quinta-feira, 29 de março de 2012

SABERES E TÉCNICAS MEDICINAIS DO POVO BRASILEIRO

DOUTORADO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
BEBENDO NA RAIZ:
UM ESTUDO DE CASO SOBRE SABERES E TÉCNICAS
MEDICINAIS DO POVO BRASILEIRO
Marília Flores Seixas de Oliveira
TESE DE DOUTORADO
Brasília, DF, 2008
U N I V E R S I D ADE DE BRASÍLIA – UnB
C E N T R O D E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – CDS
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UnB
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – CDS
2
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
BEBENDO NA RAIZ:
UM ESTUDO DE CASO SOBRE SABERES E TÉCNICAS
MEDICINAIS DO POVO BRASILEIRO
Marília Flores Seixas de Oliveira
Orientador: Roberto dos Santos Bartholo Jr.
Tese de Doutorado
Brasília, DF, 2008
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UnB
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – CDS
3
É concedida à Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta tese e
emprestar ou vender tais cópias somente para propósitos acadêmicos e científicos. O autor
reserva outros direitos de publicação e nenhuma parte desta tese de doutorado pode ser
reproduzida sem a autorização por escrito do autor.
Marília Flores Seixas de Oliveira
OLIVEIRA, Marília Flores Seixas de
Bebendo na Raiz: Um Estudo de Caso Sobre Saberes e Técnicas
Medicinais do Povo Brasileiro
Brasília, 2008.
282 p.: il.
Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade
de Brasília, Brasília.
1. Cultura Brasileira. 2. Pertencimento Cultural. 3. Medicina Popular.
I. Universidade de Brasília. CDS.
II. Título
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CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
BEBENDO NA RAIZ: UM ESTUDO DE CASO SOBRE SABERES E
TÉCNICAS MEDICINAIS DO POVO BRASILEIRO
Marília Flores Seixas de Oliveira
Tese de Doutorado submetida ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de
Brasília, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de Doutor em
Desenvolvimento Sustentável, área de concentração em Política e Gestão Ambiental.
Aprovado por:
Prof. Dr. Roberto dos Santos Bartholo Jr., Doutor, Universidade de Erlangen-Nürnberg,
Alemanha (Orientador)
Profa. Dra. Vanessa Maria de Castro, Doutora em Desenvolvimento Sustentável, CDS/UnB
(Examinador Interno)
Prof. Dr. João Nildo de Souza Vianna, Doutor, Ecole Nationale Supérieure d'Arts et Métiers,
ENSAM-PARIS, França. (Examinador Interno)
Profa. Dra. Elizabeth Tunes, Doutora em Psicologia / USP
(Examinador Externo)
Prof. Dr. Maurício Delamaro, Doutor em Engenharia de Produção pela COPPE / UFRJ
(Examinador Externo)
Brasília-DF, 17 de março de 2008.
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Dedicado a
Joaquim e Clara
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AGRADECIMENTOS A
Orlando J. R. de Oliveira
Roberto Bartholo
Área de Ciências Sociais e Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da UESB, Centro
de Desenvolvimento Sustentável da UnB, Clara Flores Seixas de Oliveira, Elizabeth Tunes,
Família Flores Seixas, Francisco José de Abreu Matos, João Nildo de Souza Vianna, Joaquim
F. Seixas de Oliveira, Luciano Flores, Marcel Bursztyn, Maurício Delamaro, motoristas da
Auto-Viação Novo Horizonte, Othon Henry Leonardos, Regina Celeste Affonso de Carvalho,
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vanessa Maria de Castro.
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RESUMO
Embora a diversidade cultural seja um traço fundante da cultura brasileira, a relação com
saberes, técnicas e conhecimentos medicinais oriundos de comunidades não-hegemônicas
ainda é preconceituosa, orientada pelo viés redutor da ciência moderna, gerando um
empobrecimento do acervo cultural e a imposição de modelos exógenos, sem vínculos de
pertencimento com os povos dos lugares. Neste trabalho, são discutidas as relações do homem
com a saúde e o corpo - resultantes das interações entre cultura e natureza -, que manifestam
epistemologias e técnicas singulares, historicamente situadas, cuja compreensão torna-se
enriquecedora para a humanidade. Aborda-se, também, a pluralidade das misturas etnoculturais
sobre o corpo, sob o ponto de vista da produção cultural brasileira e das tradições
históricas presentes no processo histórico de sua constituição. São analisados fundamentos do
paradigma médico dominante e das medicinas populares brasileiras, organizadas por
princípios e referências culturais diferentes do modelo padrão. Fundamentando-se em outras
visões de mundo e representações de corpo, muitas vezes distintas daquelas canonizadas pela
ciência positivista, tais conhecimentos sobre o corpo reportam a culturas não-européias,
aludem a saberes construídos a partir de divisões, cisões e dissensões internas do próprio
modelo ocidental hegemônico, ou, ainda, referem-se a saberes mestiços, tradicionais,
populares, híbridos, originados em culturas nascidas dos processos de colonização e de
desbordamento da cultura européia, como foi o caso do Brasil. Acredita-se que o estudo das
alternativas de saúde apresentadas por medicinas não-hegemônicas pode vir a ser repertório
para a rediscussão dos paradigmas contemporâneos, considerando a centralidade das questões
relacionadas ao corpo e a seus processos na vida social. Como forma de apresentar um
exemplo maior da diversidade biológica presente nas tradições medicinais do povo brasileiro,
foi elaborado um catálogo com cerca de quinhentas plantas de uso terapêutico no Brasil,
partindo-se de fontes biliográficas publicadas. Conclui-se que o conhecimento e a discussão
de outros ethos podem contribuir para o surgimento de uma nova produção de saberes,
geradora de formas mais prudentes e responsáveis de atuação frente à natureza e às
sociedades: a partir de uma mudança de enfoque no plano epistemológico e cultural podem-se
valorizar conhecimentos alternativos, não-hegemônicos e saberes locais de promoção e
atenção à saúde.
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ABSTRACT
Although cultural diversity is a defining aspect of the Brazilian culture, its relation with
medicinal knowledge, techniques and practices from non-hegemonic communities is still full
of prejudice, ruled by modern science’s diminishing point of view, leading to a depletion of
the cultural knowledge and to the enforcement of exogenous models, with no belonging links
with people around regions. Here, man’s relations with health and body – the ones that result
from the interaction between culture and nature – are put under discussion. They manifest
singular epistemologies and techniques, historically situated, which understanding shows to
be aggrandizing for humanity. There’s also an approach to the plurality of ethno-cultural
mixtures about the human body, under the perspective of Brazilian’s cultural production and
historic traditions present in the historical process of its constitution. Fundaments of the
dominant medical paradigm and Brazilian popular medicines are analyzed, organized by
principles and cultural references different from the standard model. Based on alternative
ideologies and human body representations, many times different from the ones canonized by
the positivist science, such knowledge about the human body report to non-European cultures,
allude to knowledge built from intern divisions, ruptures and dissensions of the hegemonic
occidental model itself, or, still, refer to traditional, popular, hybrid knowledge, which
originate from cultures resulting from the colonization and overflowing processes of the
European culture, as it happened in Brazil. It is believed that the study of health alternatives
presented by non-hegemonic medicines might become discussion issues for the contemporary
paradigms, considering the centrality of matters related to the human body and its processes in
social life. Knowledge and discussion of other ethos might contribute to the arising of a
neoproduction of knowledge, which would generate more prudent and responsible ways of
acting before nature and societies: starting from a focus change on the cultural and
epistemological plan, alternative and non-hegemonic knowledge an local techniques of health
promotion and attention might gain value.
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RÉSUMÉ
Bien que la diversité culturelle soit un aspect définissant de la culture brésilienne, la relation
avec la connaissance, des techniques et des pratiques médicinales des communautés nonhégémoniques
est encore pleine du préjudice, régné par le point de vue diminuant de la
science moderne, menant à un épuisement de la connaissance culturelle et à l'application des
modèles exogènes, sans des liens appartenants avec des personnes autour des régions. Ici, les
relations de l'homme avec la santé et le corps - celui qui résultent de l'interaction entre la
culture et la nature - sont mis à l'étude. Ils manifestent des épistémologies singulières et des
techniques, historiquement situées, que l'arrangement montre agrandir pour l'humanité. Il y a
également une approche à la pluralité de mélanges ethno-culturels au sujet du corps humain,
sous la perspective de la production culturelle et des traditions historiques du Brésilien
actuelles dans le processus historique de sa constitution. Des fondements du paradigme
médical dominant et les médecines populaires brésiliennes sont analysés, organisé par des
principes et des références culturelles différents du modèle standard. Basé sur des idéologies
alternatives et des représentations de corps humain, beaucoup de fois différentes de celles
canonisées par la science de positivist, une telle connaissance au sujet du rapport de corps
humain aux cultures non-européennes, font référence à la connaissance établies des divisions
d'interne, des ruptures et des dissensions du modèle occidental hégémonique elle-même, ou,
distillateur, se rapportent à la connaissance traditionnelle, populaire, hybride, qui proviennent
des cultures résultant de la colonisation et des processus de débordement de la culture
européenne, comme ce a été le cas du Brésil. On le croit que l'étude des solutions de rechange
de santé présentées par les médecines non-hégémoniques pourrait devenir des questions de
discussion pour les paradigmes contemporains, vu la centralité des sujets liés au corps humain
et à ses processus dans la vie sociale. Pour présenter un exemple plus grand de la diversité
biologique présente dans les traditions médicinales du peuple brésilien, a été élaboré un
catalogue avec environ cinq cents plantes d'utilisation thérapeutique au Brésil, en se partant de
sources des biliográficas publiées. Il se conclut que la connaissance et la discussion d'autres
ethos pourraient contribuer à surgir d'une nouvelle production de la connaissance, qui
produirait des manières plus prudentes et plus responsables de l'action devant nature et
sociétés, à partir d'un changement de foyer sur le plan culturel et epistemological, la
connaissance alternative et non-hégémonique des techniques locales de la promotion et de
l'attention de santé.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
PÁGINA ILUSTRAÇÃO
60 Figura 1 - Escultura representando Asclépio (Esculápio), filho de Apolo
62 Figura 2 - Psique e o Amor, Gerard René Le Vilain, 1740-1836
63 Figura 3 - Representação de Hipócrates
67 Figura 4 - Representação da preparação da teriaca (polifármaco)
Figura 5 - Receituário Galênico
69 Figura 6 - The Anatomy Lesson of Dr. Tulp, pintura de Rembrandt, (1632).
70 Figuras 7, 8 e 9 - Estudos Anatômicos feitos por Leonardo da Vinci (1452-
1519)
71 Figuras 10 e 11 - Ilustrações e Capa de De Humani Corporis Fabrica (1543)
72 Figuras 12, 13 e 14 - Ilustrações de De Historia stirpium, de Leonhard Füchs
75 Figura 15 - Representação de Paracelso (s/d)
76 Figuras 16, 17 e 18 - Gravuras de Joan Baptiste Portae (s/d), ilustrando a
teoria das assinaturas.
85 Figuras 19 e 20 - Imagens de Pinturas Rupestres Brasileiras
86 Figura 21 - Xamã Yanomami, 1974. Foto: Claudia Andujar
90 Figura 22 - Yanomami, 1974. Foto: Claudia Andujar
94 Figuras 23, 24, 25 e 26 - Escravos Brasileiros. Fotografias de Christiano Jr.
(séc.XIX)
102 Figura 27 - Consulta ao Ifá, em foto de Verger. Abomey, República Popular
do Benim, década de 1940. Foto: Pierre Verger
129 Figura 28 - Foto de cabocla em festa de rua, feita por Verger. Salvador, Bahia,
Brasil, 1948. Foto: Pierre Verger
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES (CONT.)
PÁGINA ILUSTRAÇÃO
142 Figura 29 e 30 - Altar de Candomblé de Caboclo e Dona Maria, rezadeira, em
atuação (Vitória da Conquista, 2007, pesquisa de campo)
143 Figura 31 e 32 - Caboclo Laje Grande incorporado para atuar em tratamento
de saúde (Vitória da Conquista, 2007, pesquisa de campo)
177 Figura 33 - Prof. Francisco Matos, coordenaor do Projeto Farmácias Vivas
(Fortaleza, 2005)
Figura 34 - Entrada do Horto de Plantas Medicinais do Projeto Farmácias
Vivas, Universidade Federal do Ceará (Forlaleza, 2005, pesquisa de campo).
180 Figuras 35 e 36 - Horto de Plantas Medicinais, do Projeto Farmácias Vivas
(Fortaleza, 2005, pesquisa de campo).
181 Figuras 37 e 38 - Horto de Plantas Medicinais, do Projeto Farmácias Vivas
(Fortaleza, 2005, pesquisa de campo).
186 Figuras 39 a 43 - Algumas Espécies Medicinais do Horto de Plantas
Medicinais, do Projeto Farmácias Vivas (Fortaleza, 2005, pesquisa de
campo).
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO, p. 13.
2. DO BRASIL HÍBRIDO, p. 31.
2.1. PRÁTICAS MEDICINAIS E MODELOS EPISTEMOLÓGICOS, p.40.
3. CORPO, CULTURA E NATUREZA: RAÍZES E TRADIÇÕES DO BRASIL, p. 56.
3.1. TRADIÇÕES DE ESCRITA: O CORPUS EUROPEU, p. 58.
3.1.1. Entre os Gregos, p. 58.
3.1.2. Galeno, a Doutrina dos Temperamentos e a Farmacologia, p. 66.
3.1.3. As Dissecações e os Estudos Anatômicos, p.68.
3.1.4. A Alquimia de Paracelso, p.74.
3.1.5. A Construção do Sistema Médico Moderno, p. 76.
3.1.6. Vestígios Contemporâneos da Noção Hipocrática de Equilíbrio, p. 81.
3.2. COSMOLOGIA E XAMANISMO AMERÍNDIO, p. 84.
3.2.1. Xamãs, Pajés e Aprendizes, p.88.
3.3. CAMINHOS JEJE-NAGÔ, p.93.
3.3.1. Mythos e Logos em Tradições de Origem Africana, p. 103.
3.3.2. Os Terreiros Jeje-Nagô e a Natureza, p. 111.
3.3.3. O Candomblé como Sítio Simbólico de Pertencimento, p. 117.
4. BEBENDO NA RAIZ: SABERES E TÉCNICAS MEDICINAIS DO POVO
BRASILEIRO, p. 121.
4.1. CORPO, MAGIA E NATUREZA: PAJÉS, ORIXÁS E CABOCLOS, p. 121.
4.2. SOBRE FITOTERAPIA E BIODIVERSIDADE, p. 145.
4.2.1. Da Saúde Pública e dos Fármacos no Brasil, p. 145.
4.2.2. Fitoterapia e Biodiversidade, p. 160.
4.2.3. Sobre a Apropriação Mercantilizada dos Conhecimentos Locais, p. 169.
4.3. PLANTAS COM USO TERAPÊUTICO NO BRASIL, p. 175.
4.3.1. Dos Usos e das Terapias com Plantas: o exemplo do Projeto Farmácias Vivas, p.175.
4.3.2. Sobre a Elaboração de Um Catálogo de Plantas Terapêuticas, p. 190.
4.3.2. Um Catálogo de Plantas com Uso Terapêutico no Brasil, p. 191.
5. CONCLUSÃO: ENCRUZILHADAS, p. 249.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, p. 253.
ANEXOS, p. 263.
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1. INTRODUÇÃO
Em todos os lugares, cada vez mais,
as pessoas sentem a necessidade de crer,
de se inserir em locais de pertencimento.
Assim, à medida que cresce o global,
também amplia-se o sentimento do local
HASSAN ZAOUAL
O caráter relacional da vida impõe, ao ser humano, o estabelecimento contínuo de
vínculos físicos e simbólicos com tudo aquilo a que se liga, fazendo-o constituir-se a partir de
diversas raízes. Entretanto, a modernidade e o advento da era industrial passaram a exercer
múltiplas forças que continuamente o afastam de suas tradições, culturas, lugares, de seus
sentimentos de pertença, de suas histórias e suas comunidades. Despertencido e desenraizado,
o homem moderno se encontra preso a modelos tecnicistas, pragmáticos e fragmentados de
percepção do corpo e de inserção na vida. Crescentemente destituído de sua capacidade
dialógica, insere-se na existência da racionalidade econômica em detrimento de outras
dimensões da vida social, como os sistemas de crença, o pensamento simbólico, os afetos e as
intuições. Pautando-se, então, pelo princípio do lucro e da acumulação de riqueza, a vida foi
transformada, na modernidade, pelos “moinhos satânicos” do mercado (cf. Polanyi, 2000).
A civilização ocidental moderna globalizada - cujas origens remetem ao processo de
mundialização da cultura européia deflagrado nos séculos XVI e XVII - atua sobre as
comunidades mais distintas buscando uniformizá-las segundo seu próprio padrão e interesse.
O modelo civilizatório capitalista ocidental tem tentado silenciar coletividades humanas que
se diferenciam do paradigma hegemônico, buscando reduzir as diversidades (simbólicas,
religiosas, culturais) a um padrão único e narcisista, confrontando e combatendo as demais
estruturas socioeconômicas e políticas, impondo-se à força sobre sociedades em todo o mundo
e propondo-se, autoritariamente, como modelo global. Decorrem daí guerras, mortes,
aquecimento do planeta, impactos ambientais e riscos de toda sorte, que põem em xeque o
paradigma norteador e a própria noção de civilização. Assim, a discussão ética se encontra no
cerne das questões atuais bem como a necessidade de restauração do princípio da
responsabilidade, em todas as dimensões.
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As crises que se apresentam à humanidade são tristes realidades, decorrentes do estilo
arrogante e etnocêntrico com que a civilização capitalista ocidental se difundiu pelo globo
terrestre, num ímpeto contínuo de tentar transformar natureza em produto, comunidade em
mercado e o outro em si mesmo, num processo devorador que carrega consigo um universo de
paradoxos e contradições. Aguça-se a necessidade de mudanças, mas não há alteração
substancial do processo que se impõe, manipulando sociabilidades e mentalidades, prendendo
o ser humano na roda deleitosa e ilusória do conforto e da individualidade, combustíveis e
reguladores da vida contemporânea, gerada na associação entre ciência, tecnologia e
mercado1.
As relações estabelecidas entre desenvolvimento, progresso, crescimento econômico,
ciência e tecnologia resultaram não só na apropriação desenfreada e insensata dos recursos
naturais como na construção de representações ideológicas, reificações que impregnam as
relações sociais, econômicas e culturais e interferem nas formas de percepção do ser humano
contemporâneo sobre a natureza, a sociedade, o outro e sobre o seu próprio corpo.
As estruturas sociais, políticas e econômicas, aliadas às determinações do mercado,
reforçam ilusões que vinculam a felicidade à ciência e à tecnologia modernas, como a
quimera de que a técnica (reatualizada constante e velozmente) por si só representa
“segurança, proteção, conforto, alienação da dor ou fuga da morte”. A ciência moderna,
enquanto prática social específica e privilegiada, validou apenas uma forma de conhecimento,
excluindo ou negando saberes que não podiam ser aferidos por seus métodos, o que resultou
num empobrecimento epistemológico2.
A medicina padrão tornou-se eficaz a partir do acentuado progresso das ciências que
marcou o fim do século XIX, com a descoberta de tratamentos inovadores e o
desenvolvimento dos conhecimentos de química orgânica e terapias medicamentosas.
1 Para ZAOUAL (2003, p. 40), “Nesta fase crítica, o capitalismo alcança a crise de sua própria civilização. A
aliança ‘ciência, tecnologia e mercado’ complica um pouco mais essas interrelações, dilui responsabilidades
morais e desnuda as predições e as competências do especialista”.
2 Este empobrecimento epistemológico é considerado por Boaventura SANTOS (1999, p. 328) como um crime
contra a humanidade, um epistemicídio, e associa-se à expansão da civilização européia: “O genocídio que
pontuou tantas vezes a expansão européia foi também um epistemicídio: eliminaram-se povos estranhos
porque tinham formas de conhecimento estranho e eliminaram-se formas de conhecimento estranhas porque
eram sustentadas por práticas sociais e povos estranhos”.
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Entretanto, ao longo do século XX, época em que se assistiu a um acelerado
desenvolvimento de novas tecnologias médico-farmacêuticas cada vez mais invasivas e
eficientes, os perigos inerentes aos medicamentos imprimiram um sentimento paradoxal que
atrela admiração e temor: admira-se a possibilidade de vitaminas, hormônios, vacinas, sulfas,
anestésicos, insulinas, anfetaminas, antibióticos, corticóides, antidepressivos, diuréticos,
tranqüilizantes etc. ampliarem em décadas a expectativa de vida do homem moderno, mas
também são temidos os efeitos colaterais, os acidentes terapêuticos, os erros médicos, as
super-dosagens, as falácias dos laboratórios, as contaminações, os episódios trágicos que
causam mortes e deformações. E as pessoas, seres corporificados que são, experimentam,
simbólica e fisicamente, a vida, a imaginação, o diálogo com os outros seres e com o
universo, sob a égide da contradição.
A validação do método científico como lei canônica do conhecimento verdadeiro
implicou, portanto, o silenciamento de outras formas de produção de conhecimento, oriundas
de comunidades interpretativas específicas ou locais. Seus integrantes enfrentam processos
diferentes de desenraizamento, que alteram suas bases materiais de existência e necessidades
físicas, seus acervos simbólicos e vínculos de pertencimento, suas produções técnicas, seus
estoques de conhecimentos, suas percepções sobre o corpo e a vida.
As certezas da modernidade têm sido constantemente postas em cheque pela vida
contemporânea. O século XXI – representado no imaginário do século XX (da literatura à
propaganda, do cinema à mídia, das artes ao cotidiano) como ícone de futuro – finalmente
chegou, porém sem apresentar ao homem comum as benesses anunciadas, sem traduzir em
realidade as promessas implícitas de que a ciência e a tecnologia trariam conforto e felicidade
para a humanidade. Ao contrário, o avanço tecnológico resultou representando ameaça, risco
à vida e ao planeta, seja por perigo nuclear, desenvolvimento de armas químicas e biológicas,
poluição ou consumo desenfreado da natureza e da biosfera. Para BARTHOLO (1986, p.104),
A tecnologia moderna representa, em duplo sentido, perigo. Ela representa
perigo ao ameaçar as condições de sobrevivência da Humanidade e demais
formas de vida planetária, em razão de seu impacto destrutivo sobre o
ecossistema. E ela representa perigo pelo ‘controle remoto’ tecnológico, ou
seja, a manipulação dos indivíduos pelas estruturas tecnocráticas do poder.
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O questionamento ético deve abarcar as relações do homem e o princípio da
responsabilidade em todas as dimensões, incluindo a centralidade que a ciência e a tecnologia
assumiram na modernidade, impondo-se como cânone de conhecimento válido. É preciso
estabelecer novas relações éticas e técnicas, a partir da reciprocidade, do respeito à alteridade
e às diferenças, sem reduzir o outro a objeto, sem transformá-lo de forma narcisista em mera
peça de satisfação de desejos ou necessidades modernos e sem marginalizar o diferente.
Talvez como reação e resistência ao processo de busca de imposição de um modelo
único de civilização, ou como decorrência do fim das certezas infundidas pela modernidade,
ou mesmo como fruto da percepção dos perigos imensos que tal modelo representa, tem
surgido, em todos os lugares e de diferentes formas, movimentos e processos que visam à
valorização da diversidade, das comunidades locais, de tradições e conhecimentos
particulares, buscando o intercâmbio cultural e a cooperação ao invés da dominação e da
hegemonia.
Essas tensões e recomposições são a raiz da afirmação das identidades e dos
territórios. Em todos os lugares, cada vez mais, as pessoas sentem a
necessidade de crer e de se inserir em locais de pertencimento. Assim, à
medida que cresce o global, também amplia-se o sentimento do local
(ZAOUAL, 2003: 20).
Simone WEIL (2001, p.10-11) afirma que, além de necessidades físicas - mais fáceis de
enumerar, pois “concernem à proteção contra a violência, moradia, roupas, calor, higiene,
cuidados em caso de doença” - os seres humanos têm também “necessidades morais,
alimentos da alma”, que lhes são vitais, sendo, entretanto, mais difíceis de reconhecer e
enumerar. Análogas à fome, mas nem tão evidentes quanto ela; pertinentes à vida terrestre,
mas não ao corpo físico imediato, as necessidades morais atingem a vida dos homens sem
atingir seu corpo: caso não sejam satisfeitas, condenam os homens a uma condição
comparável à morte, a um simulacro de vida verdadeira, privando-os dos “alimentos da
alma”.
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Na perspectiva da autora, a fonte primeva destes alimentos da alma humana são as
coletividades que, sendo únicas e insubstituíveis3, demandam (dos sujeitos humanos e dos
grupos) um elevado grau de respeito, constituindo-se como “órgão de conservação para os
tesouros espirituais reunidos pelos mortos” (ibidem, p.12), instrumento de comunicação entre
antepassados e descendentes. Tendo suas raízes no passado, penetram também o futuro, pois
contêm alimentos simbólicos para seres que ainda virão a nascer.
As coletividades humanas respondem de maneira sempre particular às necessidades
morais, fornecendo alimentos específicos a cada grupo de pertencimento, o que leva o sujeito
ao reconhecimento moral de suas obrigações e deveres, tornando-se também locus do
estabelecimento de raízes. No entanto, WEIL (2001, p.13) chama a atenção para o fato de
existirem coletividades que podem estar mortas ou em estado letárgico, outras que fornecem
alimentos insuficientes às almas de seus membros ou, ainda, algumas que comem as almas ao
invés de alimentá-las.
Os seres humanos, vivendo em sociedade e, em suas atividades, relacionando-se com o
meio ambiente, desenvolveram diferentes formas de relacionar-se economicamente com o
ambiente, transformando elementos da natureza em recursos naturais, base sobre a qual se
assentam todas as atividades humanas. BURSZTYN (1995, p. 99) reitera que o caráter de
consumidor de recursos naturais do ser humano está na razão direta do desenvolvimento:
as necessidades humanas são consumidoras de natureza (...) quanto maior o
grau de desenvolvimento de uma sociedade, maior o grau de consumo per
capita de recursos naturais, mesmo que estes sejam produzidos por outras
sociedades.
Ao se utilizarem dessa base (seja como insumo para a produção, para consumo in
natura, como depósito dos detritos originados pela produção ou pelo consumo dos bens
produzidos e/ou coletados), as sociedades apropriam-se dos recursos da natureza de forma
diferenciada, a depender da tecnologia utilizada, das finalidades, da escala de consumo etc.:
cada período histórico e cada sociedade transforma o ambiente natural em recurso de uma
determinada maneira, efetuando ações ou alterações para a satisfação de suas necessidades
3 Para WEIL (2001, p.12), “cada uma [coletividade humana] é única, e, se for destruída, não será substituída”.
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(incluindo-se aí os supérfluos4). Recriando continuamente o ambiente, o ser humano tem
gerado, em paralelo, efeitos colaterais que alteram ecossistemas e impactam a natureza. Neste
processo, por muito tempo manteve-se a ilusão de que os recursos naturais seriam
inesgotáveis, de que estariam sempre à disposição do insaciável apetite humano.
Segundo BURSZTYN (1995), a Revolução Industrial trouxe em si a deformação
congênita do mau desenvolvimento. Neste sentido, a associação entre ciência, tecnologia e
produção industrial capitalista gerou, inclusive, o ideal tecnológico de ser melhor nas formas
de dobrar a natureza. Assim, quanto maior o crescimento e o grau de desenvolvimento
tecnológico, maior o uso da natureza.
As novas relações de produção instituídas a partir da Revolução Industrial inauguraram,
assim, uma era na história, modificando de maneira irremediável o relacionamento da
humanidade com o planeta Terra e estabelecendo-se como marco de modernidade. Desde
então, os inusitados e crescentes avanços técnicos experimentados no processo contínuo de
desenvolvimento científico e tecnológico alcançaram âmbitos insuspeitados da realidade,
atingindo desde as menores partes do microcosmo até os insondáveis segredos do universo
mais distante, criando novas categorias de entendimento do mundo e interferindo na
sociabilidade humana.
Após o advento da revolução industrial, ao perceber que a capacidade do homem em
dispor da natureza aumentou consideravelmente, resultando em alterações de larga escala e de
conseqüências imprevisíveis graves, a humanidade começou a preocupar-se de forma mais
sistemática com o esgotamento dos recursos naturais e com os rumos da relação sociedadenatureza.
4 Para ORTEGA Y GASSET (1963), ao homem não interessa apenas estar vivo, estar no mundo, e sim estar
bem, por isso inventa, incessantemente, coisas que estão além dos imperativos ou necessidades de
sobrevivência, voltando-se continuamente para a invenção e produção de outros tipos de atos técnicos,
orientados para responder a necessidades simbólicas e não físicas, enfim, para dar conta do que é supérfluo a
sua necessidade de sobrevivência física. Assim, “desde o princípio o conceito de ‘necessidade humana’ inclui
indiferentemente o objetivamente necessário e o supérfluo” (ibidem, p.19). “O homem não tem empenho algum
por estar no mundo. No que tem empenho é em estar bem. (...) Portanto, para o homem somente é necessário o
objetivamente supérfluo” (ibidem: 21).
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Tal modelo societal e civilizatório, ao se instalar, prenunciava um futuro de benefícios e
felicidade para todos, professando a fé de que a ciência e a tecnologia viriam a solucionar os
males de então ou do futuro e engendrando a idéia de que, por sua natureza de avanço e
progresso contínuos, a ciência e a tecnologia modernas estariam ininterruptamente aptas a
apresentar novidades técnicas capazes de suprir qualquer eventual problema que surgisse por
algum motivo ou mesmo como conseqüência nefasta de seu desenvolvimento. Mas tal
paradigma tecnológico e científico (que se desenvolveu intrinsecamente relacionado às
estruturas econômicas, políticas e sociais hegemônicas da modernidade) resultou
representando graves riscos ao planeta e à própria vida humana, um reverso inesperado da
própria eficiência alcançada.
