma acumulação de meios de produção em mãos de uma minoria e surge a possibilidade de que esta minoria subjugue a maioria e converta seus componentes em escravos. Já não existe o trabalho livre e em comum de todos os membros da sociedade dentro do processo da produção, mas impera o trabalho forçado dos escravos, explorados pelos escravagistas que não trabalham. Não existe portanto, propriedade social sobre os meios de produção nem sobre os produtos. A propriedade social é substituída pela propriedade privada. O escravagista é o primeiro e fundamental proprietário com plenitude de direitos.

Ricos e pobres, explorados, homens com plenitude de direitos e homens privados totalmente de direitos; uma furiosa luta de classes entre uns e outros: tal é o quadro que o regime da escravidão apresenta.

Sob o regime feudal, a base das relações de produção e a propriedade do senhor feudal sobre os meios de produção e sua propriedade parcial sobre os produtores, sobre os servos, a quem já não pode matar, porém a quem se pode comprar e vender. A par com a propriedade feudal, existe a propriedade pessoal do camponês e do artesão sobre os instrumentos de produção e sobre sua terra ou sua indústria privada, baseada no trabalho pessoal. Estas relações de produção se acham, fundamentalmente, em consonância com o estado das forças produtivas durante este período. O aperfeiçoamento progressivo da fundição e elaboração de metais, a difusão do arado de ferro e do tear, os progressos da agricultura, da horticultura, da vinicultura e da fabricação de azeite, o aparecimento das primeiras manufaturas junto às oficinas dos artesãos: tais são os traços característicos do estado das forças produtivas durante este período.

As novas forças produtivas exigem que se deixe ao trabalhador, certa iniciativa na produção, que sinta certa inclinação para o trabalho e se ache interessado nele. Por isso, o senhor feudal prescinde dos escravos, que não sentem nenhum interese por seu trabalho, não põem nele a menor iniciativa, e prefere entender-se com os servos, que têm seus próprios bens e suas próprias ferramentas e se acham interessados em certo grau pelo trabalho na medida necessária para trabalhar a terra e pagar ao senhor em espécie com uma parte da colheita.

Durante este período a propriedade privada faz novos progressos. A exploração continua sendo quase tão rapace como sob a escravidão ainda que um pouco suavizada. A luta de classes entre os exploradores e os explorados é o traço fundamental do feudalismo.

Sob o regime capitalista a base das relações de produção é a propriedade capitalista sobre os meios de produção e a inexistência de propriedade sobre os produtores, operários assalariados, a quem o capitalista não pode matar nem vender, pois se acham isentos dos vínculos de sujeição pessoal, porém carecem de meios de produção, pelo que, para não morrerem de fome, se vêem obrigados a vender sua força de trabalho ao capitalista e submeter-se ao jugo da exploração. A par com a propriedade capitalista sobre os meios de produção, existe e se acha, nos primeiros tempos, muito generalizada a propriedade privada do camponês e do artesão, livres da servidão, sobre seus meios de produção, e baseada no trabalho pessoal. Em lugar das oficinas dos artesãos e das manufaturas, surgem as grandes fábricas e empresas, dotadas de maquinarias. Em lugar de fazendas dos nobres, cultivadas com os primitivos instrumentos camponeses de produção, aparecem as grandes explorações agrícolas capitalistas, montadas com técnica agrária e dotada de maquinaria agrícola.

As novas forças produtivas exigem trabalhadores mais cultos e mais hábeis que os servos, mantidos no embrutecimento e na ignorância; trabalhadores capazes de atender e manejar as máquinas. Por isso, os capitalistas preferem tratar com operários assalariados livres dos vínculos da servidão e suficientemente cultos para saberem manejar a maquinaria.

Porém, depois de desenvolver as forças produtivas em proporções gigantescas, o capitalismo se enreda em contradições insolúveis para cie. Ao produzir cada vez mais mercadorias e fazer baixar cada vez mais seus preços, o capitalismo estimula a concorrência, arruina uma massa de pequenos e médios proprietários, converte-os em proletários e abaixa seu poder aquisitivo, com o que a venda das mercadorias produzidas se torna impossível. Ao dilatar a produção e concentrar milhões de operários em enorme fabricas e empresas, o capitalismo dá ao processo de produção um caráter social e vai minando com isso sua própria base, já que o caráter social do processo de produção reclama a propriedade social sobre os meios de produção, enquanto que a propriedade sobre os meios da produção continua sendo uma propriedade privada capitalista, incompatível com o caráter social que o processo de produção apresenta.

