quarta-feira, 28 de março de 2012

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NAVIGATOR no2/2005 (Art. 1)

Nos braços de Vênus às poltronas da Academia


Ronaldo Rogério de Freitas Mourão
Doutor pela Universidade de Paris (Sorbonne) é membro titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB); astrônomo e pesquisador titular do Museu de Astronomia e Ciências Afins do Rio de Janeiro, do qual foi o criador e primeiro diretor.






Barão de Teffé, foto do acervo do SDM






RESUMO
“Os astrônomos da Grã-Bretanha, Rússia e Alemanha receberam um subsídio liberal com o propósito, registrado, de que o trânsito proporcio-nará aos nossos compatriotas uma oportunidade particularmente favorável para exercitar as suas habilidades (ou engenhosidades) inventivas na introdução de aperfeiçoamentos nos métodos de observação. Sua bem-sucedida introdução a dois dos mais importantes instrumentos da astronomia prática – a fotografia astronômica e o eletrocronó-grafo, ambos amplamente adotados na Europa, no momento – ,sua bem-sucedida competição com os europeus na produção de alguns instrumentos astronômicos da mais alta qualidade, os rápidos avanços que a astronomia prática tem realizado neste país nos últimos anos justificam a crença de que eles podem assumir uma posição de liderança na realização das observações em questão.”


ABSTRACT
“The astronomers of Great Britain, Russia and Germany had received liberal grants for the purpose, he noted, and the transit “will afford our countrymen a peculiarly favorable opportunity to exercise their inventive ingenuity in the introduction of improved modes of observation. Their successful introduction of two of the most important appliances in practical astronomy – astronomical photography and the electro-chronograph, both of which are now widely adopted in Europe, – their successful competition with Europeans in producing some of the finest classes of astronomical instruments, and the rapid advances which practical astronomy has made in this country within the last few years, all warrant the belief that they can take a leading position in making the observations in question.” (Benjamin F. Sands*)


* Benjamin F. Sands (1812-1883). Superintendente do Naval Observatory a George M. Robeson, secretário da Marinha dos EUA, em 5 de março de 1872 ( U.S. Commission on the Transit of Venus, Papers Relating to the Transit of Venus in 1874, Part. I,Washington, 1872, 7-8)



Óleo sobre tela, acervo do SDM

Enquanto no Brasil o Parlamento recusava aprovar recursos para que a Repartição Hidrográfica da Marinha brasileira participasse das observações do trânsito de Vênus de 1882, no mundo inteiro os engenheiros hidrógrafos eram os mais importantes participantes das missões que tinham como objetivo declarado a observação do trânsito de Vênus, se bem que na maioria dos casos essas missões tinham outros objetivos, como, por exemplo, ocorreu com o Capitão inglês James Cook (1728-1779) em 1769. Na realidade, Cook, ao partir da Inglaterra, recebeu uma carta de “prego”, ou seja, uma missiva fechada que só poderia ser aberta em alto-mar, após a observação do trânsito em Taiti. Esta carta do Almirantado determinava que Cook deveria explorar e tomar posse da Austrália e da Nova Zelândia, anteriormente descobertas.
Realmente, o que provoca maior impacto, ao analisar o comportamento da sociedade civil brasileira, é o preconceito contra a participação da Marinha, se considerarmos que, na época, as personalidades mais eminentes da nossa comunidade científica e política, sempre preocupadas em acompanhar o desenvolvimento do que ocorria na Europa, desconhecessem que o engenheiro hidrógrafo francês Ernest Mouchez (1821-1892) – famoso pelas suas numerosas missões científicas hidrográficas em toda costa da América do Sul e, em particular, da brasileira –, após a sua observação da passagem de Vênus de 1874, na Ilha de Saint-Paul, em virtude das suas observações miraculosas, tenha sido eleito para a Academia de Ciências, em 1875, e três anos mais tarde, em 1878, nomeado diretor do Observatório de Paris, rompendo uma tradição.
Com efeito, desde a criação do observatório, a direção desta instituição tinha sido ocupada por um astrônomo. A partir do início do século XIX, só politécnicos haviam sido colocados à frente da mais importante instituição astronômica de França e uma das mais conceituadas do mundo.

INTRODUÇÃO
Ao contrário do que ocorreu por ocasião da passagem de Vênus pelo disco solar em 1874, quando o governo brasileiro autorizou o engenheiro Antônio Francisco da Almeida, astrônomo enviado pelo Imperial Observatório para se aperfeiçoar em Paris, a acompanhar a missão francesa que ia ao Japão fotografar o trânsito de Vênus, oito anos depois, em 1882, o governo imperial teve que enfrentar uma enorme oposição no Parlamento. Além dos deputados e senadores, a própria Imprensa se opunha à participação efetiva do Brasil, através de uma comissão de astrônomos brasileiros organizada pelo astrônomo naturalizado brasileiro, de origem belga, Luis Cruls (1848-1908), na época diretor interino do Imperial Observatório, pois o diretor, Emmanuel Liais, praticamente decidido a pedir sua demissão do cargo, encontrava-se de licença em Paris.
Uma verba especial foi solicitada ao Parlamento pelo governo imperial, o que imediatamente deu origem a uma campanha na imprensa e no Parlamento contra o envio dessas expedições. Enquanto o caricaturista Ângelo Agostini (1843-1910), no jornal humorístico Revista Ilustrada, fazia rir o povo com suas charges contra o Imperador e a sua idéia de enviar missões ao exterior para observar Vênus passar em frente ao disco solar, um grupo de deputados e senadores, entre eles o combativo Senador Ferreira Viana, no Parlamento, criticava violentamente as pretensões governamentais. Foi talvez um dos mais vivos debates já ocorridos em nosso país sobre a utilidade da ciência básica.

CONGRESSO DA COMISSÃO INTERNACIONAL DA PASSAGEM DE VÊNUS, EM 9 DE OUTUBRO DE 1881
Para elaborar as instruções a serem adotadas durante a observação da passagem de 1882, os representantes de 14 países reuniram-se, em Paris, um ano antes – mais precisamente em outubro de 1881 – no Congresso da Comissão Internacional da Passagem de Vênus, organizada pela Comissão da Passagem de Vênus da França, composta pelo físico-químico Jean-Baptistte-André Dumas (1800-1884), presidente; pelo matemático Joseph-Louis-François Bertrand (1822-1900); pelo físico Armand-Hipolyre-Louis Fizeau (1819-1896); pelo astrônomo Victor-Alexandre Puiseux (1820-1884) e pelo físico Marie-Alfred Cornu (1841-1902) e mais 50 astrônomos ou físicos, na maior parte membros das seções de astronomia e física da Academia das Ciências de Paris.
O Brasil, convidado, solicitou ao astrônomo francês Emmanuel Liais (1826-1900), diretor do Imperial Observatório, na época em Paris, para representar o Imperial Observatório.
A Comissão, após longas discussões, por um voto, resolveu retornar aos métodos visuais tradicionais, ou seja, desaconselhou o uso da fotografia, tendo em vista que as experiências na passagem anterior, em 1874, tinham sido pouco satisfatórias. No entanto, vários países, entre eles os EUA, a França e a Inglaterra, fizeram suas fotografias durante o trânsito de 1882. As instruções da Comissão foram apresentadas na sessão do dia 17 de outubro de 1881 na Academia das Ciências de Paris e publicadas nos Comptes-Rendus da mesma academia.
Na ocasião, Liais, representante do Brasil, provavelmente deve ter comunicado à Comissão que iria estabelecer quatro postos de observação além do instalado no Imperial Observatório do Rio de Janeiro: Itapeva, Olinda, Patagônia e Ilha de Cuba.
Em vista da probabilidade de mau tempo no Rio de Janeiro, durante o fenômeno, e para que o método de corda fosse utilizado na determinação da paralaxe solar com sucesso, Cruls escolheu, também, o envio de uma missão ao Estreito de Magalhães. Após um longo e minucioso estudo das condições meteoro-lógicas e das coordenadas geográficas, tendo em vista encontrar um sítio no qual os dois primeiros contatos e os dois outros finais ocorressem simetricamente em relação ao mediano do local, ou melhor, que o início e o fim do trânsito se dessem quando o Sol estivesse eqüidistante do zênite. A localidade que melhor satisfazia estas condições era a cidade de Punta Arenas, escolhida por apresentar quase todas estas vantagens. Com efeito, além da entrada e da saída do planeta Vênus se efetuarem quase simetricamente, em relação ao meridiano local, este último não estava muito longe do que passava por São Tomás.
Estas decisões satisfaziam as solicitações feitas ao representante brasileiro em Paris, no sentido que viesse a participar dessa importante cooperação dos observatórios em todo o mundo. Realmente, durante as reuniões da conferência Internacional com as diversas comissões estrangeiras, em Paris, havia sido assentado que o Imperial Observatório deveria estabelecer no mínimo duas estações em seu território e duas no exterior. Assim, coube ao Imperial Observatório estabelecer duas estações no Brasil, uma em Pernambuco e outra no Rio de Janeiro, assim como uma outra na Patagônia, e à Repartição Hidrográfica a instalação de um observatório nas Antilhas.

A PARTICIPAÇÃO DO BARÃO DE TEFFÉ
A princípio, o projeto consistia na organização de duas expedições brasileiras encarregadas da observação do fenômeno, uma em Olinda, Pernambuco, e outra na Ilha de Cuba. Além disso, constituiria o Imperial Observatório, no Rio de Janeiro, uma terceira estação. No entanto, considerando que as condições meteorológicas no Rio de Janeiro, no início de dezembro, não seriam favoráveis às observações astronômicas, o que de fato aconteceu, como veremos a seguir, decidiu-se que uma expedição seria enviada sob a chefia de Cruls à cidade de Punta Arenas, na Patagônia chilena. Mais tarde, sabendo que uma comissão francesa seria mandada para Cuba, Cruls julgou conveniente escolher um outro ponto nas Antilhas para a missão brasileira. A escolha recaiu sobre a Ilha de São Tomás, após ter sido examinada sua posição geográfica, assim como as condições de possibilidades de bom tempo. Na época, a ilha era uma possessão dinamarquesa.
Na época, para colaborar com o Observatório nesta primeira grande participação do Brasil num evento científico internacional desse porte e natureza, a Repartição Hidrográfica (hoje Diretoria de Hidrografia e Navegação – DHN) era a única instituição, com uma boa base em astronomia, capaz de colaborar. Apesar ser um serviço recém-criado, vinha tendo um bom desempenho. Realmente, instituída em 2 de fevereiro de 1876, quase imediatamente depois da Repartição de Faróis, criada em 26 de janeiro do mesmo ano, a Repartição Hidrográfica teve como primeiro diretor o Capitão-de-Fragata Antonio Luiz von Hoonholtz, Barão de Teffé. Mais tarde, em 1888, surgiu a Repartição Central Meteorológica. Em 1891, com a fusão destes três órgãos destinados a coordenar executivamente as atividades dos faróis, da hidrografia e da meteorologia marítima, surgiu, sob a direção do Capitão-de-Fragata Calheiros da Graça, a Repartição (depois, em 1896, Superintendência) da Carta Marítima, que constitui a atual Diretoria de Hidrografia e Navegação.
A bem da verdade, sob o ponto de vista da competência em astronomia, o Imperial Observatório poderia solicitar também a colaboração dos astrônomos e engenheiros do recém-criado observatório da Escola Politécnica (hoje Observatório do Valongo, da UFRJ). No entanto, as divergências de natureza científica e o gênio irascível de Liais tornavam o convívio pessoal entre ele e Manuel Pereira Reis impossível, tendo em vista que Reis – fundador e o primeiro diretor do Observatório da Escola Politécnica – era um antigo astrônomo do Imperial Observatório que havia sido demitido por Liais. Aliás, o caráter difícil de Liais já era conhecido no meio cientifico por ter se indisposto com o Leverrier, diretor do Observatório de Paris, que solicitou o seu afastamento. Para ganhar tempo na esperança de retornar ao seu posto, Liais solicitou ao Ministério do Exterior o pedido que fosse indicado para uma missão cientifica no Brasil, a proposta foi aceita com a condição de que toda a despesa de viagem fosse realizada com recursos próprios.
Outro astrônomo, com experiência na observação de trânsito de Vênus, Antonio Francisco de Almeida, único brasileiro que havia observado cientificamente uma passagem de Vênus pelo disco solar, ao participar da missão francesa que foi a Nagasáqui, no Japão, em 1874. A razão desta ausência parece até hoje inexplicável, mesmo considerando as opiniões de astrônomos que não acreditavam na vantagem de observar as passagens de Vênus para determinar a paralaxe solar, como expõe, por exemplo, Liais, em seu livro L’espace celeste [1881].