Tragédias históricas ético-ambientais do século XX (com culminância marcada pela
explosão de bombas atômicas), somadas à publicação de textos, a eventos e a alertas sobre os
limites da natureza5 fizeram crescer os movimentos ambientalistas em todo o mundo,
ampliando a percepção de que os recursos naturais são esgotáveis e de que os impactos
gerados pela civilização podem pôr em risco a vida e o planeta. A imprevisibilidade das
alterações no ambiente, por um lado, e a evidência do limite de suporte dos ecossistemas, por
outro, passaram a evidenciar a interdependência entre sociedade, economia e meio ambiente,
estabelecendo-se, assim, um novo patamar de análise sobre desenvolvimento, progresso
humano e futuro, restituindo à natureza seu lugar de fundamental importância.
Com diferentes capacidades de atingir as pessoas, a natureza, o mundo ou a biosfera,
desenvolve-se um aparato tecnológico incalculável, continuamente renovado em suas
habilidades técnicas e numa velocidade impressionante. Assim, com perplexidade, a
humanidade viu surgir, durante o breve século XX, aparatos tecnológicos capazes de destruir a
vida no planeta - como a bomba atômica e a tecnologia nuclear-, de perscrutar tanto a
imensidão do cosmo (sondas de alcance interplanetário, mega telescópios...) quanto o interior
das espécies e do corpo humano - como os mapeamentos genéticos ou as ressonâncias
magnéticas -, de criar seres novos com a biotecnologia e o desenvolvimento dos transgênicos,
5 Tais como o livro de Rachel Carlson, Primavera Silenciosa, o Relatório Meadows, a Conferência de
Estocolmo, o Relatório Bruntland (Nosso Futuro Comum) ou Eco 92.
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ou de interligar todo o planeta numa mesma comunidade virtual de comunicação em tempo
real, com a Internet.
Apesar da impressão de que se atingiu um topo nas possibilidades tecnológicas, o século
XXI prenuncia novidades que em nada ficam a dever frente a seus antecessores, quando se
trata de apresentar novos riscos à natureza, maiores potenciais de danos à matéria viva ou
mesmo possibilitar inusitadas alternativas de manipulação de indivíduos ou de sociedades.
Com temor ou admiração acompanha-se, pela mídia e em representações filtradas pelos
interesses empresariais e corporativos, a divulgação das tecnologias do futuro (em
desenvolvimento ou implementação), como a nanotecnologia ou as novidades em biogenética
e robótica, estabelecendo-se margens de separação cada vez mais tênues entre o natural e o
artificial, entre natureza e intervenção humana e entre ética, ciência e mercado.
Outros agravantes se colocam quando pensamos nas complexas relações
contemporâneas entre ciência, desenvolvimento tecnológico, ecologia, recursos naturais,
biodiversidade, mercado, interesses e poderes empresariais ou corporativos e o poder do
Estado, apontando para a premente discussão do papel do Estado e da sociedade frente ao
necessário estabelecimento de regras, controle e limites (éticos, morais, legais, regulatórios
etc.) sobre a utilização das novas tecnologias, considerando-se o bem estar das populações
presentes e futuras bem como o princípio da preservação da espécie e da preservação de toda
forma de vida. Impõe-se a questão chave sobre a capacidade, a força e a energia que as
sociedades têm e terão para gerir, conduzir e regular o avanço e o uso das tecnologias, no
cabo de guerra travado com empresas, organizações e corporações violentamente voltadas
para seus próprios interesses e lucros e imprudentemente descompromissadas com os
problemas ambientais e sociais enfrentados.
A centralidade alcançada pelo mercado, que passou a mediar quase universalmente a
economia e a política, o tornou capaz de interferir tanto nas instâncias públicas quanto
privadas mundiais, passando a obter uma dimensão insuspeitada anteriormente, a partir da
globalização a da internacionalização do capital.
As linhas de demarcação entre os interesses privados e corporativos e os interesses
públicos e comunitários - que deveriam ser os fundamentos básicos do poder e da ação do
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Estado – ficam cada vez mais tênues e borradas, as atitudes e ações dos governos passam a se
orientar pelos poderes privados, exercidos ora às claras ora à margem do poder público, nos
mais diversos âmbitos e nas mais amplas dimensões da vida social mundial.
No caso do Brasil este quadro ainda se agrava: estudos clássicos registram uma
tendência à indistinção entre público e privado presente na tradição histórica cultural do país.
Sérgio BUARQUE DE HOLANDA, por exemplo, registra, em Raízes do Brasil6, uma
disposição intrínseca ao brasileiro de confundir o âmbito estatal com o círculo familiar, a
despeito da natureza oposta que tais esferas da vida social deveriam ter. Tal vocação se
origina na grande amplitude do poder da família patriarcal, que passou a influir em todas as
dimensões da sociedade brasileira, desde sua fase colonial, interferindo drasticamente nos
processos históricos de desenvolvimento, estabelecendo vínculos familiares de
apadrinhamentos, compadrios e favorecimentos mesmo nos setores públicos do país,
cultivando, assim, uma tradição e uma cultura baseada no clientelismo e no favor. Sem
distinções consideráveis entre o domínio público e o privado, o Estado brasileiro
experimentou (e ainda experimenta) dificuldades históricas de se tornar um estado
burocrático (no sentido weberiano), e a família se tornou modelo para as instituições
políticas.
Posteriormente, e dialogando com Buarque de Holanda, Roberto SCHWARZ (1977),
num ensaio produzido na década de 1970 (em que discute a impropriedade da introdução das
idéias liberais num país escravocrata7), afirma que, no Brasil do final do século XIX, se, por
um lado, as idéias liberais eram indescartáveis, na medida em que vigoravam fortemente
como referência européia a influenciar as elites brasileiras, por outro lado não podiam ser
praticadas, posto que o modo de produção escravocrata o impedia. Portanto, as idéias liberais
foram postas numa constelação especial, reinventadas e utilizadas ornamentalmente pela elite
6 Cf. BUARQUE DE HOLANDA. S., Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
7 A discussão se inicia com a análise de um texto de Machado de Assis, um panfleto publicado em 1863 na
Revista O Futuro, em que Machado, questionando a disparidade entre as idéias liberais européias e a sociedade
escravocrata brasileira, afirma que, em sendo o trabalho livre um princípio básico da economia política e
estando o Brasil ainda vivendo “o fato impolítico e abominável” da escravidão, o país fatalmente estaria fora
do sistema da ciência, das Luzes, do Progresso e da Humanidade.
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como prova de modernidade e distinção, impróprias para a estrutura social local, assumindo a
forma do favor, que passou a ser uma mediação quase universal do brasileiro.
(...) com mil formas e nomes, o favor atravessou e afetou no conjunto a
existência nacional, ressalvada sempre a relação produtiva de base, esta
assegurada pela força. Esteve presente por toda parte, combinando-se às
mais variadas atividades, mais e menos afins dele, como administração,
política, comércio, vida urbana, Corte, etc. (SCHWARZ, 1977, p. 16).
Para SCHWARZ, sob o argumento da adoção de idéias da burguesia européia contra
arbítrio e escravidão, a sociedade brasileira reinventou-as transmutadas em práticas
clientelistas do favor que, com a aparência de livre arbítrio e de escolha, passando o
liberalismo a penhor intencional duma variedade de prestígios com que nada tem a ver.
Assim, “com método, atribui-se independência à dependência, utilidade ao capricho,
universalidade às exceções, mérito ao parentesco, igualdade ao privilégio” (ibidem, p.17).
O que pode ser visto, agora, com toda clareza e por qualquer um, é que, tanto no Brasil
(tradicional incorporador dos interesses privados à esfera pública) quanto no restante do
mundo (que passa a experimentar de forma mais direta a associação efetiva da ação dos
Estados com a ganância e o poder das corporações internacionais - tendo nas novas formas do
imperialismo americano seu ícone contemporâneo -), a modernidade se instalou calcada num
modelo civilizatório de desenvolvimento que agora se coloca em crise, tendo gerado imensas
diferenças entre os homens e as sociedades, um grande contingente de pobres e de miseráveis
e imensos danos ambientais ao planeta, decorrentes dos impactos acumulados ao longo destes
séculos.
A história da humanidade - notadamente o século XX - prova que ao crescimento
econômico não corresponde necessariamente a melhoria da qualidade de vida, ao contrário, de
fato foram gerados padrões de crescimento econômico que se traduzem pela incorporação
predatória de recursos naturais no fluxo da renda, o que significa uma contínua
descapitalização da natureza, o conseqüente comprometimento da capacidade de satisfação
das necessidades das gerações futuras e da própria continuidade da vida.
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Tudo se passa como se o sistema de produção atual fosse um sistema de produção de
riqueza, quando, na verdade, geram-se e acumulam-se degradações e poluições: a reprodução
ampliada da pobreza, da exclusão social e da deterioração ambiental. Não se pode chamar isso
de desenvolvimento e se crescimento econômico não é desenvolvimento, crescimento
perverso o é menos ainda. Padrões predatórios vigentes na utilização dos recursos naturais
levam assim à introdução de condicionantes ecológicas na análise sobre desenvolvimento, que
incluem conteúdo ético: a solidariedade com as futuras gerações exige que parcimônia e
responsabilidade frente à natureza. Como afirma Octavio PAZ (1982: 225),
(...) a destruição do equilíbrio ecológico, a poluição dos espíritos e dos
pulmões, as aglomerações e os miasmas dos subúrbios infernais, os estragos
psíquicos na adolescência, o abandono dos velhos, a erosão da sensibilidade,
a corrupção da imaginação, o aviltamento de Eros, a acumulação do lixo, a
explosão do ódio... Diante desta visão, como não retroceder e procurar outro
modelo de desenvolvimento?
Contemporaneamente, a intolerância frente às diferenças étnicas, religiosas e culturais,
o agravamento da pobreza, da exclusão e das desigualdades sociais, o predomínio do ter sobre
o ser e a imprudência frente à natureza e seus limites apresentam-se em forma de graves
crises, reflexos de uma socialização fundada no individualismo, no desrespeito pelos recursos
naturais, no consumo e na inconseqüência. Torna-se claro, neste momento de crise, a
necessidade do ressurgimento da natureza e da dignidade humana como valores fundamentais
para que seja possível uma reinvenção do futuro fundada em novas formas de
desenvolvimento, nas quais a eqüidade social, a solidariedade com as gerações futuras (e
presentes) e a eficiência econômica sejam critérios prioritários8.
Hassan ZAOUAL (2003) afirma que, caso seja possível a formação de uma “civilização
planetária da diversidade”, o paradigma do futuro apresentará epistemologia “multiforme,
plural e indeterminada”, o que requer a valorização e o respeito às diferenças simbólicas e à
integridade dos sítios simbólicos de pertencimento9, que são o locus do homo situs, conceito
8 Cf. SACHS, 1996: 10.
9 Para ZAOUAL (2003, p.112-4), “um sítio é, antes de tudo, uma entidade imaterial, logo invisível”, que
impregna comportamentos individuais e coletivos, manifestações, habitats, técnicas, saberes, instrumentos,
etc., sendo um patrimônio coletivo.
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proposto pelo autor para indicar a superação do homo oeconomicus, ícone e base do modelo
científico da racionalidade padrão e da ideologia econômica oficial10. Talvez como reação e
resistência ao processo de imposição de um modelo único de civilização, como decorrência
do fim das certezas infundidas pela modernidade ou como fruto da percepção dos perigos
imensos que tal modelo representa, têm surgido, em todos os lugares e de diferentes formas,
movimentos e processos que visam à valorização da diversidade, das comunidades locais, de
tradições e conhecimentos particulares, buscando intercâmbio cultural e cooperação ao invés
de dominação e de hegemonia (cf. ZAOUAL, 2003, p. 20).
Contrapondo-se ao paradigma médico dominante, ou em paralelo a ele, ciências
medicinais organizadas por outros princípios e por referências culturais diferentes voltam ao
cenário mundial contemporâneo - legal ou clandestinamente -, com vários nomes: medicinas
alternativas, tradicionais, paralelas, complementares. Fundamentando-se em diferentes
visões de mundo e representações de corpo, muitas vezes distintas daquelas canonizadas pela
ciência positivista, reportam a conhecimentos e saberes oriundos de culturas não-européias11
e, também, a saberes construídos a partir de divisões, cisões e dissensões internas do próprio
modelo ocidental hegemônico12 ou, ainda, a saberes mestiços, tradicionais, populares,
miscigenados, híbridos13, originados em culturas nascidas dos processos de colonização e de
desbordamento da cultura européia, como foi o caso do Brasil.
As novas representações híbridas geradas pelo encontro com a
cultura/civilização européia dominante constituíram, no último século,
espécies diversas de síntese, mais ou menos radicais, a partir de duas
vertentes: de um lado, as idéias e valores de inspiração autóctone e holista;
de outro, as idéias e valores trazidos da configuração individualista moderna
(PEIRANO, 1997, p. 88).
10 Para ZAOUAL (2003, p. 21), “a globalização, sinônimo de mercantilização do mundo, introduz localmente
um tipo de incerteza e de vertigem na mente humana. Uma das maneiras de reagir a isso consiste na busca da
certeza de que somente a proximidade pode garantir, até certo ponto, o sentimento de pertencer”.
11 Como as medicinas relacionadas ao taoísmo e à medicina tradicional chinesa (acupuntura, moxibustão etc.), à
medicina tibetana, ao reiki (budista / japonês / tibetano / karuna), ao shiatsu (japonês), à ayurveda (hindu), à
medicina unani (árabe) etc.
12 Por exemplo, idéias alquímicas (Paracelso), homeopatia, terapia de floral, medicina escolástica, antroposófica,
orthomolecular etc.
13 Darcy RIBEIRO (1975) afirma que, no processo de colonização, a dominação cultural impossibilita à maioria
da população criar e exprimir uma cultura “original”, uma vez que a dominante a compele a adotar idéias,
valores e costumes estranhos.
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Considerando a centralidade das questões relacionadas ao corpo e a seus processos na
vida social, o estudo das alternativas de saúde apresentadas por tais medicinas paralelas pode
vir a ser repertório para a discussão dos paradigmas contemporâneos. O conhecimento e a
análise de outro ethos podem contribuir para o surgimento de uma nova produção de saberes,
geradora de formas mais prudentes e responsáveis de atuação frente à natureza e às
sociedades. A partir de uma mudança de enfoque no plano epistemológico e cultural, podem
ser valorizados conhecimentos alternativos14, não-hegemônicos e saberes locais de promoção
e atenção à saúde.
Ao analisarmos amiúde a relação do homem com seu próprio corpo, com as práticas
curativas e a medicina, percebemos que a atual estrutura socioeconômica e política incentiva
o consumo de terapias sofisticadas como símbolos de poder e status, colocando o consumidor
de cuidados médicos frente a um modelo caro, em grande medida ilusório e, para a maioria,
inacessível. Complexos maquinários, robótica, biotecnologia, farmacêutica, engenharia
genética, microcirurgias etc. são subliminarmente apresentados pela agenda contemporânea e
pela empresa da medicina como promessas de bem-estar e de adiamento da morte, reforçando
a idéia de que a suposta objetividade científica, tecnológica e industrial garantirá a eficiência
dos processos de cura15. Entretanto, apesar da vinculação, posta na pauta do dia, entre
tecnologia, saúde e eficiência de cura, a resolução da grande maioria dos problemas relativos
à condição de saúde das populações passa ao largo de soluções que dependem de recursos
tecnológicos de ponta, pois estão, na realidade e antes, associadas a questões sociais,
econômicas, ambientais, sanitárias, éticas, políticas e culturais.
Nos tempos dos satélites, dos computadores, da internet, dos jatos supersônicos, da TV
a cabo, das redes mundiais de televisão, das informações em “tempo real”, é evidente que as
fronteiras entre os diversos artefatos culturais diminuem e que o mundo da cultura se torna
cada vez menor, tendendo à unificação. Mas há sempre a contrapartida: interligando o mundo,
14 “Definimos medicina alternativa como uma proposta terapêutica que foge da racionalização do modelo
médico dominante, i.e., da medicina especializada, tecnológica e mercantilizada, enquanto adota uma postura
holística e naturalística diante da saúde e da doença. De um modo geral, as medicinas alternativas criticam
na medicina alopática o reducionismo biológico, o mecanicismo, a ênfase na estatística, o primado do método
sobre o fenômeno e da doença sobre o doente” (QUEIROZ, 2000, p. 363).
15 Para BARTHOLO (1986, p. 82), “A cultura industrial moderna faz do mito da Máquina o modelo organizacional
da sociedade”.
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as diferenças se fortalecem, as minorias afirmam suas vozes, as noções de pluralismo,
democracia e diversidade se tornam cada vez mais influentes.
Transitamos, contemporaneamente, entre as representações de certezas difundidas pelo
paradigma16 científico da modernidade e a busca de novas alternativas e modelos, orientadas
pelo enraizamento e pelo sentimento de pertença cultural. A construção de outros paradigmas
e alternativas diferenciadas que possam viabilizar a manutenção da vida no futuro implica a
necessidade de repensar, dentre outras coisas, a relação do homem com o corpo, a natureza e a
cultura.
Algumas das tarefas que se colocam ao homem contemporâneo referem-se à
compreensão do caráter relacional da vida, à construção de relações verdadeiramente
dialógicas que viabilizem parcerias (com a natureza, o outro, o próprio corpo...) e à garantia
do respeito à vida, às alteridades, aos valores étnico-culturais, a saberes e conhecimentos
distintos, produzidos na especificidade técnica, simbólica e cultural dos grupos, de maneira a
ampliar o repertório e o acervo epistemológico humano, gerando sociabilidades mais
prudentes e comprometidas com a vida.
No cenário contemporâneo, em que pretendemos construir uma revisão profunda nas
relações da humanidade consigo mesma, com a natureza e o planeta, ao voltarmos o olhar
para as questões relativas à medicina e ao corpo, percebemos a importância da análise de
outros conhecimentos e saberes medicinas frente à construção de um acervo de tecnologias
sustentáveis17. Parte-se da hipótese de que a análise da relação entre enraizamento/
desenraizamento e conhecimento é de fundamental importância para o avanço (teórico e
epistemológico) da discussão sobre desenvolvimento sustentável, futuro e manutenção da vida
em sua mais ampla acepção, considerando-se a centralidade do lugar ocupado por ambos na
condição humana.
Assim chegamos à idéia de uma aventura epistemológica por trilhas e caminhos
alternativos, que pudessem conduzir à reflexão sobre a produção de conhecimentos situados e
16 Utilizamos o conceito de paradigma conforme estabelecido por KUHN (1990, p.13): “Considero
‘paradigmas’ as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem
problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.
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enraizados, tentando compreendê-los como expressões da diversidade cultural brasileira,
aproximando as relações entre saberes, técnicas e conhecimentos medicinais oriundos de
comunidades não-hegemônicas. Introduz-se, aqui, o tema do corpo como central para a
discussão dos paradigmas epistemológicos contemporâneos, a partir de uma mudança de
enfoque em que se valorizam outras tradições culturais, compreendendo a necessidade
ontológica de pertencimento simbólico e comunitário.
Foram propostos, como objetivos da pesquisa: - analisar as relações entre corpo, saúde e
natureza a partir da discussão dos paradigmas epistemológicos e das racionalidades étnicoculturais
envolvidos na produção de saberes, técnicas e conhecimentos medicinais brasileiros,
sob o ponto de vista epistemológico, ético, ambiental e cultura; - discutir modelos
contemporâneos de medicina frente à perspectiva de valorização de alternativas diferenciadas
de tratamento e cuidado do corpo, notadamente no que se refere à utilizção de elementos da
biodiversidade; - analisar as especificidades brasileiras frente à questão da saúde, do
conhecimento, do enraizamento e da diversidade cultural; - analisar influências teóricas,
vínculos epistemológicos e racionalidades medicinais alternativas, focalizando a relação entre
conhecimento local e a apropriação deste pelas esferas mercadológicas; - analisar as
especificidades brasileiras frente à questão do conhecimento, do enraizamento, do sentimento
de pertença e da diversidade cultural bem como os diferentes processos de transmissão e
perpetuação de acervos, conhecimentos, técnicas e saberes de grupos, comunidades,
coletividades e sociedades humanas, abarcando desde procedimentos primordiais humanos,
como a tradição oral, até os recursos tecnológicos contemporâneos, também na perspectiva da
diversidade cultural.
Foi proposto, então, como tema central da tese de doutorado, a análise da produção
epistemológica sobre o corpo, inserindo-a na trama complexa da diversidade cultural
brasileira, sob o prisma do enraizamento e do pertencimento simbólico, enfocando a
possibilidade de emergência de uma nova produção de saberes, geradora de formas mais
prudentes e responsáveis de atuação humana frente à vida em sua mais ampla acepção. O
estabelecimento de diálogos epistemológicos, culturais e etnográficos como este pode
17 Cf. BARTHOLO e BURSZTYN, 2001.
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subsidiar a postulação de uma ciência pautada pela ética e contribuir para a construção de um
acervo de tecnologias da sustentabilidade.
[As tecnologias da sustentabilidade] podem ser caracterizadas como ‘saberes
e habilidades de perenização da vida’, que se traduzem em ordenações
sistematizadas de modos diferenciados de interação (i.e., processos de
produção e circulação do produto, modos de organização social, padrões de
ganho e processamento de informações etc.). As tecnologias da
sustentabilidade expressam sua pertença à modernidade ética por terem no
princípio ‘sustentabilidade’ sua métrica (BARTHOLO e BURSZTYN, 2001,
p. 167).
O recorte temporal empírico da pesquisa é a contemporaneidade, compreendida a
necessária análise das condições históricas da modernidade, dos processos de construção dos
modelos tecnológicos hegemônicos bem como da discussão sobre etno-conhecimentos em
contextos cultuais específicos. Assim, foram levantados dados históricos sobre as principais
vertentes epistemológicas sobre o corpo e seus cuidados, incorporando-se as discussões
acerca da relação entre conhecimento medicinal e natureza nas tradições européia, ameríndia
e africana. O objeto de estudo incluiu, portanto, o conhecimento numa perspectiva ontológica
ampliada, considerando que o homem possui uma necessidade vital de enraizamento, de
pertencimento e de estabelecimento de vínculos com a criação, a natureza, a tradição e a
história. Os princípios metodológicos orientaram-se por uma abordagem interdisciplinar,
priorizando um enfoque cultural-epistemológico de valorização de saberes e conhecimentos
culturalmente não-hegemônicos, a partir do estabelecimento de uma postura dialógica.
Incluíram: revisão bibliográfica, leitura crítica sobre as temáticas inter-relacionadas, e
pesquisas de campo, estas desenvolvidas durante o período de junho de 2005 a junho de 2006,
abarcando visitas a algumas experiências concretas de políticas públicas de saúde que
utilizam fitoterapia e entrevistas com rezadeiras, curadores e outros agentes populares de
tratamento alternativo de saúde.
O processo de construção das identidades sociais no Brasil e a discussão sobre suas
diferentes tradições regionais, locais e étnicas constituem base para a análise das práticas
medicinais e dos modelos epistemológicos, cerne do segundo capítulo, Do Brasil Híbrido.
Abordam-se, ainda, aspectos conceituais, teorias e modelos explicativos sobre os processos de
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saúde e doença, de maneira interdisciplinar, dialogando com a Antropologia, a Sociologia, a
Antropologia Médica, discutindo as relações entre os âmbitos da técnica, da ação e da razão
empírica e os domínios da vida simbólica, cultural e mítica.
Afirmando o caráter híbrido da sociedade brasileira, em que realidades culturais e
étnicas fizeram tradições diversas se misturarem, o terceiro capítulo, Corpo, Cultura e
Natureza: Raízes e Tradições do Brasil, discute as relações entre cultura, saúde e natureza
subjacentes aos fundamentos epistemológicos das tradições européia, ameríndia e africana de
tratamento e cuidado com o corpo. Os conhecimentos medicinais da tradição ocidental,
constituídos como modelo médico hegemônico no Brasil, são analisados a partir das tradições
escritas européias, cujo corpus textual é examinado desde a Grécia até a codificação do
sistema médico moderno. As tradições orais ameríndias e africanas, constituindo-se como
contrapontos ao modelo hegemônico e assinalando diferenças conceituais e epistemológicas,
são interpretadas, em seguida, com base nos seus sistemas cosmológicos e míticos de
orientação à saúde. Assim, a cosmologia e o xamanismo ameríndios e o modelo litúrgico jejenagô
são discutidos, com ênfase na estreita relação que mantêm com a natureza.
Bebendo na Raiz: Saberes e Técnicas Medicinais do Povo Brasileiro, o quarto capítulo
da tese, apresenta alguns aspectos etnográficos da síntese cultural mestiça brasileira,
abordando as relações entre magia, religião e ciência na epistemologia cabocla, considerando
também a existência de uma base comum de saberes medicinais híbridos (europeus, africanos,
ameríndios, caboclos) que são difundidos e amplamente utilizados em todo o Brasil. Discute
também questões sobre a saúde pública no Brasil, na sua relação com os fármacos e as
terapias complementares, notadamente a Fitoterapia, abordando os recentes avanços nesta
área, como a aprovação, em 2006, da Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares no Sistema Único de Saúde e da Política Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos. Destacando, assim, a Fitoterapia como a mais ampla utilização em todas as
tradições, analisa a sua relação com a biodiversidade, bem como levanta alguns pontos sobre
a apropriação mercantilizada dos saberes situados. Ao abordar as plantas com uso terapêutico
no Brasil, o capítulo quarto analisa o exemplo do Projeto Farmácias Vivas, desenvolvido pela
Universidade Federal do Ceará e visitado durante a pesquisa de campo, como um dos modelos
de intersecção entre conhecimento popular, universidade e sociedade, um possível modelo
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para que se contruam políticas públicas sustentáveis na área da saúde. Como forma de
sistematização das Plantas de Uso Terapêutico no Brasil, ainda no quarto capítulo, foi
elaborado um catálogo que reúne informações sobre cerca de quinhentas plantas, com
indicação sobre os usos medicinais ou rituais mais comuns e as nomenclaturas
correspondentes (nomes científicos, populares e iorubanos - quando ocorrem), constituindose,
assim, um exemplo maior da diversidade biológica e cultural brasileira, evidenciada pela
discussão sobre o corpo em relação com a cultura e a natureza.
As considerações finais se encontram no capítulo de Conclusão, intitulado também de
Encruzilhadas, ponto de convergência de vários caminhos e também local de escolha, em que
se abrem as perspectivas e em que se fundem as possibilidades.
Em Anexo, foram disponibilizados alguns documentos de referência, como os textos da
Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde
(Portaria 971, de 3 de maio de 2006) e da Política Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos (Decreto 5.813, de 22 de junho de 2006).
Ao escolher tal tema como objeto de reflexão e análise para esta tese de doutorado, não
se pretendia a construção de nenhum discurso totalizador ou final. Esta aventura
epistemológica é, antes, um convite para a busca de perspectivas mais amplas de
entendimento do mundo, do outro e da natureza, considerando a diversidade como a maior
riqueza da vida. À idéia inicial, nascida de uma vontade acadêmica antiga de investigação
sobre as relações do homem com a saúde e o corpo nas interações entre cultura e ambiente,
aliou-se o desejo de beber nas raízes de nossas tradições brasileiras, voltando, assim, o olhar
para um futuro que só pode ser anunciado na esperança da manutenção da vida e da natureza.
Sem folha não tem sonho
sem folha não tem festa
sem folha não tem vida
sem folha não tem nada
Gerônimo / Ildásio Tavares
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2. DO BRASIL HÍBRIDO
qualquer amor já é um pouquinho de saúde,
um descanso na loucura.
JOÃO GUIMARÃES ROSA (GS:V)
O Brasil é uma sociedade com profundas desigualdades sociais e econômicas, cujos
atuais índices de urbanização e industrialização convivem com uma estrutura fundiária
perversamente concentrada e relações sociais e políticas herdadas do passado colonial e
escravista. O país experimentou, segundo OLIVEN (2001), “uma modernização conservadora
em que o tradicional se combinou com o moderno, a mudança se articulou com a
continuidade e o progresso vive com a miséria”.
Em meados da década de 80, com o fim da ditadura militar, o processo de
redemocratização do Brasil caracterizou-se por uma intensa mobilização social, com o
surgimento de novos atores políticos e de novas identidades sociais - etárias, de gênero,
religiosas, étnicas e regionais. Por um lado, o renascimento e a afirmação de culturas
regionais e, por outro, a crescente organização dos movimentos negros e das sociedades
indígenas revelam a intenção dos grupos sociais de destacar diferenças culturais e étnicas,
marcando uma posição de resistência às tentativas de homogeneização cultural na sociedade
brasileira, no quadro contemporâneo da globalização e do neoliberalismo internacional.
No Brasil, o processo de construção das identidades sociais forjou-se na imposição do
modelo civilizatório ocidental, num embate contínuo entre as investidas de dominação e os
processos de resistência cultural de comunidades e etnias não-hegemônicas. Uma das
conseqüências foi a histórica valorização de padrões culturais das elites, estas quase sempre
voltadas para os centros de cultura estrangeiros (europeus ou americanos), resultando na
adoção recorrente de idéias e modelos de fora do país e na acentuada tendência ao
desenvolvimento mimético.