Estas contradições irredutíveis entre o caráter das forças produtivas e o das relações de produção se manifestam nas crises periódicas de superprodução, em que os capitalistas, não encontrando compradores solventes, como consequência do empobrecimento da massa da população, provocada por eles próprios, se vêem obrigados a queimar os produtos, destruir as mercadorias elaboradas, paralisar a produção e devastar as forças produtivas, e em que milhões e milhões de seres se vêem condenados ao desemprego e à fome, não porque escasseiam as mercadorias, mas muito ao contrário: por havê-las produzido em excesso.

Isto quer dizer que as relações capitalistas de produção já não estão em consonância com o estado das forças produtivas da sociedade, mas se acham em irredutível contradição com elas.

Isto quer dizer que o capitalismo leva em sua entranha a revolução, uma revolução que está chamada a substituir a atual propriedade capitalista sobre os meios de produção pela propriedade socialista.

Isto quer dizer que o traço fundamental do regime capitalista é a mais encarniçada luta de classes entre os explorados e exploradores.

Sob o regime socialista que até hoje só é uma realidade na U.R.S.S., a base das relações de produção é a propriedade social sobre os meios de produção. Aqui já não há exploradores nem explorados. Os produtos criados se distribuem de acordo com o trabalho, segundo o princípio de "quem não trabalha não come". As relações mútuas entre os indivíduos dentro do processo de produção têm o caráter de relações de colaboração fraternal e de mútua ajuda socialista entre os trabalhadores livres de toda a exploração. As relações de produção se acham em plena consonância com o estado das forças produtivas, pois o caráter social do processo de produção é referendado pela propriedade social sobre os meios de produção.

Por isso, a produção socialista da U.R.S.S. não conhece as crises periódicas de superprodução nem os absurdos que acarretam.

Por isso, na U.R.S.S., as forças produtivas se desenvolvem com ritmo acelerado, já que suas respectivas relações de produção, ao se acharem em consonância com elas, não opõem o menor entrave a este desenvolvimento.

Tal é o quadro que o desenvolvimento das relações de produção entre os homens apresenta, no curso da história da Humanidade.

Tal é a relação de dependência em que se acha o desenvolvimento das relações de prodtição a respeito do desenvolvimento das forças produtivas da sociedade, e sobretudo, quanto ao desenvolvimento dos instrumentos de produção, em virtude do qual as mudanças e o desenvolvimento que experimentam as forças produtivas se traduzem, mais cedo ou mais tarde, nas mudanças e no desenvolvimento congruentes das relações de produção.

"O uso e a criação de meios de trabalho — diz Marx — ainda que em gérmen se apresente já em certas espécies animais, caracterizam o processo de trabalho especificamente humano, razão por que Franklin define o homem como um animal que fabrica instrumentos. E assim como a estrutura de restos fósseis de ossos tem uma grande importância para reconstruir a organização de espécies animais desaparecidas, os vestígios de meios de trabalho nos servem para apreciar antigas formações econômicas da sociedade já sepultadas. O que distingue as épocas econômicas umas de outras não é o que se produz, senão como se produz... Os meios de trabalho não são somente o graduador do desenvolvimento da força de trabalho do homem, mas também o expoente das relações sociais em que se trabalha". (K. Marx, "O Capital", t. I, pág. 189).

E em outras passagens:

a) "As relações sociais estão intimamente vinculadas às forças produtivas. Ao descobrir novas forças produtivas, os homens mudam de modo de produção e ao mudar de modo de produção, a maneira de ganhar a vida, mudam todas suas relações sociais. O moinho movido a braço engendra a sociedade com os senhores feudais: o moinho a vapor, a sociedade dos capitalistas industriais". K. Marx, "Miséria da Filosofia", em K. Marx e F. Engels, Obras completas, ed. citada, t. VI, pág. 179).

b)"Existe um movimento constante de incrementação das forças produtivas, de destruição das relações sociais e de formação das idéias: a abstração do movimento é a única coisa imutável" (K. Marx, Obra citada, pág. 3(34).

Caracterizando o materialismo histórico, tal como se formula no "Manifesto do Partido Comunista", diz Engels:

"A produção econômica e a estruturação social que dela se deriva necessariamente em cada época histórica, constituem a base sobre a (mal repousa a história política e intelectual dessa época... Portanto, toda a história da sociedade, desde a dissolução do regime primitivo de propriedade coletiva sobre o solo, tem sido uma história de lutas de classe, de lutas entre classes exploradoras e exploradas, dominantes e dominadas, adequada às diferentes fases do progresso social... Agora esta luta chegou a uma fase em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) já não pode emancipar-se da classe que a explora e a oprime (a burguesia), sem emancipar para sempre a sociedade inteira da opressão, da exploração, e da luta de classes..." (Prólogo de Engels à edição alemã de 1883, "Manifesto do Partido Comunista", ed. Europa-Améri-ca, 1938, pág. 9).