BARÃO DE TEFFÉ – DIRETOR DA REPARTIÇÃO HIDROGRÁFICA
Para compreender a importância da participação do Barão de Teffé, serei obrigado a fazer um breve relato sobre a sua atividade profissional como engenheiro hidrógrafo e astrônomo, quando nomeado para demarcar os limites da fronteira Brasil-Peru.
Antonio Luiz von Hoonholtz, mais conhecido como Barão de Teffé, nasceu em Itaguaí (RJ), a 9 de maio de 1837, filho de Frederico Guilherme von Hoonholtz e de Joana Cristina von Engel. Ingressou aos 15 anos na Academia de Marinha, sendo nomeado guarda-marinha em 1854. Logo embarcou nos vapores Viamão e Camaquã, alcançando a promoção de segundo-tenente a bordo da Corveta Bahiana em 1857. Com apenas 21 anos, publicou seu Compêndio de Hidrografia, o primeiro livro sobre o assunto em língua portuguesa, que foi adotado pela Escola de Marinha. Sua nomeação como instrutor da disciplina, quando ainda era segundo-tenente, constituiu fato inédito na Marinha.
Em seu primeiro comando, a Canhoneira Araguari, o Primeiro-Tenente Von Hoonholtz notabilizou-se pelas ações empreendidas durante a Guerra do Paraguai, sobretudo na Batalha Naval do Riachuelo. Como capitão-tenente, comandou, ainda durante a guerra, a Corveta Niterói e o Encouraçado Bahia. Terminadas as hostilidades e de volta ao Rio de Janeiro, casou-se, a 28 de março de 1868, com Maria Luiza Dodsworth, filha de Georges John Dodsworth e de Leocádia Dodsworth. No ano seguinte recebeu as insígnias de capitão-de-fragata.
Após quatro anos da sua participação na Guerra do Paraguai, Von Hoonholtz reassumiu o cargo de chefe da Repartição Hidrográfica empenhado em prosseguir os trabalhos e o levantamento de toda a costa do Império, objetivo que perseguia desde a sua longa permanência em Santa Catarina. Quando foi nomeado para chefe da Comissão de Limites entre o Brasil e o Peru, sabia que teria pela frente um grande desafio. Não lhe preocupavam as dificuldades de natureza técnico-científica, mas as condições ambientais adversas à saúde.
Em 1866, os dois países decidiram enviar uma comissão mista de cientistas de grande valor: Soares Pinto pelo Brasil e Paiz Soldan pelo Peru, que deveriam explorar o Rio Javari, por cujo leito corria a fronteira até à sua nascente. Apesar desta expedição ter sido cuidadosamente organizada, nada pôde realizar, pois os demarcadores, ao subir o rio em canoas por mais de oito dias, foram subitamente atacados de ambas as margens pelos índios majeronas e cataquinos, que dominavam toda essa imensa região. Desta luta, somente um terço dos expedicionários conseguiu fugir, salvando o chefe peruano gravemente ferido. A expedição brasileira que seguia em duas canoas foi massacrada. Soares Pinto com toda sua escolta foi assassinado. O astrônomo peruano Paiz Soldan conseguiu salvar-se, mas foi obrigado a amputar sua perna em condições dramáticas.
Mais tarde, o Comandante José da Costa Azevedo partiu para o norte e, durante cinco anos, exerceu o cargo de demarcador sem nunca ter conseguido estabelecer uma só das linhas de fronteira. Costa Azevedo alcançou apenas o Rio Jaburá, onde fincou um marco divisório. Como não havia representante do governo peruano, o marco divisório não foi aceito pela parte contrária.
Como o Capitão-de-Fragata Von Hoonholtz já era, naquela época, considerado uma sumidade em hidrografia e astronomia, o Imperador insistiu que uma nova comissão fosse constituída sob a chefia de Von Hoonholtz. Nessa nova comissão fazia parte, pelo lado peruano, o mesmo astrônomo Paiz Soldan – uma outra sumidade em astronomia que, ao contrário do representante brasileiro, acumulava uma grande experiência sobre a região por já ter estado na Amazônia durante a trágica missão Soares Pinto.
Em 1871, a comissão brasileira e a peruana partiram juntas da Corte no navio Marcílio Dias em direção ao Pará. Em Belém uma grande surpresa: esperava Von Hoonholtz o seu irmão Juca, que tinha fixado residência em Manaus, e foi o primeiro a recebê-los. Ora, como Carlos, também seu irmão, havia sido nomeado agrimensor da comissão brasileira, depois de quase 15 anos de separação os três irmãos se reuniam pela última vez.
Se por um lado, Soldan insistia através de cartas que se adotasse a linha do Madeira ao Javari, por outro lado, o Capitão-de-Fragata Von Hoonholtz, que nunca se deixou dominar em suas posições, energicamente repeliu a proposta, de modo tão firme que Paiz Soldan não mais voltou ao assunto. Como as coordenadas haviam sido marcadas pelo seu antecessor Costa Azevedo, o marco do Rio Japurá tinha que ser procurado na região coberta pelo mato na margem direita do rio. Uma vez localizado, suas coordenadas tinham que ser reavaliadas pela parte contrária, ou seja, pelos astrônomos peruanos. Enquanto instalava os instrumentos, Soldan dizia ironicamente:
“Colega, prepare-se para mudar o marco de algumas milhas. O Senhor Azevedo que o plantou sem a nossa fiscalização seguramente roubou do Peru um trecho do nosso território, que terei muito prazer em reivindicar”.
Algumas semanas depois Von Hoonholtz corrigiu o levantamento feito por Costa Azevedo. Na reunião seguinte, destinada a conferir o resultado das duas comissões, Paiz Soldan foi obrigado a se submeter à lógica dos algarismos, ao concordar com o resultado obtido pelo representante brasileiro:
“Senhor comissário, se eu tivesse previsto em meu país o que está acontecendo neste momento, asseguro que não estaria aqui ao seu lado. Jamais acreditaria num erro do senhor Azevedo”.
Solenemente foi destruído o marco existente e plantado um novo no seu verdadeiro lugar. Deste modo, Von Hoonholtz reivindicou para o Brasil uma área de cerca de 400.000 metros quadrados. Em conseqüência desse fato, Azevedo passou a ser um dos seus grandes inimigos, que tentou até mesmo fechar a Repartição Hidrográfica.
Sua ação na fronteira Brasil-Peru, numa inóspita região amazônica, valeu-lhe o título de Barão de Teffé, concedido pelo Imperador D.Pedro II em 11 de junho de 1873. Até então nunca antes havia sido concedido um título de nobreza a um capitão-de-fragata. Realizou também os primeiros estudos para a melhoria dos portos de Santos e Antonina (hoje Porto Teffé) entre outros.
Deve-se a ele também a criação, em 2 de fevereiro de 1876, do primeiro órgão dedicado à hidrografia no Brasil, sob a designação de Repartição Hidrográfica, hoje Diretoria de Hidrografia e Navegação, da qual foi o primeiro diretor. Foi promovido a capitão-de-mar-e-guerra em 1878.

CONVITE DE CRULS AO BARÃO DE TEFFÉ – 19 DE DEZEMBRO DE 1881
Em vista da probabilidade de mau tempo no Rio de Janeiro, durante o fenômeno, e para que o método de corda fosse utilizado na determinação da paralaxe solar com sucesso, Cruls escolheu, também, o envio de uma missão ao Estreito de Magalhães. Após um longo e minucioso estudo das condições meteoroló-gicas e das coordenadas geográficas, tendo em vista encontrar um sítio no qual os dois primeiros contatos e os dois outros finais ocorressem simetricamente em relação ao meridiano do local, ou melhor, que o início e o fim do trânsito se dessem quando o Sol estivesse eqüidistante do zênite. A localidade que melhor satisfazia estas condições era a cidade de Punta Arenas, escolhida por apresentar quase todas estas vantagens. Com efeito, além de a entrada e a saída do planeta Vênus se efetuar quase simetricamente, em relação ao meridiano local, este último não estava muito longe do que passava por São Tomás.
Estas decisões satisfaziam às solicitações feitas ao representante brasileiro em Paris, no sentido de que viesse a participar dessa importante cooperação dos observatórios em todo o mundo. Realmente, durante as reuniões da Conferência Internacional, da qual participaram 14 diferentes nações estrangeiras, em Paris, haviam sido assentado que o Imperial Observatório deveria estabelecer no mínimo duas estações em seu território e duas no exterior. Assim coube ao Imperial Observatório estabelecer duas estações no Brasil, uma em Pernam-buco e outra no Rio de Janeiro, assim como uma outra na Patagônia, e a Repartição Hidrográfica a instalação de um observatório nas Antilhas.
Tendo em vista esta decisão, em 19 de dezembro de 1881, Louis Cruls, o diretor interino do Imperial Observatório, dirigiu ao Barão de Teffé, diretor da Repartição de Hidrografia da Marinha uma carta na qual fazia um relato dos planos de observação do trânsito de Vênus, convidando-o para participar da organização de uma das missões:
“A alta consideração que tributo a V. Excia. pelos relevantes serviços científicos que prestou ao Brasil me leva submeter à sua apreciação o seguinte projeto cuja realização de grande alcance para a ciência astronômica depende de V. Excia.
A observação da próxima passagem de Vênus, que terá lugar a 6 de dezembro de 1882, dará ocasião a todas as nações cultas de organizar e mandar um certo número de comissões para diversos pontos do globo, convenientemente escolhidos, a fim de se reunir o maior número possível de dados para a solução de tão alto problema astronômico, como é o da determinação da paralaxe solar, e ao qual todas as sumidades científicas procurarão associar a sua cooperação.
Além da estação que será estabelecida no Imperial Observatório do Rio, tenciona-se organizar, com o pessoal dos astrônomos, uma ou duas outras estações em pontos geográficos cuja situação oferece maior probabilidade de bom tempo do que a do Rio, e neste fim já se pediu ao Governo o necessário crédito. Além destas expedições conviria que se organizassem mais uma ou duas destinadas a observar em pontos diversos, em condições vantajosas de observação.
Estas últimas comissões poderiam ser organizadas com o pessoal científico debaixo de sua esclarecida direção. A organização completa de toda a expedição para a observação da passagem de Vênus far-se-ia do modo seguinte:
a) As duas repartições hidrográficas e o Imperial Observatório uniriam, de comum acordo, os seus esforços para a realização do projeto;
b) Os métodos de observação a empregar em todas as estações seriam indicados pelo Imperial Observatório;
c) O Imperial Observatório organizaria gratuitamente a quase totalidade do material de observação necessário às Comissões da Repartição Hidrográfica;
d) Para as despesas de transporte do pessoal e material, a organização das estações nos lugares escolhidos, solicitar-se-ia do Governo um crédito suficiente. – Quanto ao [sic] este ponto, como mencionei no princípio desta carta, já foi pedido um crédito para as despesas de transporte, etc., das comissões organizadas com o pessoal do Observatório. Para as comissões organizadas com o pessoal da Repartição Hidrográfica conviria que se pedisse ao Ministério da Marinha as convenientes ordens para, em tempo oportuno, dispor de um navio destinado a levar as comissões para os pontos escolhidos:
e) Terminadas as observações, e sendo recolhidas às suas respectivas repartições as diversas comissões, reunir-se-iam as suas diretorias a fim de, conhecidos os resultados, tratar da sua publicação. Esta publicação, feita de comum acordo, compreenderia: 1o – uma breve notícia dando os resultados, com indicações de todo o pessoal do qual se compunham as comissões, notícia que seria comunicada à Academia de Ciências de Paris, como também às outras Academias, jornais, etc. 2o – uma publicação avulsa, contendo todos os esclarecimentos necessários, o detalhe das observações, os resultados e sua discussão, em uma palavra, tudo quanto puder interessar à ciência para a solução do problema da paralaxe solar.”1
Interessadíssimo na efetiva realização das expedições, D. Pedro II reiterou o convite ao Barão de Teffé insistindo na importância da sua participação ao lado de Cruls. Se bem que relutasse em aceitar, o espírito de hierarquia militar impôs-se e, em conseqüência, Teffé acabou aceitando o desafio.
No dia seguinte, veio à resposta do Barão de Teffé:
“Embora por motivos particulares não tencionasse tomar parte nas próximas observações da passagem de Vênus, contudo não posso esquivar-me hoje a aceitar o honroso e delicado convite que V. Excia. se dignou dirigir-me no sentido de organizarmos de mútuo acordo as Comissões que hão de efetuar em dezembro do ano vindouro tão importantes observações.
“Apresso-me pois em assegurar a V. Excia. que me sinto animado do mais sincero desejo de cooperar para o bom êxito dos trabalhos a que se propõe o Imperial Observatório, e na primeira oportunidade irei pessoalmente entender-me com V. Excia. sobre os passos a dar desde já para que não falhem na ocasião os meios indispensáveis à realização do bem concebido plano que V. Excia. esboçou na sua carta de ontem.”2
Logo que recebeu a carta do Barão de Teffé, Cruls comunicou-se com o Imperador, em carta de 20 de dezembro de 1881:
“Tenho a honra de enviar a Vossa Majestade uma cópia da carta que enderecei ao Senhor Barão de Teffé, com objetivo de organizar, conforme plano estabelecido previamente, diversos encargos para a observação do trânsito de Vênus. O Sr. de Teffé respondeu-me de imediato, manifestando total concordância com o projeto: abaixo, Vossa Majestade lerá a resposta. – Creio que, se for bem conduzida, a operação poderá obter excelentes resultados. Serão ministradas todas as instruções e o pessoal será informado e convenientemente preparado em tempo hábil. Os pontos de observação que a Marinha deverá escolher estarão situados perto do Cabo Horn e nas Antilhas: a combinação destas duas paragens dará, pelo método das cordas, um valor da paralaxe na observação dos contatos de entrada e de saída. As lunetas a serem usadas terão de ter a mesma abertura, condição essencial para que as fases de fenômeno apresentem igual aspecto e, além disso, os observadores se porão de acordo sobre as fases análogas a registrar.”3

GOVERNO SOLICITA RECURSO EXTRAORDINÁRIO À CÂMARA DOS DEPUTADOS
Para cobrir as despesas das expedições científicas brasileiras que iriam participar da observação da passagem de Vênus pelo disco solar, em 5 de dezembro de 1882, os Ministros de Estado Bento Francisco de Paula Souza (1838-1908), da Pasta da Marinha, e Rodolfo Epifânio de Souza Dantas (1854-1901), da Pasta do Império, ambos do Gabinete de Martinho Campos (1816-1887), compareceram pessoalmente à Câmara dos Deputados, respectivamente em 27 de fevereiro e 5 de março de 1882, para solicitarem ao Parlamento dois créditos: um para o Imperial Observatório do Rio de Janeiro que se encontrava na época subordinado ao Ministro do Império, e outro para a Repartição Hidrográfica, que se achava subordinada ao Ministro da Marinha. O valor solicitado de 30.000$000 (trinta mil contos de réis) para cada uma das duas repartições deveria ser liberado a título de crédito extraordinário. Como se tratava de um valor não previsto no orçamento, era necessário que os dois recursos fossem aprovados pelo Parlamento.
Tendo em vista o interesse e empenho de Sua Majestade o Imperador, assim como a sua urgência de que o crédito extraordinário fosse aprovado em tempo hábil, que permitisse a compra dos instrumentos e acessórios, os próprios ministros da Marinha e do Império compareceram à Câmara dos Deputados, onde leram as respectivas propostas, apresentando o convite que o Brasil receberá assim como a resolução adotada pela Comissão Internacional Preparatória da Passagem de Vênus, de 9 a 13 de outubro de 1881, em Paris, da qual participara o astrônomo francês Emmanuel Liais, diretor do Imperial Observatório do Rio de Janeiro. Na justificativa que acompanhou a solicitação, além da importância científica do evento, informou-se que o governo brasileiro, através do diretor do Imperial Observatório, havia assumido o compromisso de participar da observação do trânsito de Vênus.

A PROPOSTA DO BARÃO DE TEFFÉ – 28 DE FEVEREIRO DE 1882
Durante a 21a sessão em 28 de fevereiro de 1882, estando na Presidência da Câmara dos Deputados o Sr. Martim Francisco e, encontrando-se na sala imediata o Sr. Ministro da Marinha, Bento Francisco de Paula Souza, introduzido com as formalidades de estilo, lê as duas seguintes propostas:
“Augustos e digníssimos Srs. representantes da nação.
Tendo de dar-se a 6 de dezembro do corrente ano a passagem de Vênus pelo disco solar, e tendo sido o Brasil convidado a concorrer com outras nações, para mandar observar esse fenômeno astronômico, entende o governo imperial que não pode deixar de aceitar tal convite.
O Ministério a meu cargo deve designar para esse fim pessoal idôneo e adquirir os instrumentos indispensáveis, sendo as despesas a fazer, quer com o material, quer com o pessoal, orçadas em 30:000$000.
Em vista do que acabo de expor, venho, de ordem de Sua Majestade o Imperador, submeter à vossa aprovação a seguinte:
Proposta
Art. 1o É aberto ao Ministério da Marinha um crédito extraordinário de 30:000$000, destinado às despesas que têm de ser feitas com a observação da passagem de Vênus pelo disco solar.
Art. 2o Para ocorrer a despesa decretada no artigo antecedente, o ministro e secretario de Estado dos Negócios da Fazenda é autorizado para fazer as operações de crédito que julgar convenientes.
Art. 3o São revogadas as disposições em contrário.
Palácio do Rio de Janeiro, em 28 de Fevereiro de 1882
Bento Francisco de Paula Souza.”