Apesar das tendências ideológicas de se conferir simbologia de atraso e arcaísmo ao
povo e de se atribuir referências negativas a valores e expressões culturais de grupos,
comunidades ou etnias não-hegemônicas, uma rica cultura popular foi tecida no Brasil,
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incorporando motivos locais e expressões étnicas distintas, englobando diversos aspectos da
vida e do cotidiano (cf. RIBEIRO, 1975). Para BOSI (1994, p.46), “sob o limiar da escrita”
tem ocorrido, no Brasil, uma cultura mestiça nascida entre o povo pobre e dominado, num
espaço de populações etnicamente diversas, em que prevaleceu uma “simbiose (cabocla,
mulata ou cafusa) em todos os campos da vida material e simbólica”. Saberes, conhecimentos,
expressões, técnicas e práticas que fazem parte do acervo do patrimônio imaterial brasileiro -
resultantes do caráter múltiplo da formação étnica do país - organizam e orientam as formas
de existência, as visões de mundo e as respostas específicas às demandas enfrentadas por
comunidades urbanas e rurais inseridas nos mais diversos cenários, contextos e ambientes do
Brasil. Muitas tradições culturais deste acervo são qualitativamente diferentes daquelas que
são valorizadas pelo padrão hegemônico e dominante, diferindo-se também no que se refere à
percepção e à representação do corpo.
O processo histórico de ocupação territorial e a grande diversidade cultural do Brasil,
aliados à dimensão geográfica e à diversidade ambiental do país, implicam a existência de
áreas de influência cultural mais próximas de uma ou outra tradição, o que interfere nas
ocorrências das expressões e saberes medicinais. Em algumas regiões do país, onde a
presença do Estado - suas instituições e políticas públicas - se faz mais efetiva, um padrão de
percepção e cuidado de corpo se impõe por meio de seus agentes. Em outras regiões, mais
afastadas e desassistidas, as comunidades locais encontram formas peculiares de resolverem
seus problemas de saúde e cuidado com o corpo, recorrendo ao acervo de saberes e
conhecimentos tradicionais, transmitidos oralmente e muitas vezes organizados em forma de
narrativas míticas, imaginárias ou religiosas. Em algumas comunidades do Norte e Nordeste
do Brasil o conhecimento e a percepção de corpo se constróem em torno da tradição dos
ancestrais, estabelecendo como imagens mentais do corpo aquelas herdadas de arquétipos
diferentes do padrão hegemônico globalizado. Por outro lado, em regiões em que a presença
histórica de imigrantes orientais se processou de forma mais intensa como nas regiões Sul e
Sudeste, verifica-se uma maior influência de técnicas, conhecimentos e saberes oriundos de
culturas orientais.
Dentre o repertório do patrimônio imaterial do povo brasileiro, formas singulares de
percepção e intervenção sobre o corpo humano - e seus processos de saúde, doença e cura -
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persistem, profundamente enraizadas na vida de comunidades urbanas e rurais, constituindo
um rico acervo cultural de saberes, conhecimentos, práticas e tecnologias, em que elementos
étnicos variados compõem o amplo quadro de referências culturais sobre corpo e cura.
Tal estoque simbólico e prático, muitas vezes desconhecido ou estigmatizado pelo
modelo dominante de ciência, pode vir a representar, a partir do estabelecimento de diálogos
epistemológicos e culturais, possibilidades concretas para a melhoria da qualidade de vida do
povo brasileiro, podendo gerar a incorporação de conhecimentos e informações importantes
ao processo de implementação de um desenvolvimento que seja mais sustentável e para a
sistematização de um acervo cultural brasileiro de tecnologias sustentáveis18.
O quadro de diversidade étnico-racial e as grandes diferenças sócio-econômicas da
sociedade brasileira, formada por milhões de pessoas e por uma imensa complexidade e
multiplicidade de culturas locais tornam difícil o desenvolvimento de um estudo que
considere como objeto a identidade nacional e que tenha como orientação teóricometodológica
os fundamentos clássicos da etnografia, como o trabalho de campo e a
observação participante19.
A diversidade cultural e as diferenças sociais, entretanto, não impedem a existência de
certo grau de conexão entre os brasileiros, nem o estabelecimento da nação brasileira como
referência para a constituição dos vínculos de pertencimento, o que torna a comunidade
nacional uma referência para a formação da identidades20. O pertencimento nacional pode
extrapolar a esfera da ideologia e constituir-se como categoria cultural construtora de
identidades, estruturando-se, entretanto, localmente, a partir das condições políticas e dos
processos históricos da formação social.
18 Compreendidas como “tecnologias de processos e produtos (...), que incluem conhecimentos técnicocientífico,
procedimentos de organização e manejo, devendo ser compatíveis com as prioridades socioeconômicas,
culturais e ambientais nacionalmente determinadas” (BARTHOLO e BURSZTYN, 2001, p.
182).
19 Classicamente, os fundamentos estabelecidos da pesquisa etnográfica estão baseados na pesquisa de campo e
na observação participante como estabelecida, por exemplo, MALINOWSKI (1980), no texto “Objeto, Método
e Alcance desta Pesquisa”.
20 Para SCHNEIDER (2004, p.100), “a identidade é poderosa o suficiente para mobilizar rapidamente milhões
de pessoas para ‘morrer pela nação’. Ou, pelo menos, para sentar em frente à televisão e torcer pela seleção
de futebol durante uma competição internacional”.
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Quando se trata de “brasileiros” ou de “povo brasileiro”, caso se considere uma “cultura
nacional”, a amplitude do grupo em questão estabelece um dilema empírico imenso à
possibilidade de uma pesquisa etnográfica, recaindo, inexoravelmente, nos riscos de
simplificações e reducionismos ou de generalizações tão amplas que extrapolem as
perspectivas locais (cf. SCHNEIDER, 2004, p.99). Também seria de difícil solução uma
proposta de trabalho etnológico sobre a produção cultural nacional, que pudesse abarcar a
análise de dados tão diversos. No entanto, os vínculos de pertencimento à cultura, à história e
ao território do país desempenham importante papel nas auto-imagens identitárias,
constituindo construtos discursivos de referência. Segundo SCHNEIDER (2004, p.99-100),
A análise das identidades nacionais obriga-nos a procurar (...) o locus social
e cultural onde a formação identitária realmente ocorre - não apenas
enquanto representação simbólica, mas também enquanto dispositivo
extremamente poderoso para a reprodução contínua e cotidiana, entre os
membros de uma dada nação, dos princípios básicos que a fundam e
estruturam. (...)
Uma vez que a nação articula sentimentos de “comunhão” [commonness]
entre seus membros (mesmo que esta última não possa ser observada
empiricamente), tal articulação deve estar intimamente associada à mediação
ou transmissão das “narrativas-mestras” da nação aos seus membros.
“Pertencer ao povo brasileiro”, por exemplo, pode filiar aquele que pertence a um
“discurso fundador” de nacionalidade, que opera construindo referências contínuas oriundas
de um passado imaginário, constituído num locus mítico, de onde emanam elementos de
representação do que significa “ser brasileiro”.
Os discursos nacionais, neste sentido, não são apenas a expressão de determinados
sentimentos, mas são também (e principalmente) mecanismos que estabelecem vinculações
simbólicas a um passado imaginário comum que - atuando como mitos - é continuamente
recriado, fazendo emanar sentidos representativos que agem na construção das imagens que
os brasileiros têm do país e de si mesmos. Estas imagens de referência, existindo no plano na
ideação e não da realidade, constroem um imaginário simbólico repleto de emanações
fundantes de identidades, que, por um lado, tornam semelhantes as representações dos
brasileiros sobre o que é “ser brasileiro” e, por outro, dificultam a percepção das realidades e
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dos problemas efetivos do país. Em síntese, tanto operam criando a nação enquanto uma
“comunidade” quanto, ao mesmo tempo, permitem que construções ideológicas escamoteiem
a realidade.
Para CHAUÍ (2001), há, no cotidiano dos brasileiros, a presença de representações
homogêneas sobre o país e sobre si mesmos, o que permite que se acredite “na unidade, na
identidade e na indivisibilidade da nação e do povo brasileiros” e que se conceba a divisão
política sob a forma de “amigos da nação e inimigos da combater” (ibidem, p.7). Dentre estas
representações ideológicas, a autora destaca algumas, tais como as crenças generalizadas de
que o Brasil:
1) é “um dom de Deus e da Natureza”; 2) tem um povo pacífico, ordeiro,
generoso, alegre e sensual, mesmo quando sofredor; 3) é um país sem
preconceitos (...), desconhecendo discriminação de raça e de credo, e
praticando a mestiçagem como padrão fortificador da raça; 4) é um país
acolhedor para todos os que nele desejam trabalhar (...); 5) é um “país dos
contrastes” regionais, destinado por isso à pluralidade econômica e cultural
(ibidem, p. 8).
No entendimento da autora, estas representações operam persuasivamente e justificam
as injustiças sociais, as brutais diferenças econômicas, escamoteando preconceitos e
estabelecendo uma auto-imagem positiva associada a uma suposta “unidade fraterna”, ainda
que a realidade revele o avesso disto.
É assim, por exemplo, que alguém pode afirmar que os índios são
ignorantes, os negros são indolentes, os nordestinos são atrasados, os
portugueses são burros, as mulheres são naturalmente inferiores, mas,
simultaneamente, declarar que se orgulha de ser brasileiro porque somos um
povo sem preconceitos e uma nação nascida da mistura de raças (ibidem, p.
8).
De onde vieram estas representações e de que maneira operam com renovada força?
Para CHAUÍ (2001, p.9-29), elas remetem aos mitos primordiais da nação brasileira,
narrativas públicas construídas ao longo dos séculos que, impondo vínculos internos com o
passado tido como originário, reportam a feitos lendários da comunidade, estabelecendo
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ligações com este passado simbólico que não cessa nunca, estando perenemente presente, e
que impede uma compreensão crítica do presente.
Tais representações operam, segundo a autora, em três sentidos míticos: primeiramente,
sob o ponto de vista etmológico, remetem ao sentido grego da palavra mythos, isto é,
associam-se às narrativas públicas de feitos lendários de um passado imemorial da
comunidade; em segundo lugar, sob a ótica antropológica, estas narrativas surgem como
solucionadoras de tensões, conflitos e contradições “que não encontram caminho para serem
resolvidos no nível da realidade” (ibidem: p.9), e, por fim, também no sentido psicanalítico
estas representações funcionam como mitos, impulsionando “à repetição de algo imaginário,
que cria um bloqueio à percepção da realidade e impede lidar com ela” (ibidem, p.9).
Portanto, operam como mitos fundadores do Brasil, considerando-se que:
Um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios para
exprimir-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que,
quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo
(CHAUÍ, 2001, p. 9).
Ainda segundo CHAUÍ (2001), a nação surge como um signo prenhe de sentidos, do
qual não cessam de brotar efeitos de significação, que impregnam de nacionalidade o
patrimônio artístico, territorial e geográfico do país, legitimando a posse e a guarda destes
pelo poder político.
[Da] disputa de poder e de pretígio nascem, sob a ação do poder político, o
patrimônio artístico e o patrimônio histórico-geográfico da nação, isto é,
aquilo que o poder político detém como seu (...). Em outras palavras, (...) o
patrimônio histórico-geográfico e artístico é nacional. (...)
Por meio da intelligentsia (ou de seus intelectuais orgânicos), da escola, da
biblioteca, do museu, do arquivo de documentos raros, do patrimônio
histórico e geográfico e dos monumentos celebratórios, o poder político faz
da nação o sujeito produtor de semióforos21 nacionais e, ao mesmo tempo, o
objeto do culto integrador da sociedade una e indivisa (CHAUÍ, 2001, p. 14).
21 Conceito de semióforo: “um signo trazido à frente ou empunhado para indicar algo que significa alguma
outra coisa, e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim por sua força simbólica”, cuja posse
representa poder e prestígio (cf. CHAUÍ, 2000, p.12).
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Seguindo a periodização proposta por HOBSBAWN (1990, apud CHAUÍ, 2001, p. 16),
o aparecimento do termo “nação” 22 no vocabulário político data de cerca de 1830, com
mudanças de sentido abrangendo etapas históricas: na primeira etapa, compreendida de 1830
a 1880, relaciona-se a um “princício de nacionalidade” e vincula nação a território (com um
discurso de nacionalidade originado da economia política liberal); na segunda, de 1880 a
1918, refere-se a uma “idéia nacional” e estabelece articulaçãos de nação à língua, à religião
e à raça, constituindo um instrumento unificador da sociedade no momento em que a divisão
social e econômica das classes surge com clareza (com discursos vinculados à
intelectualidade burguesa); e na terceira, que abrange o período de 1918 até as décadas de
1950 e 60, fala-se de “questão nacional” e conecta-se nação a uma consciência nacional
definida por lealdades políticas (com discursos emanados de partidos políticos e do Estado).
O processo histórico de invenção da nação nos auxilia a compreender um
fenômeno significativo, no Brasil, qual seja, a passagem da idéia de “caráter
nacional” para a de “identidade nacional” (ibidem, p. 21).
O apelo da “identidade nacional” à consciência opera um deslizamento de
grande envergadura, escorregando da consciência de classe para a
consciência nacional (ibidem: p. 26).
Dentre as representações recorrentes sobre o Brasil, a mestiçagem é uma presença
marcante, tendo sido apresentada das mais diversas maneiras, pelos autores que a discutiram.
Se, por um lado, a noção de identidade pressupõe uma alteridade que funciona como marca
distintiva, por um outro lado esta alteridade torna-se vaga e frouxa quando a idéia de
“mestiçagem” incorpora valores de uma totalidade social homogeneadora, unificando de
maneira brutal as diferenças locais, estabelecendo uniformizações que, mais que simplistas,
são ideológicas, pois desfazem os traços étnico-culturais e as especificidades dos grupos, das
comunidades e das diferenças regionais.
É pertinente, assim, pensarmos não em termos de uma “identidade nacional”, mas sim
em identidades nacionais, que se revelam quando inseridas contextualmente, no jogo das
relações sociais, operando de maneira localizada, contextualizada, situada. O caráter
22 A idéia de nação aqui “compreendida como Estado-nação, definida pela independência ou soberania política
e pela unidade territorial e legal” (ibidem, p.14).
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relacional da vida ainda reforça a necessidade de se pensar a identidade - e, no caso do Brasil,
as identidades - a partir de suas referências étnico-culturais locais.
Podemos tomar como exemplo o surgimento de novas identificações identitárias após a
promulgação da Constituição de 1988, que garantiu direitos específicos a grupos étnicoculturais
brasileiros, como a posse da terra aos remanescentes quilombolas e grupos
indígenas, com a busca crescente de elementos firmadores de identidade e pertencimento. Em
vários lugares do Brasil, grupos locais remanescentes, que historicamente vinham sendo
afastados de suas tradições, buscaram, neste contexto, reconstituir-se enquanto pertencentes a
seus grupos étnicos de origem, ainda que precisassem re-aprender as tradições perdidas no
confronto com a sociedade hegemônica. Segundo AGIER (2001, p. 9),
De acordo com a abordagem contextual, não existe definição de identidade
em si mesma. Os processos identitários não existem fora de contexto, são
sempre relativos a algo específico que está em jogo (...). A coisa em jogo
pode ser, por exemplo, o acesso à terra (caso em que a identidade é
produzida como fundamento das territorialidades), ao mercado de trabalho
(quando as identificações têm um papel de exclusão, de integração ou de
privilégio hierárquico) ou às regalias externas, públicas ou privadas,
turísticas ou humanitárias (e as identidades podem ser os fundamentos do
reconhecimento das redes ou facções que tomam para si essas regalias).
As identidades individuais ou comunitárias podem ser buscadas como referências
contextuais, mutáveis23, partindo-se do fato de que somos o que somos quando somos “o
outro de alguém, o outro de um outro” (ibidem, p. 9). Há um fluxo contínuo de relações
identitárias que podem se colocar como cambiantes, fluidas, modificáveis, frente às
necessidades dos grupos de pertencimento24. No entendimento de AGIER (idem, p.13), “o
caminho que vai da cultura à identidade, e vice-versa, não é único, nem transparente e
tampouco natural. Ele é social, complexo e contextual”.
23 Para AGIER (2001, p. 10), “Em uma situação de mudança social acelerada, como a que se vive em todas as
partes do mundo ao longo das últimas décadas, os estatutos sociais se recompõem e os indivíduos devem
redefinir rapidamente sua posição, em uma ou duas gerações. Nesse momento, a questão identitária torna-se
um problema de ajuste, simultaneamente social na sua definição e individual em sua experiência”.
24 “Toda identidade, ou melhor, toda declaração identitária, tanto individual quanto coletiva (mesmo se, para
um coletivo, é mais difícil admiti-lo), é então múltipla, inacabada, instável, sempre experimentada mais como
uma busca que como um fato” (AGIER, 2001, p. 10).
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No contexto brasileiro, em que várias escalas de diversidade se penetram e misturam, os
processos de criação e re-criação cultural podem constituir tensões nascidas das relações entre
as especificidades locais e os paradigmas gerais. Segundo AGIER (idem, p. 19),
a própria criação cultural é tomada por uma tensão do mesmo tipo: ela
consiste em colocar em relação, por um lado, imaginários locais que devem
sempre acomodar a densidade dos lugares, de suas sociabilidades, de suas
memórias, e, por outro, as técnicas, os conjuntos de imagens e os discursos
da rede global que, por sua vez, circulam praticamente sem obstáculo,
despojados de todo enraizamento histórico.
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2.1. PRÁTICAS MEDICINAIS E MODELOS EPISTEMOLÓGICOS
A etimologia do termo saúde denota uma qualidade dos seres intactos, indenes, com
sentido vinculado às propriedades de inteireza, totalidade. Em algumas vertentes,
saúde indica solidez, firmeza, força.
NAOMAR DE ALMEIDA FILHO
No exercício cotidiano do povo brasileiro, apesar da forte influência da racionalidade
moderna e do tecnicismo da medicina padrão sobre os modelos e as percepções do corpo,
outras racionalidades estão presentes, oriundas de outras referências culturais, impregnando o
corpo de sentidos diversificados e ampliando o leque de possíveis atuações terapêuticas. As
dimensões simbólicas, mágicas ou míticas atuam nas representações e nas ações relativas ao
corpo e seus processos, quaisquer que sejam os ambientes culturais ou os contextos sociais
das práticas terapêuticas. Afinal, não é possível estabelecer, na vida humana, distinções
categóricas entre o âmbito racional e o mítico-simbólico, pois eles estão interligados e
imbricados, numa relação complexa e inteira.
As práticas sobre o corpo referem-se tanto ao âmbito da técnica, da ação e da razão
empíricas, quanto ao domínio simbólico, ao universo cultural e mítico. Assim, são vários os
caminhos possíveis para a interpretação conceitual, o que requer abertura de perspectiva e
diálogo interdisciplinar.
No Brasil, a diversidade étnico-cultural disponibiliza várias semiologias para as práticas
de cura e cuidado do corpo, fazendo variar os graus de uma ou outra matriz cultural, a
depender dos grupos e das comunidades interpretativas em que os indivíduos se inserem.
Algumas acontecem em paralelo a outras, às vezes em conflito, às vezes como complemento.
A coexistência dessas instâncias pode ser declarada ou não, a depender do contexto históricocultural,
das condições socioeconômicas, dos grupos de pertencimento (étnicos, religiosos,
científicos, acadêmicos...), das comunidades interpretativas ou, ainda, das circunstâncias
(individuais, familiares, comunitárias, societais...) em que as pessoas se encontram.
Ainda que a medicina oficial orbite em torno de uma racionalidade técnica calcada,
aparentemente, apenas na lógica empírica e na comprovação científica, não se pode esquecer
que são seres humanos que estão envolvidos em suas terapêuticas. Pessoas que podem
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vivenciar, no contato que estão estabelecendo com a medicina, experiências limítrofes entre
saúde e doença, entre vida e morte, contextos em que a existência pode ser posta em xeque e
em que as dimensões afetivas, espirituais ou religiosas podem aflorar mais acentuadamente,
mesmo entre aqueles cujas vidas foram orientadas pelo viés físico-orgânico racionalizado. A
percepção do corpo a partir da dimensão espiritual, mítica e simbólica - além da dimensão
física - ocorre também no seio da mais racional das comunidades, conforme as circunstâncias
pessoais ou contextuais.
As unidades ou centros de tratamento intensivo (UTIs ou CTIs) podem ser
considerados, por excelência, uma síntese da medicina tecnológica padrão, convergindo num
mesmo ambiente representações de autoridade médica, austeridade e frieza, “neutralidade”
técnica, objetividade e racionalidade extremas, vórtice da medicina tecnológica e do aparato
mecânico ostensivo.
Mas, no cerne deste tipo de lugar estão os humanos e seus dramas, suas histórias de
vida, suas tragédias, seus problemas vividos ao extremo. Semelhante teor de intensidade
atribuído aos tratamentos dispensados poderia ser atribuído à experiência de quem vive dentro
ou próximo de uma UTI: são intensas e intensivas as emoções envolvidas. É comum verificar
que, nestas circunstâncias, até as pessoas mais racionalistas podem recorrer ao sentimento de
religiosidade, buscar conforto e alívio na aproximação com elementos simbólicos e com seus
grupos de pertença, trazendo a dimensão espiritual-afetiva para as circunstâncias vividas.
Em comunidades interpretativas que timbram pelo viés empírico, apresentando como
característica comportamental o pensamento racional, pode acontecer, em situações
inesperadas de desordem ou em momentos de crises, um grau maior de aceitação e apelo ao
pensamento simbólico, mágico ou religioso. Afinal, as práticas “científicas” da medicina
padrão também podem implicar processos mágico-religiosos, pois envolvem pessoas e a
natureza humana em sua completude.
Por outro lado, símbolos e mitologias relacionados à medicina hegemônica são criados
continuamente, havendo uma formação constante de novas representações ideológicas de
força mítica calcadas na racionalidade médica, com interferências do sistema econômico e do
mercado sobre as formas contemporâneas de percepção e de representação do corpo. Como
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propõe Ivan ILLICH25, um dos mitos médicos contemporâneos pode ser considerado a ilusão
de que quanto mais intensa for a interferência tecnológica sobre o corpo maior será sua
eficiência, apesar das iatrogêneses26 e da constatação, em muitos casos, do contrário: quanto
maior a intervenção, mais danos são causados. Os rituais que nutrem esses mitos e mitologias
contemporâneas continuamente vão além das práticas sociais imediatas, das convivências, e
se expandem às tele-vivências, como a propaganda, a mídia, as agendas contemporâneas,
passando, sem dúvida, à esfera da ideologia27
.
Assim, é pertinente afirmar que, nas análises sobre as práticas medicinais - mesmo as
referentes ao modelo hegemônico dito racional - o âmbito simbólico e mítico não deve ser
descolado nem recusado em função de uma pretensa objetividade, pois as pessoas vivem
completamente imersas num mundo de símbolos - ainda que degradado em marketing,
shopping, way of life... -, e atuam no mundo a partir desta imersão.
Os símbolos, a linguagem e as representações - repletas de conteúdos étnicos, históricos
e ideológicos - dão suporte, sentido e direção à existência humana, inseridos na trama
complexa da vida e constituídos pela cultura28. A linguagem é fundamento para todas as
atividades humanas: as técnicas, as epistemológicas, as lógicas, as científicas (qualquer que
seja o padrão de ciência envolvido), permeando também as imaginativas, as curativas, as
emotivas e as espirituais.
Quando se volta o olhar para o estudo das relações do homem contemporâneo com a
medicina e o corpo, algumas questões críticas se apresentam. De início, há a “manipulação
dos indivíduos pelas estruturas tecnocráticas do poder” (BARTHOLO, 1986) que a tecnologia
moderna representa. Paradoxalmente, ao tempo em que crescem a consciência e o temor dos
25 Um marco nos estudos sobre o paradigma médico mecanicista é a obra de Ivan ILLICH (1975), A expropriação
da saúde, publicada nos anos 70, que expressa críticas à medicalização da vida, em que a demasiada
intervenção técnica, as implicações estruturais decorrentes e o aparelho biomédico do sistema industrial retiram
dos indivíduos a autonomia frente ao corpo e o poder de cidadão de controlar o sistema.
26 Iatrogêneses: problemas clínicos ou sociais provocadas pela medicina (etimologia: iatros = médico, gênesis =
origem) (ILLICH, 1975).
27 Concebe-se, aqui, a ideologia enquanto um corpo sistemático de representações e de normas que “ensinam” a
conhecer e a agir, a partir dos interesses de classe estabelecidos. Considera-se o caráter ‘deformador’ da
ideologia, seu viés de distorção que opera na construção de aparências que não correspondem ao real e sim aos
construtos hegemônicos da sociedade. “Pois ideologia é inverdade, falsa consciência, mentira” (ADORNO,
2003, p. 68).
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perigos representados pela tecnologia humana29, as estruturas do poder e as determinações do
mercado reforçam continuamente ilusões quanto à ciência e à tecnologia modernas, quimeras
decorrentes também da centralidade destas na vida contemporânea. Cria-se a ilusão de que a
técnica moderna (reatualizada constante e velozmente) representa segurança para o homem
(proteção, conforto, alienação da dor, fuga da morte...). As seguranças ilusórias aumentam a
fé na ciência como solução inquestionável dos problemas, até dos causados por ela mesma,
gerando também afastamento do princípio da ética30, da prudência e da responsabilidade31.
O progressismo, ao acreditar que já se havia chegado a um nível histórico
em que não cabia substantivo retrocesso, senão que mecanicamente se
avançaria até ao infinito, afrouxou as cavilhas da cautela humana e deu lugar
a que irrompa de novo a barbárie no mundo (ORTEGA Y GASSET, 1963,
p.29).
No âmbito da medicina, quando se trata de desvendar o corpo e interpretá-lo com
finalidades curativas, ilusões como essas resultam em graves conseqüências. Há uma
tendência a se conferir à parafernália tecnológica de investigação e diagnóstico do corpo uma
eficiência incontestável, baseada na suposição ideológica de que a máquina não erra, sendo
precisa porque “não-humana” e na falácia de que a ciência é neutra. Há também o crescente
deslumbramento com a tecnologia médica, suas promessas e conteúdos implícitos, criando
miragens de confiabilidade, conforto e felicidade. Tais falácias, dentre outros males que
causam, oneram orçamentos (pessoais e públicos), privilegiando a hospitalização e os
interesses da ampla empresa médica e reforçando a práxis fundada na modernidade técnica32.
Enquanto, no plano do indivíduo, orçamentos são comprometidos com planos de saúde
particulares e medicamentos (ilusões de proteção contra dor e morte), no plano social-
28 Cf. GEERTZ, 1989, e DA MATTA, 1981.
29 A percepção dos perigos da tecnologia é formulada nos termos de Hans Jonas (cf. BARTHOLO, 1986, p. 104-
15) como uma heurística do temor, isto é, a percepção do perigo implícito que pode advir da intervenção
tecnológica sobre a natureza.
30 BARTHOLO (1986, p. 104) afirma que: “O poder científico-tecnológico se desenvolve na Modernidade no
interior de um ‘vácuo ético’ que potencializa o risco de autodestruição para um Homem alienado de seu
vínculo de pertinência com a Natureza”.
31 Diante das ameaças engendradas pelo poder científico-tecnológico e ausência da ética, Jonas propõe um novo
“princípio responsabilidade”, com o imperativo categórico: “que exista uma humanidade!” (cf. BARTHOLO e
BURSZTYN, 2001, p.166).
32 Cf. BARTHOLO e BURSZTYN, 2001, p. 167.
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comunitário, considerável parcela dos gastos públicos está empenhada com hospitalização,
medicalização, formação de especialistas, tratamento intensivo, equipamento33. A medicina
centrada na tecnologia, apesar de consumir grande parcela de recursos públicos, não
disponibiliza o acesso a todos, excluindo a maior parte da população pobre, tornando-se
ineficiente para a melhoria das condições de saúde da sociedade.
ILLICH (1975, p. 13-40) contesta o mito da eficácia técnica do ato médico,
continuamente alimentado pelo “dispendioso ritual da medicina” e pela difusão de outras
ilusões, como “a ilusão de que o ato médico tem impacto primordial sobre a saúde global”, ou
“a ilusão de haver correlação natural entre a intensidade do ato médico e a freqüência das
curas”. Na perspectiva do autor, tais ilusões podem ser contestadas facilmente. Em primeiro
lugar, há o fato de que, nas sociedades modernas, “o meio (noção que inclui o modo de vida)
é a primeira determinante do estado de saúde global de qualquer população” (ibidem, p. 21).
Fatores como alimentação, condições de habitação e de trabalho, poluição, saneamento,
tratamento das águas, são mais importantes que a intervenção médica na determinação da
saúde. Em seguida, é possível observar que “os métodos de diagnósticos mais eficientes são
de aplicação simples e baixo custo, e que a eficácia de intervenções e tratamentos aumentaria
com a desprofissionalização” de alguns procedimentos e com a “incorporação de técnicas”
simples na cultura higiênica popular. E, argumenta ainda, grande parte dos “atos médicos
muito intensivos” resulta em “graves efeitos secundários”, no aumento do período de
invalidez do paciente, na necessidade de tratamentos adicionais decorrentes da intervenção
médica inicial, sem, contudo, representar melhorias significativas de esperança de vida. Illich
afirma, assim, as iatrogêneses como epidemias modernas, que atingem tanto o indivíduo34
quanto a sociedade35, gerando perda de autonomia do sujeito frente ao próprio corpo e perda
33 O comprometimento dos orçamentos públicos e privados com o sistema médico coincide com o que ILLICH
(1975) analisa sob o prisma das iatrogêneses sociais e das iatrogêneses estruturais.
34 As iatrogêneses atingem o indivíduo causando problemas como, por exemplo, as intervenções desnecessárias,
o uso de medicamentos fora do prazo, as reações adversas, as possíveis ignorâncias dos médicos, os erro
laboratoriais, o excesso de medicação, as infecções decorrentes das intervenções etc.