A terceira característica da produção consiste em que as novas relações de produção congruentes com elas não surgem desligadas do velho regime, depois de desaparecer este, mas se formam no seio dele; e não como fruto da ação premeditada e consciente do homem, senão de um modo espontâneo, inconsciente e independentemente da vontade humana, por duas razões.

Em primeiro lugar, porque os homens não são livres para escolher tal ou qual modo de produção, pois cada nova geração, ao entrar na vida, se encontra já com um sistema estabelecido de forças produtivas e relações de produção, como fruto do trabalho das gerações passadas, em vista de que, se quer ter a possibilidade de produzir bens materiais, não tem, nos primeiros tempos, outro remédio que aceitar o estado de coisas com que se encontra dentro do campo da produção e adaptar-se a ele.

Em segundo lugar, porque quando aperfeiçoe tal ou qual instrumento de produção, tal ou qual elemento das forças produtivas, o homem não sabe, não compreende, nem lhe ocorre sequer pensar nisso, que conseqüências sociais sua inovação pode acarretar, mas pensa única e exclusivamente em seu interesse pessoal, em facilitar seu trabalho e em obter algum proveito imediato e tangível para si.

Quando alguns indivíduos da sociedade comunista primitiva começaram a substituir, paulatinamente e tateando o terreno, as ferramentas de pedra pelas de ferro, ignoravam, naturalmente, e não lhes passava pela mente, que conseqüências sociais haviam de ter esta inovação, não sabiam nem compreendiam que a passagem para as ferramentas metálicas significava uma mudança radical na produção, mudança que no fim de contas conduziria ao regime da escravidão; a única coisa que lhes interessava era facilitar seu trabalho e conseguir um proveito imediato e sensível: a ação consciente com que realizavam aquele ato não saía do estreito limite desta vantagem tangível, de caráter pessoal.

Quando, dentro do período do regime feudal, a jovem burguesia européia começou a organizar, junto às pequenas oficinas gremiais dos artesãos, as grandes empresas manufatureiras, imprimindo com isso um avanço às forças produtivas da sociedade, não sabia, naturalmente, nem passava por sua mente, que conseqüências sociais esta inovação havia de acarretar: não sabia nem compreendia que esta "pequena" inovação conduziria a uma reagrupação tal das forças sociais, que necessariamente desembocaria na revolução, a qual iria dirigida tanto contra a realeza, cujas mercês tanto apreciava, como contra a nobreza, cuja condição social não poucos dos seus melhores representantes sonhavam escalar; a única coisa que a preocupava era baratear a produção de mercadorias, lançar uma maior quantidade de artigos nos mercados da Ásia e da América recém-descoberta, e obter maiores lucros; a ação consciente com que realizavam aquele ato não ia além do estreito limite desta finalidade tangível.

Quando os capitalistas russos, juntamente com os capitalistas estrangeiros, começaram a aclimatar na Rússia, de um modo intensivo, a moderna e grande indústria mecânica, deixando o czarismo intacto e os camponeses entregues à voracidade dos senhores de terra, não sabiam, naturalmente, nem lhes passava pela mente, que conseqüências sociais este importante incremento das forças produtivas havia de acarretar; não sabiam, nem compreendiam que este importante salto que se dava no campo das forças produtivas da sociedade conduziria a uma reagrupação tal das forças sociais, que daria ao proletariado a possibilidade de se unir aos camponeses e de levar a cabo a revolução socialista vitoriosa; a única coisa que eles queriam era incrementar até o máximo a produção industrial, dominar o gigantesco mercado interior do país, converter-se em monopolistas e obter maiores lucros da economia nacional: a consciência com que realizavam aquele ato não ia mais além do horizonte empírico e estreito de seus interesses pessoais.

Em relação com isto, diz Marx:

"Na produção social da vida (isto é, na produção dos bens materiais necessários para a vida dos homens. N. da R.), os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais" (Karl Marx, ed. citada, pág. 339).