Seguem-se os dois ofícios de 5 e 12 de janeiro de 1882 de autoria do Barão de Teffé, na época Diretor da Repartição Hidrográfica.
“Diretoria-Geral
Rio de Janeiro, 5 de Janeiro de 1882
Ilmo. Exmo. Sr. conselheiro Dr. José Rodrigues de Lima Duarte,
Ministro de Estado dos Negócios da Marinha

Ilmo. Exmo. Sr.
Como complemento ao meu ofício relativo à observação da passagem de Vênus, do ano próximo corrente, e em vista da comunicação verbal com que V. Ex. ontem me honrou, declarando-se disposto a habilitar a repartição hidrográfica a tomar uma parte ativa na determinação da paralaxe solar; cabe-me o dever de informar a V. Ex. que a encomenda de certos instrumentos, como a equatorial, não pode ser retardada, porque em menos de oito meses dificilmente será preparada uma objetiva de 20 centímetros e construída [a] respectiva luneta com seus acessórios; igualmente a construção dos dois cronógrafos elétricos demanda muito tempo, e tenho fundadas razões para crer que nenhum fabricante poderá fornecê-los, si para adquiri-los tivermos de esperar pela aprovação do crédito especial nas duas casas do Parlamento.
A urgência do assunto força-me, pois, a rogar a V. Excia o que se digne autorizar-me a encomendar, desde já, a equatorial e os dois; cronógrafos elétricos;
Uma outra medida indispensável bom êxito dessa comissão científica, é fazer com que o oficial a quem V. Excia designar para dirigir as observações astronômicas, se entenda pessoalmente com os astrônomos que efetuaram as de 1874, consultando-os de viva voz sobre os seus processos os aperfeiçoamentos introduzidos nos seus instrumentos, e obtendo, enfim, deles próprios todas as informações que só a prática da expedição passada lhes fez adquirir.
Pelos livros não é possível formar uma idéia perfeita da disposição dos instrumentos e aparelhos fotográficos nesses observatórios de campanha, nem conhecer a infinidade de processos práticos imprescindíveis em trabalhos desse gênero.
Para a observação de um fenômeno que num intervalo superior a dois séculos só uma vez é visível no nosso continente, cumpre aproveitar os conselhos dos sábios que já o presenciaram, e isto só se consegue pelas relações pessoais dos observadores.
Uma outra vantagem de grande monta para o comissionado, seria a possibilidade de assistir ao fabrico de todas as peças dos seus instrumentos e à montagem completa dos mesmos.
Estas são as providencias mais urgentes que as atribuições do meu cargo me impõem o dever de solicitar de V. Excia.
Deus guarde a V. Excia.
Diretor-Geral,
Barão de Teffé.”


“Rio de Janeiro, 12 de Janeiro de 1882.
Ilmo. e Exmo. Sr. conselheiro

O malogro da observação da passagem de Vênus, por falta de pratica do observador, importaria não só na perda da sua própria reputação científica como em um verdadeiro fiasco para o País.
Cumpre, pois, facilitar ao oficial da Armada que for escolhido para montar o observatório das Antilhas e dirigir as observações todos os meios de habilitar-se, para o que me parece acertadíssimo passo aproximá-lo quanto antes dos astrônomos que em 1874 observaram esse fenômeno.
Montar em lugar longínquo um observatório, embora temporário, não é tarefa tão fácil como parece á primeira vista, pois da colocação dos instrumentos e disposição dos aparelhos pode depender o êxito da observação.
Eis-ai porque julgo indispensável familiarizar o chefe da expedição (como primeiro responsável pelo resultado dos trabalhos) com os processos práticos e sistema de serviço que a experiência de 1874 demonstrou serem preferíveis aos métodos anteriores.
Nesse intuito conviria nomear o oficial em quem o governo mais confiar para dirigir essa importante expedição cientifica, autorizando-o a visitar todos os observatórios astronômicos da Europa e Estados Unidos e a entrar em relações pessoais com os astrônomos que dirigiram as observações da passagem de Vênus em 1874, habilitando-o, outro sim, a fazer aquisição dos instrumentos astronômicos e de todos os mais aparelhos e acessórios necessários à instalação do um observatório temporário, no lugar que for julgado mais conveniente e vantajoso a próxima observação da passagem de Vênus.
Em ocasião oportuna se trasladaria para essa localidade, onde se lhe iriam reunir os membros da Repartição Hidrográfica, [que seriam] transportados em um navio de guerra expressamente comissionado para auxiliar tão importante observação.
Este é em largos traços o meu pensamento a respeito do assunto.

De V. Excia. respeitador criado e atento venerador
Barão de Teffé.4

A PROPOSTA DE LUIS CRULS – 7 DE MARÇO DE 1882
Na semana seguinte, no início da 25a sessão, em 7 de março de1882, estando na Presidência da Câmara dos Deputados o Sr. Martim Francisco e encontrando-se na sala imediata o Sr. Ministro dos Negócios do Império, Rodolpho E. de Souza Dantas, introduzido com as formalidades de estilo, lê as duas seguintes propostas apresentadas por ordem de Sua Majestade o Imperador:

Augustos e digníssimos senhores representantes da nação.
A 6 de dezembro próximo futuro deve verificar-se a passagem de Vênus sobre o disco do Sol.
Pela sua posição geográfica oferece o Brasil as mais favoráveis condições, a fim de levar-se a efeito à observação daquele importante fenômeno, o qual é considerado de grande alcance para a ciência astronômica.
É da maior conveniência que o Imperial Observatório, já vantajosamente conhecido, tome parte nos trabalhos que se referem á indicada observação, que vão ser empreendidos por todas as nações cultas, e aos quais se associou o governo imperial, a convite do governo da Republica Francesa.
É, portanto de indeclinável necessidade que habiliteis o governo com um crédito extraordinário, na importância de 30:000$000, orçada na tabela junta, para ocorrer as despesas que se têm de realizar com o serviço de que se trata.
Á vista do exposto, venho, de ordem de sua majestade o Imperador, submeter à vossa aprovação as seguintes:
Propostas
Art. 1o É concedido ao Ministério dos Negócios do Império um credito extraordinário de 30:000$, afim de ser aplicado nas despesas que o imperial observatório do Rio de Janeiro tem de efetuar com a observação da passagem de Vênus sobre o disco do sol.
Art. 2o Para ocorrer a essas despesas fica autorizado o ministro e secretario do Estado dos Negócios da Fazenda a realizar as operações de crédito que julgar necessárias
Art. 3o Revogam-se as disposições em contrário.
Palácio do Rio de Janeiro em 7 de Março de 1882
Rodolpho E. de Souza Dantas


Segue-se a relação das despesas previstas por Luis Cruls, diretor em exercício do Imperial Observatório, apresentadas Dr. J. J. de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque, da Terceira Diretoria da Secretaria de Estado dos Negócios do Império:
TABELA DEMONSTRATIVA DAS DESPESAS QUE SE TEM DE FAZER COM A OBSERVAÇÃO DA PASSAGEM DE VÊNUS A 6 DE SETEMBRO DO CORRENTE ANO
Compra de instrumentos ............................................................................ 14:000$000
Construção das estações, compreendendo casas para abrigar os instrumentos, pilares de alvenaria para assentar as lunetas, os colimadores, etc...........4:000$000
Concerto e modificação de alguns instrumentos já existente e compra de aparelhos e material elétrico...........................................................................................3:000$000
Transporte do material..................................................................................2:000$000
Ajudas de custo, gratificações e transporte do pessoal.......................................4:000$000
Diárias para o pessoal subalterno...................................................................1:000$000
Eventuais....................................................................................................2:000$000
Crédito preciso...........................................................................................30:000$000
3a Diretoria da Secretaria de Estado dos Negócios do Império em 7 de Março de 1882.
O diretor
Dr. J. J. de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque.”5

Com referência aos debates ocorridos entre o governo e a oposição durante a apreciação das propostas do Ministério dos Negócios do Império (Luis Cruls) e do Ministério da Marinha (Barão de Teffé), na Câmara dos Deputados e no Senado, além da transcrição dos discursos, fazemos uma análise da profundidade deste primeiro grande debate sobre a importância da ciência no Parlamento brasileiro.

DIVERGÊNCIAS ENTRE CRULS E O BARÃO DE TEFFÉ
– 1o DE MARÇO DE 1882
As relações entre o Diretor interino do Imperial Observatório e o Diretor da Repartição Hidrográfica não eram fáceis. As divergências não eram pessoais, mas de origem técnica e de procedimentos. Em carta de 1o de março de 1882, a D. Pedro II, assim se exprime Cruls:
Senhor,
Tenho a honra de remeter, anexo, a Vossa Majestade, a cópia de uma nota que enviei ao Sr. Barão de Tefé a respeito dos instrumentos que lhe são necessários, e a indicação do fabricante Grubb, de muita nomeada quanto aos grandes instrumentos de astronomia. Na nota do Sr. de Tefé havia vários pontos essenciais esquecidos ou incompletos.
Fiquei desagradavelmente surpreso ao ver hoje, no Diário Oficial6, os dois ofícios que o Sr. de Tefé dirigiu ao Ministro da Marinha, e que me fazem ver que a presteza e a boa-fé que testemunhei desde a primeira carta ao Sr. de Tefé foram inteiramente menosprezadas. Nessa carta indiquei as bases da organização que devia ser feita de comum acordo entre ele e mim: era uma garantia do êxito completo da operação; além do mais, propus formalmente que o observatório se encarregaria de fornecer e organizar a maior parte do material necessário à comissão do Sr. de Tefé: isto, tendo em vista certas dificuldades que ele não deixaria de encontrar, e em virtude da grande facilidade, para nós, de dispor de todo material, dentro dos limites do crédito de 30 contos que pedi. Quanto ao método e às técnicas de observação, minha carta estipulava igualmente que o Observatório os indicaria. A essa carta, o Sr. de Tefé me respondeu de imediato, concordando plenamente.
Em seguida a esse acordo mútuo, e ao invés de continuar pelo caminho que havíamos traçado, o Sr. de Tefé procede por conta própria, obtém uma lista de instrumentos, que felizmente ainda não me foi enviada, pois nela não se menciona o regulador ou outro modo de registro do cronógrafo, o que é indispensável, fala-se de uma luneta de ocular bicôncava para a equatorial, o que não significa nada, e esquece-se que se a equatorial está montada para latitude do Rio não pode servir em outra latitude, como a de Santiago, onde ela deve ser empregada. – Porém o mais grave, Senhor, e, em toda justiça, daquilo que me permito apresentar queixa a Vossa Majestade, são as considerações que o Sr. de Tefé expõe em seus dois ofícios de 5 e 12 de janeiro, considerações que encaro como um atentado a minha dignidade e ao meu amor próprio, que elas ferem profundamente. De fato, o Sr. de Tefé se esforça por mostrar a necessidade de se pôr em contato com os astrônomos da Europa, com o objetivo de tomar conhecimento de seus métodos, entre os quais os procedimentos fotográficos, a disposição dos instrumentos, etc., e assinalando que a falta de prática do observador redundaria num verdadeiro fiasco para o país! Rogo a Vossa Majestade que acredite que se houver um fiasco, não será no Rio, nem em Pernambuco, e que, em caso algum será demérito para o país; desde agora, fico por fiador disto. Não direi outro tanto da expedição a Cuba se, ao contrário de tudo o que eu havia suposto, o Sr. de Tefé persistir em não querer compreender que dispõe no observatório do Rio, tal como lhe disse diversas vezes, de todas as maneiras de se pôr, e ao seu pessoal, perfeitamente ao corrente de toda a operação. É aqui, e somente aqui, que ele pode adquirir os conhecimentos práticos indispensáveis à aplicação do método, excelente sob todos os títulos, do Sr. Liais, e que, habilmente empregado, dará resultados excelentes.
Sábado último, Vossa Majestade me fez compreender ser conveniente que reinasse a concórdia entre as comissões para a organização da expedição, e, ignorando ainda o envio dos dois ofícios, permiti-me responder que existia o mais perfeito acordo entre mim e o Sr. de Tefé. Hoje, Senhor, se não abandono o Sr. de Tefé e sua comissão, se continuo sempre disposto a lhe facilitar os meios de remover dificuldades e evitar pessoalmente um fiasco, é devido aos sentimentos de devotamento que sinto em relação a Vossa Majestade, que de boa vontade se interessou bastante pelo bom êxito da expedição; não fosse assim, eu me sentiria autorizado a tomar uma resolução que a conduta do Sr. de Tefé teria justificado plenamente.7


BARÃO DE TEFFÉ DECIDE NÃO PARTIR DUAS SEMANAS ANTES DA DATA PROGRAMADA – 22 DE AGOSTO DE 1882
Por ocasião da discussão no Congresso do crédito suplementar solicitado pela Marinha para a Passagem de Vênus, Costa Azevedo acionou o seu conhecimento político para impedir que a Comissão chefiada pelo Barão de Teffé fosse às Antilhas. Com efeito, a oposição de ambas as casas do Parlamento à expedição às Antilhas assumiu um caráter de agressividade jamais imaginado. No Senado, o relator do Orçamento, Ribeiro da Luz, classificou de “capricho de ricos, acusando de incapaz a Comissão apontada pelos oficiais da Marinha” e, concluindo o seu pensamento, dizia: “Os nossos caipiras de São Paulo e Minas não compreenderam os gastos supérfluos com observações astronômicas de que nada entendem”.
A campanha aceita pela imprensa oposicionista, que chegou ao extremo de classificar os colegas do Barão como “ociosos astromaníacos e por mero passatempo querem esbanjar o dinheiro público em observações de luxo”.
Na realidade, sem dúvida, como o passado havia demonstrado e o futuro iria confirmar, os oficiais da Marinha tinham competência para determinar as coordenadas geográficas de latitude e longitude com uma grande precisão – uma das bases necessárias para a determinação precisa da paralaxe, segundo processo proposto por Deslile em substituição ao método de Halley.
Desde dezembro de 1881, data do convite, até a última discussão em julho de 1882, já havia transcorrido mais da metade do tempo necessário aos preparativos da comissão, quando a oposição levantada em ambas as casas do Parlamento contra a expedição às Antilhas fez com que a verba solicitada pelo Ministério da Marinha fosse rejeitada. Em conseqüência, o Barão de Teffé, em 22 de agosto de 1882, escreveu a seguinte carta a Cruls desistindo da comissão às Antilhas:
“Neste momento me foi entregue a carta de V.Exa., datada de hoje, e na qual, comunicando-me ter sido posta uma certa quantia a sua disposição para organização completa das missões incumbidas da observação da passagem de Vênus, me pede que marque uma conferência para combinarmos nas medidas a tornar.
Em resposta cabe-me enviar-lhe as mais cordiais felicitações por haver conseguido, além da verba notada pelo Parlamento, mais a necessária quantia para a completa organização das comissões, devendo, entretanto acrescentar, que, sendo-me absolutamente impossível aceitar hoje o encargo de dirigir a expedição das Antilhas, não tem mais razão de ser qualquer conferência nesse sentido.
Como sempre estarei pronto a encontrar-me com V. Excia., cujas relações de amizade aprecio em alto grau, mas em referência à questão da passagem de Vênus lhe rogo que me faça a fineza de convidar a qualquer outro dos meus dignos camaradas.”