35 “A iatrogênese social é o efeito social não desejado e danoso do impacto social da medicina, mais do que de
sua atuação técnica direta” (ILLICH, 1975, p. 43). Exemplo: medicalização da vida, do orçamento e da prevenção,
controle médico institucional da população, dependência do médico, invasão farmacêutica,
superconsumo de medicamentos, controle social pelo diagnóstico.
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de autonomia política da população como um todo frente ao controle institucional exercido
pelo sistema médico.
O que se coloca em xeque é o paradigma hegemônico de saúde, uma vez que é o
modelo em si - e suas decorrentes dimensões simbólicas, culturais, econômicas, ambientais e
sociais - que se encontra em crise. Para ILLICH (ibidem, p. 50),
Essa saúde nacional bruta exprime a mercantilização de coisas, palavras e
gestos produzidos por um conjunto de profissões que se reservam o direito
exclusivo de avaliar seus efeitos e que tornam o consumo de seus produtos
quase obrigatório, utilizando seu prestígio para eliminar da vida cotidiana as
escolhas alternativas.
Para PAUL (1998), o dualismo cartesiano, o positivismo e o predomínio das atividades
empíricas nas ciências, no método e nos conceitos científicos, mesmo levando a medicina a
êxitos e eficácias antes inimagináveis, tiveram conseqüências irremediáveis: a crescente
especialização, o aumento de custos e de iatrogêneses, a falta de critério ético e a
transformação do paciente em corpo-objeto. Esse modelo se tornou dominante, mas não sem
divisões e conflitos: paralela à medicina materialista mecanicista sempre houve, no seio
mesmo da ciência médica ocidental, uma contraposição recorrente de abordagens mais holistas
e vitalistas.
Durante o século XX, notadamente na primeira metade, o contato e o conhecimento
crescente entre culturas de todo o mundo, associados aos novos enfoques da Antropologia
(valorização da pesquisa etnográfica, busca de reconstrução dos critérios internos de cada
cultura, percepção da especificidade das diferenças culturais, estabelecidas como dados
irredutíveis etc.), ampliaram as perspectivas, evidenciando outras alternativas culturais
relativas ao corpo e à saúde.
Para VELHO e VIVEIROS DE CASTRO (1978), o espelho da alteridade contamina a
consciência do século XX e os movimentos culturais nascidos neste período - surrealismo,
lingüística, psicanálise, socialismo - foram marcados pela negação dos etnocentrismos. Deste
cenário decorreram, dentre outras coisas, desde movimentos estético-culturais modernistas no
início do século até movimentos de contestação e contracultura nos anos 60, marcados por
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uma forte influência das culturas de fora do eixo ocidental. Além de conteúdos políticos,
comportamentais, sociais e estéticos, tais movimentos propunham mudanças na relação com o
corpo, valorizando os princípios da autonomia, da liberdade, da simplicidade, da paz, do
amor, da vida natural e do auto-conhecimento, contrapondo-se à sociedade de consumo, aos
valores materiais e ao individualismo. Na sociedade ocidental emergiram sociedades
alternativas, mais identificadas com culturas não-hegemônicas, com idéias e valores de
inspiração autóctone e holista.
No repertório cultural contemporâneo, outras medicinas se apresentaram à cena, mais
próximas das práticas médicas populares tradicionais, opondo-se ao modelo hegemônico de
saúde, que se baseia na dependência pessoal, na valorização da tecnologia, na invasão
farmacêutica, na violência das intervenções desnecessárias pautadas pelos determinantes
mercadológicos, na prioridade dos interesses do capital e na expropriação do indivíduo de seu
próprio corpo, transformado em objeto manipulado por atos técnicos.
O taoísmo de Lao-Tsé, o zen budismo, a filosofia mística emanada da Índia,
em um sentido mais amplo, e a acupuntura, a yoga, as técnicas de massagens
orientais e a alimentação macrobiótica, em um sentido mais específico,
foram as principais fontes que, no Brasil, influenciaram o movimento
alternativo na área da saúde. Mais modernamente (...) houve um renovado
interesse pela ciência e a arte chinesas (QUEIROZ, 2000).
O panorama mundial da virada do século XXI, repleto de ambivalências e contradições,
evidenciou crises em âmbitos gerais, da medicina ocidental hegemônica ao paradigma
científico vigente como um todo. Frente à medicina ocidental (que se arroga detentora da
ciência verdadeira) eclodem outras medicinas que sempre correram em paralelo, trazendo a
diversidade médica e simbólica à cena contemporânea (cf. LE BRETON, 1995, p. 176). O
arcabouço conceitual positivista da biomedicina não serve para aferir eficiências terapêuticas
destas outras práticas medicinais, pois correspondem, entre si, a categorias mentais
culturalmente distintas, a diferentes visões de mundo e arcabouços simbólicos, que não
podem ser reduzidos a um único modelo.
Se trata de visiones del mundo, de enfoques puestos sobre el cuerpo y la
enfermedad, en fin, de dos concepciones del hombre (...), dos polos del
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saber e de la acción. Sus modos de validación son contradictorios. Lo que no
significa que uno o otro sea falso (ibidem: p. 175).
A forma de se perceber e interpretar o corpo e seus processos também varia a depender
do lugar e do sistema simbólico que orienta a vida das pessoas do local. Tais percepções
atribuem significados diferenciados aos processos de adoecimento e de cura, podendo
interpretá-los a partir de explicações que incorporem sistemas de crenças e aspectos variados
da vida, que alcançam dimensões adicionais às meramente físicas.
Apesar da diversidade cultural se constituir como definidora da própria humanidade, a
ciência moderna, instituída como saber acadêmico e poder político, buscou, autoritariamente,
reduzir diferenças, num contínuo ímpeto de transformar o outro em si mesmo. Como
resultado, o preconceito permeia a relação com técnicas, saberes, conhecimentos e
manifestações culturais oriundas de comunidades não-hegemônicas, o que significa um
empobrecimento do acervo cultural de técnicas e de conhecimentos e a imposição de modelos
exógenos, sem vínculos de pertencimento com os povos dos lugares.
A reflexão sobre a cultura deve abarcar uma reformulação da noção hegemônica de
técnica, associada, no atual modelo, à ciência positivista. A compreensão da técnica humana36
precisa ser alargada, para fora do etnocentrismo ocidental, de maneira a abarcar
conhecimentos e saberes culturalmente distintos, originários de outros sistemas cognitivos e
cosmológicos que não o ocidental dominante: a técnica é uma característica ontológica,
definidora de humanidade. A construção de outras alternativas e modelos37 implica a
necessidade de se repensar os conceitos de técnica e de conhecimento e o paradigma
epistemológico-científico, retomando percursos orientados pelo enraizamento e pelo
sentimento de pertença.
O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida
da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. Um ser humano tem
raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma
36 ORTEGA Y GASSET (1963, p. 29 e 45) afirma que “não há homem sem técnica” (...), “o homem começa
quando começa a técnica”.
37 Segundo CAPRA (1996, p. 33), “durante este século, a mudança do paradigma mecanicista para o ecológico
tem ocorrido em diferentes formas e com diferentes velocidades nos vários campos científicos. (...) Ela envolve
revoluções científicas, retrocessos bruscos e balanços pendulares”.
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coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos
pressentimentos de futuro (...). Cada ser humano precisa ter múltiplas raízes.
Precisa receber a quase totalidade de sua vida moral, intelectual, espiritual,
por intermédio dos meios dos quais faz parte naturalmente (WEIL, 2001, p.
43).
A necessidade de mudança de enfoque indica também o imperativo de se considerar a
diversidade cultural como riqueza patrimonial planetária. Para ZAOUAL (2003, p. 20-21), a
busca de superação do modelo único e o esgotamento das certezas ocidentais herdadas do
século das luzes geram tensões e recomposições que motivam a afirmação das identidades e
dos territórios e atingem as mais diversas dimensões da vida, inclusive a econômica, abalando
os princípios e fundamentos da ciência moderna38.
No sistema explicativo da ciência moderna, o corpo humano - decomposto em partes
cada vez menores e percebido apenas por aspectos orgânicos - é diagnosticado por
fracionamento tecnológico, em que a ampla completude da pessoa humana e seus vários
âmbitos nem sempre são considerados. As formas de diagnóstico e as interpretações sobre o
corpo decorrentes deste modelo raramente consideram aspectos emotivos, espirituais ou de
campos distintos dos físico-químicos orgânicos. Ainda que a manifestação de grande parte das
doenças seja, efetivamente, passível de ser diagnosticada por meio das decomposições
analíticas da empresa medicinal - laboratórios, sondagens, imagens ultra-sônicas,
aparelhagens caras e sofisticadas, todo um aparato científico e tecnológico - este modelo é
inacessível a grande parte da população brasileira e mundial.
Por outro lado, a complexidade da vida humana e seu caráter relacional reafirmam a
necessidade de abordagens mais amplas, em que a pessoa seja compreendida de maneira mais
completa, percebendo-se que existe forte influência das dimensões afetivas, psicológicas,
ambientais, contextuais, religiosas, históricas, culturais e espirituais na saúde e no corpo. De
maneira distinta à da medicina padrão, comunidades traduzem o corpo de formas diferentes,
38 “No rastro da incerteza, a economia redescobre o humano em toda sua complexidade, a ‘nova economia’,
além de suas proezas tecnológicas, se baseia essencialmente em múltiplas entidades qualitativas, tanto do
ponto de vista de seus produtos e serviços, quanto do da gestão dos homens implicados” (ZAOUAL, 2003, p.
66)
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atribuindo explicações distintas para a origem das doenças, às vezes relacionando-a a fatores
naturais e outras vezes a fatores de outras ordens, sejam mágicas, espirituais ou religiosas.
Há uma necessidade de tradução entre os sistemas medicinais padrão, hegemônico,
paralelos, complementares, populares, tradicionais etc., pois as linguagens, as semiologias e
as epistemologias envolvidas são distintas. Só trilhando caminhos interdisciplinares é possível
se chegar a possíveis campos conceituais capazes de substanciar as interpretações, dialogando
com diversas áreas de conhecimento, principalmente com as Ciências Sociais.
Na Sociologia, Durkheim, discutindo questões ligadas ao método das ciências sociais,
buscou estabelecer regras relativas à distinção entre normal/patológico, saúde/doença,
influenciando toda a produção posterior. Parsons desenvolveu a teoria do papel de doente,
reafirmando a adequação do estado patológico às normas sociais, a legitimidade da condição
enferma e a enfermidade como algo esperado na vida de todos39
.
Teóricos como Becker, Goffman e Scheff contribuíram na sistematização da teoria do
rótulo, afirmando que a sociedade estabelece os meios de classificar as pessoas em categorias:
na de normais estariam os sujeitos com atributos desejáveis e na de desviantes os com
atributos indesejáveis40.
Do ponto de vista antropológico emanam importantes referências conceituais para a
análise das formas culturais de se perceber o corpo e dos processos técnicos desenvolvidos
pelos grupos para dar respostas às demandas de tratamento e cura das doenças - alternativas
culturais, simbólicas e técnicas. Sob o enfoque da antropologia filosófica, CASSIRER (1997)
ressalta o teor ontológico da dimensão simbólica, propondo definir o homem como animal
simbólico ao invés de animal racional: alcançando vida simbólica, o homem inaugura método
próprio, inovador, de adaptação à natureza, alterando a totalidade das experiências do mundo,
numa mudança qualitativa profunda. Não sendo simples reações orgânicas, nem respostas
imediatas a estímulos externos ou o mero estabelecimento de redes relacionais de
39 Cf. COELHO e ALMEIDA FILHO, 2002, p. 317.
40 “Tanto na teoria do papel de doente quanto na teoria da rotulação identifica-se o suposto implícito de que, de
alguma maneira, somos todos doentes, e que a saúde resultaria de uma interação social com alto grau de
esforço para sua manutenção” (COELHO e ALMEIDA FILHO, 2002, p. 319).
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sobrevivência, os símbolos possibilitam respostas demoradas, filtradas pela reflexão e pelo
pensamento. O homem, então, já não pode viver apenas no universo físico-biológico, vive
imerso, irremediavelmente, numa rede simbólica, composta por linguagem, mito, arte,
religião, técnica, grupo... Desenvolvendo linguagens, organizando a vida social, expressando
emoções, criando e se submetendo a programas simbólicos e técnicos, o homem determinou
seu destino biológico: os símbolos são pré-requisitos para a experiência física, psicológica e
social do homem.
Afirmar o teor ontológico da dimensão simbólica leva também à contestação da idéia
(recorrente na biomedicina) de que a doença pode ser compreendida apenas por seus
componentes estritamente bioquímicos ou físicos. Ainda que as doenças possam ser
explicadas, diagnosticadas e tratadas segundo o arcabouço científico da medicina padrão, o
processo de adoecimento é também cultural, simbólico, ambiental e contextual. Não se
descola da experiência integrada e complexa da vida, sempre simbólica e relacional.
Antropologicamente, a cultura foi (e é) ingrediente essencial e simultâneo ao
desenvolvimento humano. GEERTZ (1989), apontando a inseparabilidade entre cultura e
natureza, afirma que “a cultura fez e faz o homem”. Seja sob o ponto de vista de um único
indivíduo, seja na perspectiva mais ampla, relativa à espécie humana, a cultura é definidora de
humanidade.
(...) entre o padrão cultural, o corpo e o cérebro foi criado um sistema de
realimentação (feedback) positiva, no qual cada um modelava o progresso do
outro, um sistema no qual a interação entre o uso crescente das ferramentas,
a mudança da anatomia da mão e a representação expandida do polegar no
córtex é apenas um dos exemplos mais gráficos (GEERTZ, 1989, p. 60).
Segundo GEERTZ (1989), o homem se distingue dos demais animais tanto pela grande
quantidade de coisas que ele tem, necessariamente, que aprender, antes de poder funcionar,
quanto pela capacidade de resolver as situações que lhe são apresentadas de forma
diferenciada. O próprio corpo humano (o cérebro) só termina seu crescimento fora do útero
materno, sob cuidados culturais, e o homem necessita de imenso repertório de construtos
significativos antes de poder ser e agir, adquirindo-os na inserção em uma comunidade
concreta, específica, diferenciada, imprescindível para sua completa constituição: tornar-se
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humano é tornar-se indivíduo sob a direção dos padrões simbólicos culturais, diversos para
cada grupo (cf. DA MATTA, 1981).
O homem realiza sua existência após análise e seleção de ações e interpretações
disponíveis no acervo cultural construído, sob a direção dos padrões culturais (sistemas
organizados de símbolos significantes), que constituem e dão sentido aos comportamentos
(ibidem). Assim, os símbolos culturais são pré-requisitos para a experiência biológica,
psicológica e social do homem, e os grupos culturais em que os homens se inserem são
particulares, modais e distintos. Embora possa variar quanto a focos e ênfases, a depender do
tipo de sociedade e do contexto histórico, a produção simbólica dá sentido, significado e
intencionalidade às ações e comportamentos sociais em toda e qualquer sociedade humana41.
A cultura, assim, pode ser compreendida como “estruturas de significado socialmente
estabelecidas, nos termos das quais as pessoas fazem certas coisas” (GEERTZ, 1989, p. 20-
23). O comportamento do homem frente ao corpo e seus processos de adoecimento, cura e
manutenção da saúde é, assim, sempre uma ação simbólica, cultural.
Na temática da saúde destacam-se dois âmbitos imbricados, o do indivíduo e o da
sociedade, ambos pressupondo abrangência interdisciplinar. Tanto no plano das medicinas da
pessoa (da prática médica, do sujeito, dos processos corporais individuais) quanto no das
medicinas da sociedade (sistemas amplos e complexos, conectados a todos os setores da
vida), coexistem questões antropológicas, sociológicas, filosóficas, econômicas, políticas,
históricas e ambientais, filtradas pelo pensamento e pelas fontes simbólicas.
O pensamento humano é expressão individual, mas, antes, ele é social e público: pensar
consiste num tráfego entre os símbolos significantes possíveis para uma determinada
comunidade (palavras, gestos, desenhos, sons musicais, artefatos, cuidados com o corpo,
41 A cultura também pode ser definida como um conjunto de mecanismos de controle para governar o
comportamento. A perspectiva da cultura como mecanismo de controle inicia-se com o pressuposto de que o
pensamento humano tanto é social como público (cf. GEERTZ, 1989, p.57), e que pensar consiste num tráfego
entre os símbolos significantes (palavras, gestos, desenhos, sons musicais, artefatos etc.), isto é, qualquer coisa
que esteja afastada da simples realidade e que seja usada para impor um significado à existência.
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expressões), servindo para orientar a vida no cotidiano, no curso das coisas experimentadas42
(cf. GEERTZ, 1989).
Na antropologia médica encontramos alguns modelos de conceito de saúde, com
diferentes formas de compreender padrões culturais de saúde-doença. A etnopsiquiatria,
fundada por Roger Bastide, não dissocia a psiquiatria e o comportamento humano do
simbolismo social e contribui ao constatar que o limite entre o normal e o patológico varia
muito entre as sociedades, já que cada cultura segrega seus modelos de má conduta ou
loucura43. Em seqüência a Bastide, George Devereux, buscando uma compreensão
transcultural da saúde mental, propõe a capacidade de reajustamento como critério
universal44. Posteriormente, François Laplantine estabeleceu quatro critérios epistemológicos
para o reconhecimento da normalidade mental em diferentes culturas: a capacidade de
comunicação simbólica, a solidariedade da cultura com os interesses do ego, a auto-estima e
o reconhecimento da realidade45.
Arthur Kleinman criticou o pressuposto da universalidade dos padrões saúde-doença,
afirmando que eles são determinados por um sistema social de cuidado com a saúde,
culturalmente construído, composto por três setores, nos quais os homens experimentam e
reagem à doença: o setor da ”cura profissional”, o das ”curas populares” e o ”setor popular
das decisões, escolhas, relacionamentos, instituições e interações”. Cada um apresenta
modelos explanatórios - explicativos - diferentes para a percepção do sintoma, decurso e
tratamento das doenças. O autor estabeleceu a distinção entre illness (resposta subjetiva à
doença, forma como os indivíduos percebem os sintomas categorizando-os, dando-lhes
atributos e percorrendo os caminhos específicos em busca de cura) e disease (a forma como a
experiência da doença é reinterpretada pelos profissionais de saúde sob a ótica dos modelos
teóricos que orientam a clínica). O encontro entre modelos diferentes coloca questões
relacionadas à comunicação e ao discurso, como na tradução / decodificação de illness em
42 Segundo GEERTZ (1989), os símbolos disponibilizados ao indivíduo já estão em uso na comunidade quando
ele nasce e continuarão a existir após sua morte.
43 Cf. LABURTHE-TOLRA e WARNIER, 1997, p. 334.
44 Segundo COELHO e ALMEIDA FILHO (2002, p. 320), “na perspectiva de Devereux (...), a chave para a
compreensão da saúde mental em uma perspectiva transcultural (ou seja, recorrente em diferentes culturas)
seria a capacidade de reajustamento”.
45 Cf. COELHO e ALMEIDA FILHO, 2002, p. 320.
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disease. Isto significa que os padrões de saúde e enfermidade ”variam entre as sociedades e
também no interior delas” (COELHO e ALMEIDA FILHO, 2002, p. 320). Em cada
sociedade, os processos saúde-doença inter-relacionam diferentes sujeitos, atores,
instituições, práticas, símbolos e crenças formando um sistema cultural próprio, o sistema de
atenção à saúde.
A noção de que existem redes semânticas atuando na construção simbólica de
significados para as doenças, proposta por Byron Good, considera que ”o significado da
enfermidade é construído por vários autores, por meio de muitas narrativas”. As redes
corresponderiam a ”estruturas profundas que ligam as concepções de saúde e enfermidade a
valores culturais fundamentais” (ibidem, 320) de um grupo, apresentando-se como naturais
(fora da consciência explícita da sociedade) e sendo sustentáculo para os discursos e os
comportamentos (profissional ou popular) referentes à saúde.
Numa perspectiva subseqüente, Gilles Bibeau e Corin propuseram a teoria dos sistemas
de signos, significados e práticas, reforçando a noção de rede semântica, mas afirmando a
necessidade de se considerar o contexto sociocultural, político e histórico dos processos de
saúde e doença, bem como as dimensões particulares e as universais do processo,
introduzindo a semiologia popular da enfermidade no conceito de saúde, ampliando ”o
significado da experiência do adoecimento como uma forma de construção simbólica, coletiva
e compartilhada da subjetividade” (ibidem, p. 321).
Na sociedade brasileira, quanto à construção simbólica de padrões de saúde-doença,
diversas semiologias se interpenetram, num mosaico cultural em que coexistem modelos
hegemônicos e modelos originários de sistemas simbólicos e de comunidades interpretativas
etnicamente diferenciadas ou resultantes do amálgama fecundo do processo histórico sóciocultural
brasileiro. As indicações, prescrições ou receituários de práticas médicas populares
podem, por exemplo, vir de fontes variadas: costume familiar, indicação médica, sugestão de
alguém que assegure a eficácia, orientação de rezadeiras, benzedeiras, curandeiros,
preparadores de erva (garrafadas e infusões) ou mesmo orientação religiosa emanada de seres
espirituais encantados (santos, caboclos, orixás, espíritos, antepassados etc.). Pajés indígenas
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transmutados em entidades mágicas assumem o papel de caboclos46 em terreiros de
candomblé e umbanda e continuam, sob nova forma e substância, a exercer sua pajelança e
função curativa. Na inversão fecunda da cultura popular, plantas medicinais cultivadas em
quintais são apelidadas com nomes de medicamentos industrializados: folhas viram anador,
novalgina, insulina, “quebra-pedras” viram bactrins47, numa reinvenção criativa que
incorpora elementos da medicina hegemônica à lógica da medicina popular.
Práticas, conhecimentos e saberes populares e tradicionais do povo brasileiro sobre o
corpo e seus processos obedecem a princípios organizadores mais amplos e complexos que os
do padrão hegemônico de saúde. Seus princípios vão além do plano biofísico e abrangem
elementos impossíveis de serem testados ou comprovados pela ciência moderna, como
processos e aspectos energéticos, vitais, emocionais, afetivos, ambientais, alimentares,
psicológicos, contextuais ou espirituais, pressupondo diferentes propriedades de
manifestações de vida e outras interpretações de corpo, mais próximas do corpo em vida e em
relação com o mundo. Enfoques com percepções mais abrangentes sobre a vida podem
constituir repertório de reflexão e superação de práticas reducionistas, parciais e
especializadas.
A partir da explicação predominante dada às origens das doenças em cada sociedade,
FOSTER (1976) classifica os sistemas de medicina popular, dividindo-os em personalísticos,
em que a associação entre os estados de saúde e doença ao universo mágico-religioso ocorre
mais comumente, e naturalísticos, quando predomina a compreensão das doenças com base em
origens naturais. Por tal classificação, mesmo com explicações diferentes para a origem das
doenças, os dois sistemas têm forte ligação com o pensamento mágico-religioso. Em ambos o
estado de saúde é associado a uma “concessão divina”; e, independentemente da origem da
doença, quase todos os tratamentos são rodeados de procedimentos míticos ou mágicos,
apresentando-se ritualizados em alguma das suas fases, seja no preparo, na aplicação ou
mesmo no processo de aprendizagem.
46 Ver, sobre o tema, BOYER, 1999.
47 Cf. ARAÚJO, 2000.
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Sob o ponto de vista da investigação sobre saberes e técnicas medicinais do povo
brasileiro, vale considerar que o ser humano, além de um todo complexo de órgãos e sistemas
físico-químico-biológicos, é um ser simbólico, psíquico, social-histórico e espiritual,
requerendo enfoque interdisciplinar de análise. Para BOLTANSKI (1989, p. 113),
Se tivéssemos que definir o modelo ao qual estariam hoje filiadas a
sociologia e a etnologia do corpo, talvez não encontrássemos um paradigma
melhor do que o do ‘colóquio interdisciplinar’, ponto de encontro fictício e
abstrato onde se reúnem por algum tempo, em torno de um mesmo domínio
do real ou de um problema social percebido e designado como tal pela
consciência comum, especialistas provenientes das mais diversas disciplinas.
Assim, para compreendermos a trama múltipla com que as tradições brasileiras
relacionadas ao corpo se revelam no cotidiano das práticas individuais ou na proposição de
novos enfoques comunitários para as políticas públicas de saúde, um dos pontos de partida é a
reflexão sobre a identidade brasileira, cuja referência básica é o processo histórico. Buscando
tal entendimento, partimos da dinâmica inicial de constituição da formação brasileira, que
remete, necessariamente, ao quadro histórico gerador da mundialização da cultura européia.
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3. CORPO, CULTURA E NATUREZA: RAÍZES E TRADIÇÕES DO BRASIL
Os valores e as mentalidades primeiramente configuradas no Brasil - base e suporte
também das questões históricas relativas ao corpo e a seus processos - atrelavam-se aos da
sociedade portuguesa da época da colonização. Para DA MATTA (1981), a despeito da
significativa importância da participação étnica e cultural de vários segmentos e grupos, o fato
social crítico e socialmente significativo é que “era Portugal quem nos dominava, abrangia e
totalizava” (ibidem, p.64). O sistema colonial fundava-se numa hierarquia cujos “pés” eram o
comércio mundial, os “braços” eram as leis e a administração colonial baseada em grande
experiência mundial, o “corpo” era uma sociedade muito estruturada ideologicamente e a
“cabeça” era o rei. Ressalte-se que o sistema português imposto no Brasil, apesar das bases
mercantis da colonização, justificava-se, ideologicamente, pelo suporte consciente da fé
católica e do império português48.
Ainda que outros grupos étnico-culturais ocupassem espaços significativos na formação
da cultura, a colônia Brasileira não esteve, assim, aberta a experiências sociais ou políticas
inovadoras que realmente implementassem diferenças e diversidades como itens de
composição fundante. Pelo contrário, durante o período colonial, o território brasileiro -
apesar das diferenças regionais -, sempre foi centralizado no modelo português49, resultando
num considerável peso da cultura européia na formação socioeconômica e cultural brasileira,
apesar da efetiva minoria numérica dos portugueses face à grande presença das etnias
indígenas e das africanas trazidas pelo comércio de escravos.
A tal fato, Celso FURTADO (1984) atribui motivos como o isolamento dos africanos
das suas matrizes culturais; a privação dos grupos indígenas de uma memória histórica; a
48 A justificativa ideológica atrelava a Igreja - e um catolicismo formalista trazidos com a colonização - ao
direito de colonizar, numa espécie de colonialismo de cruzada, dando “direito divino” à exploração da terra e à
escravização de índios e negros, sob a desculpa da salvação de almas. Esta legitimação baseava-se numa forte
junção de interesses religiosos, políticos e comerciais, com vínculos tanto econômicos e políticos quanto
morais e sociais. Para DA MATTA (1981, p. 63), no Brasil, o que parece ter havido foi uma “junção
ideológica básica entre um sistema hierarquizado real, concreto e historicamente dado e sua legitimação
ideológica num plano muito profundo”.
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existência de técnicas mais avançadas à disposição dos portugueses, a contínua alimentação
por contato regular das fontes culturais européias e o acesso a um fluxo de valores em
permanente renovação vindos do exterior. Acrescente-se a isto a herança de uma estrutura
fortemente hierarquizada e uma significativa experiência anterior em dominação pelos
portugueses.
FURTADO (ibidem), analisando a identidade brasileira sob o prisma da história
cultural, ressalta que, sendo a cultura brasileira um dos diversos frutos do desbordamento da
cultura européia, suas referências iniciais conduzem a dois processos germinativos principais
deste desbordamento: - o Renascimento (cujo pólo era a Itália) que, representando uma nova
leitura da cultura clássica, conduziu “à secularização, ao neoplatonismo galileano, que
identifica o mundo exterior com estruturas racionais traduzíveis em linguagem matemática, à
legitimação do Poder pela eficiência, finalmente à ampliação do espaço em que age e pensa o
indivíduo”; - e o avanço da fronteira geográfica, traduzido pela abertura de linhas de
navegação intercontinental (polarizado por Portugal). Ressalta ainda a particularidade do fato
de haver a cultura brasileira emergido de Portugal, um dos pólos irradiadores do processo de
mundialização da Europa, que se destacou por acumular conhecimentos teóricos e práticos
capazes de fazer alcançar terras longínquas utilizando meios econômicos escassos,
significando um projeto ambicioso que só pôde ser concebido e concretizado devido a uma
aliança entre monarquia e burguesia, o que se sobressaiu na história européia, se constituindo
como um marco político-econômico, um modelo para a criação de companhias de navegação
e de comércio surgidas posteriormente50.
As raízes e tradições do Brasil, no que se refere às relações entre corpo, cultura e
natureza, portanto, são aqui analisadas tomando-se três direções: discutimos inicialmente as
tradições de escrita oriundas da Europa, em seguida analisamos as perspectivas ameríndia e
africana.
49 Havendo, de fato, um sistema que mantinha as hierarquias tradicionais e a prevalência da Coroa, do
Catolicismo, da Igreja e do Rei, que aparece, em verdade, como principal capitalista, sob a justificativa e
legitimação do discurso ideológico da fé e da coroa.
50Segundo FURTADO (1984: 16) “Essa articulação íntima entre o Estado e grupos mercantis estará igualmente
presente na ocupação, na defesa e na exploração das terras americanas em que se constituíra o Brasil”.
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58
3.1. TRADIÇÕES DE ESCRITA: O CORPUS EUROPEU
3.1.1. Entre os Gregos
As origens documentadas do pensamento e da ciência no ocidente reportam-se à cultura
grega. Uma das grandes alterações no processo de produção do conhecimento ocidental
ocorreu no seio da cultura grega, ao longo dos séculos VI e V a.C., e corresponde à passagem
de um pensamento de orientação mítico-religiosa e sobrenatural ao pensamento lógico em que
a razão e a palavra penetram e orientam as representações do universo pelo homem51. Novas
concepções epistemológicas se produzem e, dentre as formulações filosóficas deste período -
que fundaram as principais linhas filosóficas ocidentais, formulando muitos dos princípios da
própria ciência moderna e repercutindo até nossa contemporaneidade -, também se encontram
novas formas de pensar o corpo e a medicina.