Isto não significa, naturalmente, que as mudanças operadas nas relações de produção e a passagem das velhas relações de produção a outras novas decorram pura e simplesmente, sem conflitos e sem comoções. Pelo contrário, estas mudanças revestem geralmente a forma de uma derrocada revolucionária das velhas relações de produção para dar lugar à instauração de outras novas. Até chegar a um certo período, o desenvolvimento das forças produtivas e as mudanças que se operam no campo das relações de produção decorrem de um modo espontâneo, independentemente da vontade dos homens. Porém só até um determinado momento, até o momento em que as forças produtivas que surgem e se desenvolvem logram amadurecer inteiramente, uma vez que as novas forças produtivas estão amadurecidas, as relações de produção existentes e seus representantes, as classes dominantes, se convertem neste obstáculo "insuperável" que só se pode eliminar por meio da ação consciente das novas classes, por meio da ação violenta destas classes, por meio da revolução. Aqui se destaca com grande nitidez a enorme importância das novas idéias sociais, das novas instituições políticas, no novo Poder político, chamados a liquidar pela força as velhas relações de produção. Do conflito entre as novas forças produtivas e as velhas relações de produção, das novas exigências econômicas da sociedade surgem novas idéias sociais; estas novas idéias organizam e mobilizam as massas, as massas se fundem num novo exército político, criam um novo Poder revolucionário e utilizam este poder para liquidar pela força o velho regime estabelecido no campo das relações de produção e referendar o regime novo. O processo espontâneo de desenvolvimento dá lugar à ação consciente do homem, o desenvolvimento pacífico à transformação violenta, a evolução à revolução.

"O proletariado — diz Marx — se vê obrigado a organizar-se como classe para lutar contra a burguesia... por meio da revolução se converte em classe dominante e, enquanto classe dominante, destrói pela força as relações vigentes de produção". ("Manifesto do Partido Comunista", ed. citada, pág. 37).

E em suas obras, noutros trechos:

a) "O proletariado valer-se-á do Poder político para ir despojando gradualmente a burguesia de todo o capital de todos os instrumentos de produção, centralizando-os em mãos do Estado, isto é, classe dominante, e procurando aumentar por todos os meios e com a maior rapidez possível as forças produtivas". (Obra citada, pág. 36).

b) "A violência é a parteira de toda sociedade velha que leva em suas entranhas outra nova". (Marx, "O Capital", t. II, pág. 788).

Eis em que termos Marx formulava, com traços geniais a essência do materialismo histórico, no memorável "prólogo" escrito em 1859 para seu famoso livro "Contribuição à Crítica da Economia Política".

"Na produção social de sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias, independentes de sua vontade, relações de produção, que correspondem a uma determinada fase do desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e a que correspondem determinadas formas de consciência social. O sistema de produção da vida material condiciona todo o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência do homem que determina sua existência, mas, pelo contrário, sua existência social que determina sua consciência. Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as condições de produção existentes ou, o que não é mais do que a expressão jurídica disto, com as relações de propriedade dentro das quais se tem movido até ali. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se transformam em entraves. E se abre assim uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, se transforma mais ou menos lentamente, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela. Quando se estudam estas transformações, tem-se que distinguir sempre entre as mudanças materiais operadas nas condições econômicas de produção e que podem apreciar-se com a exatidão própria das ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, ideológicas, em uma palavra, em que os homens tomam consciência deste conflito e o combatem. E do mesmo modo que não podemos julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si mesmo, não podemos julgar tampouco estas épocas de transformação por sua consciência, mas, pelo contrário, deve explicar-se esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que cabem dentro dela, e jamais aparecem novas e mais altas relações de produção antes que as condições materiais para sua existência hajam amadurecido no seio da sociedade antiga. Por isso, a Humanidade sempre propõe a si mesma unicamente os objetivos que pode alcançar, pois, bem olhadas as coisas, vemos sempre que estes objetivos só brotam quando já se dão ou, pelo menos, se estão gestando, as condições materiais para sua realização". (K. Marx, Obras Escolhidas, t. I, págs. 338-339).

Tal é a concepção do materialismo marxista, em sua aplicação à vida social, em sua aplicação à história da sociedade.

Tais são os traços fundamentais do materialismo dialético e do materialismo histórico.

Pelo exposto, se vê que riqueza teórica era a que Lenin defendia para o Partido contra os ataques dos revisionistas e dos degenerados e quão imensa foi a importância que teve a publicação do seu livro "Materialismo e Empiro-Criticismo", para o desenvolvimento do Partido bolchevique.

continua>>>

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Este texto foi uma contribuição do

Inclusão 09/11/2010


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