Ao receber a mensagem na qual o Barão de Teffé decidia abandonar a expedição às Antilhas, Cruls escreveu imediatamente, no mesmo dia, a D. Pedro II:
“Tenho a honra de remeter a Vossa majestade a carta anexa que o Sr. Barão de Tefé acaba de me enviar, há pouco, em resposta a uma carta que eu lhe dirigira esta manhã. Confesso a Vossa Majestade que após todos os contratempos que, desde o começo, embaraçaram a marcha regular da organização das missões para a observação do trânsito de Vênus, só faltava esta recusa do Sr. de Tefé para encher as medidas. Ignoro se esta recusa compreende igualmente os Srs. Calheiro da Graça e Índio [do] Brasil8, pois nesse caso, não entendo como, há somente duas semanas, quando esses senhores julgavam ter seu crédito rejeitado, vieram procurar-me, de parte do Sr. de Tefé, a fim de saber se eu ainda estava disposto a lhes emprestar os instrumentos necessários, acrescentando que faziam muita questão de participar de uma expedição a qualquer lugar, e que quanto às despesas de transporte e outras, eles se arranjariam. Porém eu lhes fiz notar que o crédito deles fora apenas adiado, e que seria preciso esperar ainda mais um pouco. – Hoje que dispomos de recursos em dinheiro bem mais que suficientes, de um navio do Estado generosamente posto à nossa disposição, enfim, de tudo o que não só nos permitirá observar no Rio e em Pernambuco, mais, além disso, de ter, como as outras nações, duas estações, uma nas Antilhas e outra para as bandas do Estreito de Magalhães, a fim de determinar o valor da paralaxe pelo método das cordas e fornecida por nossas próprias observações, hoje, enfim, que todas as dificuldades foram sanadas e nos encontramos prestes a embarcar, vemo-nos às voltas com uma recusa! Portanto, permito-me solicitar a Vossa Majestade o que fazer numa situação que, em lugar de se aclarar, só faz complicar-se ainda mais. Se o Sr. de Tefé recusa participar das observações, parece-me que o Sr. Graça é quem deve, naturalmente, ser encarregado de substituí-lo nesta missão, e que não há porque convidar um outro oficial, tão logo ele me peça fazê-lo. Em suma, Senhor, confesso que se estes senhores recusam seu concurso, eles mo deveriam ter declarado mais cedo e não no último instante. Acabo de enviar Lacaille a fim de que procure saber do Sr. Graça a explicação desse procedimento singular, o que me habilitará logo a fazer conhecer a Vossa Majestade as resoluções que terei tomado; pois sou da opinião que, de forma alguma, o programa, agora já definitivamente estabelecido, deve sofrer qualquer alteração9.

Para aqueles que pouco conhecem de astronomia, ao analisarem todo o processo ocorrido durante as decisões governamentais relativas à passagem de Vênus, assim como os debates que se seguiram, devem imaginar que faltava a D. Pedro II um conhecimento astronômico suficiente para reconhecer a importância da participação do Barão de Teffé. Acreditavam todos que Liais e Cruls e talvez o Pereira Reis fossem as maiores autoridades em determinação de posições geográficas. A insistência de D. Pedro na participação de Teffé se justificava, sem dúvida, em virtude do bom senso que sempre orientou o Imperador nas discussões nas quais tinha de funcionar como um poder moderador e conciliador, como foi no caso da Questão do Meridiano. Sem dúvida, o Imperador deve ter recebido o livro sobre levantamento hidrográfico da costa brasileira do Almirante Mouchez (cujo exemplar se encontra no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro com dedicatória do Mouchez), que o Imperador pelo menos folheou, tendo compreendido o fundamento das críticas de Mouchez ali consignadas com relação ao Imperial Observatório, assim como também deve ter acompanhado as comunicações feitas Comptes Rendus da Academia, onde Mouchez fazia retificações às determinações de longitude do Imperial Observatório realizadas por d’Ávila e confirmadas por Liais. Só depois da presença da comissão norte-americana, por volta de 1880, o erro foi constatado, graças ao cabo submarino, confirmando o valor da longitude determinada por Mouchez. Depois desta inquestionável determinação, o valor das coordenadas impostas por Liais ao Bureau de Longitudes e publicadas anualmente nas efemérides francesas foram retificadas. Foi o começo do fim da administração de Liais.
Por essas razões, foi fundamental a participação do Barão de Teffé na Missão da Passagem de Vênus. Quando o Barão de Teffé sugeria o uso da fotografia e o contato com outros astrônomos da Europa – o que foi visto pela oposição no Parlamento como um sinal de fraqueza – era na realidade uma crítica velada e típica da personalidade firme, mas diplomática do Barão de Teffé, que conhecia seguramente o julgamento que Mouchez fazia dos nossos astrônomos o que foi usado maldosamente pelo engenheiro Francisco Bhering, professor da Escola Politécnica, alguns anos depois da morte de Mouchez, para denegrir a imagem de Cruls e o próprio Imperial Observatório.
Compreendendo a importância da presença de Teffé na Comissão da passagem de Vênus, o Imperador insistiu que permanecesse no comando da missão as Antilhas, como reconheceu posteriormente o Barão de Teffé ao afirmar que só não abandonou a missão em virtude da solicitação insistente de D. Pedro II por quem tinha profunda admiração, respeito e obediência.
A desistência da viagem às Antilhas teria desorganizado completamente o esquema de colaboração brasileira que devia ser executado na Patagônia e na Ilha de São Tomás. Se não fosse o auxílio oportuno de alguns capitalistas da época, que concorreram com importantes donativos para os gastos da comissão, em particular a oferta da empresa norte-americana Roach & Son, que se ofereceu para transportar gratuitamente os astrônomos e técnicos, bem como todos os equipamentos até São Thomas, o Brasil não teria ido às Antilhas.
Felizmente, foi possível contar com o apoio de D. Pedro II, o mais decidido protetor da ciência, que encabeçou, com uma ponderável quantia, dez mil contos de réis, uma lista de donativos, no que foi seguido por vários capitalistas. Com este apoio a Comissão de São Thomas foi organizada, com a necessária rapidez, e o Barão de Teffé e os auxiliares partiram a tempo com destino às Antilhas.

MEIOS DE TRANSPORTE – 28 DE SETEMBRO DE 1882
Após o término do longo debate no Parlamento e na Imprensa, o Governo Imperial resolveu que a comissão que iria observar o trânsito de Vênus pelo disco do Sol fosse transportada por um dos vasos de guerra da Armada. Foi escolhido para esta missão o Cruzador Parnahyba, que se encontrava no Porto de Buenos Aires. Por ordens do governo, após a conclusão da sua incumbência naquele porto, apressou sua partida, retornando ao Rio de Janeiro.

Cruzador Parnahyba

O Cruzador Misto Parnahyba, construído no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, segundo os planos de Trajano de Carvalho, teve a sua quilha batida em 16 de junho de 1874 e foi lançado ao mar em 18 de março de 1878. Era, portanto, um navio novo, com menos de cinco anos de uso. Em 1882, sob o comando do Capitão-de-Fragata Luiz Filipe de Saldanha da Gama, o cruzador já havia se sobressaído internacionalmente ao representar o Brasil na Exposição Continental de Buenos Aires. Foi logo após esta viagem que o Parnahyba foi incumbido de levar a bordo a Comissão encarregada de observar a passagem de Vênus pelo disco solar em Punta Arenas, Chile. Sua utilização pela comissão destinada à Patagônia se justificava tendo em vista que eventualmente, por qualquer motivo local, a missão destinada à região do Estreito de Magalhães fosse obrigada a se estabelecer em outro local, ela não poderia depender de um transporte comercial. Por outro lado, se o governo resolvesse alugar um transporte especial, as despesas inviabilizariam toda a missão. Em conseqüência, o governo imperial resolveu embarcá-la no Cruzador Misto Parnahyba – “Gazela do Mar” –, como era conhecida por sua velocidade.10
Apesar desta decisão, Cruls usando o seu conhecimento junto ao Imperador queria que a Marinha brasileira lhe colocasse à disposição um outro vaso de guerra, a Corveta Guanabara, como se deduz pela leitura da carta dirigida a D. Pedro II, em 28 de setembro de 1882:
“Agradeço a Vossa Majestade as informações que teve a bondade de me comunicar a respeito do cometa atual e de 1843, e que mostram que estava correta a minha opinião sobre o último.
A respeito da missão de Puntas Arenas, que estará pronta para partir dentro de quinze dias, permito-me chamar a atenção de Vossa Majestade para um ponto de extrema importância. Conforme o parecer de várias pessoas autorizadas, notadamente o Sr. Comandante Saldanha da Gama, a Corveta11 Parnahyba não apresenta condições vantajosas, quanto à tonelagem e o espaço disponível a bordo, para satisfazer às necessidades da expedição, ao passo que a Guanabara, bem mais espaçosa, serviria perfeitamente para os objetivos propostos. Caso esta última corveta pudesse ser escolhida, o Sr. Saldanha da Gama poderia assumir o comando da mesma, ajuntando-se-lhe, de acordo com seu mais legítimo desejo, os oficiais e demais membros da equipagem atualmente sob suas ordens.
Quanto à escassez de espaço a bordo da Parnaíba, o fato é evidente. Somente quanto ao caso dos cronômetros, que serão em número de quinze12, ficar-se-ia embaraçado para lhes encontrar um local adequado. Não menciono aqui outros inconvenientes; um deles, entretanto, merece ser assinalado, e é relativo às coleções bastante numerosas que poderão ser recolhidas durante o período da missão em terra, e que talvez venham a precisar de preparativos para as quais se utilizaria a viagem de volta, se, bem entendido, se dispuser, para tal fim, de compartimentos indispensáveis; senão, seremos talvez obrigados a pôr tudo misturado nos caixotes, no porão.
Em suma, Senhor, permito-me solicitar a atenção de Vossa Majestade para a vantagem que haveria em designar para a missão do Estreito de Magalhães a corveta Guanabara em vez da Parnahyba.13

A Corveta Encouraçada Guanabara, construída no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, segundo os planos de Napoleão Level e máquina de Matos e Braconnot, foi o primeiro navio a ostentar esse nome em homenagem a baía do Rio de Janeiro. Teve sua quilha batida em 14 de março de 1863, tendo sido lançada ao mar em 21 de março de 1867. Ainda neste mesmo ano, foi incorporada e submetida a Mostra de Armamento. Naquela ocasião, assumiu o comando o Capitão-Tenente Antônio Luiz von Hoonholtz (futuro Barão de Teffé), nomeado pelo Aviso de 29 de março de 1867. Em 19 de novembro de 1879, partiu do Rio de Janeiro sob o comando do Capitão-de-Fragata Júlio César de Noronha, empreendendo aquela que veio a ser a primeira viagem de circunavegação realizada por um navio de guerra brasileiro. Durante a viagem escalou em Lisboa, Toulon, Malta, Suez, Aden, Gales, Singapura, Hong Kong, Nagasaki, Yokohama, San Francisco, Acapulco, Valparaiso, Port Otway, Punta Arenas e Montevidéu. Retornou ao Rio de Janeiro em 24 de janeiro de 1881. Nessa viagem também transportou o Chefe-de-Divisão Artur Silveira da Mota (Barão de Jaceguai), nomeado ministro plenipotenciário em missão especial a China. Em homenagem ao Capitão-de-Fragata Manuel Antônio Vital de Oliveira, morto na Guerra do Paraguai, este navio foi rebatizado com o nome de Corveta Encouraçada Vital de Oliveira.14

CARACTERÍSTICAS DOS NAVIOS A SEREM UTILIZADOS NA MISSÃO A PUNTA ARENAS
CARACTERÍSTICAS PARNAHYBA GUANABARA (VITAL DE OLIVEIRA)
DESLOCAMENTO 472 toneladas 1.424 toneladas
DIMENSÕES 52,50 m de comprimento, 8,93 m de boca e 3,50 m de calado. 66,66 m de comprimento, 11,22 m de boca e 4,15 m de calado.
BLINDAGEM ? ?
PROPULSÃO Vapor; máquina a vapor de 150 hp, acoplado a um hélice. Máquinas alternativas a vapor Matos e Braconnot, gerando 200 hp.
VELOCIDADE Máxima de 13 nós. Máxima de 8.5 nós.
RAIO DE AÇÃO ? ?
ARMAMENTO 1 canhão Whitworth de 32 calibres, 4 canhões de 9 calibres. 8 canhões Whitworth de 32 cal. e 2 canhões de 9 cal. e 1 canhão de 2.5 cal.
TRIPULAÇÃO ? 273 a 300 homens.

Apesar das considerações de Cruls, a embarcação utilizada foi o Parnahyba, que era um navio seguro, de boa marcha a vapor e regulares qualidades a vela. Por essa razão, justificava a preferência do Governo pelo mesmo. Embora não fosse um navio com espaço confortável para acomodar o pessoal civil e não possuísse condições que permitissem o transporte da carga de maior porte, suas características de navegabilidade eram seguras. Se fosse escolhido o Guanabara, como sugeriu Cruls ao Imperador, ou outro qualquer navio de maior porte, tripulado por pessoal mais numeroso, o orçamento da missão seria inevitavelmente mais onerado com despesas de viagem que nada contribuiriam para o sucesso científico da expedição.
O transporte da Comissão às Antilhas foi realizado graças à cortesia da empresa norte-americana Roach & Son, que havia se oferecido para fazer o transporte da carga e de todos os membros da expedição, no navio cargueiro Cyphrenes, até a Ilha de São Tomás.


Acervo do SDM


PRESTAÇÃO DE CONTAS – 16 DE OUTUBRO DE 1882
Em 16 de outubro de 1882, Cruls escreve a D. Pedro II justificando as despesas efetuadas até aquela data:
“Tenho a honra de enviar a Vossa Majestade o quadro justificativo anexo das despesas feitas até o dia de hoje para a organização das diversas missões encarregadas, da observação da passagem de Vênus. Assim, como Vossa Majestade poderá ver, gastei a soma total de 36:954$000, e já recebi do tesouro 42:000$000, são trinta contos, montante do crédito 7:050$000 aprovado, e doze contos, montante de uma doação. Ainda não recebi os dez contos que tenho solicitado há alguns dias. Ainda que tenha ainda em caixa cerca de cinco contos, acredito prudente pedir dez contos, não somente em virtude das diversas faturas ainda não pagas, que podem subir a dois contos, mas para prever toda eventualidade, e notadamente para ter já fundos em reserva para cobrar os gastos de publicações. Por outro lado, na missão de Punta Arenas não figuram dois oficiais de Marinha que me serviram de ajudantes, nem os gastos para a instalação do observatório sobre os longos de observação.
Não acredite, senhor, que os diversos algarismos que figuram para as despesas do pessoal e de material possam ser consideradas exageradas, e creio, em consciência, ter procedido de todas as maneiras em defesa do interesse do Tesouro e justificar a confiança que Vossa Majestade tem depositado em mim, ao me encarregar da organização de todas as missões.”15

JUSTIFICATIVA DAS DESPESAS EFETUADAS ATÉ O DIA 13 DE OUTUBRO DE 1882
COM A ORGANIZAÇÃO DAS MISSÕES PARA A PASSAGEM DE VÊNUS
RIO DE JANEIRO PERNAMBUCO S. THOMÁS PUNTA ARENAS
Jacques:
1:000$000 Lacaille:
2:000$000 Teffé:
2:500$000 Moreira (mecânico)
1:000$000
Rodocanachi:
1:000$000 Louzada:
1:000$000 Graça:
1:500$000 Rumbelsperger
1:500$000
Mecânico:
800$000 Índio:
1:500$000 Uma pêndula
700$:000
Três passagens de ida e volta
450$000 Fornecido ao Barão de Teffé para despesas extras 4:000$000 Dois cronômetros 800$000
Dois cronômetros 800$000 Objetiva Bardon: 500$000 Um aparelho de fotografia 400$000
Valor fornecido a Lacaille para despesas durante a expedição
3:000$000 Objetiva Bardon 500$000

Um cronógrafo Bréguet
400$000
Total:
2:400$000 Total
7:650$000 Total
10:000$000 Total
4:900$000


RECAPITULAÇÃO:
Rio de Janeiro..............................................................................................2:400$000
Pernambuco................................................................................................7:650$000
S. Tomás.................................................................................................. 10:000$000
Punta Arenas.............................................................................................. 4:900$000
Total parcial...............................................................................................24:940$000
14 Telegramas a Liais, Evrard, Bardon, Brunner, Bréguet, Repsold, Fiedr (com 12 respostas pagas)........................................................................................................2:456$000
Material compreendendo: barracas, três equatoriais com montagens paraláticas, duas lunetas de 12cm e montagens, pilhas elétricas, e diversos instrumentos de meteorologia, e etc.............................................................................................................9:559$000
Total parcial...............................................................................................11:995$000
Total.........................................................................................................36:945$000
Recebido do Tesouro ................................................................................42:000$000
Despesas totais até hoje (13 de outubro de 1882) ....................................... 36:945$000
Em caixa................................................................................................... 5:055$000
Nota: a última doação de 10:000$000 não foi ainda recebida no Tesouro até a data deste dia, 13 de outubro de 1882.
Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1882
Ass. L. Cruls

QUADRO COMPARATIVO ENTRE AS DESPESAS DO BRASIL COM OS ESTADOS UNIDOS*
PAÍS ANO CHEFES NO DE MISSÕES Crédito do Congresso
EUA 1874 Newcom 8 U$ 177.000 – Instrumentos e despesas de viagens
EUA 1882 Newcomb Asaph Hall 8+1 (*) U$ 10.000 – Instrumentos
U$ 75.000 – Despesas de viagens
BRASIL 1882 Cruls 3+1(*) U$ 84.000
* As estações extras referem-se aos observatórios de Washington e Rio de Janeiro.