Uma das marcas do pensamento grego para a epistemologia ocidental é a premissa da
existência de leis universais que podem ser conhecidas pelo pensamento humano, a partir de
um método de investigação que se apóie, não em crenças, mas sim na observação dos
fenômenos e das suas relações. A partir do século VII a.C, na Grécia, houve uma valorização
da busca de representações lógico-discursivas (logos) sobre o real, que fossem embasadas
pela vivência da razão, em substituição às antigas representações míticas (mythos),
propiciando uma nova forma de expressar pensamentos.
As observações sobre o mundo deveriam se basear em explicações plausíveis de serem
defendidas em argumentação lógica, considerando as relações como as de causa e efeito e
recusando as narrativas míticas. Este novo prisma discursivo alcançou também as referências
sobre o corpo, a saúde e o adoecimento, e o novo aparato argumentativo sobre a medicina foi
se afastando gradualmente das narrativas místicas e das práticas mágicas. A presença de
elementos míticos em explicações cosmológicas52 coexistia com novas interpretações sobre o
51 Cf. ENTRALGO (1972).
52 Segundo BARTHOLO (1992, p.19), “a questão do logos e do cosmos e não a do logos de um processo
puramente histórico é, para a Antiguidade, a questão principal. A cosmovisão antiga não conhece nenhum
tempo histórico ‘emancipado’ do tempo cósmico. Todas as apreensões dos eventos históricos são cunhadas
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corpo, mais comprometidas com argumentos lógicos do que com explicações religiosas ou
sobrenaturais, possibilitando uma elaboração discursiva racionalizada, em que a observação
da physis53 (e sua estrutura, organização e atributos), tomada como tema central da
investigação, resultaria na elaboração de conceitos e modelos para a compreensão do mundo.
Houve uma sobreposição com relativo grau de coexistência: uma concepção mais
mítica, mágica ou religiosa sobre o corpo foi sucedida por uma percepção discursiva
racional, a partir da qual se buscavam explicações lógicas para a compreensão do ser humano
e da natureza. Sob o ponto de vista mítico-religioso, a doença era interpretada como produto
de ações divinas e sobrenaturais, situada em casos particulares e enfrentada com rituais de
cura ou alívio (cânticos, movimentos, danças, evocações, orações) ou tributos aos deuses,
com o apelo a curandeiros e à utilização de elementos da natureza.
Sob o novo enfoque, foi se constituindo uma medicina calcada na lógica e na razão,
fundamento inicial da prática médica ocidental contemporânea. Os representantes destas duas
concepções eram, respectivamente, Esculápio - o mesmo Asclépio, filho de Apolo e senhor
dos segredos medicinais da natureza (c.1.200 a.C.) - e Hipócrates (460 a.C.), cujos símbolos
permanecem nos emblemas contemporâneos da prática médica: a serpente que representa a
medicina era o símbolo de Esculápio54 e o juramento repetido pelos jovens médicos foi
escrito por Hipócrates55.
pela lei cósmica do Devir. A temporalidade do mundo é intermediada por um ‘eterno retorno cósmico do
mesmo’. Com isso eventos históricos são sempre também eventos cósmicos, cuja possibilidade de
aprendizagem repousa sobre a repetibilidade”.
53 Para IVANOVIC-ZUVIC (2004), “La physis representa un universal, es la sustancia de la que están hechas
las cosas. Es permanente y de ahí la denominación de ‘divina’, ya que es eterna, poseedora de un inagotable
caudal de vitalidad y juventud, permaneciendo imperecedera e inmortal. (...) La physis posee armonía y orden
(kosmos), es justa y es en sí misma razonable”.
54 Segundo IVANOVIC-ZUVIC (2004), o período mais mítico da medicina grega experimentou cultos aos
deuses da medicina, como Apolo, Higéia (deusa da saúde) e Panacéia (deusa que tudo remedia), sendo
Esculapio um semideus posteriormente cultuado como Asclepio: “El mito de Esculapio (Asclepio) señala que
fue hijo del dios Apolo, a su vez hijo de Zeus, y de la princesa Coronis, una mortal que luego le fue infiel a
Apolo”.
55 CARVALHO (2002) comenta os princípios humanistas do juramento: “o médico compromete-se a: a)
respeitar os seus mestres (...) b) ser ele próprio um mestre, ensinando aos outros os requisitos desta arte (...);
c) obedecer aos princípios de beneficência e não maleficência (...); d) ser ele próprio um modelo (...); e)
respeitar a confidencialidade (...)”.
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Duas estruturas míticas básicas permeavam as relações e os entendimentos dos
processos ligados ao corpo: o mito de Hygéia, deusa da saúde, e o mito de Asclépio
(Esculápio), deus da medicina56 (fig.1). Na perspectiva do primeiro, a saúde dependia das
formas de viver dos homens e a doença era resultado de um relacionamento inadequado com a
natureza, portanto, para a manutenção da saúde eram fundamentais as prescrições dietéticas e
as restrições comportamentais - definidas sob o prisma mágico-religioso -, cabendo à natureza
um papel vital no processo de cura. Para os adeptos de Hygéia, a cura viria da natureza, e a
responsabilidade pelo processo de adoecimento recaía sobre os próprios homens, o que
impregnava a doença de um caráter de culpa e vergonha. No segundo mito, mesmo mantida a
idéia de que a saúde dependia de uma relação adequada com a natureza, o papel do médico
como interventor se ampliava, as práticas curativas eram mais valorizadas, e os sintomas eram
mais enfatizados57.
Entre Esculápio (1.220 a.C.) e a medicina de Hipócrates (460 a.C.), alguns marcos
evidenciam o pensamento do homem grego frente ao cosmo, à natureza e ao corpo, o que
remete a questões conceituais ligadas à cultura, à linguagem e à representação possível do
mundo, afinal, conhecimento, pensamento, consciência e linguagem estão tão imbricados na
condição humana que é impossível desvinculá-los: a linguagem cria uma materialidade para o
repertório de representação do homem58.
Segundo REALE (2002), a representação da imagem física do ser humano nos poemas
de Homero (c. 800.a.C.) pode dar pistas sobre a construção da auto-imagem do homem
56 Cf. QUEIROZ, 1986.
57 O culto a Asclépio foi básico para o surgimento da tradição médica em Epidauro, que abriu caminho para a
medicina que se desenvolveu posteriormente, em paralelo à filosofia.
58 Segundo REALE (2002, p. 44): “a linguagem não cria o ser das coisas, mas cria a consciência que o homem
tem do ser: cria o ser-das-coisas-para-nós”.
Figura 1 - Escultura
representando Asclépio
(Esculapio), filho de Apolo.
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ocidental. Atualmente, a noção de corpo físico é uma referência básica ao conceito de
homem, entretanto, no mundo antigo não havia distinções tão estanques, ao contrário, a
“imagem e o conceito de corpo no sentido em que o entendemos só se impõem a partir do
sexto e sobretudo do quinto século a.C.” (ibidem, p. 19).
O termo grego soma, de referência para o corpo do homem, ocorre nos poemas
homéricos significando cadáver, organismo sem vida, portanto diferente do nosso
entendimento contemporâneo, em que o termo também implica a representação do corpo
vivo. Nos textos de Homero, a expressão sobre o que nós chamamos corpo correspondia a
uma multiplicidade de termos e de sentidos, sem que houvesse uma palavra única que fosse
apta a representá-lo com significado semelhante ao nosso termo atual. Segundo REALE
(ibidem, p. 20-41), o corpo vivo, em Homero, é representado não como uma unidade
orgânica, e sim como um somatório de partes articuladas em órgãos e funções diferenciadas,
cujas nomeações acompanham a variedade: soma (cadáver, corpo sem vida); melea
(membros, no sentido muscular, de vigor e força); gyia (membros em movimento ou em
articulação e, assim, corpo como soma dos membros articulados); demas (a “figura” exterior
do corpo), ou chros (pele, não em sentido anatômico - cujo termo é derme -, mas pele como
superfície, “armadura” ou invólucro do corpo)59.
Por outro lado, convém assinalar que, para REALE, a referência a uma parte do corpo,
em Homero, também remete, semanticamente, ao todo do homem, seja física ou
espiritualmente. Se, por um lado, são muitas as dificuldades para se pensar a representação do
aspecto corpóreo do homem nos poemas homéricos, maiores elas podem ser quando da
dimensão espiritual ou psíquica. Em Homero, há semelhanças entre as representações de
alma, de intelecto e de mente sendo esta uma força que, mantendo o homem vivo, distinguese
em três conceitos: psyque, noos e thymos (REALE, 2002, p. 42).
Os termos mais importantes para compreender a vida espiritual do homem
homérico são os seguintes. O primeiro é ‘coração’ [expresso com os termos
kradie, ker, etor]; o segundo é thymos, que significa em geral ‘ânimo’; vêm
depois as phrenes, que, como veremos, indicam de maneira
predominantemente a ‘mente’; o noos, que significa ‘pensamento’; o termo
59 Cf. REALE, 2002.
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psyche situa-se num plano totalmente particular, enquanto refere-se
sobretudo ao homem morto. A esses termos ligam-se outros, dentre os quais
pelo menos dois devem ser citados: menos, que significa ‘energia vital’ do
homem, que se expande por meio de todos os órgãos físicos ou espirituais;
kephale, ou ‘cabeça’, que em certos casos exprime a ‘pessoa’ em geral
(REALE, 2002, p. 59) (fig. 2).
Dentre os pensadores pré-socráticos, destacam-se as concepções de Pitágoras e seu
discípulo Alcméon, de Crotona, sobre o corpo e seus processos. Para Pitágoras, a ação de
paixões violentas geraria desarmonias causadoras de doenças, cujas curas dependeriam da
superação dos estados de perda de equilíbrio, este orientado por uma isonomia entre as forças
duais da natureza. É Alcméon quem, distanciando-se do pensamento mítico, estabelece a
doença como uma alteração da natureza, uma ruptura no estado de equilíbrio, situando o
estado de saúde como o normal do corpo. Descrevendo a enfermidade numa perspectiva
naturalística, Alcméon via-a como desequilíbrio e desarmonia entre os princípios que, atuando
como pares opostos, regem toda a physis (frio/quente, seco/úmido, amargo/doce),
preconizando questionamentos racionais como método para o restabelecimento da saúde,
buscando-se conhecer as causas e as forças em desequilíbrio.
Alcmeon de Crotona, al sur de Italia, sostenía que en el cosmos se establecía
un balance entre fuerzas opuestas, tales como lo húmedo, lo seco, lo frío, lo
cálido, lo amargo y lo dulce. La salud se interpreta como un equilibrio
(isonomia) de las fuerzas. El predominio de alguna de ellas sobre las otras
provocaba las enfermedades, ya sea por causalidad interna al organismo o
externa al individuo (IVANOVIC-ZUVIC, 2004).
Figura 2 - Psique e o Amor,
de Gerard René LE VILAIN,
1740-1836.
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Foi, entretanto, a medicina hipocrática a chave inicial para os conhecimentos
medicinais da tradição ocidental, colocando o saber médico no âmbito da técnica (tékhne). O
conceito de técnica nos textos hipocráticos difere das concepções atuais, em que a técnica
pode ser considerada como uma mera aplicação da ciência padrão. Para Hipócrates, a técnica
médica (techne iatrike) implica, por um lado, um conhecimento e uma reflexão sobre a
natureza que possibilitem desvendar seus mistérios frente à lógica do ser humano e,
simultaneamente, por outro, a aplicação técnica destas interpretações mediada pela sabedoria
e pela arte, integrando o microcosmo do corpo humano ao cosmos.
Hipócrates (fig.3) foi um importante médico da Escola de Cós, considerado por
Aristóteles e Platão como a personificação da arte médica, permanecendo como referência
ética da profissão médica, como demonstra a repetição do juramento contido no Corpus
Hippocraticum60. Os ensinamentos de Hipócrates constituíram base para o pensamento
filosófico relacionado a diversas áreas, como, por exemplo, a filosofia da linguagem de
Aristóteles, uma vez que formulações sobre anaminese e diagnóstico propostas por Hipócrates
deram origem ao entendimento do real por meio do referencial da linguagem, modelado,
inicialmente, por proposições oriundas da arte médica. Nem todos os textos do Corpus
Hippocraticum são de autoria de Hipócrates, havendo textos de outros médicos e discípulos,
estabelecendo um corpus de grande importância tanto para a história da medicina quanto para
a reflexão contemporânea sobre o exercício da mesma61.
60 Conjunto de 50 a 60 tratados atribuídos a Hipócrates e seus discípulos, que abarcam tratados anatômicos,
teóricos, sobre a clínica e as enfermidades da mulher, fazendo parte deles: Prognósticos; “Epidemias I y III”;
“Ares, águas e lugares”, “Sobre a enfermidade sagrada (epilepsia)” e os “Tratados cirúrgicos”.
61 Cf. JAEGER, 1989, p. 694.
Figura 3 -
Representação de
Hipócrates
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Os conhecimentos da medicina hipocrática tinham como premissa básica o poder
curativo da natureza, da physis, considerada como princípio de tudo, fonte e fundamento do
que pudesse existir na realidade visível e invisível. A compreensão da totalidade da physis só
é possível a partir da noção de que havia uma relação entre tudo que existia, integrando os
elementos que compunham o todo organizado, em si mesmo equilibrado. Para viver em
estado de saúde, o ser humano precisava conhecer as regras gerais que regiam e eram
prescritas pela physis, pois a elas também se submetia. A saúde do corpo era mantida na
medida em que existia uma proporcionalidade (isomoira) entre seus elementos constitutivos, e
a doença (dyskrasia) era vista como uma alteração deste estado de equilíbrio natural. Sendo o
homem parte da physis e estando em contínua relação com o cosmo, o adoecimento estava
atrelado à relação entre o homem e o meio, a partir do mesmo princípio de isonomia
anteriormente expresso por Alcméon. O estado de saúde, sendo estado natural do homem,
traduzia o equilíbrio entre os elementos fundamentais do ser e da natureza. Nesta perspectiva,
a doença é vista como algo interior à pessoa, mas relacionada com o seu exterior, com o
universo que a cerca.
Assim, o conceito de physis foi transposto da totalidade do universo para a perspectiva
humana, constituindo base para o pensamento sobre o corpo. A physis, ordenada e
equilibrada, carregava em si mesma os ensinamentos para o equilíbrio do homem. Cabia, aos
filósofos médicos, a tarefa de conhecer os elementos constitutivos do equilíbrio e as medidas
em que eles operavam em isonomia62.
Para Empédocles, os elementos da physis eram quatro: ar, água, terra e fogo.
Aristóteles associou, a eles, quatro qualidades - quente, frio, úmido e seco - que, combinadas
multiplicadamente aos elementos básicos63 e relacionando-se também às quatro estações,
62 Como afirma IVANOVIC-ZUVIC (2004), “Para estos griegos, el saber del hombre es un saber de la physis.
El universo queda tal cual es ante los ojos del hombre, como una naturaleza que se dispone ante él y que
puede ser estudiada por la razón. Desde una apreciación gnoseológica, hombre y naturaleza se separan,
estableciéndose una distancia entre el objeto y el sujeto que la conoce, pero simultáneamente quedan ligados,
pues la objetivación de la physis permitirá conocer las cualidades de las cosas y a su vez conocerse a sí
mismo, pues el hombre también está constituido por esta misma naturaleza. El conocimiento de la realidad
natural del hombre se plasmará en la fisiología (physiologia), es decir, el logos de la physis, o el estudio de la
physis mediante la razón”.
63 O ar era quente e úmido, a água era fria e úmida, a terra era fria e seca e o fogo era quente e seco.
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compunham tudo o que existia64. Aos elementos primários também foram vinculados fluidos
ou humores, capazes de misturarem-se. Os humores básicos eram quatro, regulados, atraídos e
centralizados por uma parte do corpo: o sangue, sendo quente e úmido, era regulado pelo
coração; a pituíta (ou fleuma ou catarro) era fria e úmida e regulada pela cabeça; a bile
amarela era quente e seca e tinha o fígado como centro regulador, e a atrabile (ou bile negra
ou melancolia) que, sendo fria e seca, era regulada pelo baço. O corpo, tendo em sua
composição estes quatro humores ou líquidos, se tornaria doente a partir do desequilíbrio
entre eles, ocasionado pela falta ou pelo excesso de um deles.
A teoria humoral surge da doutrina de composição dos elementos essenciais do corpo e
do pressuposto da necessidade de equilíbrio entre os pares opostos: estando os humores
equilibrados, a saúde se manteria; havendo desequilíbrio, a reação do organismo
desencadearia um processo de defesa que resultaria na expulsão do humor excedente,
causando a doença. A doença se desenvolveria em fases e estágios que (cumprindo o ciclo de
começo, evolução, clímax, resolução, cocção e crise65) podem ser resumidos da seguinte
maneira, segundo ANDRADE LIMA (1996, p. 48): (1) mudança na proporção dos humores
gerando desequilíbrio; (2) reação do corpo à desproporção dos humores buscando restabelecer
o equilíbrio, gerando também a febre (cozimento); (3) crise resultante, com expulsão do
humor em excesso ou a morte. Assim, a terapêutica podia voltar-se para o ataque às causas do
desequilíbrio visando restabelecê-lo, estimulando a expulsão dos excessos de sangue, bile,
fezes, catarro etc., re-equilibrando os fluidos, os humores.
Faziam parte da terapêutica hipocrática os recursos da farmacologia, da cirurgia e da
dietética. Os fármacos eram preparados utilizando-se cerca de 250 plantas, somadas de um
pequeno número de substâncias de origem mineral e animal, no geral preparados pelos
próprios médicos, em forma de pílulas, poções, pomadas, clisteres etc. Os procedimentos
cirúrgicos envolviam limpezas de ferimentos, abertura de abscessos, restauração de fraturas e
fístulas, com a recomendação de que se recorresse ao procedimento mais simples, agindo-se
com precisão técnica e rapidez.
64 Cf. ANDRADE LIMA, 1996.
65 Cf. ANDRADE LIMA, 1996.
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66
O regime alimentar, utilizado como tratamento ou como prevenção, se baseava no
estabelecimento de comportamentos saudáveis, sob a lógica da observação das regras da
natureza, buscando-se atingir uma alimentação adequada para cada indivíduo e, ao mesmo
tempo, regras gerais. A dieta era prescrita pelas observações sobre as relações entre os
alimentos, os sintomas, a estação do ano e outros elementos climáticos, os costumes da
pessoa, as atividades sexuais, exigindo do sujeito uma participação ativa66, inserindo o
princípio da dieta como uma arte de cuidar de si em consonância com a natureza.
A harmonia e o equilíbrio do homem, manifestos pela manutenção da saúde
significavam também uma opção do sujeito por orientar-se pelo logos do cosmo, observando
regras e princípios gerais em que se funda a ordem eterna imutável do universo, em si
harmonioso e auto-organizado. Nesta perspectiva, o homem tem o privilégio, o poder e o
dever (moral e metafísico) de julgar, de discernir e de organizar-se pelos preceitos da ordem
universal, sendo portador de juízo crítico e de escolha, o que o torna responsável pelo próprio
corpo e pela manutenção de sua saúde. Ao médico cabe desvendar, pela observação, os
elementos constantes desta auto-organização da natureza, sabendo traduzi-los em arte, ou
técnica, medicinal, compartilhando, em atos dialógicos, orientações e prescrições, ou atuando
em benefício do outro, a quem jurou cuidar orientado pelos princípios de beneficência,
auxílio, justiça, santidade e confidência.
3.1.2. Galeno, a Doutrina dos Temperamentos e a Farmacologia
No século II da era cristã, Cláudio Galeno (130-201 d.C.) retoma os princípios da
medicina hipocrática, sistematizando-os, ordenando-os, condensando-os e modificando-os.
Conferindo outras características aos humores, Galeno estabeleceu, sobre eles, novas
concepções, dando origem à doutrina dos quatro temperamentos, que relaciona a constituição
humoral às faculdades da alma. Haveria quatro tipos de ser humano, que diferiam entre si pela
compleição física, por inclinações anímicas, pela índole do humor: sanguíneo; colérico (ou
bilioso); fleumático (ou pituitoso) e melancólico (ou atrabiário). Sobre os humores agiriam
66 Cf. CARVALHO, 2002.
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quatro forças naturais, a atrativa, a retentiva, a alternativa e a expulsiva, sendo a última a
chave para a ação terapêutica: o médico deveria agir sobre o corpo de maneira a possibilitar a
expulsão do agente humoral desequilibrador, utilizando purgantes, sangrias, eméticos,
evacuantes, orientados pelo princípio da similaridade ou pelo princípio do combate dos
opostos: remédios frios para doenças quentes e vice-versa (cf. ANDRADE LIMA, 1996, p.
49).
Priorizando a cura pelos contrários, a medicina humoral de Galeno sofisticou e
modificou as relações entre os humores e os elementos. Apesar de compreender a doença
como um desequilíbrio interno do corpo (desordenado, o corpo sofreria conseqüências em seu
funcionamento, com alterações na respiração, na circulação, na digestão, no pensamento e no
estado geral do indivíduo), Galeno foi intervencionista quando se tratava do uso dos
fármacos, utilizando medicamentos múltiplos de aplicação ampla (fig. 4), afastando-se das
noções de uma medicina individualizada, como eram as orientações hipocráticas.
A compreensão fisiológica remetia a uma prática médica voltada para as partes do
corpo, e, apesar da percepção das partes como pertencentes ao todo, a terapêutica galênica
aplicava-se sob a lógica da redução de cada parte a noções como a posição no corpo, a forma
e a função que desempenha, conduzindo, de certa forma, a uma fragmentação do todo.
Apesar de a terapêutica galênica envolver farmacopéia, dietética e procedimentos
cirúrgicos, foi como pai da farmacologia que Galeno passou à história, por ter consagrado a
utilização dos fármacos abrangentes, o que passou a vigorar desde então. Fortaleceu-se a
tendência de utilização de polifármacos, aplicados como um antídoto de amplo alcance, para
doenças diferentes, na perspectiva de que o organismo pudesse escolher, dentre muitas, a
melhor substância para se curar.
Figura 4 - Representação da
preparação da teriaca (polifármaco)
Figura 5 - Receituário Galênico
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Supervalorizando receituários extensos, a farmacologia galênica (fig. 5) foi criticada por
seus opositores principalmente pela prescrição exagerada de componentes nas fórmulas e
receituários, com recurso de um número imenso de ingredientes, alguns desnecessários ou
mesmo perniciosos. Durante a Idade Média, persistiu este padrão galênico de utilização de
fármacos em remédios abrangentes, compostos de um grande número de ingredientes e
voltados para vários males ao mesmo tempo.
3.1.3. As dissecações e os estudos anatômicos
Na vertente ocidental, o conhecimento sobre a anatomia humana também data de antes
de Cristo, com estudos baseados em dissecação de animais, aplicando-se tais noções ao corpo
humano. No século III a.C., dissecações humanas foram realizadas de forma sistemática, na
Alexandria, com os estudos de Herófilo e Erasístrato. As proibições ético-religiosas, no
entanto, impediram o prosseguimento de experiências com cadáveres humanos, e o
conhecimento sobre o corpo continuou a se construir por meio de dissecações de animais,
com a aplicação posterior ao corpo humano.
Na matriz civilizatória européia, a medicina teve formação sistemática desde as
primeiras universidades, sem ocupar, contudo, no medievo, um lugar muito definido no
conjunto dos saberes: entre os séculos XII e XVII a medicina foi concebida ora como técnica
procedente às artes mecânicas ora como proveniente da filosofia da natureza (physis)67.
Sob o ponto de vista do estudo da anatomia, as ilustrações anatômicas impressas
baseadas na tradição manuscrita medieval associavam a representação do corpo à busca de
elucidação sobre a morte ou à tentativa de orientar as intervenções cirúrgicas iniciais, com
marcas, por exemplo, dos pontos de sangria no corpo. A instauração de melhores técnicas de
reprodução levou à busca do desenvolvimento da ilustração científica para o ensino das
práticas medicinais. A primeira edição de Fasciculus medicinae (1491) reuniu, aos textos
67 Segundo PAUL (1998), a medicina não fazia parte das sete “Artes Liberais”. A repartição mais recorrente era
entre o quadrivium científico (geometria, aritmética, astronomia e música) e o trivium literário (gramática,
retórica e dialética ou lógica).
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destinados aos praticantes de medicina, ilustrações anatômicas em xilogravura, desenhadas
com orientações práticas.
No Renascimento, com o interesse centrado no ser humano, o estudo da anatomia
integrou os estudos dos jovens artistas, notadamente sob o ponto de vista pictórico,
subordinando os estudos anatômicos à arte (fig. 6). Os estudos anatômicos renascentistas,
cruzando estética e imagem física do homem, significaram novas maneiras de representação
do corpo humano, mais realistas, em processos de produção relacionados a vários campos de
conhecimento (matemática, geometria, anatomia, medicina, belas artes).
Leonardo da Vinci (1452-1519) elevou os estudos anatômicos a outro patamar de
conhecimento sobre o corpo: produziu mais de 750 ilustrações representando esqueleto,
músculos, nervos, vasos, coluna vertebral, fetos em úteros, com grande precisão e rigor (figs.
7 a 9). No entanto, este grande acervo permaneceu desconhecido de seus contemporâneos, só
sendo divulgado séculos depois.
Surgiram também novos estudos de anatomia propriamente dita, como os Commentaria
super anatomica mundini (1521), de Jacob Berengario da Capri, com ilustrações anatômicas
tomadas do natural, e obra de Charles Estienne (1532), publicação em que se ressaltava uma
representação pictórica completa do corpo humano.
Figura 6 -
The Anatomy Lesson of Dr. Tulp
pintura de Rembrandt (1632).
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É com André Vesálio (1514-1564), contudo, que os estudos anatômicos adquirem um
viés moderno. Filho de um boticário, Vesálio foi estudante de medicina em Paris e em
Louvain (Bélgica), especializando-se em anatomia e cirurgia. Tornou-se professor na
universidade de Pádua, na Itália, e em outras universidades da Europa. Em 1538 publicou Seis
Pranchas Anatômicas, e em 1543, De Humani Corporis Fabrica (figs. 10 e 11), sua obra de
referência, em que contesta ensinamentos médicos antigos (principalmente a obra de Galeno),
descreve os sistemas muscular, ósseo e sangüíneo destadacamente, expondo as partes dos
sistemas orgânicos humanos em conjunto e em separado, estabelecendo as relações entre as
partes, e apresentando também uma estreita referência entre os desenhos e os textos,
revolucionando não apenas o estudo da anatomia mas o próprio ensino científico.
O uso extensivo de ilustrações foi uma das grandes contribuições de Vesálio, por
associar os desenhos aos textos e elevar a transmissão de conhecimento por meio de imagens
a um novo patamar, significando grande inovação no ensino universitário da anatomia.
Baseando-se na dissecação de cadáveres de criminosos executados, o trabalho de Vesálio
tanto era revolucionário quanto herético para a época, inclusive no que se refere às
experiências médicas. Vesálio foi o primeiro a descrever tentativas de ressuscitação num
coração (de cachorro) e o primeiro a empregar métodos como a traqueotomia e a entubação
traqueal associadas à utilização de foles para expandir os pulmões simulando a respiração
natural.
Figuras 7, 8 e 9 - Estudos Anatômicos feitos por
Leonardo da Vinci (1452-1519)
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71
Novas perspectivas se apresentaram à produção de conhecimento também em outras
áreas. Também foram impressos e publicados alguns textos gregos e romanos sem o
intermédio das compilações elaboradas por autores árabes e utilizadas com freqüência no
medievo68, havendo uma redescoberta de obras medicinais e botânicas até então
desconhecidas na Europa cristã. No final do século XV, epidemias de vários tipos (de peste,
lepra, sífilis, tifo) alastravam-se pela sociedade européia, gerando interesse também pela
epidemiologia. Neste contexto, houve um fortalecimento da medicina universitária, centrada
nos autores antigos e em obras árabes.
Havia uma grande diversidade de praticantes de atos medicinais e curativos, desde
médicos e outros profissionais com títulos universitários (como os barbeiros e os
sangradores), até curadores, prestidigitadores, feiticeiras, astrólogos, milagreiros etc., que
lidavam com a cura a partir de atuações ritualísticas, místicas, religiosas ou mágicas,
utilizando-se também de suportes terapêuticos baseados em elementos da natureza. Ainda se
mantinha, como uma vertente de contraposição, a percepção do corpo a partir de uma
integração à natureza, o que se manifestava pelo apelo a práticas que recorriam a
conhecimentos ligados à alquimia, aos estudos químicos experimentais (aos quais a Igreja
ainda se opunha), à astrologia e a outras áreas que interligavam o ser humano à influência do
universo.
Apesar do fato de a Igreja Católica ter combatido fortemente as práticas medicinais
populares ou místicas condenando seus praticantes (agentes ou pacientes) nos tribunais do
68 Como, por exemplo, o Canon de Avicena ou o Aggregator de simplicibus de Serapião, que estabeleciam
sínteses entre autores gregos e romanos.
Figuras 10 e 11 -
Ilustrações e Capa de
De Humani Corporis Fabrica
(1543)
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72
Santo Ofício, a instituição religiosa também vinculou religiosidade a atos curativos,
estabelecendo as doenças como castigos divinos, problemas mentais a possessões
demoníacas, afirmando seu próprio poder como único interventor entre os homens e os males
espirituais.
A Reforma Luterana (1517) significou um marco, na Europa, para a história das
ciências e dos conhecimentos sobre o corpo. Sob o ponto de vista religioso, o tradicional
apelo à Virgem Maria, aos santos católicos e a todo o arsenal de relíquias e patuás para a
proteção do corpo e para a cura das enfermidades (tradição enraizada em toda a Europa)
passam a ser combatido pelos protestantes, bem como os cultos a eles associados. Além dos
aspectos doutrinários, também sob o ponto de vista filosófico ocorreram aproximações entre a
reforma luterana e o humanismo médico, percebido na semelhança entre a preocupação
protestante de manter um contato direto com o texto bíblico em sua pureza primitiva e a
procura dos médicos humanistas de um contato direto com as fontes clássicas, evitando as
alterações das compilações utilizadas no medievo. Expoentes médicos e botânicos
protestantes foram centrais na expressão de um novo tipo de literatura sobre medicina e
plantas, de conteúdo terapêutico, em que o texto se associava à imagem, sendo emblemática a
publicação da obra do botânico protestante alemão Leonhard Füchs (1501-1566), De historia
stirpium (figs. 12 a 14).
O surgimento de jardins botânicos voltados para estudo e cultivo de plantas medicinais
em várias cidades européias, e de cátedras universitárias voltadas para esta matéria são
testemunhos da importância e do novo patamar alcançado por tais estudos durante o
Figuras 12, 13 e 14 -
Ilustrações de
De Historia stirpium, de
Leonhard Füchs
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73
humanismo. Fortalecem-se o cultivo das plantas e o fornecimento de espécies para as
farmácias, abrangendo-se também os processos de herborização e de aclimatação de espécies
exóticas vindas do ultramar.
Foi também durante o Renascimento que a técnica árabe da destilação foi aperfeiçoada,
levando ao desenvolvimento do conceito de princípio ativo, possibilitando o surgimento da
química farmacêutica propriamente dita. As técnicas de destilação foram difundidas durante o
século XVI69 e popularizou-se a utilização de essências e drogas aromáticas (quintasessências,
águas destiladas). Essências passaram a ser desenvolvidas com a permanência das
características, qualidades e ações terapêuticas das drogas originais, eliminando-se o
supérfluo e ampliando o efeito farmacêutico. De maneira semelhante desenvolveram-se as
drogas minerais a partir de técnicas metalúrgicas secas, ocasionando o surgimento da química
farmacêutica em duas vertentes técnicas básicas, a úmida e a seca.
Entre o Renascimento e o Iluminismo, os conhecimentos médicos foram sofrendo
fragmentação disciplinar progressiva, e seu ensino foi tendendo mais à dimensão prática,
técnica, já sob influência dos pressupostos da ciência moderna que se estabelecia,
disseminando a busca de tradução matemática para a natureza, o princípio da separação e a
lógica mecanicista nos mais diversos campos do saber humano. Desvendado por uma nova
forma de olhar - desencantada e sob a égide da ciência moderna -, o corpo humano vai
ganhando status de objeto, na medida em que eram decifrados os segredos do funcionamento
de suas partes.
No século XVII, este caminho foi trilhado a passos largos, modificando a maneira de se
pensar o corpo humano e seu funcionamento, sob a influência de novos instrumentos, como o
microscópio. Durante este período, caiu por terra a idéia de que a respiração estimulava o
coração para que ele produzisse espíritos vitais, a partir da demonstração feita por William
Harvey (1578-1657). O médico inglês que deu prosseguimento aos estudos de Vesálio
69 A difusão das técnicas de destilação ocorreu também por meio de livros, como o Liber de arte destilandi de
Simplicibus (1500) de Hieronimus Brunschwig (1450-1512).
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74
mostrou que o sangue mudava de venoso para arterial no pulmão, apesar de ainda se
desconhecerem as bases desta transformação70.
Descobertas sobre a respiração, cujo processo total só foi desvendado posteriormente, e
sobre a circulação possibilitaram novas intervenções médicas, tais como a transfusão direta de
sangue feita por Richard Lower (1631-1691), que também atribuiu a diferença de cor entre o
sangue arterial e o venoso ao contato com o ar dos pulmões. O sistema nervoso foi tema de
um compêndio detalhadamente ilustrado detalhado, publicado em 1664 por Thomas Willis e
intitulado De Anatomi Cerebri.
3.1.4. A Alquimia de Paracelso
Também as dissensões do modelo padrão de medicina - que se prenuncia e fortalece no
Renascimento - ocorrem desde o século XVI, constituindo-se a medicina hermética como uma
das mais significativas cisões do período. Fundamentando-se na metafísica, no esoterismo,
nos estudos cabalísticos, na astrologia e centralizando-se na química como alicerce básico, os
hermetistas retomam os princípios da integração entre homem e natureza, defendendo o
experimento direto com os elementos naturais como forma central de conhecimento médico
terapêutico, tendo na figura de Paracelso (1493-1541) o seu símbolo máximo.
Nascido na Suíça, filho de médico, Paracelso teve formação mais prática e mais mística
que o usual em seu tempo, incorporando aprendizagens de botânica, metalurgia, mineralogia e
filosofia à medicina, além de ter sido iniciado nas artes mágicas e no ocultismo. Interessandose
pelas manifestações da cultura popular, aproximando-se da alquimia e da magia, Paracelso
distanciou-se dos princípios da medicina universitária de sua era, valorizando a experiência a
ele contemporânea e a experimentação direta com a natureza.
70 Estudos de Harvey sobre a circulação sanguínea resultaram na publicação, em 1628, do Exercitatio Anatomica
de Motu Cordis et Sanguinis in Animalibus, que apresentou uma descrição detalhada do sistema circulatório,
revolucionando a medicina e a biologia.
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75
As idéias centrais do pensamento médico-filosófico de Paracelso baseavam-se numa
filosofia natural de base química, recusando a teoria humoral como modelo e atribuindo aos
quatro humores e aos quatro elementos clássicos (fogo, água, ar e terra) uma condição menor.
Na perspectiva de Paracelso, a tria prima é constituída de princípios regidos por três outros
elementos e substâncias primárias: o sal (princípio do corpóreo), o enxofre (princípio do
inflamável) e o mercúrio (princípio do volátil) 71.
A idéia básica de uma unidade entre o macrocosmo e o microcosmo, isto é, entre o
universo e o corpo humano é fundamental em sua filosofia, bem como a perspectiva espiritual
da concepção química, pois o corpo vivo seria composto tanto de minerais (plano material)
quanto de espíritos astrais que, sendo dirigidas pelo grande mago (Deus), controlavam e
compunham a essentia do corpo. Dentre essas forças espirituais da essência do corpo,
algumas eram enviadas diretamente por Deus - as sementes (semina) - e outras (archei)
funcionavam como princípios controladores de diversos processos vitais. As causas externas
das enfermidades, apesar de reais e específicas a cada doença, também seriam essências
espirituais, sempre na perspectiva relacional entre o universo e o corpo.
Outra base paradigmática central em Paracelso era a adesão à teoria das assinaturas 72
(figs. 16 a 18), segundo a qual o mundo real trazia marcas, sinais, vestígios que indicavam -
por aproximação e semelhança (em suas formas, cores, sabores, texturas etc.) - a sua utilidade
71 “O mundo é como Deus o criou. No início Ele o tornou matéria, formada pelos quatro elementos. Ele
fundamentou essa matéria primordial na trindade do mercúrio, enxofre e sal, e essas são as três substâncias
das quais a matéria completa é constituída. Pois elas formam tudo que existe nos quatro elementos; abrigam
em si as forças e faculdades das coisas perecíveis” (PARACELSO, apud DANCINGER, 1992, p. 34).
72 A teoria das assinaturas está exposta detalhadamente no livro Phytognomonica (1588) de Giambattista della
Porta (1538-1615).
Figura 15 -
Representação de
Paracelso (s/d)
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para o homem e seu tratamento, pistas colocadas por Deus como assinaturas alusivas e
referenciais da sua serventia para a humanidade. Cabia, assim, ao médico, a função de
desvendar os poderes e as virtudes ocultas dos elementos da natureza, sendo possível aprender
de maneira empírica e direta, pela prática, aproximando-se do saber do povo e afastando-se
dos dogmas e das teorias valorizadas nas universidades.
A farmacologia da medicina hermética de Paracelso era contrária à de Galeno, pois,
enquanto a galênica se baseava em remédios polifármicos vistos como antídotos generalistas
para várias doenças, os alquimistas procuravam estabelecer para cada doença uma única
droga, a ser descoberta pela experimentação química e pelo princípio de semelhança (base
posterior também da medicina homeopática). A alquimia era vista como um método científico
capaz de fazer descobrir a formulação eficaz de medicamentos para a prática médica,
embasada pelo princípio da forte integração do homem com a natureza.
3.1.5. A Construção do Sistema Médico Moderno
A partir do século XVII, há uma superação radical da filosofia clássica que, integrando
o homem à physis, considerava-o parte constituinte do cosmo, submetendo-o às mesmas
regras que regiam e eram prescritas pela natureza. Se, antes, o caminho do homem para autoorganizar-
se em harmonia e saúde se efetuava pela observação, conhecimento e ajuizamento
dos princípios e regras gerais que regiam e eram prescritas pelo universo, a partir de então a
natureza se distingue e se opõe ao homem, a quem cabe desvendá-la e subjugá-la por meio de
uma ciência crescentemente utilitarista.
Figura 16, 17 e 18 -
Gravuras de Joan Baptiste
Portae (s/d), ilustrando a
teoria das assinaturas.
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77
Mudanças radicais nas formas de percepção da natureza e na constituição de uma nova
maneira de se fazer e pensar a ciência tiveram implicações profundas sobre os métodos de
investigação científica sobre o mundo natural e o corpo humano. O conhecimento sobre a
realidade é filtrado pelas novas regras da ciência que se desenha, calcada na matemática e no
experimento, estabelecendo também um novo conceito para a medicina.
Com o advento do mercantilismo, a ciência moderna nasce no contexto histórico de
racionalização da existência, vinculada ao programa prático da racionalidade burguesa e
voltada para uma exploração maior e mais eficaz da natureza. A partir dos conceitos de René
Descartes (1596-1650) e do ideal de tornar o homem “mestre e possuidor da natureza”, iniciase
o pensamento filosófico do progresso pela técnica e pela ciência, estabelecendo uma
maneira de pensar o mundo - e o corpo humano - que se estende à atualidade. Vários foram os
condicionantes que possibilitaram mudanças tão extremadas na percepção sobre o homem e
na produção de conhecimento. A influência do cristianismo no contexto de elaboração destas
novas formas de pensar a ciência e o corpo remete a alguns dogmas anteriores a este período,
que, ao longo dos séculos, foram constituindo separações e distinções que possibilitaram
pensar a natureza como a serviço do homem.
As mudanças no sistema produtivo que aconteceram neste período na Inglaterra
representaram profundas alterações na percepção de mundo, e na formulação de uma nova
maneira de pensar a ciência, instituindo-se a aplicabilidade prática como a finalidade última
do conjunto do saber da produção científica, colocando-a a serviço do homem e empenhandoa
no domínio da natureza.
A partir de Bacon, a experimentação passa a ser considerada base metodológica
fundamental, firmando a realização de experiências controladas e a indução como os cernes
do método científico, modificando o objetivo da ciência, estabelecendo-lhe um caráter
pragmático e desencantado e visando ao estabelecimento de regras e leis universais para
ampliar o controle do homem sobre a natureza. Rupturas e cisões estabelecidas - entre ciência
e religião, entre corpo e alma e entre homem e natureza - possibilitaram o surgimento do
pensamento mecanicista moderno. Também foram fundamentais algumas experiências de
pensamento e de conceituação do universo que re-diagramaram a ciência, como a cosmologia
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heliocêntrica de Copérnico, a matematização do mundo de Galileu Galilei, a infinitude do
universo de Newton, o estabelecimento do método indutivo e da experimentação de Francis
Bacon e o mecanicismo de René Descartes. A medicina e a percepção do corpo humano
sofreram profundas mudanças, no esteio destas amplas transformações.
A utilização da matemática e da mecânica para analisar problemas técnicos de várias
ordens e o estabelecimento da tradução matemática como base para a explicação da natureza
firmam o estudo quantitativo como a perspectiva científica “verdadeira”, propiciando uma
alteração radical na proposição metodológica para a construção do conhecimento, baseada na
matemática e no uso da comprovação experimental.
No que concerne às mudanças nas representações do corpo humano e nas discussões
sobre seu funcionamento, foram de fundamental importância as idéias de René Descartes
(1596-1650) expressas em sua obra referencial, Discurso do método, e em outros textos
voltados especificamente para o debate sobre questões médicas e fisiológicas. O sistema
dualístico de Descartes divide o homem entre corpo e espírito. Para Descartes, a alma imortal
não pode, de modo algum, derivar do poder da matéria, sendo de natureza inteiramente
distinta: o espírito, a alma, é a substância pensante do homem, e sobre ele se encontra o
espírito perfeito e imutável de Deus; e o corpo, substância material do homem, é um
organismo que funciona como uma máquina, obedecendo a leis mecânicas, destituído de
qualquer caráter divino, cuja diferença básica sobre os organismos dos animais é a razão e a
possibilidade de seu uso para a produção de conhecimento. O sistema médico que surgiu
passou a assimilar a vida humana a partir da separação entre corpo e espírito, o primeiro visto
como objeto passível de aferições matemáticas (químicas, físicas, mecânicas etc.) e a segunda
como conteúdo apenas da filosofia ou da religião, afastada dos questionamentos sobre a
medicina ou sobre sua relação com a natureza.
O lugar central que a razão ocupa na proposta de ciência de Descartes volta-se,
sobretudo, para a composição de um método científico capaz de buscar verdades úteis ao
homem na tarefa de controle e dominação sobre o mundo. A influência de Descartes alcançou
toda a ciência moderna, refletindo também na medicina e na reflexão sobre o corpo humano,
considerado por ele como uma “máquina móvel” que, “tendo sido feita pelas mãos de Deus, é
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incomparavelmente mais bem ordenada e contém movimentos mais admiráveis do que
qualquer das que possam ser inventadas pelos homens” (DESCARTES, Discurso do Método,
parte 5).
A descrição fisiológica elaborada por ele toma por base a extensão e o movimento, a
exemplo das noções da física e da matemática, estabelecendo uma explicação mecânica para
o funcionamento do corpo. Tal modelo compreende a doença como um distúrbio que acomete
uma (ou mais) “parte da engrenagem”, cabendo assim à medicina intervir sobre ela, a partir
do conhecimento científico sobre as leis que regulam seu funcionamento, de maneira a reparála.
As partes são mais valorizadas que o todo, o que inicia o processo de especialização do
saber medicinal. No tratamento de questões médicas, há um destaque do caráter físicogeométrico
do corpo e da adaptação dos estudos médicos aos padrões instituídos pela física,
depreendendo todo um esforço conceitual para adaptar concepções tradicionais da medicina e
da anatomia a um modelo mecânico.
A interpretação mecânica do corpo (iatromecânica ou iatrofísica), baseada na
explicação matematizada do mundo, instituiu o organismo humano como um objeto material,
uma máquina, divisível em suas várias partes constituintes, passível de ser analisada - e
corrigida - por meio de dados químicos ou físicos que, podendo ser transpostos para a
linguagem matemática, são colocados sob a guarda da verdade científica.
Também as explicações físico-químicas dos medicamentos alcançaram uma
representação de certezas inequívocas, conferida pelo processo de legitimação do método
científico, o experimento controlado. O uso dos fármacos também se torna impessoal e
generalista, perdendo a pessoalidade das observações específicas a cada paciente, pois as
explicações físicas e químicas sobre os princípios ativos e de suas ações no corpo humano,
elevadas ao status de verdadeiras porque cientificamente comprováveis pelo método da
experimentação e da comprovação matemática, foram sendo crescentemente mais
legitimadas.
A iatroquímica surge, assim, na Europa, na segunda metade do XVIII, substituindo
radicalmente os fundamentos míticos e metafísicos por explicações mecanicistas, em que a
vida físico-orgânica distancia-se da espiritual, passando a ser investigada com base na
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perspectiva das ciências exatas, constituindo-se como base para a explicação “científica” do
novo sistema médico que integrava as descobertas ligadas à medicina e como explicação
racional da atuação médica sobre o corpo e seus processos. A medicina incorpora uma visão
tecnológica aplicada, fazendo crescer a efetividade de seus estudos na mesma proporção em
que perde seus sentidos mais humanitários. A diagnose ganha um caráter tecnicista, posto que
as relações discursivas entre médico e paciente perdem importância, confrontadas pela
valorização crescente dos dados tecnológicos decorrentes das análises físicas e químicas, tidos
como “verdadeiros”.
A medicina moderna instituiu uma visão redutora sobre o corpo que, decomposto em
partes (cada vez menores) e separado de suas dimensões afetivas e espirituais, passou a ser
visto como um objeto, perdendo-se, gradualmente, uma visão mais holística sobre o homem,
que foi perdendo também o sentimento de vínculo e de unidade com a natureza. Apesar da
tentativa de alguns estudiosos das ciências médicas em manter hermenêutica ampla (buscando
a manutenção do teor filosófico e humanista em paralelo ao desenvolvimento da esfera
técnica e prática), o desenvolvimento tecnológico da medicina implicou a perda gradual de
uma visão mais complexa ou holística do homem. Este foi paulatinamente afastado da
natureza e do domínio sobre si mesmo, perdendo autonomia e liberdade, confrontado pelo
crescente poder de controle que a ciência moderna passou a ter sobre o corpo e a vida.
Esse modelo se tornou dominante, mas não sem divisões e conflitos: paralela à medicina
materialista mecanicista sempre houve, no seio mesmo da ciência médica ocidental, uma
contraposição recorrente de abordagens mais holistas e vitalistas.
Outros sistemas médicos, oriundos de culturas e de sociedades diferentes da européia,
apresentam concepções e pontos de vista diversos sobre o corpo, mantendo, com constância, o
pressuposto de que a saúde, a doença e a cura dependem do relacionamento do sujeito
consigo mesmo (internamente ao próprio organismo), e da relação de seu corpo com seu
contexto sócio-cultural e ambiental. A forma de representar, perceber e tratar o corpo como
desvinculado da natureza e do ambiente é típica do paradigma da ciência moderna, não
encontrando similaridades com os demais sistemas médicos existentes. Segundo QUEIROZ
(1986, p. 314),
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Trata-se também de um fenômeno sem similar quando confrontado com
outros sistemas médicos não ocidentais como a Acupuntura, a medicina
Ayurvédica ou ainda os sistemas médicos populares da África, Ásia ou
América Latina. Em todos esses casos, por mais diferentes que sejam, tanto
as concepções de doença e de saúde como os tratamentos e as formas de
cura, é possível verificar um denominador comum: o pressuposto de que a
saúde e a doença dependem do relacionamento tanto das diferentes partes do
organismo entre si como deste com o seu contexto sócio-cultural.
3.1.6. Vestígios contemporâneos da noção hipocrática de equilíbrio
As idéias, os princípios e as terapêuticas da medicina hipocrática acompanharam o
caminho dos colonizadores europeus na América, chegando ao Brasil junto com os médicos
portugueses e holandeses. Posteriormente, em fluxo constante, corriam pelos manuais de
medicina trazidos da Europa para orientação das terapêuticas curativas na colônia, tanto
embasando as práticas medicinais mais formais quanto penetrando também nas práticas
populares. Durante o século XIX, sangrias, vomitórios, suadouros e dietas eram prescritos
para quase todos os males do corpo73, e purgantes, óleos de rícino, laxantes e eméticos eram
utilizados corriqueiramente pela população. No campo formal, as referências a Hipócrates
eram fundamentos constantes nas faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro.
Com uma sobrevivência secular, muitos destes princípios chegam à atualidade. Assim
como há resquícios do pensamento hipocrático na formação médica universitária, há uma
acentuada influência dos seus princípios nas práticas medicinais populares e tradicionais, com
surpreendente penetração nas mentalidades.
O apelo a clisteres, laxantes, diuréticos, sudoríferos ou depurativos de toda ordem -
como magnésias, chás, preparados fitoterápicos, óleos (rícino, linhaça, oliva...), elixires e
purgantes -, industrializados, artesanais ou caseiros, é constante nas medicinas caseira e
popular no Brasil, com o propósito de curar ou prevenir inúmeras doenças. Também a
utilização cotidiana do rapé ainda pode ser encontrada junto à população mais idosa da zona
rural brasileira, o que pode ser associado à lógica da excreção dos humores.
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As tradicionais sangrias também fazem parte das práticas terapêuticas populares,
seguindo-se o mesmo princípio da retirada do excesso dos humores, para prevenir ou curar
enfermidades, ainda que, em centros urbanos, a prática de evacuação sistemática dos humores
pelo sangue tenha sido substituída pela lógica da doação de sangue.
A aplicação de ventosas (vasos presos à pele por pressão) para debelar inflamações, e a
continuação do uso milenar das sanguessugas demonstram a recorrência e a força do
pensamento hipocrático na orientação de práticas terapêuticas contemporâneas.
A noção de equilíbrio presente no pensamento de Hipócrates é recorrente em vários
outros sistemas médicos, distintos do ocidental. Também é encontrada em outros sistemas
médicos populares que resultaram das sínteses dos processos colonizadores que ocorreram na
América, assemelhando-se ao do Brasil. Segundo QUEIRÓZ (1986, p. 314),
A lógica do “quente e frio” tem sido encontrada em praticamente toda a
América Latina e consiste num sistema que classifica como quente ou frio
certos elementos e ervas medicinais, e atribui uma performance terapêutica
diferencial desses elementos no corpo humano. Assim, doenças quentes
devem ser tratadas com ervas medicinais e alimentos frios, e as doenças frias
devem ser tratadas com ervas medicinais e alimentos quentes.
A relação do homem com a natureza e com a sociedade é vista como basilar na
manutenção ou no estado de saúde em vários outros sistemas médicos, seja na percepção de
que os outros exercem influências mágicas sobre o sujeito e sua saúde, seja na idéia de que as
crises no contexto social mais amplo se refletem na vida da pessoa como um todo.
A noção de que possa haver ação de agentes sobrenaturais na saúde da pessoa também
implica numa percepção relacional do homem com seu entorno físico, cultural e ambiental,
além, claro, de incluir a relação do homem consigo mesmo (afetos, emoções, religiosidade,
espiritualidade).
Somente atribuindo-se um poder relativamente grande à esfera afetivo-espiritual do
homem é que se torna possível acreditar, por exemplo, que a “inveja”, o “ciúme” ou o “mau-
73 Cf. ANDRADE LIMA, 1995-6.
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olhado” de uma pessoa possam atingir e modificar a vida e a saúde de outra pessoa. Tais
crenças se encontram presentes em vários sistemas medicinais populares, tradicionais e
autóctones.
Assim também a noção de saúde, em alguns grupos, não estabelece distinções entre
saúde individual, saúde da comunidade e saúde da natureza, pois nestes sistemas
cosmológicos tudo está relacionado, e os rituais para garantir uma boa colheita obedecem à
mesma ordem interna dos rituais para garantir a cura de um indivíduo, havendo uma contínua
e ampla re-alimentação entre o bem-estar do mundo e o bem-estar do indivíduo.
Para os beti, como em muitas culturas, existe apenas uma palavra - mvoé - para
significar indissoluvelmente a boa saúde individual e a paz comunitária em
harmonia com o mundo
LABURTHE-TOLRA
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3.2. COSMOLOGIA E XAMANISMO AMERÍNDIO
A forma do Outro é a pessoa.
VIVEIROS DE CASTRO.
Os pioneiros viajantes do século XVI já noticiavam o forte apego dos indígenas sul
americanos aos seus costumes e tradições, o que depois os etnólogos constatariam como uma
profunda religiosidade que atravessa todas as esferas da vida cotidiana dos nativos. As
diversas sociedades indígenas sul-americanas apresentam como um dos traços comuns o de
possuírem crenças religiosas baseadas na unidade indissolúvel entre o natural e o social, em
que, muitas vezes, o sobrenatural é apenas um aspecto singular dos mundos natural e social.
Há um investimento da vida social na preocupação religiosa, eliminando mesmo as fronteiras
entre os domínios do sagrado e do profano: “em suma, a natureza é, como a sociedade,
atravessada de uma ponta à outra pelo sobrenatural” (CLASTRES, 2004, p. 100).
Sob a denominação de perspectivismo cosmológico, VIVEIROS DE CASTRO define
aquilo que considera como um traço marcante das culturas nativas do Novo Mundo:
O conceito central para a caracterização das cosmologias indígenas é o de
‘perspectivismo’, que se refere ao modo como as diferentes espécies de
sujeitos (humanos e não-humanos) que povoam o cosmos percebem a si
mesmas e às demais espécies (VIVEIROS DE CASTRO, 2007, p. 1).
Ou seja, o mundo é concebido como habitado por uma infinidade de espécies de seres,
todos portadores de consciência e cultura, e a forma aparente de cada espécie é uma “roupa”
sob a qual se esconde uma forma humana interna74, apenas visível à própria espécie ou a seres
especiais (os xamãs).
Assim, o modo como os seres humanos vêem os animais e outras subjetividades
que povoam o universo - deuses, espíritos, mortos, habitantes de
outros níveis cósmicos, plantas, fenômenos meteorológicos, acidentes
geográficos, objetos e artefatos -, é diverso do modo como esses seres vêem
74 “Essa forma interna é o espírito do animal: uma intencionalidade ou subjetividade formalmente idêntica à
consciência humana, materializável, digamos assim, em um esquema corporal humano oculto sob a máscara
animal” (VIVEIROS DE CASTRO, 2007, p. 1).
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os humanos e vêem a si mesmos. Cada espécie de ser, a começar pela nossa
própria espécie, vê-se a si mesma como humana (VIVEIROS DE CASTRO,
2007, p. 8).
Neste contexto, as cosmologias indígenas se constituem como teorias do mundo, da
ordem do mundo, do movimento no mundo, no espaço e no tempo, no qual a humanidade é
apenas um dos muitos personagens em cena (SILVA, 2000). Plantas ou animais, por exemplo,
podem ser, simultaneamente, seres da natureza e agentes do sobrenatural. Assim, um sistema
de ritos, tabus, regras sociais, práticas xamanísticas e procedimentos éticos é socialmente
construído para atender à obrigação humana de manutenção da ordem do universo.
As mitologias funcionam como um sistema de referências que serve para orientar as
sociedades tribais no mundo em que vivem, sob a forma de tradições de conhecimento sobre a
própria sociedade e o universo. Aliando dados da experiência aos da imaginação, as
sociedades indígenas criam “um sistema mítico-filosófico de conhecimentos e imagens, que,
servindo de base à vida religiosa da comunidade, define também o lugar do homem no espaço
e no tempo, em face do ambiente geográfico e de outros povos, de sua própria cultura e das
incógnitas do Além” (SCHADEN, 1976, p. 306).
Profundamente enraizadas em todas as esferas da vida social e variando enormemente
de uma sociedade para outra, as mitologias abrangem desde a concepção do universo, a
criação do mundo e os ensinamentos dos heróis civilizadores até as relações entre animais,
plantas e demais elementos, as transformações de humanos em astros e a metamorfose de
animais, plantas e outros seres em espíritos.
Figuras 19 e 20 -
Imagens de Pinturas
rupestres brasileiras.
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86
As cosmologias definem, portanto, o lugar que a humanidade ocupa no universo,
expressando concepções da interdependência e da reciprocidade permanentes nas trocas de
forças e energias vitais, de conhecimentos, de habilidades e capacidades que fornecem aos
seres a fonte de sua renovação, perpetuação e criatividade. Tais concepções orientam a
vivência cotidiana, atribuem sentido e possibilitam a interpretação dos acontecimentos,
subsidiando a tomada de decisões da sociedade.
Os conhecimentos e saberes sobre a saúde e o corpo, cultivados nos costumes e
tradições das comunidades das aldeias, compõem os sistemas de saúde indígenas e definem
suas próprias noções de saúde e doença, suas causas e suas curas. O conceito indígena de
doença extrapola o de mero processo biológico universal, característico da visão mecanicista
da biomedicina: para o pensamento indígena, a doença é, sobretudo, uma ruptura da unidade
pessoal alma-corpo, sendo a cura a restauração da unidade perdida.
Desta forma, como afirma LANGDON (1999), a noção de cura indígena se aproxima do
conceito inglês de “heal”, originado da tradição grega, com o significado de totalidade75. Ou
75 O verbo to heal deriva do inglês medieval hal, que vem do vocábulo germânico antigo höl (designativo de
inteireza), que, por sua vez, se refere ao radical grego holos (no sentido de totalidade), do qual derivam os
termos holismo e holístico. Como aponta ALMEIDA FILHO (2000), “de ‘höl’ também origina-se ‘hölig’, raiz
do vocábulo contemporâneo ‘holy’, que significa ‘sagrado’ no inglês moderno. Em português, o termo ‘são’
também aparece como sinônimo de ‘sagrado ou santo’”.
Figura 21 -
Xamã Yanomami, 1974.
Foto: Claudia Andujar
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87
seja, a cura implica a restauração do bem-estar geral (do paciente e tudo que o cerca), a
restauração das relações afetadas pela doença76:
(...) assim, ‘heal’ para os sistemas indígenas implica na restauração de bemestar,
e nos casos de doenças sérias, que ameaçam a vida, bem-estar requer a
restauração das relações ameaçadas pela doença, e não só a ausência de
doença.
Ainda segundo LANGDON (1995), os sistemas indígenas de saúde são sistemas
xamânicos, de caráter holístico, e se baseiam em princípios epistemológicos distintos da
biomedicina, sendo a doença e a saúde consideradas como integrantes de um sistema
cosmológico mais abrangente, em que “fatores físicos, sociais e espirituais interagem no
processo de saúde/doença e cura”. Ou seja, saúde e doença são concebidas “como processos
psicobiológicos e sócioculturais (...) a doença não é vista como um processo puramente
biológico/corporal, mas como o resultado do contexto cultural e a experiência subjetiva de
aflição” (LANGDON, 1995).