UMA IRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA – 18 DE OUTUBRO DE 1882
Dois dias depois da prestação de contas, Cruls retornou a D. Pedro II sugerindo a existência de irregularidades administrativas:
“Tendo sido informado de que o Ministério da Marinha quer ser embolsado pelo do Império em uma soma superior a 10.000$000, montante que corresponde a ajuda de custos e gratificações pagas ao pessoal da Comissão das Antilhas, julguei ser meu dever, para salvar minha responsabilidade, enviar ao ministro do Império uma tabela justificativa das despesas efetuadas e das que restam a fazer para a organização das diversas comissões. Nesse quadro figuram as gratificações recebidas pelo Sr. de Teffé e seus dois auxiliares e cujas cifras foram fixadas de comum acordo com eles. Devo, assim, protestar contra o reembolso a ser feito pelo Império à Marinha do montante de outras gratificações outorgadas por este último ministério. Esta circunstância, conhecida de modo fortuito, explica-me agora as recomendações que Vossa Majestade teve a bondade de me fazer a respeito das despesas e demonstrará a Vossa Majestade que estou inteiramente alheio a um fato que por sua própria natureza é mais do que uma irregularidade administrativa.
Recebi anteontem a visita da comissão americana dos Estados Unidos, que vai observar a passagem de Vênus ao sul de Santa Cruz, entre esse ponto e o cabo das Virgens, à entrada do Estreito de Magalhães; o chefe é o Tenente Samuel Very, da Marinha de Guerra. Minha partida se dará, o mais tardar, a 25 do corrente; espero chegar ao destino entre 10 e 12 de novembro e estar completamente instalado no dia 20. Restar-me-á então tempo suficiente para as observações preliminares da hora local, as quais, bem como as da longitude, serão muito facilitadas pela vizinhança de uma comissão alemã com a qual poderemos fazer intercâmbio de comparações cronométricas.”16
Os gastos para a organização das comissões só foram votados em julho de 1882.

COMISSÃO DE SÃO TOMÁS, ANTILHAS
A comissão brasileira de São Tomás foi assim constituída: chefe: Barão de Teffé, capitão-de-mar-e-guerra; membros: Francisco Calheiros da Graça, capitão-tenente e Arthur Índio do Brasil, primeiro-tenente; auxiliares: Barros Lobo, guardião da Armada, João Gonçalves, marinheiro.
Foram os seguintes instrumentos levados a São Tomás pela expedição: uma equatorial de 16cm de abertura e 2,20m de distância focal para ser montada sobre pilar de alvenaria; uma outra de 11,5cm, montada sobre coluna de ferro e com todos os movimentos; uma luneta de 10,5cm, com pé paralático, para ser montada sobre pilar; uma luneta meridiana de Brunner; um círculo meridiano de Brunner; uma pêndula sideral de Moulleron; um cronógrafo elétrico plano, sistema Liais; duas baterias Leclanche e uma Daniel com um rolo de fio e isoladores; um teodolito Lorieux Père, modelo grande, com respectivo pé; um teodolito de Cazella; um micrômetro de Lugeol; duas agulhas prismáticas; um barômetro Fortin; dois barômetros de Bôhne; dois sextantes Througton de 10 segundos; dois horizontes artificiais de mercúrio; quatro cronômetros John Poole e Dent, sendo um sideral; dois termômetros padrões e dois ordinários; um higrômetro de Daniel; dois psicrômetros de August; dois higrômetros de Saussure; dois anemômetros; um termômetro de máxima e mínima; um pluviômetro; uma esfera celeste; um evaporômetro; uma luneta para colimador; e uma objetiva e mira para o colimador oposto.
Todo esse material, exceto o da grande equatorial, que não pudera ficar pronta a tempo, foi acondicionado de modo que os instrumentos ocuparam 35 caixas e as tábuas e demais peças componentes do pavilhão do observatório ocuparam 38 volumes.

ABANDONO DA FOTOGRAFIA
Mesmo após a insistente posição de Cruls para que se usasse unicamente o processo da projeção sobre um écran, aplicado por Emmanuel Liais na passagem de Mercúrio de 1878 – um dos motivos da divergência entre o astrônomo belga e o engenheiro hidrógrafo –, este último continuou interessado na aplicação da fotografia à observação do trânsito, como se deduz da referência que faz em seu relatório final, no qual relata a sua viagem à Ilha de São Tomás, assim como todos os detalhes da instalação do observatório e do que ocorreu no dia do trânsito.17
Após falar rapidamente da divergência entre os paises que tomaram parte na campanha astronômica de 1874, que utilizaram a fotografia com relativo sucesso. Como o processo fotográfico empregado pelos astrônomos europeus não dera resultados satisfatórios, em conseqüência prevaleceu entre eles a opinião de ser preferível a visão direta, enquanto entre os norte-americanos a fotografia continuou constituindo um processo que não deveria ser abandonado, tendo em vista principalmente os últimos avanços em particular o uso da emulsão sensível seca. No entanto, convém assinalar que várias ou quase todas as missões não americanas que participaram da campanha de 1882 usaram a fotografia no registro do trânsito.
Apesar da oposição de Cruls, o Barão de Teffé conseguiu por intermédio do nosso Cônsul-Geral, o ilustre Dr. Salvador de Mendonça, uma proposta do notável professor Draper, “de fornecer-me gratuitamente” um gabinete fotográfico, pagando o Brasil apenas o honorário e passagens do fotógrafo por ele indicado. Não há dúvida por esta nota abaixo que era sua intenção usar a fotografia:18
“Infelizmente, poucos dias depois de tão generoso oferecimento que revela a plena confiança daquele professor no êxito completo dos seus magníficos processos”, relata o Barão,” falecia ele em New York de uma rápida e cruel enfermidade!”
Realmente, o astrônomo norte-americano Henry Draper, um dos principais pioneiros da aplicação da fotografia à Astronomia, em particular à espectroscopia estelar, faleceu em 20 de novembro de 1882.
“Entre nós” escreveu o Barão de Teffé, “o sistema adotado foi o das projeções, e na minha equatorial de 16 centímetros a imagem projetada sobre o papel albuminado do écran, no qual destacava-se com toda a nitidez o granulado do Sol, permitiu-me observar a passagem dando ao planeta o diâmetro de 7 milímetros, sem afetar o contorno do disco que se desenhava perfeitamente cortado, assim como a parte visível do limbo do Sol, que mostrava-se como uma curva contínua e sem as desagradáveis tremulações e irradiações que tanto fatigam a vista e tornam incertos os momentos precisos dos contactos pela visão direta.”
Após este relato, o barão concluiu, finalmente, com uma certa ironia:
“Os resultados finais demonstrarão se fomos bem inspirados na escolha do método”.

VIAGEM
Às 10 horas da manhã do dia 22 de setembro de 1882, achando-se já a bordo todos os volumes anteriormente citados, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Barão de Teffé, chefe da comissão, o Capitão-Tenente Francisco Calheiros da Graça e os dois auxiliares embarcaram no Cyphrenes, navio cargueiro da empresa norte-americana Roach & Son, que havia se oferecido para fazer o transporte da carga e de todos os membros da expedição até a ilha de São Tomás.
O Tenente Índio do Brasil foi obrigado a ficar no Rio, para guardar a chegada da objetiva de 16 cm, encomendada à firma Bardon, em Paris. Depois de montada a objetiva no seu tubo, Índio do Brasil embarcou em outro navio a luneta equatorial, levando-o consigo.
Ao meio-dia, foi dada a partida, em condições atmosféricas excelentes. O Cyphrenes já possuía, em seus porões, 32 mil sacos de café, além de outros volumes de gêneros diversos. Como a arqueação deste cargueiro era de 1400 toneladas, ao suportar um peso de 1822 toneladas somente de café, o resultado foi que o casco mergulhou uns 20 centímetros acima da linha d’ água normal. Em tais condições, qualquer temporal colocaria o navio em perigo e, em circunstâncias normais, a sua marcha seria retardada, mas infelizmente não havia outro vapor antes de um mês e o tempo era curto. No dia seguinte ao da partida, a velocidade do Cyphrenes não era animadora, pois oscilava entre sete e oito milhas horárias, o que causou apreensão à Comissão que tinha pressa em chegar ao seu destino, principalmente por causa da alimentação pouco apetitosa e às más acomodações do navio, mesmo considerando a gratuidade que a empresa norte-americana ofereceu ao transporte do equipamento e do pessoal da Comissão.
O fato mais digno de nota que absorveu a atenção da comissão e principalmente do seu chefe – Barão de Teffé – foi a aparição em toda a madrugada do cometa Cruls, considerado entre eles um dos mais soberbos que tinham observado nos últimos tempos.
Às 14h30min do dia 29 de setembro, o vapor Cyphrenes deixou o ancoradouro do Lamarão, no porto de Pernambuco. Navegando sempre em condições favoráveis, passou, às 17 horas do dia 2 de outubro, pela Ilha de Sant’Ana e,como o tempo estivesse nublado, mal se podia ver a sombra da ilha. Mantendo-se a noite bastante cerrada, com vento do nordeste e mar crespo, seguiu o Cyphrenes, sem mudar de rumo, em direção do Farol de Itacolomy que se conseguiu avistar às 20 horas. Nas condições do navio, podia talvez qualificar-se como uma temeridade afrontar a entrada de um porto mal iluminado em noite tão escura e debaixo de forte vento, sobretudo tratando-se de uma barra contra a qual interesses inconfessáveis não cessam de espalhar os mais aterradores boatos. No entanto, o Comandante Krogh, que apenas entrara ali uma vez, investiu afoitamente pelo canal formado pela Coroa Grande e banco do meio, e manejou sem menor novidade em busca do péssimo Farolete de São Marcos, onde fundeou às 23 horas.
Durante a noite, o navio foi mantido perfeitamente no ancoradouro externo de São Marcos. Às 6 horas da manhã de 3 de outubro, levantou ferro seguindo com pouco vapor e fundeou, duas horas depois, no ancoradouro de Eira. Esse fato é um eloqüente protesto contra as informações apaixonadas e inexatas que, em representações enviadas ao Governo e ao Parlamento, afirmavam que era impossível aos grandes vapores aproximarem-se da entrada do Porto de São Luiz do Maranhão.
No dia 7 de outubro, logo após o Cyphrenes ter partido do Pará, cujas terras e farol já não eram mais visíveis, navegava felizmente com pouco vento e mar de pequenas vagas em demanda de São Tomás, quando repentinamente foi sentido um choque brusco ao qual seguiu-se um movimento oscilatório do navio, que batera e encalhara sobre um banco de areia, inclinando-se logo para estibordo e começando a ser levado pelas ondas que vinham quebrar-se no costado do barlavento.
O fato de haver poucos passageiros a bordo, onde se incluía a esposa e um filho de seis anos do Barão de Teffé, facilitou a calma com que foi encarado o perigo e a boa ordem reinante que sempre imperou durante as manobras para safar o navio dessa posição crítica. Não obstante a calma reinante, os coletes de cortiça foram distribuídos e aprontados os botes salva-vidas para receber os passageiros em caso de naufrágio. Felizmente conseguiu o Comandante Krogh escapar do naufrágio iminente, pois seria irremediável se, por mais algumas horas, continuassem as pancadas sobre o barco.
Nos dias 8 e 9 de outubro, o mar conservou-se calmo, o tempo claro e o vento de nordeste regular. A cor das águas, de um verde claro transparente, dava idéia de tranqüilidade à viagem.
Ao cair da tarde, sobrevieram os aguaceiros típicos do nordeste, porém mesmo sem a ajuda do vento, já ao meio-dia, o Cyphrenes tinha vencido, nas últimas 24 horas, a distância de 290 milhas, o que demonstrava a existência de uma corrente favorável com 3 milhas por hora.
No dia 10 de outubro, ao amanhecer, o navio já havia atravessado a zona das águas verdes, um verdadeiro rio caudaloso que corre do Golfo de Guiné para o México, dividindo-se em ramificações que se encaminham pelo sul das Antilhas.
Às 8 horas da manhã de 12 de outubro, foi vista a Ilha de Santa Luzia e, às 9h30min, apareceu por estibordo a Martinica.
O vento continuava a soprar fresco do Nordeste, acompanhado de freqüentes aguaceiros; o mar, porém, estava tranqüilo e ainda conservava a cor azul notável em pleno oceano, mais notável pela proximidade em que estavam da ilha; este fenômeno se explica em virtude da imensa profundidade do Mar das Antilhas.
Este extenso arquipélago não é formado pelas saliências de um grande plateau, mas se apresentava como um conjunto de finas agulhas que se elevam em forma bizarra de um fundo imenso, parecendo gigantescos colares com milhares de metros de altura.
Ao meio-dia, o navio passou entre as duas ilhas, navegando em direção à Ilha de Santa Cruz que dista 45 milhas ao Sul de São Tomás.
Embora os barômetros e termômetros de bordo não acusassem uma próxima mudança nas condições atmosféricas, o Comandante Krogh, velho e experimentado navegador daqueles mares, achou alguma coisa que não lhe agradava no aspecto do céu e nas cores do horizonte que de quando em quando se tomava visível através das nuvens, nos intervalos dos aguaceiros. Na sua opinião, tinha havido recentemente algum ciclone naquela região.
Como não excedia a 360 milhas a distância a transpor até São Tomás, ficaram todos mais tranqüilos, pois deveriam chegar ao porto de destino no dia 13 de outubro, à meia-noite ou no dia seguinte de madrugada, antes de desabar o furacão que sempre se anunciava com alguns dias de antecedência.
Durante a sexta-feira, 13 de outubro, o tempo esteve bom pela manhã e depois sobrevieram aguaceiros, o céu tomou-se ameaçador e à tarde caiu uma das mais fortes chuvas com trovoadas já presenciadas.
Às 2 horas da madrugada de sábado, o forte temporal obrigou o comandante a parar o Cyphrenes até as 8 horas da manhã. Logo após, como o tempo melhorara, entraram no porto de São Tomás.
Em 14 de outubro, ao desembarcar, a missão brasileira teve notícia de que Eduardo Moron, vice-cônsul do Brasil e filho do nosso Cônsul Jacob Moron, havia sido acometido de grave enfermidade. A expedição ficou instalada no Hotel Comércio, o melhor da cidade de Carlota Amália.
Os grandes volumes do material do observatório foram transportados e acondicionados em um armazém apropriado, serviço este que esteve afeto aos cuidados de Moron e Calheiros da Graça. Durante o dia da chegada, o calor foi intenso, apesar do termômetro não ter ultrapassado os 29 graus centígrados e o barômetro marcava entre 761 e 763. À noite, porém, recomeçaram os aguaceiros. Nos dias subseqüentes, 15 e 16 de outubro, os aguaceiros continuaram intermitentes com fortes trovoadas, oscilando o barômetro entre 761 e 763 e o termômetro continuava sem ultrapassar os 29 graus centígrados.
Em 16 de outubro, quando já estava a expedição em terra, a desconfiança manifestada pelo Comandante Krogh, quatro dias antes, veio a se confirmar, pois terríveis ciclones cruzaram o Mar das Antilhas, devastando as plantações de tabaco de Vuelta-Abajo, as mais preciosas da Ilha de Cuba, e ocasionando muitos naufrágios no trajeto pelo sul das Barbadas.

INSTALAÇÃO DO OBSERVATÓRIO
Na madrugada do dia 17, o Barão de Teffé e o Cônsul Moron saíram em uma excursão pelas montanhas que cercam a cidade de Carlota Amália, a fim de procurar um sítio conveniente à instalação do observatório. À tarde e no dia seguinte, continuaram as explorações e, depois de haver percorrido toda a ilha, foi escolhido um belíssimo planalto a 245 metros de altura que constitui o cume do morro denominado Ma Folie. Deste morro, avistava-se a cidade e o porto assim como a barra e uma grande extensão do Mar das Antilhas. Nesta excelente posição, a melhor de toda a Ilha de São Tomás para observação astronômica, foi escolhida uma planície coberta de grama com alguns rochedos de pouca altura.
No lugar conveniente, foi aberto um grande poço de 4m x 2,5m até encontrarem rocha viva a 1,18m de profundidade.
Estes trabalhos preliminares para levantamento do pilar da meridiana começaram na quinta-feira, 19 de outubro, e nesse mesmo dia a comissão brasileira instalou-se nos aposentos alugados ao proprietário do terreno, o alemão Stunckler, cuja residência ficava a 200m do local escolhido.
Três dificuldades quase que obrigaram ao Barão de Teffé a abandonar o sítio escolhido: a primeira foi conseguir operários que se sujeitassem a comparecer cedo ao trabalho em virtude da altura e do péssimo estado do caminho que tinham que percorrer; a segunda, a custosa condução dos materiais e, finalmente, o arriscado transporte dos instrumentos.
A boa vontade, porém, do vice-cônsul, por uma parte, e o argumento irresistível dos patagões mexicanos, por outra, contornaram felizmente as dificuldades, e foram transportados para o alto do Ma Folie os 78 volumes trazidos do Rio de Janeiro, e ainda os materiais preciosos para a construção do observatório no lombo de mulas e jumentos.
Uma das melhores fontes sobre o observatório de São Tomás é o artigo “Passagem de Vênus sobre o disco do Sol”, publicado no jornal St. Thomáz Fidende, em 2 de dezembro de 1882, no qual se relatava e descrevia detalhadamente o observatório brasileiro e suas finalidades. Seu objetivo era esclarecer o público, que freqüentemente visitava as suas instalações, a finalidade da missão destinada à observação da passagem de Vênus com o objetivo de determinar a distância da Terra ao Sol. Graças à observação do jornal, é possível visualizar como se distribuíam os pavilhões de madeira assim como os instrumentos que se encontravam em seus interiores.
No centro da esplanada, elevou-se um prédio de madeira de 9,7m x 4m que abrigava os principais instrumentos de observação. Na parte leste, foi montada a luneta meridiana, num pilar isolado por um fosso. Este instrumento assumiu papel principal em todas as observações preliminares e nas que se seguiram à observação do trânsito. Sua finalidade era determinar com todo o rigor a hora precisa com a qual era possível acompanhar a marcha dos cronômetros.
Na parte externa desse prédio, na direção do plano meridiano, foram edificadas três miras sobre três pilares, nos quais foram assentados os colimadores reticulados, um do lado sul e o outro lado norte. Sobre o pilar mais próximo, fixou-se a lente de 13 metros de distância focal e sobre o segundo mais afastado do primeiro, de uma distância igual, fixou-se a terceira mira. Estes três pontos materializavam o plano meridiano que serviria para a determinação das constantes da luneta meridiana.
Os instantes dos contatos foram registrados por um cronógrafo elétrico concebido por Emmanuel Liais, quando diretor do Imperial Observatório. Uma corrente elétrica, convenientemente aplicada, fazia a transmissão dos sinais de segundos de tempo da pêndula sideral para o cronógrafo, que por meio de um lápis registrava sobre uma espiral gravada em um papel albuminado. Um outro lápis imprimia os sinais dos instantes das observações no mesmo traço em espiral com aproximação de um centésimo de segundo. Além da pêndula sideral, existiam ainda no observatório mais cinco cronômetros, sendo um sideral e os outros médios.
Na parte oeste deste pavilhão central que ocupava considerável espaço, foi instalada a grande equatorial que tinha chegado recentemente do Rio de Janeiro e na qual o Barão de Teffé observou a passagem de Vênus. Sua objetiva de 16,5 centímetros de abertura, adquirida em Paris por 1.000 dólares, dava uma imagem muito nítida do Sol.
O tubo desta luneta equatorial que media 3 metros de um extremo ao outro foi montado sobre um eixo cujas extremidades pousavam sobre dois pilares de alturas diferentes. A inclinação deste eixo igual à latitude do lugar, na realidade paralela ao eixo da Terra, permitia que a luneta fosse apontada para qualquer parte do céu, como ocorre em qualquer montagem equatorial. Infelizmente, sua ação ficou limitada em virtude da abertura da cúpula estar restrita ao arco que iria descrever o Sol no dia 6 de dezembro, no momento do trânsito de Vênus. Neste pavilhão, foram instalados todos os instrumentos meteorológicos destinados às observações meteorológicas diárias da Comissão durante sua permanência na ilha, como, por exemplo, os termômetros simples e os de máximos e mínimos, os barômetros aneróides e os Fortin, os higrômetros de Saussure e de Daniel, os psicrômetros e os evaporômetros. Também fora do pavilhão estavam o pluviômetro, o ozonômetro e os anemômetros.
Ao lado destes pavilhões que representavam o corpo central do observatório, existiam dois outros de dimensões menores destinados aos outros dois membros da Comissão. No pavilhão leste, onde ficou o Capitão-Tenente Calheiros da Graça, estava montando uma luneta equatorial com objetiva de 11,5 centímetros de diâmetro. Repousava sobre uma coluna de ferro de 6 pés de altura e dotada de todos os movimentos característicos. O teto do pavilhão era, como o do observatório central, aberto na parte meridional exatamente na direção do arco diurno que devia percorrer o Sol no dia do trânsito. Uma janela na face oeste permitiu a observação dos dois últimos contatos. Em frente a este pavilhão, do lado ocidental, encontrava-se a tenda destinada às observações do Tenente Índio do Brasil. Ali, foi instalada também uma luneta equatorial de 10,5cm de abertura que produzia igualmente uma nítida imagem do Sol.
Na descrição, o jornalista acentuava que a precisão buscada pela comissão brasileira para seus resultados deveria corresponder à mais completa solidez na montagem de seus instrumentos, em função dos pilares que os suportavam. O pilar, construído de tijolos e cimento, da luneta meridiana começava a 3 pés abaixo do solo, na rocha viva. Para evitar o inconveniente de que a vibração produzida no solo pelo deslocamento dos observadores fosse transmitida ao pilar e deste à luneta, o pilar estava circundado por um fosso que aumentava a sua estabilidade. Os pilares que sustentavam a lente e a mira do norte e o colimador do lado sul não tinham, como o anterior, um fosso ao redor, mas repousavam também sobre a rocha viva garantindo a imobilidade dos pontos que determinavam a direção do meridiano do observatório. Os pilares que suportavam as equatoriais desciam a 2 pés de profundidade, oferecendo a mesma desejável solidez.
Além dos instrumentos que tinham imediata aplicação às observações ligadas à passagem de Vênus, a Comissão brasileira levou instrumentos suplementares para qualquer trabalho eventual que a ocasião exigisse, como por uma luneta astronômica, um círculo meridiano Brunner, um alto azimutal Lorieux, um teodolito Casella, um micrômetro de Lugeol, agulhas prismáticas, sextantes e horizontes artificiais.
Por esta breve descrição, é fácil concluir que não foram poupados esforços nem despesas para tornar a expedição brasileira uma das mais completas e adequadas ao objetivo da sua missão.
Grande era o número de pessoas que visitava o observatório à noite atraído naturalmente pela curiosidade de verem os instrumentos e saberem como estavam instalados. Tanto o Barão de Teffé como outros membros da comissão mostravam grande cortesia e gentileza para com os visitantes, dando todas as explicações desejadas sobre o emprego de cada instrumento.
Em um segundo ofício, enviado ao ministro da Marinha, a 30 de dezembro de 1882, pois já havia sido enviado um outro a 27 de outubro dando notícias da chegada, o Barão de Teffé narra as principais ocorrências havidas naquele período. Relata, como já vimos anteriormente, as freqüentes visitas que eram realizadas no observatório, onde uma multidão de pessoas, desde as 5 horas da manhã às 11 horas da noite, esforçavam-se, diariamente, para subirem até o alto da montanha para assistirem aos trabalhos dos astrônomos brasileiros. Dentre eles devemos citar Arendrup, governador das possessões dinamarquesas; Pechüle, chefe da Comissão Astronômica da Dinamarca que se estabeleceu na Ilha de Santa Cruz; autoridades civis e militares; diplomatas estrangeiros; membros do clero católico e protestante; negociantes e famílias de São Tomás, assim como passageiros dos paquetes em trânsito que para ali eram atraídos pelo belo aspecto que oferece o conjunto das elegantes construções, levantadas no cume da pitoresca montanha apelidada – Serro D. Pedro II – e onde tremulava a Bandeira do Brasil.
Dentre os oficiais franceses da Fragata Minerve que visitaram o observatório, devemos citar o Tenente Pailhes, astrônomo que trabalhou no observatório do Bureau des Longitudes. Depois de sua visita, dirigiu ao Barão de Teffé as mais lisonjeiras felicitações pela perfeita estabilidade dos instrumentos e excelente disposição do observatório brasileiro, sem dúvida uma das mais bem montadas campanhas astronômicas de 1882.
Em seu ofício, o Barão de Teffé também mencionava a sua preocupação em relação às condições atmosféricas, pois não havia passado um só dia que não houvesse chovido desde a chegada da missão. Os aguaceiros, apesar de freqüentes no intervalo de um dia, eram felizmente de pouca duração, deixando muitas horas de tempo claro. Seu desejo era que no dia do fenômeno pudesse encontrar nessas intermitências um céu azul e Sol brilhante durante os poucos minutos que tinham de esperar para cada contacto. Não era menor a sua preocupação em relação aos tremores de terra que castigavam a ilha, pois esta já tinha sido abalada três vezes desde a chegada da expedição. Felizmente a solidez dos pilares dos instrumentos assegurava a estabilidade das mesmas. Todavia, a preocupação predominante relacionava-se à história sísmica das Antilhas, que registrava os mais terríveis cataclismos.