Nas sociedades indígenas a teoria das doenças relaciona-se inteiramente com as
concepções do mundo natural, social e sobrenatural (fig. 21). A concepção das doenças, das
curas e dos seres sobrenaturais acionados pelos xamãs compõe um intricado sistema físicosocial-
metafísico que assinala o estreito vínculo entre a ação humana e a visão cosmológica
do indígena.
A forma mais elaborada das concepções derivadas das cosmologias indígenas reside na
linguagem simbólica expressa pela dramaturgia dos rituais, envolvendo música, dança,
gestualidade, ornamentação corporal, cânticos, pintura corporal etc., que possibilitam o
contato com outras dimensões cósmicas. Nestes rituais, desempenha papel fundamental a
figura do pajé ou xamã, o agente nativo da mediação entre o natural/social e o sobrenatural,
duplo de médico e sacerdote.
Desde os primeiros relatos seiscentistas, os xamãs ou pajés, então denominados
médicos-feiticeiros aparecem como a autoridade responsável pelo tratamento das moléstias
76 Aqui, o caráter holístico subjacente aos conceitos indígenas de saúde/doença e de cura nos faz pensá-los como
categorias similares à noção de fato social total (MAUSS, 2003).
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88
entre os indígenas, reputados pelos poderes mágicos que provinham das suas relações com os
espíritos, capazes de realizar curas, feitiços e profecias77.
3.2.1 Xamãs, Pajés e Aprendizes
Os pajés ou xamãs são responsáveis não só pela realização da cura, mas, sobretudo, pela
restauração do bem-estar geral da sociedade de que faz parte. O xamã busca não só descobrir
a causa da doença, mas dar sentido e interpretar seu significado para a vida da sociedade.
Para CLASTRES (2004), o xamã é o médico que está no centro da vida religiosa do
grupo que lhe confia assegurar a boa saúde de seus membros. Para o indígena a doença não
possui uma causa material, mas sempre uma origem sobrenatural:
A etiologia indígena coloca em relação imediata a doença, como distúrbio
corporal, e o mundo das forças invisíveis: determinar qual delas é
responsável, tal é a missão confiada ao xamã. Mas, seja qual for a causa do
mal, sejam quais forem os sintomas perceptíveis, a forma da doença é quase
sempre a mesma: ela consiste numa antecipação provisória daquilo que a
morte realiza de maneira definitiva, a saber: a separação entre o corpo e a
alma. A boa saúde se mantém pela coexistência do corpo e da alma
unificados na pessoa, a doença é a perda dessa unidade pela partida da alma.
Tratar a doença, restaurar a boa saúde, é reconstituir a unidade corpo-alma
da pessoa: como médico, o xamã deve descobrir o lugar onde a alma é retida
prisioneira, libertá-la do cativeiro onde a força que dela se apoderou a
mantém, reconduzi-la por fim ao corpo do paciente (CLASTRES, 2004, p.
108).
Nesta perspectiva, pode-se afirmar que o sistema de saúde indígena é constituído por
práticas culturais que integram um sistema simbólico, composto de valores, representações e
significados relacionados, considerando as especificidades de cada formação étnica. O
processo terapêutico utilizado pelo xamã, nos sistemas indígenas de saúde, apesar de muito
77 Em tempos pré-colombianos ocorreram longas e numerosas migrações de populações tupi-guarani,
conclamadas pelo discurso profético de poderosos xamãs. Segundo CLASTRES (2004), tais movimentos
messiânicos - em busca da terra sem males - sublevaram inúmeras aldeias, provocando a dispersão e
fragmentação dessas sociedades, no momento mesmo em que eram ameaçadas por tentativas de centralização
política (surgimento do Estado).
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89
diferente em substância, quanto à forma não difere tanto dos procedimentos da biomedicina,
pois também envolve a identificação dos sintomas, a definição de um diagnóstico preliminar
para orientar a terapêutica aplicável e a avaliação da eficácia obtida.
Deve-se destacar que, em muitas sociedades indígenas, o conhecimento dos processos e
substâncias a que atribuem poder curativo é amplamente disseminado entre os índios, não
estando centralizado apenas nos xamãs e pajés. Em situações de doença, muitas vezes o
recurso ao médico-feiticeiro só ocorre após se esgotarem os recursos que cada um possui para
diagnosticar e tratar o problema. Entre os tupi-guarani, por exemplo, o conhecimento das
espécies da flora tropical utilizadas para curar doenças78 era tão disseminado que se dizia que
cada um era médico de si próprio e médico de sua família.
No desempenho de suas atribuições curativas, o xamã recorre a práticas e
procedimentos que geralmente envolvem o uso de substâncias naturais (como o tabaco79,
fumado em cachimbos, a ayahuasca80, o paricá81,o yãkõana82 etc.), de instrumentos musicais
(chocalhos, apitos), do transe, das visões e dos sonhos. Outras experiências sensoriais e uma
série de procedimentos curativos, como a sucção, o sopro, a massagem, a fumigação, o tabu
alimentar, as incisões e as sangrias, são também acionados pelo xamã para a obtenção do
retorno do paciente a uma situação de equilíbrio e bem-estar e da própria restauração da
ordem do mundo (fig. 22).
78 No período colonial, o conhecimento indígena sobre a flora medicinal foi apropriado e sistematizado pelos
jesuítas na forma de farmacopéia manuscrita (Coleção de várias receitas e segredos particulares das
principais boticas de nossa Companhia, Roma, 1766), reunindo o conhecimento da tradição européia às novas
observações da flora e fauna nativas.
79 Entre várias sociedades indígenas brasileiras o tabaco é uma das plantas sagradas necessárias à cura e a muitas
atividades xamanísticas, cujo uso (ritual) está sujeito a interdições e prescrições cultural e socialmente
diversificadas.
80 A ayahuasca é uma bebida ritual produzida a partir da decocção de duas plantas nativas da floresta amazônica,
um cipó (Banisteriopsis caapi) e folhas de um arbusto (Psicotria viridis).
81 O paricá é um pó preparado a partir das sementes da Anadenanthera peregrina, uma árvore muito comum na
selva, que cresce dos Andes até São Paulo. Esta semente contém dimetiltriptamina, o mesmo princípio ativo da
ayahuasca.
82 O pó alucinógeno yãkõana é preparado com a resina e fragmentos da casca interna, secos e pulverizados, de
plantas da espécie Virola.
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90
As atribuições dos xamãs não se restringem, portanto, à cura de doenças apenas; a
responsabilidade pelo bem-estar geral da sociedade leva-os a protegê-la contra espíritos maus,
mediante práticas propiciatórias para obtenção de colheitas e caçadas abundantes, além da
invocação de espíritos benignos para ajudar em questões cruciais como esterilidade e outros
distúrbios geralmente atribuídas à feitiçaria.
Embora a feitiçaria não seja praticada apenas pelos xamãs, estes podem convocar seus
espíritos malignos contra determinada vítima um outro xamã ou qualquer pessoa da sua ou de
outra comunidade. A atividade do xamã comporta certos riscos, na medida em que os poderes
de que se utiliza para propiciar a vida (curando doentes, por exemplo) podem ser utilizados
também para provocar a morte, ainda que sem intenção: o êxito curativo do xamã aumenta o
seu prestígio, da mesma forma que o seu fracasso, quando reiterado, o condena, literalmente,
à morte.
Apesar das exceções, nas sociedades indígenas brasileiras o xamanismo geralmente é
uma prática masculina, cuja aprendizagem - envolvendo a obtenção de um saber esotérico, o
controle da manipulação de drogas alucinógenas, a observância de regras e tabus apropriados
- se realiza sob a tutela de um outro xamã já estabelecido, sob a forma de um processo
iniciatório:
(...) uma vez que as doenças, que eles se destinam a medicar, são os efeitos
de uma ação das forças sobrenaturais sobre o corpo, trata-se de conquistar os
meios de agir sobre essas forças a fim de controlá-las, manipulá-las,
neutralizá-las. A preparação do xamã visa portanto a proporcionar-lhe a
Figura 22 -
Yanomami, 1974.
Foto: Claudia Andujar
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91
proteção e a colaboração de um ou vários espíritos-guardiães que serão seus
auxiliares em suas tarefas terapêuticas. Pôr em contato direto a alma do
noviço e o mundo dos espíritos: tal é o objetivo da aprendizagem
(CLASTRES, 2004, p. 110-1).
Ainda segundo CLASTRES (2004), no processo iniciatório, o aprendiz de xamã é
freqüentemente conduzido ao “transe”, ocasião em que constata seu reconhecimento como
xamã pelas forças invisíveis, quando são revelados seu espírito-guardião e o seu canto, que o
acompanharão em todas as curas a partir daí. O acesso da alma ao mundo sobrenatural
depende, em certa medida, da abolição do corpo: mediante a ascese corporal (jejuns
prolongados, privação de sono, isolamento na floresta, consumo intenso de tabaco e/ou drogas
alucinógenas), o aprendiz atinge um estado de esgotamento físico cuja debilitação corporal
assemelha-se à experiência da morte:
É então que a alma, liberada da gravidade terrestre, aliviada do peso do
corpo, acha-se enfim no mesmo nível que o sobrenatural: momento último
do “transe” no qual o jovem, na visão que lhe é oferecida do invisível, é
iniciado ao saber que faz dele, daí por diante, um xamã (ibidem, 111).
As drogas alucinógenas são utilizadas pelos xamãs e aprendizes em cerimônias rituais,
possibilitando-lhes entrar em contato com o mundo dos espíritos, adquirindo a visão de outras
dimensões ou realidades, que lhes faculta o conhecimento da complexidade do mundo. Entre
os Yanomami, por exemplo,
(...) sob o efeito do pó yãkõana, considerado como a comida dos espíritos, os
pajés dizem ”morrer”. Entram num estado de transe visionário durante o
qual ”fazem descer” os xapiripes, com os quais acabam identificando-se,
imitando as coreografias e cantos de cada um conforme a ordem de sua
chamada na pajelança (designam-se os pajés como xapiri thëpuë, ”gente
espírito”, e fazer pajelança se diz xapirimou, ”agir enquanto espírito”).
Assim, quando ”morrem os seus olhos”, os pajés adquirem uma visão-poder
que, ao contrário da percepção ilusória da ”gente comum” (kua përa thëpë),
lhes dá acesso à lógica essencial dos fenômenos visíveis, portanto à
capacidade de modificar seu curso (ALBERT, 1998, p. 10).
Uma outra forma de conhecimento do sobrenatural são os sonhos, considerados como
fonte do poder do xamã, juntamente com as forças neles reveladas. Muitos grupos indígenas
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crêem no sonho como uma viagem, em que a alma, liberta do corpo, se desloca no tempo e no
espaço, propiciando-lhes o dom da profecia.
Como o mundo sobrenatural é povoado por uma infinidade de espíritos de pessoas e de
animais, de ancestrais humanos e não-humanos, de almas dos mortos e de seres benignos e
malignos de várias classes e naturezas, por meio dos sonhos, os xamãs vão se familiarizando
com eles, espíritos auxiliares que o ajudarão, em suas práticas xamanísticas, a identificar e
conhecer as causas das doenças. Todo xamã invoca e conclama seus espíritos auxiliares toda
vez que atua profissionalmente, seja em sessões de cura de doenças ou infortúnios, seja em
trabalhos de feitiçaria ou contra-feitiçaria.
Para o pensamento xamânico sul americano “conhecer é personificar, tomar o ponto de
vista daquilo que deve ser conhecido daquilo, ou antes, daquele; pois o conhecimento
xamânico visa um ‘algo’ que é um ‘alguém’, um outro sujeito ou agente” (VIVEIROS DE
CASTRO, 2002, p. 358). Trata-se, portanto, de uma epistemologia fundada sobre bases
inteiramente contrárias àquelas paradigmáticas da moderna civilização ocidental, em que,
sintetizando, “conhecer é objetivar”. No entanto, como afirma CUNHA (1998b, p. 14), “o
trabalho do xamã, sua esfera de competência, é essa tentativa de reconstrução do sentido, de
estabelecer relações, de encontrar íntimas ligações”, assumindo, para isso, o ponto de vista de
outros, colocando-se em perspectiva.
O corpo serve para o ser humano como uma matriz simbólica que organiza tanto sua
experiência corporal como o mundo social, natural, e cosmológico.
O que o corpo sente não é separado do significado da sensação, isto é, a
experiência corporal só pode ser entendida como uma realidade subjetiva onde o
corpo, a percepção dele, e os significados se unem numa experiência única que vai
além dos limites do corpo em si.
(LANGDON, A DOENÇA COMO EXPERIÊNCIA)
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3.3. CAMINHOS JEJE-NAGÔ
Araketuê Afaimará.
(POVO DE KETO, ABRAÇAI-VOS)
O povoamento de africanos no Brasil ocorreu sob condições muito distintas das etnias
européias, não só pela posição social em que se situavam - os primeiros dominados por estes -
, mas pela própria constituição dos dois grandes grupos. Durante três séculos traficados para o
Brasil como escravos, os africanos procediam de diferentes etnias83, de grupos com heranças
culturais diversas. No entanto, na condição de colonizadores, os portugueses e outros povos
europeus experimentavam uma homogeneidade cultural que definiu o modelo prevalecente
nas relações sócio-econômicas e no aparato administrativo instalado para levar a cabo o
processo de dominação do lugar e dos demais grupos culturais envolvidos.
Várias foram as implicações destes fatos para a sobrevivência histórica de costumes,
crenças, práticas e conhecimentos dos grupos africanos, afetando diferentemente as formas e
as substâncias de seus patrimônios culturais originais. Os distintos graus de exposição ao
outro - dominador e “possuidor” de seus corpos -, fez com que os afro-brasileiros
desenvolvessem alternativas distintas para a sobrevivência de suas tradições étnico-culturais.
Tais alternativas envolveram processos político-culturais como resistência contínua,
confrontos diretos e rebeliões, fugas, adaptações e isolamentos em grupos simbólicos de
pertencimento (religião, irmandades, quilombos etc.). Desde cedo, utilizaram-se de estratégias
que permitissem uma reorganização do significado de pertencimento grupal e a manutenção
de hábitos e práticas cotidianas comunitárias eivadas dos saberes ancestrais, de maneira que o
corpo-objeto instituído pelas leis escravistas se revestisse de uma configuração simbólica
específica, que depois se revelaria constitutiva da própria hibridez da cultura brasileira.
A heterogeneidade dos grupos africanos escravizados foi um traço marcante do
abastecimento do tráfico negreiro transatlântico (figs. 23 a 26): em síntese, até o século XVIII
o tráfico de escravos provinha da África subequatorial (bantus de Angola e Congo para a
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produção açucareira, sobretudo), mudando a partir daí para os intensos fluxos oriundos da
África superequatorial (nagôs/iorubás, jejes e haussás, inicialmente da Costa da Mina, atual
Nigéria, e depois da baía de Benim, antigo Daomé), que se destinaram à Bahia (em maior
escala), Pernambuco e Maranhão. A política colonial de mistura e dispersão étnica dos
escravos na produção também restringiu a permanência das sociabilidades originais entre as
comunidades negras transplantadas.
O sistema colonial - mercantil e escravocrata - que os submeteu no Brasil, constituía-se
sobre um ethos completamente diferente dos africanos. Todo o sistema sócio-cultural que
orientava a vida nos seus grupos de origem ficou para trás, na África mítica que sobreviveu
apenas nas memórias coletivas.
Entretanto, em contextos posteriores de reorganização e de adaptação à nova situação,
os sistemas sócio-culturais das comunidades africanas originárias serviram de base para a
recriação simbólica e espacial de quilombos, terreiros de candomblé e outros sítios em que
desenvolveram uma communitas singular como espaços de sobrevivência cultural
fundamentais à organização subjetiva de suas identidades culturais e sociais.
A condição extremada de despertencimento material e simbólico a que se relegavam os
escravos possibilitou-lhes uma abertura para novas redes de relações, significando a
83 Artur RAMOS (1979), em um dos estudos pioneiros sobre culturas africanas no Brasil, estabelece uma divisão
para os diferentes padrões sobreviventes de culturas africanas, tomando como categorias mais amplas as
culturas Sudanesas, as Bantus e as Guineo-Sudanesas Islamizadas.
Figuras 22, 23, 24 e 25 -
Escravos Brasileiros.
Fotografias de Christiano Jr. (séc.XIX)
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reinvenção de suas sociabilidades em bases epistemológicas e simbólicas enriquecidas pelas
misturas e diferenças de suas orientações cognitivas ancestrais:
(...) uniões e cruzamentos impensáveis no continente africano terminaram
por acontecer no solo brasileiro. Assim pessoas de cultura animista uniramse
a outras de origem muçulmana, angolanos e nagôs mesclaram-se entre si,
ocasionando, entre outros fenômenos, práticas culturais e vivências
religiosas fora dos padrões ditos cultos impostos pelo sistema branco
(PÓVOAS, 2006, p. 213).
A cultura iorubá, considerada por Arthur Ramos como a mais importante dentre as
culturas negras sobreviventes no Brasil e uma das mais estudadas84, foi, de fato, a mais
influente no Novo Mundo85. Em sua região de origem, os iorubá eram possuidores de
formações estatais, com articuladas redes urbanas de cidades-estado86, praticantes da
economia monetária e da escravidão, conhecedores da metalurgia e produtores de uma
estética refinada (escultura, arquitetura, poesia). A proximidade e vizinhança com os povos
ewe (jejes) do Daomé propiciava aos iorubá desde trocas comerciais, alianças políticas e
casamentos interétnicos a guerras, anexação de territórios e captura de prisioneiros para o
comércio escravista, num intenso processo de influências recíprocas.
Este contexto de diversidade étnico-cultural dos escravos africanos no Brasil definiu,
principalmente na cidade da Bahia (Salvador), um processo de aculturação envolvendo
religião, tecnologia, sistemas sociais etc. que, tendo se iniciado na África87, foi aqui
intensificado entre os jeje (ewe), grupos étnicos de língua fon da baía de Benim (antigo
Daomé) e os nagô, grupos étnicos de língua iorubá da Costa da Mina (atual Nigéria),
configurando a chamada tradição jeje-nagô.
84 Dos pioneiros Nina Rodrigues e Manuel Quirino, a Edson Carneiro, Artur Ramos e Roger Bastide, só para
lembrar de alguns clássicos dos estudos africanistas no Brasil.
85 Segundo PRANDI (2001b, p. 44), o candomblé baiano proliferou por todo o Brasil e “tem sua contrapartida
em Pernambuco, onde é denominado xangô, sendo a nação egba sua principal manifestação, e no Rio Grande
do Sul, onde é chamado batuque, com sua nação oió-ijexá. Outra variante iorubá, esta fortemente influenciada
pela religião dos voduns daomeanos, é o tambor-de-mina nagô do Maranhão. Além dos candomblés iorubás,
há os de origem banta, especialmente os denominados candomblés angola e congo, e aqueles de origem
marcadamente fon, como o jeje-mahim baiano e o jeje-daomeano do tambor-de-mina maranhense”.
86 Ibadã, Oió, Ifé, Ilorim, Ijexá etc., todas densamente urbanizadas.
87 “Alguns estudiosos costumam chamar a nossa atenção para um fenômeno interessante. Falam da existência,
já na África, de um ‘sincretismo’ envolvendo jejes e nagôs” (RISÉRIO, 2004, p. 282)
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Sobre o Candomblé, especificamente, Vivaldo [da Costa Lima] se refere a
empréstimos mútuos, fixando-se na fórmula jeje-nagô ‘como significativa do
tipo de cultos religiosos organizados na Bahia, principalmente sobre os
padrões culturais originários dos grupos nagô-iorubá e jeje-fon’ (RISÉRIO,
2004, p. 283).
A influência mítica e epistemológica das tradições africanas se evidencia de forma
particular na Bahia e interfere na interpretação do mundo e da vida de muitas pessoas,
intermediando a relação com o corpo, a natureza e os homens. De fato, como afirma
RISÉRIO, se podem identificar traços comuns às várias formas de religiosidade africana -
desde a relação com a natureza, cujos objetos e fenômenos, carregados de significância
religiosa, podem manifestar o sagrado; a ausência de corpos doutrinários sistemáticos (a
transmissão oral do saber, dito em presença); a coexistência de monoteísmo e politeísmo; o
antropocentrismo; o caráter pragmático da fé (a vida presente, sem doenças, muitos filhos, a
fartura, a beleza, a riqueza).
A religião do candomblé, embora africana, não é religião só de negros.
Penetram no culto não somente mulatos, mas também brancos e até
estrangeiros. É preciso dissociar completamente religião e cor de pele. É
possível ser africano, sem ser negro (BASTIDE, 2001a, p. 25).
A forma de compreensão do mundo influenciada pelo candomblé jeje-nagô interfere
não apenas na experiência religiosa propriamente dita, mas estabelece também todo um
sistema de classificação do real pela intermediação simbólica dos orixás e voduns, que tanto
podem ser interpretados como “deuses de clãs”, na acepção original da África, quanto como
“deuses de confrarias religiosas especializadas”, que, no Brasil perderam suas características
de chefes de linhagem e assumiram caracteres de personificação das diversas forças da
natureza, dirigindo-as do alto (cf. BASTIDE, 2001a, p. 154).
Também podem ser compreendidos como “seleção de faixa cósmica (...), de consciência
cósmica, o tipo de energia ou de estação em que se devem alimentar nossos receptores ou em
que devem sintonizar por serem a ela semelhantes” (TAVARES, 2002, p. 31). Pierre
VERGER (1981) explica que a própria qualidade das relações entre um indivíduo e seu orixá
é diferente na África e no Novo Mundo, havendo, com o passar do tempo, uma evolução na
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definição e concepção do que é orixá no Brasil, tendendo mais a uma vinculação arquetípica
comportamental que propriamente ancestral.
Africanos e não-africanos têm em comum tendências inatas e um
comportamento geral correspondente àquele de um orixá, como a virilidade
devastadora e vigorosa de Xangô, a feminilidade elegante e coquete de
Oxum, a sensualidade desenfreada de Oiá-Iansã, a calma benevolente de
Nanã Buruku, a vivacidade e a independência de Oxóssi, o masoquismo e o
desejo de expiação de Omolu, etc. (...) Podemos chamar essas tendências de
arquétipos da personalidade escondida das pessoas (VERGER, 1981, p. 33-
34).
O caráter classificatório dos orixás, segundo BASTIDE (2001a), abrange elementos da
natureza, plantas e animais, acontecimentos-tipo, tempo e espaço, arquétipos humanos, partes
do corpo (anatomia mística), processos de saúde e cura, interligando o mundo dos homens ao
mundo da floresta e ao mundo das divindades.
Todo santo está ligado a determinada cor, a certos metais, a certos animais, a
certos fenômenos meteorológicos e também (...) a certos acontecimentos e a
certas plantas. Assim também a determinado espaço (mar, floresta...) e a (...)
determinado tempo (este ou aquele dia da semana). É claro que não
conhecemos todas as ligações; (...) mas mesmo não podendo afirmar que
nosso quadro esteja terminado, é todavia suficientemente amplo para tornar
bem evidente o caráter classificatório dos orixás. Toda uma série de lendas
explica ou justifica essas ligações por meio da própria história do santo
(BASTIDE, 2001a, p. 154-155).
BASTIDE (2001a) construiu um quadro de correspondências entre orixás, cores,
metais, animais, natureza e relações humanas. Classificações deste tipo sem dúvida oferecem
variações em estudos produzidos por outros autores, que podem também elencar outros orixás
do panteão iorubá para o estabelecimento de referências. O quadro de Bastide serve,
entretanto, como uma ilustração da função nomeadora e organizadora primordial da religião
do candomblé na interpretação do mundo e na transformação de caos em cosmo.
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O orixá não se confunde, entretanto, com o espírito individual de cada pessoa, em
iorubá chamado de emi (um sopro, uma espécie de vento) que faz parte da natureza e coloca o
indivíduo num mundo à parte, distinto do mundo divino:
Ao possuirmos um orixá, estamos refletindo simbolicamente o mundo
mítico; ao possuirmos um emi, somos donos de uma existência que nos é
própria, somos um indivíduo. É o que chamamos de princípio de ruptura,
que distingue no real certo número de compartimentos separados (ibidem, p.
231-2).
De acordo com a concepção nagô do universo, Oludumaré é a divindade suprema que,
estando acima dos orixás (deuses ancestrais), é inacessível e indiferente aos homens, pois está
“fora do alcance da compreensão humana”, pairando “acima de todas as contingências”
(VERGER, 1981, p. 21). Criador dos próprios orixás que governam e supervisionam o
mundo, Oludumaré mora num além infinito, o orun88, de onde controla o axé, a força vital e
dinâmica, invisível e mágica-sagrada que nutre todas as criaturas (divindades e seres
animados) e coisas do universo: “não há candomblé sem axé” (BASTIDE, 2001a, p. 77).
88 Olodumaré é também denominado Olorun, o Senhor do orun.
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Simultânea à produção acadêmica recente sobre as religiões afrobrasileiras e
especialmente o candomblé, observa-se um número crescente de publicações em que devotos
e membros da hierarquia religiosa assumem a função de registrar na escrita parte de suas
histórias imemoriais, transmitidas tradicionalmente pela oralidade, dando novo sentido à
transmissão da ancestralidade. Assim, pais e mães de santo apresentam, à comunidade
acadêmica, textos que refletem um conhecimento particular, nascidos de anotações e registros
memoriais, de representações simbólicas e de compreensão viva dos ritos e mitos ancestrais,
repletos de sabedoria in situ. No livro Òsósi: o Caçador de Alegrias, a ialorixá Stella de
Oxossi, mãe-de-santo de um dos mais tradicionais terreiros de candomblé de Salvador, o Ilê
Axé Opô Afonjá, comenta a cosmologia jeje-nagô:
Segundo os nossos antepassados yorubá, tudo no universo advém de Olorún.
Ele teria criado o universo e todas as divindades ou seres primordiais. Os
orísa habitavam o òrun - espaço sobrenatural associado ao além ou infinito -
juntamente com Olórun que delegou a Òrísanlá - o grande orísa da criação -
a tarefa de criar o planeta Terra, assim como todos os seres que o habitaria.
A partir deste momento mitológico, surgem várias versões acerca de um
mesmo evento, cada uma repleta de uma rica linguagem simbólica (...)
(SANTOS, 2006, p. 17). (grifos da autora).
Além do orun, dimensão infinita, mítica e longínqua habitada pelas divindades (orixás)
e pelos antepassados mortos (eguns), a cosmologia nagô refere-se a outro mundo relacionado
e oposto, o ayê, o mundo físico e concreto, dos seres vivos, a terra onde vivem os homens89.
BASTIDE (2001a: p. 85) descreve um dos mitos de origem entre os iorubá, em que aparece a
concepção cosmológica dos dois mundos:
Sabe-se que entre os iorubás, o casal divino primitivo é constituído por
Obatalá, o céu, e Odudua, a terra, e que da união do céu e da terra nascem
Aganju, o firmamento, e Iemanjá, as águas. Sabe-se também que esse casal
em cópula é representado por duas metades de cabaça, fechadas uma sobre a
outra, uma figurando a abóboda celeste, a outra, a terra fecundada - cabaça
sagrada chamada igbá.
89 Segundo TRINDADE SERRA (2000), vários mitos falam que “Olorun delegou a seu filho, Oxalá (Orixalá, ‘o
grande Orixá’), a criação do mundo físico, que entregou a seus cuidados”.
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Os registros da Mãe Stella de Oxossi (SANTOS, 2006) afirmam que, nos mitos yorubás
de criação, estão recorrentemente presentes Òrísanlá e Odùdùwa90, aparecendo também
outros personagens míticos nas variadas versões. Segundo a autora, a criação da Terra e de
sua população de flora e fauna coube à divindade feminina Ìyá mi àgbá, que recebeu o poder
da gestação diretamente de Olorún.
(...) além da tarefa inicial de criar a Terra também lhe coube a missão de
mantenedora do equilíbrio capaz de garantir a continuidade de sua criação.
Ela criou as leis da natureza, a primeira forma de legislação, criou também
os cultos: aos Egungum femininos, denominado “Gèlèdé”; e aos diversos
orísa, para manter o equilíbrio na Terra (ibidem, p. 18).
Assim, o mundo, ao ser criado, está desde logo submetido a leis de equilíbrio que
regulam a natureza, função também desempenhada pelos orixás. Por outro lado revela-se uma
estreita relação entre a natureza e os cultos, criados em concomitância. A tarefa de criação dos
seres humanos, em específico, coube a Òrísanlá, que os moldou a partir da lama primordial
fornecida pelo orixá Nanã, que, entretanto, só permitiu a utilização de sua lama na condição
de devolução após certo período de uso, garantindo assim a “regra básica da existência”, a
vida e a morte, o equilíbrio da natureza. PRANDI (2001c) registra o seguinte mito:
Dizem que quando Olorum encarregou Oxalá.
de fazer o mundo e modelar o ser humano,
o orixá tentou vários caminhos.
Tentou fazer o homem de ar, como ele,
Não deu certo, pois o homem logo se desvaneceu.
Tentou fazer de pau, mas a criatura ficou dura.
De pedra ainda a tentativa foi pior.
Fez de fogo e o homem se consumiu.
Tentou azeite, água e até vinho-de-palma, e nada.
Foi então que Nanã Burucu veio em seu socorro,
Apontou para o fundo do lago com seu ibiri, seu cetro e arma, e de lá
tirou uma porção de lama.
Nanã deu a porção de lama a Oxalá,
o barro do fundo da lagoa onde morava ela,
a lama sob as águas, que é Nanã.
90 A grafia dos nomes dos orixás e dos personagens míticos varia de acordo com os autores. Optamos por manter
as grafias conforme aparecem em cada autor, sem uniformizações.