DIA DO TRÂNSITO
No dia 5 de dezembro, a noite estava belíssima, com a atmosfera muito límpida. Mas isso não era tranqüilizador, pois em todas as pequenas ilhas, logo após o nascer do Sol, ocorria uma grande evaporação e o tempo podia mudar muito repentinamente.
No dia 6 de dezembro, às 6 horas da manhã, quando todos já estavam em seus postos passando uma revista minuciosa nos instrumentos, apareceu o governador das possessões dinamarquesas, Arendrup, que subira a montanha para desejar feliz observação e comunicar que havia colocado um policial no início da estrada e outro, nas proximidades do observatório, com o objetivo de impedir a aproximação de curiosos.
No momento do trânsito, a distribuição do pessoal, nos vários instrumentos do observatório, permitiu manter os três grupos de observadores perfeitamente incomunicáveis.
No pavilhão central, além do Barão de Teffé que observou na equatorial de 16cm, o Vice-Cônsul do Brasil Eduardo Moron, cuidou do cronógrafo de Liais, ocupando-se em conectá-lo à pêndula sideral e à bateria, assim como dar-lhe corda. Caso fosse necessário, deveria trocar as folhas de registro. Moron muito colaborou voluntariamente com a missão na montagem do observatório e depois de alguns treinamentos ficou apto a atuar também nas observações do dia da passagem com grande desembaraço.
Ao lado do cronômetro John Poole 5218, o Marinheiro João Gonçalves contava em voz alta os segundos, serviço que já estava habituado a fazer. Sentada a uma pequena mesa, estava a esposa do Barão de Teffé, com a incumbência de anotar tudo que era ditado por seu marido.
No pavilhão do leste, Calheiros da Graça achava-se em companhia de Prospère Moron, encarregado de contar em voz alta os segundos com auxílio de um cronômetro, e o Guardião Barros Lobo que auxiliou na observação realizada com uma equatorial de 12cm de abertura.
No pavilhão do Oeste, na equatorial de 10,5cm, estava Índio do Brasil, tendo por ajudante o relojoeiro Lagarde, que se incumbiu da contagem do tempo.
Por volta das 9 horas, o Barão de Teffé colocou a grande equatorial apontada para o Sol, verificando a focalização da imagem no écran. Na superfície solar, a granulação era intensa destacando muito bem; as manchas com suas penumbras e as fáculas brilhantes projetavam-­se de uma maneira clara e definida no pequeno círculo de papel albuminado adaptado ao centro do disco do écran, sobre o qual havia traçado previamente a paralela à tangente tirada no ponto da entrada do planeta Vênus, que devia realizar-se a 145 graus do norte para leste.
Depois de ter sido determinada a focalização ideal no écran, dando para a imagem projetada do Sol um diâmetro de 49cm, foi feita uma marca no tubo da ocular que serviria de referência para qualquer eventualidade, em particular no caso de uma desfocalização involuntária. Tudo pronto, prevenidos os eventuais contratempos, o observatório todo fechado mantinha somente as trapeiras abertas. No ambiente, reinava o mais profundo silêncio, graças aos policiais que muito colaboraram para isso, impedindo o acesso dos curiosos.
Às 9h32min, o Sol, que até então se ostentava brilhante, desapareceu oculto de início, momentaneamente, por ligeiros cirrus e, em seguida, encoberto por extenso cirrus-cumulus.
Às 9h42min, devia ocorrer o primeiro contato. No céu, as nuvens tomavam-se cada vez mais espessas e lentas e, no seu trajeto, encobrindo o disco solar. A brisa diminuiu e o calor aumentou. Dentro do observatório, onde só se ouvia a voz cadenciada do marinheiro, contando os segundos junto ao cronômetro de marinha e as pancadas regulares da pêndula sideral, reproduzidas eletricamente no prato do cronógrafo de Liais. Os minutos sucediam-se e o Sol não aparecia. Nove minutos depois da hora prevista, isto é, quando o cronômetro marcava 11h13min, a nuvem deixou o disco do Sol, justamente no ponto de tangência da linha traçada previamente no centro do anteparo, uma parte do disco de Vênus, já com uma corda de cerca de 8 milímetros, segundo o relato do Barão de Teffé.
Alguns minutos depois, quando a ansiedade da espera do segundo contato de entrada era máxima, tal era a limpidez das projeções sobre o anteparo, de novo as nuvens ressurgiram interpondo-se, a princípio sob a forma de cirrus, depois gradualmente se condensavam em cumulus e nimbus compactas e ameaçadores. Tudo escureceu. Os minutos se escoavam e aquela massa de nuvens crescia até encobrir toda a abóbada celeste enegrecendo o dia que tão risonho e límpido amanhecera.
O vento do nordeste, sempre contínuo e desagradável no alto, onde se encontrava o observatório, havia parado de todo, nem uma leve aragem para afastar aquelas abomináveis nuvens de chuva.
A indignação do Barão de Teffé, pelo fato de ver quase frustradas todas as esperanças de uma glória com que tantas vezes sonhara, era tanta que contagiava os demais ao seu redor, como podemos analisar pelas suas próprias palavras:
“Eu não sei o que se passava em mim, mas parecia-me que a escuridão daquele momento era um terrível presságio; que a par do planeta Vênus se eclipsara para sempre a minha feliz estrela por traz daquelas massas sombrias. Supus tudo perdido!
A mão que segurava a haste do écran creio que tremia, e naquela aflição imensa, sentindo a aproximação da borrasca que vinha derrubar todos os meus castelos, frustrar todas as esperanças de uma glória com que eu tantas vezes sonhara depois de haver aceitado esta espinhosa comissão; ao ver todos os meus planos se esvaecerem pela interposição de uma simples nuvem, infernal evaporação que matava as minhas mais nobres aspirações, senti-me presa de uma emoção fortíssima...
As contrações nervosas deviam ter-me desfigurado muito, porque, sem que houvesse soltado uma exclamação de raiva ou desalento, sem que tivesse mesmo interrompido a contagem do tempo, ouvi no meio daquele silêncio tristonho uns soluços abafados: alguém compreendera a minha profunda dor, minha mulher deixara cair desanimada a cabeça sobre a mesa e chorava como uma criança!...”
Algum tempo depois, o Sol apareceu afinal por um momento e com ele o planeta Vênus, mas já alguns milímetros afastados do bordo do Sol. Também o segundo contato estava perdido. Achavam que tudo estava perdido. Logo que começou uma chuva fina, com rajadas de nordeste tão violentas, que transformaram em tiras a Bandeira Brasileira que pouco antes tremulava no alto do mastro ao lado do observatório.
Cessou de súbito a ventania e uma chuva torrencial despencou sobre o observatório. Desanimados Calheiros da Graça e Índio do Brasil foram ao pavilhão principal com seus auxiliares dar apoio ao Barão de Teffé que a essa altura já estava arrasado, pois não podia se conformar com a idéia de voltar ao Rio de Janeiro sem ter conseguido realizar o seu intento. Uma onda de pessimismo dominou o ambiente. Todos apresentavam com as feições abatidas pela tristeza e desânimo:
“Senti necessidade de concentrar-me e por isso sai do observatório debaixo de toda a chuva e recolhi-me à casa de residência em Ma Folie, a fim de considerar sozinho o partido a tomar dada a hipótese de não permitir o tempo a observação dos dois últimos contatos.
Não me podia conformar com a idéia de voltar ao Rio de Janeiro sem ter conseguido o fim a que me propunha. Os palradores [,] que com tanto fogo haviam combatido esta comissão das Antilhas, teriam assunto para suas reclamações no ano vindouro, e eu seria o bode expiatório!”
Os parlamentares que com tanto fogo haviam combatido esta Comissão das Antilhas teriam assunto para seus discursos. A respeito disso escreveu o Barão de Teffé:
“A lembrança do prazer e deleite mesmo que o malogro da minha missão proporcionaria aos despeitados, me punha de um péssimo humor. Com efeito, trabalhara mais de mês e meio sem descanso, a princípio exposto ao sol ardente, dirigindo os operários na edificação dos pilares para os grandes instrumentos e na construção do observatório; depois na montagem e instalação dos mesmos, aos quais foi dada estabilidade própria de um observatório permanente. Após tanto trabalho e tantos sacrifícios, de noites em claro observando as passagens meridianas de estrelas e de cálculos consecutivos, durante o dia, depois de todas estas fadigas, vieram as nuvens e a chuva, como por mero capricho da natureza inutilizando tantos esforços era, na verdade, uma decepção horrível”.
No entanto cumpria-me não desanimar, e por isso pouco antes do meio-dia preparei-me de novo para observar a passagem meridiana do Sol e planeta. Porém nada se pode ver; tudo nublado.
Meia hora depois do meio-dia começou tempo a clarear e eu aproveitei imediatamente as ocasiões favoráveis, as intermitências de Sol claro para tomar séries de passagens pelo écran (sistema Liais) a fim de determinar as posições relativas dos centros do Sol e de Vênus”.
Mas, apesar de tudo isso, não houve desânimo total e, ao meio-dia, preparavam-se todos novamente para assumir seus postos de observação.
Meia hora depois do meio-dia, o tempo começou a clarear. Foram aproveitadas imediatamente as ocasiões favoráveis para tomar a série de passagens pelo écran (sistema Liais) a fim de determinar as posições relativas dos centros do Sol e de Vênus.
Para isso, o astrônomo Calheiros da Graça colocou no écran da equatorial de 12cm o disco de papel que tinha seis círculos concêntricos, sendo o maior de 20cm de diâmetro.
Apesar da rapidez com que passaram os dois astros e da verdadeira taquigrafia, necessária para escrever somente a indicação do limbo e do círculo em que faz tangência a fim de evitar equívocos nas folhas cronográficas, foram realizadas 15 séries que seriam de grande vantagem mesmo no caso de se observar um só dos últimos contatos.
Às 3 horas da tarde, o Barão de Teffé, que estava com Calheiros da Graça, retomou ao pavilhão central, para assumir sua posição de observação. Mas de novo o desânimo tomou conta de todos. Do lado oeste e sudoeste, uma grande concentração de nimbus e cumulus que parecia destinada a inviabilizar qualquer observação era conduzida pela brisa do nordeste. Enquanto isso, a imagem do Sol no anteparo continuava límpida, notando-se a imagem de Vênus, já bem no interior do limbo da imagem solar, de forma circular perfeita, distinguindo-se bem o centro completamente negro e as bordas com o limbo bem definido. Poucos minutos antes do terceiro contato, um cirrus-cumulus encobriu outra vez o Sol, que tão brilhante se ostentava depois da chuva.
Todos estavam em seus postos desde as 3 horas da tarde. Agora era maior a ansiedade porque, perdidos os dois últimos contatos, tudo estaria perdido. O chefe da missão conta em seu relato que já não se sentia triste em ver as nuvens se aproximando lentamente, interceptando a projeção do Sol sobre o anteparo e conservarem-se quase estacionárias, sabendo que o momento crítico dos contatos finais não devia tardar. Seu espírito se revoltava contra o acaso que colocava aquela enorme massa de nuvens a pairar naquele lugar. Era o desespero em reconhecer a pequenez e impotência do homem que se acabrunhava naquele momento.
De repente surgiu um vento do nordeste, a nuvem moveu-se, passando em seguida ligeiros cirrus que já deixavam visualizar a imagem do Sol. Verificou-se que ainda não havia ocorrido o terceiro contato, faltando aproximadamente um semidiâmetro de Vênus para que o planeta alcançasse o limbo do Sol. Finalmente, o céu limpou totalmente. Ostentou-se de novo brilhante, no anteparo, o disco do Sol, e, no seu interior, o planeta ainda afastado alguns milímetros. O planeta formava um círculo perfeito com uma auréola em seu redor. Sem dúvida, poderia aparecer a gota negra, ao tomar o instante do contato da auréola com o limbo do Sol. Logo após, quando o limbo negro do planeta tocasse em um perfeito contato geométrico o bordo do Sol, seria tomado o segundo instante para o terceiro contato e, em seguida, quando o disco do planeta se separasse distintamente o filete brilhante do Sol, formando dois cornos, seria tomado o terceiro instante para este contato.
Vejamos o relato do Barão de Teffé, sobre estes últimos momentos culminantes da observação:
“Daí em diante tudo foi perfeitamente; a princípio do círculo da auréola de Vênus confundiu-se com o limbo do Sol; o qual se desenhava admiravelmente cortado e nítido.
O planeta formava um circulo perfeito, mas receando eu que repentinamente se alongasse pelo ligamento ou gota negra, tomei neste momento – o segundo que o marinheiro contava em voz alta no cronômetro J. Poole número 5218 para a 1a aparência, isto é, para o momento em que a aureola do planeta tocava o limbo do Sol.
Logo após, quando o limbo negro de Vênus tocou em perfeito contato geométrico o bordo do Sol, dei o primeiro top no cronógrafo, e em seguida, assim que vi o disco do planeta separar distintamente o filete brilhante do Sol, formando os dois cornos, calquei de novo o top para a 3a e última aparência.
As horas da pêndula sideral de Moulleron, registradas eletricamente na folha cronográfica do plateau (sistema Liais) são as seguintes, conforme a tradução feita logo depois”.

TERCEIRO CONTATO
(Horas da pêndula registradas no cronógrafo)

1a aparência: 04h28m04,28s Quando a auréola de Vênus se confundiu com o limbo do Sol.
2a aparência: 04h28m18,31s Contato geométrico perfeito, sem deformação, nem ligamento, nem gota negra.
3a aparência: 04h28m31,12s Quando os cornos do Sol se formaram, tornando distinta a separação.

O disco do Sol não acompanhou o de Vênus, alongando-se, como tem sucedido quando se observa pela visão direta; o planeta não deixou igualmente perceptível qualquer auréola ou filete luminoso da parte externa do Sol. À medida que saía, mergulhava completamente na sombra e não era possível perceber-se o mais leve vestígio que permitisse completar-se o círculo.
Pelas notícias das observações anteriores sempre julguei que a difração solar torna-se visível à parte externa do planeta, ao menos enquanto se achasse em meia projeção sobre o Sol, mas nem sequer se podia adivinhar a continuidade do disco desde que começou a sair. Não houve, portanto, aparência de atmosfera”.
À medida que Vênus saía do disco do Sol, ele mergulhava completamente na sombra e não era possível perceber o mais leve vestígio que permitisse completar o globo do planeta. Ainda havia alguns cirrus durante os 20 minutos do trânsito de Vênus, e repetiram-se as dúvidas e incertezas que tinham ocorrido antes do terceiro contato, mas felizmente na imagem projetada não havia a menor crepitação, conservando-se o Sol sempre com um brilho sereno. Quando ainda uma diminuta parte do disco mordia o Sol, foi tomado o primeiro instante para o quarto contato. Não havendo alteração alguma na imagem do Sol depois de algum tempo, foi tomado o segundo instante para o quarto contato, instante que parecia ser exatamente o contado geométrico.
Apesar de uma certa tremulação produzida pelos vapores que vinham se aproximando, foi marcado um terceiro instante quando já não podia restar dúvida de que o quarto contato se realizaria e que, como disse o Barão de Teffé, até junho de 2004 ninguém mais passaria pelas emoções que ele havia passado naquelas intermináveis seis horas de sensações fortes e desencontradas.

QUARTO CONTATO
“Ainda alguns círrus passaram, e durante os 20 minutos do trânsito do diâmetro de Vênus repetiram-se as dúvidas e incertezas que me tinham assaltado antes do 3o contato.
“Ao aproximar-se da saída o limbo oriental do planeta, o Sr. Moron, que através da trapeira acompanhava com a vista o movimento das nuvens, me perguntou: ‘Quantos minutos faltam?’ Ao que lhe respondi: ‘Cerca de seis.
– Entonces no tendrá Usted el ultimo contacto porque se aproxima una grande nube.
“Era uma notícia desoladora, porém a sorte se tornara propicia: o Sol se conservou sempre de um brilho sereno, e na imagem projetada não havia a menor crepitação.
“Quando ainda uma diminuta parte do disco ‘mordia’ o Sol, tomei o segundo contato em alta voz no cronômetro, que marcava a seguinte hora, imediatamente registrada:

HORAS DO QUARTO CONTATO
1a aparência: 05h 10m50,0s cronômetro J. Poole N. 5218 Vênus ainda aparecia como um pequeno traço negro mordendo um pouco o limbo do Sol.

“Não se tendo produzido alteração alguma na imagem do Sol, até o top no cronógrafo na ocasião em que me pareceu dar-se exatamente o contato geométrico.

CONTATO GEOMÉTRICO
Hora da pêndula: 04h48m52,35s Não se deu deformação alguma do Sol.

“Principiando em seguida uma certa tremulação pelos vapores que vinham se aproximando, marquei ainda uma terceira aparência quando já não podia restar dúvida que o último contato se realizará e que até Junho do ano 2004 ninguém mais passaria pelas emoções que eu havia sofrido nessas intermináveis 6 horas de sensações fortes e desencontradas”.
A terceira aparência foi registrada pelo top cronográfico quando a pendula sideral marcava:
3a APARÊNCIA
Hora da pêndula: 04h49m01,98s A esta hora o disco de Vênus tinha desaparecido completamente.

“Apanhado este último contato tudo mudou de aspecto, as expansões de alegria e os abraços substituíram as preocupações daquele dia tão cheio de peripécias”.19
Depois do último contato, tudo mudou de aspecto, as expansões de alegria e os abraços substituíram as preocupações daquele dia tão cheio de peripécias. Calheiros da Graça e Índio do Brasil entraram no pavilhão do Barão de Teffé, radiantes de alegria pelos bons contatos que haviam conseguido observar e, com verdadeira afeição, abraçaram-se em comemoração ao grande feito que acabavam de alcançar.
À noite, aproveitando as ocasiões de céu claro, foram observadas algumas estrelas para a determinação do estado absoluto da pêndula e cronômetros.

CARTA AO MINISTRO DA MARINHA
No dia seguinte, 7 de dezembro, como passava por São Tomás um paquete com destino ao Brasil, o Barão de Teffé apressou-se em comunicar a notícia da observação ao Ministro da Marinha, Conselheiro João Florentino Meira de Vasconcellos, nos seguintes termos:
Ilha de S. Tomás, 7 de dezembro de 1882.
“A S. Exa. Sr. Conselheiro João Florentino Meira de Vasconcellos. Ministro da Marinha – Ainda fortemente impressionado pelas emoções do dia de ontem, escrevo esta breve e rápida exposição somente para aproveitar este paquete e não deixar a V. Exa. sem notícias do sucesso que obtivemos na tão almejada observação da passagem de Vênus.
Como já tive ocasião de informar a V. Exª. é extremamente variável o estado do céu neste grupo das Antilhas, de sorte que não se pode por forma alguma contar com uma hora completa de Sol brilhante durante um dia inteiro, tantas são as nuvens que se formam desde pela manhã a mui pequena altura, e tão repetidos são os aguaceiros.
A noite de 5 para 6 esteve esplêndida, mas com o nascer do Sol começou a atmosfera a carregar-se de vapores.
Logo às 6 horas da manhã dei princípio a revista minuciosa de todos os instrumentos e baterias elétricas, fazendo-as funcionar, e aproveitando ao mesmo tempo o ensejo de verificar se cada um dos auxiliares se achava perfeitamente a par do que teria de fazer para bem secundar os observadores na ocasião de produzir-se o fenômeno.
Como eu previamente determinara tinha o pessoal de ocupar os seus postos de observação às 9 horas da manhã, o que foi religiosamente cumprido, achando-se à hora determinada cada grupo encerrado no seu observatório e os três pavilhões completamente incomunicáveis.
Às 9h42min devia ter lugar o primeiro contato e às 10h2min, o segundo, mas grossas nuvens que se resolveram em uma chuva torrencial acompanhada de violentas rajadas do nordeste, impediram a observação da primeira fase do fenômeno.
Clareando depois o tempo consegui tomar 15 séries de tangências do Sol e do planeta com os círculos traçados no écran, para determinação das distâncias dos centros dos astros pelo processo Liais, sempre na esperança de observar os dois últimos contatos, o que efetivamente tive a felicidade de obter de um modo perfeito no meu grande equatorial, assim como ‘lambem’ os meus dois camaradas cada um de por si.
Não tenho tempo de enviar por esta mala as nossas observações visto sair o paquete dentro de 1 hora, entretanto, desde já posso asseverar a V. Exª. que houve perfeitíssimo acordo no modo de apreciar os contatos, segundo se deduz dos instantes registrados por mim e pelos Srs. Calheiros da Graça e Índio do Brasil, cada um isolado no seu observatório e empregando o mesmo método de projeção, porém com instrumentos que diferiam em poder óptico.”
“Felicito pois a V. Exª. pelo excelente resultado obtido pela comissão brasileira com a perfeita observação destes dois contatos, principalmente se atender-se ás variações meteorológicas deste grupo das Antilhas, onde, conforme me comunicaram da Ilha de Santa Cruz (que demora 15 léguas ao sul desta) foi infeliz a comissão presidida pelo hábil astrônomo dinamarquês Dr. Pechülle20, que não pode observar um único contato.”21

RESUMO DA OBSERVAÇÃO DA PASSAGEM DE VÊNUS
PELO DISCO SOLAR EM SÃO TOMÁS, ANTILHAS
BARÃO DE TEFFÉ CALHEIROS DA GRAÇA ÍNDIO DO BRASIL
1o contato Perdido (nuvens) Perdido (nuvens) Perdido (nuvens)
2o contato Perdido (nuvens) Perdido (nuvens) Perdido (nuvens)
3o contato 03h 27m 30.11s (1) 03h 27m 29.87s (2) 03h 48m 00.84s (1) 03h 27m 39.60s (2) 03h 27m 35.67s (1) 03h 27m 35.39s (2)
4o contato 03h 27m 39.44s (1) 03h 48m 00.60s (2) 03h 48m 06.38s (1) 03h 48m 06.54s (2) 03h 48m 10.62s (1)
03h 48m 10.34s (2)
(1) Hora correta dos contatos deduzidos das observações meridianas realizadas pelo Barão de Teffé.
(2) Hora correta dos contactos deduzida das observações meridianas de Alfa Virginis efetuadas pelo Primeiro-Tenente Índio do Brasil.

BARÃO DE TEFFÉ EM PARIS
Em Paris, onde se encontrava para participar do Congresso de Geodésia, Teffé resolveu visitar Bouquet de la Grye que se ocupava das análises da observação da passagem de Vênus.
Bouquet de la Grye, além de engenheiro hidrógrafo e astrônomo, era contra-almirante e diretor geral dos trabalhos hidrográficos e astronômicos da Marinha francesa. A Academia de Ciências de Paris, da qual era membro, lhe confiara a delicada tarefa de analisar as observações e os cálculos das 16 comissões científicas francesas assim como as estrangeiras que se ocuparam do trânsito de Vênus de 6 de dezembro de 1882.
Durante a visita de Teffé ao gabinete de la Grye, no Palácio da Rue de l’Université, em Paris, o hidrógrafo brasileiro apresentou-lhe os resultados da passagem de Vênus, assim como outros trabalhos, dentre eles um trabalho sobre a comissão demarcadora dos limites entre o Império do Brasil e a República do Peru. À exceção do volume sobre a passagem de Vênus que continha um texto em português e uma versão francesa da autoria do Conde de La Hure, todos os outros trabalhos estavam redigidos em português, o que levou Grye a manifestar um especial interesse em ter uma transcrição em francês. Teffé, em tempo relativamente curto, satisfez esse interesse do diretor geral da hidrografia da Marinha francesa. Esta tarefa exaustiva lhe foi de grande utilidade, pois algumas semanas mais tarde, Bouquet de la Grye enviou-lhe a seguinte missiva:
“Prezado almirante. Ao conversar com o Sr. Faye, Presidente do Congresso de Geodésia, a respeito das suas explorações na Amazônia, perguntou-me se não tinha lido o seu relatório sobre a passagem de Vênus, citando-me o segundo contato que uma nuvem pesada o interceptou. Deu-me isto vontade de examinar imediatamente os seu cálculos e coloquei de lado os outros relatórios, que tinha começado a calcular, e me ocupei exclusivamente do seu. É pois para mim de grande alegria poder felicitá-lo calorosamente pelos resultados finais de suas observações. Acabo de constatar que para a paralaxe do Sol, o seu resultado é idêntico ao nosso, isto é: a média que a Academia de Ciência adotou. Todas as minhas felicitações. O seu dedicado Bouquet de la Grye”.
Ao ler essa carta, Teffé se recordou de uma outra que lhe dirigira o astrônomo Mouchez um quarto de século antes, em 1863, a propósito da difícil observação do eclipse anular do Sol em Santa Catarina:
“Merci pour vos calculs: votre résultat est identique au mien; je vous felicite vivement”.
Por uma feliz coincidência, La Grye lhe escreveu também:
“... votre résultat est identique au nôtre. Toutes mes félicitacions...”
Assim começou no gabinete de Bouquet de la Grye, a projeção de Teffé na Europa como cientista.
No dia seguinte, Teffé procurou o Almirante Mouchez, então diretor do Observatório de Paris. Como participante do Congresso Internacional de Geodésia que se realizou em setembro de 1888, Teffé teve a alegria de ver as suas pesquisas sobre a passagem de Vênus citadas na reunião relativa às observações da passagem de Vênus. Quando Grye tirou da pasta de papéis o relatório de Teffé, cuja leitura iniciou. Ao chegar ao quarto contato, Grye fez menção em parar, mas foi impedido pelo auditório que unanimemente solicitou que continuasse o relatório. Uma vez concluída a leitura do relatório de Teffé, uma salva de palmas ecoou pelo salão. Teffé estava a meio caminho da sua glória na Academia.

A ACADEMIA
Em agosto de 1888, durante o almoço, em Paris, a convite de Bouquet de la Grye, membro da Academia de Ciências, este subitamente perguntou ao Barão de Teffé:
“Almirante, o Sr. que se ocupa tanto de hidrografia e astronomia não teria o desejo de pertencer à Academia de Ciências?”
Diante da emoção de Teffé que largara os talheres e olhava espantado o seu futuro confrade de Academia, fingindo não ter percebido a emoção de Teffé, continuou:
“Temos um lugar vago de membro correspondente e seria interessante que se inscrevesse para a próxima eleição... Se isso for do seu interesse.”
Teffé disse que não ousaria se inscrever, por não se sentir com títulos suficientes para disputar aquela vaga. Ao que Grye acrescentou:
“Sua modéstia é excessiva demais. Se me permitir, encarrego-me de apresentar à Academia os seus trabalhos com a sua carta pedindo a inscrição”.
Diante da insistência de Grye, Teffé se inscreveu.
Depois do convite de Grye, a lista dos candidatos foi organizada pelo secretário perpétuo da Academia de Ciências com os seis nomes à vaga de correspondente que se dera na Seção de Geografia e Navegação assim como a relação dos trabalhos que haviam sido submetidos ao estudo da comissão julgadora. Estavam inscritos por ordem de antigüidade, conforme as datas das cartas de solicitação: 1) Savorgnan de Brazza (a quem a França devia grande parte do Congo); Serpa Pinto (explorador português que atravessara a África); Príncipe Alberto I (oceanógrafo, soberano de Mônaco); Lord Brassey (do Almirantado inglês); Professor Wirschoff (da Universidade de Moscou) e Barão de Teffé (almirante e cientista brasileiro).
Decorrido o prazo necessário ao exame dos trabalhos apresentados pelos candidatos, anunciou-lhe Bouquet de La Grye que a comissão, procedendo por eliminação, retirara da lista dos concorrentes o Príncipe de Mônaco, Brazza, Brassey e Wirschoff. E na sessão semanal dedicada à eleição, cindira-se a votação dos Acadêmicos entre Serpa Pinto e Teffé. Aquele já premiado pela Sociedade de Geografia de Paris e além disso candidato de um dos membros mais respeitados do Instituto, o cientista d’Abbadie, célebre por suas explorações da Etiópia e do Alto Nilo, acrescendo a circunstância de haver Madame d’Abbadie se comprometido a obter para ele a primeira vaga que se desse na Academia. E o segundo, cujo nome aparecia pela primeira vez, trazendo porém grande aura de militar, desbravador e astrônomo. Não deixava de ser interessante a coincidência entre os dois concorrentes: embora um fosse europeu e o outro brasileiro, pertenciam ambos a países irmãos e conservando o mesmo idioma.
Ia portanto a luta final travar-se entre dois exploradores: o português que, depois de atravessar a África como expedicionário, atravessara a Europa numa excursão promocio-nalmente bem arquitetada; e não contente com a Europa, atravessara também o Atlântico para receber no Brasil a consagração dos aplausos, condecoração e o discurso eloqüente com que o recebera o próprio Teffé na qualidade de Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, no Rio de Janeiro.
Era o dia da sessão, na qual a Academia de Ciências ia escolher entre os dois candidatos empatados no julgamento anterior, a qual deles competiria a honra de uma cadeira do Instituto, recinto vedado ao comum dos mortais, e que, desde a lei de 3 Brumário, ano IV, só abrigava no seu âmbito as notabilidades exponenciais do mundo intelectual?
Aberta a sessão e lido o expediente, o secretário perpétuo anunciou que estava sobre a mesa o parecer da Comissão nomeada para o exame final e o confronto dos trabalhos apresentados pelos dois pretendentes à única vaga existente no Quadro dos Correspondentes da Academia. Essa comissão, presidida por d’Abbadie, era composta dos acadêmicos La Gravière, de Bussy, de Joncquière e Bouquet de La Grye. Fora convocada a sessão extraordinária a fim de dar-se o desempate entre os candidatos Teffé e Serpa Pinto. Como 54 membros responderam à chamada e declarando a mesa que havia quorum, o Presidente Jansen convidou os confrères a prepararem suas cédulas com o nome do candidato de sua preferência. Então o Secretário procedeu de novo à chamada, e cada membro depositou sua cédula na urna. Começou a apuração dos votos...
A primeira cédula tirada da urna trazia o nome: Serpa Pinto. A segunda também: Serpa Pinto... Só o quinto voto foi de Teffé. Mas a voz do Secretário recomeçou: Serpa Pinto... Serpa Pinto... Quando chegou a vez da décima cédula ainda Serpa Pinto, em seguida Teffé.... Nisto, apareceu outra vez: Serpa Pinto... E daí em diante...
À noitinha, chegou a residência de Teffé um petit-bleu de Bouquet de La Grye:
“Cher confrère: je vous félicite vivement. L’Académie vous a donné 32 voix et seulement 22 a Mr. Pinto. Vous êtes donc des nôtres a partir d’aujourd’hui”.22
Assim, pelos braços de Vênus, Teffé chegou às poltronas da Academia...




NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Arquivo Museu Imperial – M. 186 – Doc. 8457 (Tradução de Fernando Py).
2. Idem.
3. Idem.
4. Anais no Parlamento Brasileiro – Câmara dos Srs. Deputados. Primeiro ano da décima oitava Legislatura, sessão de 1881, Volume II, Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1882, pág.47 e 53 a 54.
5. Anais no Parlamento Brasileiro – Câmara dos Srs. Deputados. Primeiro ano da décima oitava Legislatura, sessão de 1881, Volume II, Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1882, pág.170 e 173.
6. Trata-se do Diário Oficial do Império, de 1o de março de 1882, que transcreve, além da proposta de recurso do Ministro da Marinha ao Congresso, dois importantes ofícios do Barão de Teffé ao Ministro, datados respectivamente de 5 e 12 de janeiro de 1882. Na verdade, Cruls só tomou conhecimento quando a solicitação de recursos para a Marinha foi enviada ao Parlamento.
7. Arquivo do Museu Imperial – M. 188 – Doc. 8543 (Tradução de Fernando Py).
8. Capitão-Tenente Francisco Calheiros (e não Calheiro) da Graça e Primeiro-Tenente Artur Índio do Brasil (N. do T.).
9. Arquivo do Museu Imperial – M. 188 – Doc. 8543 (Tradução de Fernando Py).
10. MENDONÇA, Mário F. e VASCONCELOS, Alberto. Repositório de Nomes dos Navios da Esquadra Brasileira. 3a edição. Rio de Janeiro. SDGM,1959, p.199-200.
11. Tratava-se na realidade de um cruzador.
12. Na realidade, foram 16 cronômetros.
13. Arquivo do Museu Imperial – M. 188 – Doc. 8543 (Tradução de Fernando Py).
14. MENDONÇA, Mário F. e VASCONCELOS, Alberto. Repositório de Nomes dos Navios da Esquadra Brasileira. 3a edição. Rio de Janeiro. SDGM. 1959, p.268.
15. Arquivo do Museu Imperial – M. 188 – Doc. 8543.
16. Arquivo do Museu Imperial – M. 188 – Doc. 8543 (Tradução de Fernando Py).
17. Barão de Teffé, Relatório da Commissão de São Tomás (Passagem de Vênus sobre o Sol em 6 de dezembro de 1882 – Commissão da Ilha de São Thomáz), p. 18 e 19, in Cruls, Luiz (Editor). Annaes do Imperial Observatório do Rio de Janeiro. Tomo terceiro, Observação da Passagem de Vênus em 1882, Typographia e Lithographia H. Lombaerts & C. 1887.
18. Para maiores detalhes da importância do uso da fotografia no desenvolvimento história da Astronomia no Brasil, ver o capitulo especial: O problema da fotografia.
19. Barão de Teffé, Relatório da Commissão de São Tomás (Passagem de Vênus sobre o Sol em 6 de dezembro de 1882 – Commissão da Ilha de São Thomáz), págs. 78 a 89. In: Cruls, Luiz (Editor), Annaes do Imperial Observatório do Rio de Janeiro,Tomo terceiro, Observação da Passagem de Vênus em 1882, Typographia e Lithographia H. Lombaerts & C. 1887, p.85 –89.
20. Ao contrário do que informou o Barão de Teffé, o astrônomo dinamarquês Carl Frederick Pechüle (1843-1914), chefe da missão a Ilha de Saint-Croix, observou o primeiro contato e fez diversas medidas micrométricas, como se encontra no seu relatório Expédition Danoise pour l’observation du passage de Vénus 1882, publié par ordre du Ministère de l’Instruction Publique (J.H. Schultz, Copenhague, 1883) – 45pp. Resumo no The Observatory, 7 (1884), 81-82.
21. Barão de Teffé, Relatório da Commissão de São Thomáz (Passagem de Vênus sobre o Sol em 6 de dezembro de 1882 – Commissão da Ilha de São Thomáz), pág, 89 a 91. In: Cruls, Luiz (Editor), Annaes do Imperial Observatório do Rio de Janeiro, Tomo terceiro, Observação da Passagem de Vênus em 1882, Typographia e Lithographia H. Lombaerts & C. 1887, p. 89-91.
22. Teffé. Tetra de. Barão de Teffé: militar e cientista. Serviço de Documentação Geral da Marinha. Rio de Janeiro. 1977.



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