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Oxalá criou o homem, o modelou no barro.
Com o sopro de Olorum ele caminhou.
Com a ajuda dos orixás povoou a Terra.
Mas tem um dia que o homem morre
e seu corpo tem que retornar à terra,
voltar à natureza de Nana Burucu.
Nana deu a matéria no começo
mas quer de volta no final tudo o que é seu (PRANDI, 2001c, p.197).
Segundo BASTIDE (2001a), na concepção nagô o cosmo possui uma estrutura
quádrupla os deuses, os homens, a natureza e os mortos -, havendo sacerdotes distintos a
presidir cada domínio. Os babalorixás (ou as ialorixás) são os sacerdotes dos deuses,
governam o culto dos orixás; os babalaôs são os sacerdotes dos homens91, escutando a fala
dos orixás mediante o culto de Ifá92; os babalossains são os sacerdotes do culto de Ossaim,
divindade das plantas, sem as quais nenhuma cerimônia pode existir; e os babaojés são os
sacerdotes dos mortos, comandando o culto dos eguns.
A comunicação entre os orixás e os homens pode se dar de maneira direta - quando o
próprio orixá, incorporado a um dos fiéis por meio do transe de possessão, excepcionalmente
fala diretamente à pessoa -, ou de maneira indireta, oracular, fazendo-se consultas aos deuses,
mediante o jogo de adivinhação (com o colar de Ifá, búzios, nozes de cola ou outro processo),
executado por um babalaô93, sacerdote-adivinho que tem o dom de traduzir, pelo jogo, as
mensagens e as palavras dos orixás. É o babalaô que, tendo acesso às manifestações,
mensagens e palavras reveladas pelo odu94 pode conhecer
(...) a identidade profunda de cada pessoa, serve-lhe de guia, revela-lhe o
orixá particular, ao qual ela deve eventualmente ser dedicada, além do da
família, e dá-lhe outras indicações que a ajudarão a comportar-se com
segurança e sucesso na vida (VERGER, 1981, p. 126).
91 BASTIDE (2001a, p. 144) destaca ainda: “sacedotes dos homens como indivíduos e das coletividades sociais
como relações entre homens”.
92 A consulta ao Ifá (divindade do destino) é feita mediante um jogo de adivinhação que o babalaô faz com o
colar de Ifá (opelê).
93 Para VERGER, os babalaôs são os “pais do segredo” (1981, p. 126).
94 Odu: a “palavra” formada pelo jogo e decifrada pelo babalaô.
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A linguagem, a tradução e o diálogo são fundamentais, assim, na relação dos homens
com a vida, bem como na interpretação dos elementos ligados ao corpo e à saúde: os orixás -
e, em seu conjunto, a própria vida - dirigem, continuamente, “palavras” aos homens que
devem, por sua vez, estar abertos e atentos aos sinais e aos símbolos. O homem, nesse
entender, pode ser visto como “reflexo dos deuses” (BASTIDE, 2001a, p. 218):
Não é apenas a dança extática das filhas-de-santo que vai refletir o mundo
dos mitos, nas noites musicais da Bahia. Na sua vida, nas suas estruturas
psíquicas, o homem todo simboliza o divino. Já vimos que, do nascimento à
morte, sua existência está presa numa trama de acontecimentos que são
“palavras” dos orixás se revelando por intermédio de Ifá ou de Exu (...).
(fig.27)
Figura 27 -
Consulta ao Ifá, em foto de Verger.
Abomey, República Popular do
Benim, década de 1940
Pierre Verger © Fundação Pierre Verger
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3.3.1. Mythos e Logos em Tradições de Origem Africana
Kossi euê kossi orixá
95
ILDÁSIO TEIXEIRA E JERÔNIMO
Para Edgar MORIN, nas sociedades ditas arcaicas96 se observa com maior evidência as
imbricações constantes e indissociáveis entre mythos e logos, os âmbitos do pensamento
humano a que ele chama de “dois modos de conhecimento e acção”.
É o problema-chave da relação que encontramos, em todas as civilizações
arcaicas, entre dois modos de conhecimento e de acção, um simbólico/
mitológico/mágico, o outro empírico/técnico/racional; por um lado, há
distinção de facto muito nítida entre estes dois modos; por outro lado, estão
imbricados complementarmente numa trama complexa, sem que um atenue
ou degrade o outro (MORIN, 1996, p. 144).
São, de fato, bem perceptíveis as relações entre mythos e logos em tais comunidades,
ocupando diversas dimensões do cotidiano, inclusive nos aspectos que se referem ao corpo e à
saúde. De tal forma estão imbricados os dois modos de conhecer e agir que o pensamento
racional, empírico e técnico (logos) não se separa do pensamento mágico, simbólico e mítico
(mythos), estando a percepção, o conhecimento e a ação das pessoas - sobre o mundo -
baseadas (organizadas, movidas, fundadas, sistematizadas...) a partir de uma teia única em
que logos e mythos são inseparáveis, existindo num circuito entrelaçado.
Registros etnográficos e estudos antropológicos sobre diversos grupos étnicos que
vivem ou que viveram nos mais remotos lugares do planeta podem ser referência para se
compreender estas imbricações, circuitos e anéis entre mythos e logos. MORIN (1996, p. 32)
afirma que a finalidade do método da complexidade é “ajudar a pensar por si mesmo para
responder ao desafio da complexidade dos problemas” e que, na produção do conhecimento,
95 “Sem folha não tem orixá”.
96 A divisão entre as chamadas sociedades simples / arcaicas / tribais / primitivas e as chamadas sociedades
complexas, não estabelece, do ponto de vista da antropologia contemporânea, juízo de valor ou hierarquias
entre uma categoria ou outra, referindo-se, para grande parte dos autores, às diferentes formas de reprodução
da vida material e da organização social, segundo relações de parentesco num caso ou a divisão social do
trabalho, noutro.
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devemos nos mover e trabalhar guiados pela percepção da condição de inacabamento a que
estamos condenados e na qual devemos operar - percepção esta que se encontra no cerne da
consciência moderna97.
A sacralização da natureza é um aspecto fundante do candomblé. As plantas, como
outros fenômenos e objetos da natureza, são consideradas sagradas e possuem um papel
fundamental na estrutura litúrgica do culto: desde os banhos de ervas nos rituais de iniciação,
o batismo de tambores, a lavagem de contas, a oferenda de alimentos, até os banhos de
purificação e os remédios vegetais prescritos pelos sacerdotes. Há, portanto uma lógica
intrínseca que associa as plantas aos orixás, de que resulta que elas têm uma dupla função:
simbólica-propiciatória (mágico-religiosa) e curativa (farmacológica). Unindo prática
religiosa à ação terapêutica, o uso das plantas visa à promoção, à conservação e à restauração
do bem estar e da saúde dos iniciados e fiéis. As “folhas”, para usar um termo corriqueiro
entre os praticantes, são portadoras do “segredo do candomblé”, contém axé.
Nos anos 50-60 do século XX, Pierre VERGER - etnólogo e fotógrafo francês radicado
na Bahia, conhecido no candomblé como Fatumbi98 - realizou pesquisas em comunidades
africanas que resultaram na publicação do livro Ewé, sobre a utilização medicinal e mágicoreligiosa
das plantas entre os iorubá. Tomando como exemplo os registros de VERGER
(2001) acerca das fórmulas, representações e encantações usadas em comunidades iorubá
africanas para a cura de males físicos e espirituais, percebemos claramente a relação em
circuito único entrelaçado entre o pensamento empírico-técnico-racional e o pensamento
mágico-simbólico-mítico.
O próprio VERGER assinala a dificuldade em se traçar uma linha de demarcação entre
os chamados conhecimentos científicos e a prática mágica; ou, nos termos aqui colocados,
entre logos e mythos, respectivamente. Uma das razões atribuídas a esta não-demarcação é a
grande importância dada à expressão oral da encantação ( f ) que é pronunciada no momento
da preparação ou aplicação das diversas receitas medicinais, numa cultura tradicionalmente
97 “O inacabamento está doravante no cerne da consciência moderna, após a descoberta do inacabamento
cósmico (Hubble) e do inacabamento antropológico (Bolk), que vêm como que confirmar o nosso sentimento
do inacabamento de toda a vida”. (MORIN, 1996, p. 32).
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oral como a iorubá. A milenar língua iorubá99, uma das mais importantes línguas africanas, é
oral (grafada pela primeira vez apenas no séc. XIX) e tonal, tornando preciso “cantar” as
palavras, que assumem diferentes significados a partir da entonação com que são proferidas.
O ato de enunciação ritual da encantação interfere, nestas culturas, tanto nos resultados
decorrentes das práticas (medicinais ou mágicas) quanto no próprio nome atribuído às plantas,
uma vez que os parâmetros de nomeação não obedecem, nestes grupos, aos mesmos códigos
da ciência moderna: a utilização das plantas na sociedade iorubá orienta-se por princípios
diferentes daqueles que foram desenvolvidos pela medicina ocidental, que nomeia e busca
conhecer - de forma objetiva, desencantada e testável - as virtudes verificáveis das plantas,
seus princípios ativos, para que, destituídos de encanto e de referências afetivas, simbólicas
ou mágicas, possam ser transformadas em mercadoria.
Se, para a medicina ocidental o conhecimento do nome científico das plantas
e suas características farmacológicas é o principal, em sociedades
tradicionais o conhecimento dos f , encantações transmitidas oralmente, é
o que é essencial. Neles encontramos a definição da ação esperada de cada
uma das plantas que entram na receita.
Existem várias plantas cuja presença, à primeira vista, parece ter somente um
caráter simbólico mas que, na realidade, têm valor terapêutico (VERGER,
2001, p. 23).
A utilização de plantas, nestas comunidades, pode ter finalidade mágica-encantada,
finalidade de prevenção ou tratamento da saúde, ou ambas a um só tempo, sem distinções
rígidas entre males ou benefícios a que se atribuem causas físicas ou simbólicas e sem
separação clara entre corpo e espírito. O apelo ao uso de plantas para solução de problemas
ligados aos mais diversos âmbitos da vida (corpo físico-material, fertilidade, fecundidade,
religiosidade, malefícios ou benefícios causados por outrem etc.) implica na integração entre
98 Fatumbi significa “aquele que nasceu de novo (pela graça de) Ifá”, segundo a nomeação dada pelo mestre
Oluwo africano que tornou Pierre Verger um babalaô, por volta dos anos 50.
99 “(...) este idioma originário da África Ocidental, de regiões que hoje fazem parte das repúblicas da Nigéria e
do Benin, é uma língua milenar, com relatos de muitos séculos de história antes da chegada dos europeus à
capital de seu reino, Ilé-Ifé. Ao lado do haússa, o iorubá é uma das mais importantes línguas da Nigéria,
sendo falado por aproximadamente 25 milhões de pessoas naquele país e por milhões de descendentes de
escravos africanos em países onde houve algum espaço para a cultura iorubá sobreviver, como no Brasil, na
forma conhecida por nagô (...)” (VERGER, 2001, p. 9).
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mythos e logos, sem se limitar ao aspecto meramente orgânico-material, que é indistinto do
corpo espiritual, tornando evidente a imbricação entre os dois modos de conhecimento e ação.
Os dois modos coexistem, entreajudam-se, estão em constantes interacções,
como se tivessem uma necessidade permanente um do outro: podem por
vezes confundir-se, mas sempre provisoriamente (toda a renúncia ao
conhecimento empírico/técnico/racional conduziria os humanos à morte,
toda a renúncia às suas crenças fundamentais desintegraria a sua sociedade)
(MORIN, 1996, p. 144).
Tendo coletado milhares de receitas entre os iorubás e selecionado, dentre elas, 447 para
a publicação, Verger as distribuiu em seis categorias, que dão mostras de tais relações. Assim,
dentre os trabalhos medicinais ou mágicos, são apresentadas 219 receitas de uso medicinal, no
conceito da medicina ocidental (oògùn); 31 receitas relativas à gravidez e ao nascimento
(ìbímo); 33 receitas relativas à adoração das divindades ioruba (òrìsà); 91 receitas de uso
benéfico (àwúre), 32 receitas de uso maléfico (àbìlù) e 41 de proteção contra as de uso
maléficos (ìdáàbòbò), chamando-se à atenção o fato de que a classificação das mesmas por
categoria não é simples nem fácil, pois uma mesma receita, envolvendo mais de uma pessoa,
pode ser compreendida como uma coisa ou outra, a depender do ponto de vista em que o
sujeito se coloca (o que é um àwúre, para um, pode ser um àbìlù, para outro).
Embora Ossain seja a divindade “dona das ervas”, a quem se pede permissão para
colhê-las, cada orixá tem suas plantas específicas100, o que remete a um complexo sistema
classificatório das plantas utilizadas ritual e medicinalmente. Trata-se de um sistema
classificatório distinto da taxonomia de Lineu, sobretudo porque é ordenado segundo regras
de outra ordem. De acordo com TRINDADE SERRA (2000):
100 Lydia CABRERA (apud VERGER, 1981, p. 122) registra a lenda cubana que narra a repartição das plantas
entre as divindades: “Ossain havia recebido de Olodumaré o segredo das ervas. Estas eram de sua
propriedade e ele não as dava a ninguém, até o dia em que Xangô se queixou a sua mulher, Oiá-Iansã,
senhora dos ventos, de que somente Ossain conhecia o segredo de cada uma dessas folhas e que os outros
deuses estavam no mundo sem possuir nenhuma planta. Oiá levantou suas saias e agitou-as impetuosamente.
Um vento violento começou a soprar. Ossain guardava o segredo das ervas numa cabaça pendurada num
galho de árvore. Quando viu que o vento havia soltado a cabaça e que esta tinha se quebrado ao bater no
chão, ele gritou: ‘Ewé O! Ewé O!’ (‘Oh! as folhas! Oh! as folhas!), mas não pôde impedir que os deuses as
pegassem e as repartissem entre si”.
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Neste sistema, os vegetais são classificados em função dos efeitos que
produzem quando utilizados como símbolos e/ou como fármacos.
Superpõem-se uma representação cosmológica e uma farmacologia a uma
percepção das formas de vida vegetais. Trata-se, a rigor, de uma taxonomia
de terceiro grau.
(...) os especialistas do candomblé entendem a terapia de uma forma
abrangente: a cura com emprego de vegetais pode ser obtida, segundo
admitem, pela operação simbólica dos ritos e/ou pelo efeito “medicinal” das
plantas. Eles distinguem de forma explícita entre o valor terapêuticosimbólico
e o correspondente à eficácia física dos itens, mas servem-se dos
parâmetros litúrgicos para ordenar seus conhecimentos farmacológicos.
O uso religioso e terapêutico evidencia um sistema de classificação medicinal das folhas
no candomblé. Bastide fala de uma anatomia mística subjacente às práticas do candomblé,
fazendo corresponder certas partes do corpo humano a determinado orixá, que seria, assim,
responsável por doenças específicas que acometem estas partes, cujo tratamento utilizaria as
plantas daquele orixá:
(...) o olossaim101 formula a respeito delas [propriedades terapêuticas] uma
explicação, tornando-as um elemento da teoria dos orixás. Introduz
imediatamente a planta num sistema classificatório e de correspondências:
entre uma divindade e uma parte do corpo humano, entre esta parte do corpo
humano e a planta salvadora, finalmente entre esta planta e seu orixá
correspondente (BASTIDE, 2001a, p. 152).
A prescrição das receitas é feita pelo adivinho, o babalaô, a partir de ritual divinatório
fundamentado no Ifá, que é um sistema oracular baseado em 256 signos chamados odús, sob
os quais se prescrevem tanto os remédios tradicionais, voltados para o tratamento da saúde,
como os “trabalhos” mágicos.
Não há distinção entre mythos e logos nem na prescrição, no momento da consulta ao
babalaô, nem durante a preparação de uma fórmula. São estabelecidas ligações entre o
remédio, a receita, e os signos oraculares.
101 Olossaim significa o mesmo que babalossaim, sacerdote do culto de Ossaim.
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Durante a preparação de uma fórmula, o babalaô estabelece uma ligação
entre o remédio e o signo de Ifá, sendo este último desenhado por ele no pó,
ìyèròsùn. A ligação é feita através de elos verbais entre o nome da planta, o
nome da ação medicinal ou mágica dela esperada e o odú, signo de Ifá no
qual é classificada (VERGER, 2001, p. 19).
Estes elos verbais são essenciais ao longo de todos os processos de uso das plantas
nessas comunidades interpretativas, permeando desde a transmissão do conhecimento102 entre
os babalaôs - processada por atos de enunciação - até o preparo da receita. A linguagem opera
em todos os momentos e o poder da palavra pronunciada altera a própria capacidade
nominativa (os nomes das plantas não são fixos, se modificam em função da ação que se
espera delas), além da evocativa ou expressiva.
O fato de estas comunidades serem de tradição oral reforça o valor da palavra dita, seja
no seu apelo simbólico-mágico, seja na permanência do conhecimento no interior da
sociedade.
A transmissão oral do conhecimento é considerada na tradição iorubá como
o veículo do axé, o poder, a força das palavras (...). As palavras, para que
possam agir, precisam ser pronunciadas. O conhecimento transmitido
oralmente tem o valor de uma iniciação pelo verbo atuante, uma iniciação
que não está no nível mental da compreensão, porém na dinâmica do
comportamento (VERGER, 2001, p.20).
Assim, é preciso declamar oralmente o encantamento ( f ) para se obter os resultados
esperados, o que reforça os vínculos comunitários e aumenta a carga semântica mágicosimbólica,
pois os resultados dependem da evocação, coincidindo com aspectos do
pensamento simbólico-mítico-mágico que também se encontram relacionados ao plano
empírico, em que se opera também a capacidade nominativa e designadora da linguagem
(reiterando as imbricações entre mythos e logos):
As palavras são ao mesmo tempo indicadores, que designam as coisas, e
evocadores, que suscitam a representação da coisa designada. É neste
102 A transmissão do conhecimento é considerada uma iniciação processada oralmente, do mestre ao discípulo
(do babalaô ao omo awo), por meio da repetição constante de estereótipos verbais que se transformam em
definições. A iniciação é baseada mais em reflexo que no raciocício (cf. VERGER, 2001, p. 20).
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sentido evocador concreto que o nome tem uma potencialidade simbólica
imediata: nomeando a coisa, faz-se surgir o seu fantasma, e, se o poder de
evocação é forte, ressuscita, embora ela esteja ausente, a sua presença
concreta. O nome é, pois, ambivalente por natureza (MORIN, 1996, p. 146).
A ambivalência do nome, no caso da utilização das plantas na sociedade iorubá, pode
ser percebida não apenas por seu poder simbólico de evocação (evidenciado pela necessidade
da declamação dos nomes e das receitas para a eficácia), como também pelo poder que os
efeitos que se esperam obter exercem previamente sobre a receita, interferindo mesmo nos
nomes das plantas: “os nomes das plantas, das receitas e dos odus de Ifá encontram-se
relacionados e refletem o efeito que deles se espera” (VERGER, 2001, p.57).
Marcel MAUSS (2003) aborda questão semelhante falando das palavras
materializadas103, isto é, certos ingredientes que aparecem em composições mágicas
investidos de um certo poder em virtude simplesmente de seus nomes. Os nomes oscilam e se
modificam a partir de vários elementos, em pluralidades múltiplas: vários nomes iorubá para
um só nome “científico” ocidental, vários nomes científicos para um só nome iorubá, uma
mesma planta pode ter vários nomes, segundo a função que se espera dela, a própria inclusão
de uma planta na receita (além do nome adquirido por ela) também depende do efeito ou da
intenção de quem a usará.
O sistema iorubá de classificação botânica, por ser diverso do elaborado por
Lineu, usa diferentes características para a identificação e classificação das
plantas. Na terra iorubá, a nomeação das plantas leva em conta seu cheiro,
sua cor, a textura de suas folhas, sua reação ao toque e a sensação provocada
por seu contato, entre outras (VERGER, 2001, p. 29).
Como exemplo da diversidade de nomes de plantas correspondendo a uma única espécie
científica, Verger cita o caso da Flaberllaria paniculata (Malpighiacea), que tem três nomes
em iorubá, a depender do resultado que se espera obter com seu uso: (1) àjíderè, (isto é,
acordando-segura-fortuna), usada para se obter honrarias e glórias (àwúre olá níní) com o f
Ewé àjíderè di ire gbogbo wá (isto é, folha de àjíderè, despache todas as coisas boas para cá);
103 “(...) há coisas que são investidas de certos poderes em virtude de seu nome (reseda morbos reseda),
constatamos que essas coisas agem antes à maneira de encantações do que como objetos com propriedades,
pois elas são espécies de palavras realizadas” (MAUSS, 2003, p. 113).
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(2) àpónkólo, usado em trabalhos para obter virilidade (arem ) com o f Àpónkólo kó omo
wáýé (isto é, àpónkólo traga crianças ao mundo), e (3) lagbólagbó, usado em trabalhos para
alcançar boa sorte (àwúre oríire) com o f Lagbólagbó la ònà’re fun mi (isto é, lagbólagbó
abra a estrada da boa sorte para mim).
As oscilações e mudanças se efetivam por meio de um verbo atuante, que ganha força
na preparação dos remédios e trabalhos mágicos, e que tem que ser acompanhada de
encantação, sem a qual os remédios e trabalhos não teriam efeito:
Entre os iorubás, os f são frases curtas nas quais muito freqüentemente o
verbo que define a ação esperada, o verbo atuante, é uma das sílabas do
nome da planta ou do ingrediente empregado (ibidem, p. 36).
Nas sociedades iorubá, as práticas relacionadas ao corpo e à saúde implicam na
integração completa da pessoa em todas as suas dimensões, não se limitam ao aspecto
meramente orgânico-material, que é indistinto do corpo espiritual. A própria
representação/percepção do corpo é eivada desta dupla acepção: o corpo físico não se
distingue do seu “duplo” simbólico, coincidindo com a abordagem de Morin, quando afirma
que o homem arcaico tem uma experiência de si próprio ao mesmo tempo dupla e una, pois,
por um lado, ele vive-se subjectivamente de maneira egocêntrica, por outro lado, reconhecese
objectivamente no seu próprio duplo, que, não sendo apenas uma imagem de si mesmo,
nem uma mera revelação, é um Outro Si-mesmo, real em sua alteridade, apesar de permanecer
consubstanciado, ao mesmo tempo, com ele em seu corpo físico.
Este alter-ego (...) dispõe de uma certa autonomia: separa-se do corpo
durante o sonho em que é dotado de ubiqüidade; após a morte, escapa à
decomposição e sobrevive como espectro corporal ou fantasma, conservando
a identidade e prosseguindo a vida do morto, ao mesmo tempo entre os
mortos e entre os vivos. (...) Os duplos e os espíritos, como todos os seres
mitológicos, vivem num universo igualmente uno e duplo, que é ao mesmo
tempo o mesmo e diferente do nosso universo (MORIN, 1996, p. 152).
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3.3.2. Os Terreiros Jeje-Nagô e a Natureza
A partir do século XVII, os dois últimos ciclos do tráfico de escravos para o Brasil
tiveram como ponto de origem, na África, a região superequatorial, desencadeando um fluxo
maior de africanos oriundos das regiões da Costa da Mina (nos primeiros três quartos do
século XVIII) e da baía do Benim (no período compreendido entre 1770 e 1851) 104. Segundo
RISÉRIO (2004, p. 278), esta nova conjuntura migratória trouxe, para o Brasil -
principalmente para a Bahia, mas também para Pernambuco e Maranhão -, “ondas sucessivas
de jejes e de nagôs-iorubás”:
Eram povos desconhecidos neste lado do Atlântico Sul. Falavam línguas que
ninguém entendia. Traziam consigo novos deuses, novos mitos e novos
ritmos. A expressão “jeje” (ewe), como se sabe, designava grupos étnicos do
antigo Daomé, como a gente fon. A expressão “nagô” (em Cuba “lucumi”,
do iorubá oluku mi, ‘meu amigo’), por sua vez, referia-se a grupos étnicos de
língua iorubá. (...) Os jejes, trazendo os seus voduns - trazendo Dã, a
serpente sagrada do Daomé. Os nagôs, com os seus orixás e seus orikis.
Esses agrupamentos de pessoa de fala fon e iorubá vieram para, com o
tempo, modificar em profundidade a nossa fisionomia humana e cultural.
Ou, ainda, para dar a definição última dessa fisionomia (RISÉRIO, 2004, p.
278-9).
O grupo iorubá é considerado o de maior influência no Novo Mundo, dentre todos os
grupos africanos que foram trazidos pelo tráfico escravagista, notadamente quando se trata da
Bahia. Antes de qualquer contato com os eurupeus, os yorubás “já conheciam a economia
monetária, a metalurgia, a escravidão, formações estatais e um alto grau de urbanização”, este
último sem paralelo na África Tropical (ibidem, p. 279). Expressavam, ainda, uma sofisticada
produção estética, da escultura à poesia.
Alguns estudiosos reportam a existência de trocas culturais, fluxos simbólicos e
empréstimos múltiplos entre jejes e nagôs desde a vida na África, sejam relacionados ao
âmbito religioso, sejam referentes aos planos tecnológicos ou da estrutura da vida social
familiar. O sincretismo aparece, assim, de forma ampla, na contrução da cultura jeje-nagô
104 Cf. RISÉRIO, 2004, p. 276.
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constituída no Brasil, relacionando-se, inicialmente, aos elementos interétnicos e,
posteriormente, aos elementos da cultura colonizadora.
A verdade é que o sintagma jeje-nagô entrou em uso corrente na Bahia (...).
Além disso, podemos constatar que esse sistema jeje-nagô se converteu em
código central das manifestações de cultura no Brasil que apresentam nítidos
traços africanos. Ou (...) numa espécie de “metalinguagem”, ideologia geral
ou lugar geométrico no qual as demais formas e práticas culturais de
extração negroafricana se imantam e se tornam legíveis, traduzindo-se umas
nas outras, transfiguradas (RISÉRIO, 2004, p. 283).
As configurações religiosas destes grupos, contituídas no Candomblé jeje-nagô, também
se tornaram referências fundamentais para as religiões afro-brasileiras como um todo. Para
RISÉRIO, dentre os aspectos religiosos básicos genericamente partilhados105, ressalta-se o
vínculo entre religião e meio ambiente106.
O vínculo religião-natureza é claro. Os nagôs trouxeram para cá os seus
procedimentos de sacralização ambiental. Para eles, a natureza não era vazia.
Seus objetos e fenômenos estavam (e estão) carregados de significância
religiosa. De vibrações e poderes especiais. Uma colina, uma árvore, uma
cachoeira ou uma fonte poderiam ser lugares de manifestação do sagrado. E
essa forma religiosa, conduzida a bordo de navios negreiros, apresentava
uma alta capacidade para a absorção de práticas e de idéias, na medida
mesma que não se achava formalizada num conjunto sistemático de dogmas.
Numa ortodoxia. A transmissão do saber seguia por outras vias. O que
importava era o discurso oral, em presença (ibidem, p. 283-4).
A tradição religiosa jeje-nagô que prevaleceu como matriz tornava necessária a
realização de ritos - danças, batuques e práticas em contato com a natureza - que demandavam
lugares apropriados. Foram se constituindo, assim, espaços de re-significação da vida material
e simbólica, cujas fontes nutriam-se de múltiplas origens africanas, organizando-se, contudo,
105 Como descrito anteriormente, os aspectos religiosos básicos genericamente partilhados, segundo RISÉRIO
(2004, p.283), são, além do vínculo dom o meio ambiente, “a ausência de corpos doutrinários sistemáticos; a
coexistência de monoteísmo e politeísmo; o antropocentrismo; o caráter pragmático da fé”.
106 “Tanto os orísa do povo de língua yorubá quanto os voduns do povo de língua fon ou jêje, assim como os
inkisses do povo de língua bantu são concebidos como seres primordiais, expressões divinas das forças da
natureza (...)” (SANTOS, 2006, p. 35).
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sob a influência do modelo litúrgico jeje-nagô. Tais sítios enfrentaram, ao longo da história,
diversas forças de atração e contraposição, de proibições e perseguições declaradas até a
contínua ação colonizadora e impositiva do modelo hegemônico sócio-cultural.
A princípio perseguido pela polícia, condenado pela igreja católica,
repudiado pela classe dita culta, o candomblé cresceu no Brasil à margem da
cultura oficial do país (PÓVOAS, 2006, p.214).
A forte referência que os grupos jeje e nagô tornaram-se para os demais grupos étnicos
africanos na Bahia estabeleceu também uma espécie de padrão lógico e espacial para a
estrutura geral dos terreiros de candomblé da Bahia. Apesar das diferenças e especificidades
que possam ocorrer, os candomblés de diferentes nações organizam-se segundo um modelo
originário da África e adaptado localmente, numa configuração ajustada à realidade
encontrada no Brasil. Como afirma SANTOS (1976, p. 33), “na diáspora, o espaço geográfico
da África genitora e seus conteúdos culturais foram transferidos e restituídos no ‘terreiro’”.
O “terreiro” concentra, num espaço geográfico limitado, os principais locais
e as regiões onde se originaram e onde se praticam os cultos da religião
tradicional africana. Os òrìsà cujos cultos estão disseminados nas diversas
regiões da África Yorùbá, adorados em vilas e cidades separadas e às vezes
bastante distantes, são contidos no “terreiro” nas diversas casas-templo, os
ilé òrìsà (SANTOS, 1976, p. 34).
Os primeiros candomblés datam do início do século XIX, e sua organização vincula-se a
irmandades, confrarias e agremiações étnico-sociais urbanas, ligadas à religião católica, que
se tornaram também núcleos de luta contra a escravidão, apesar de serem inicialmente
estabelecidas como instrumento de assimilação e controle católico. Estas associações civis de
cunho religioso, a despeito da vinculação com o catolicismo, constituíram-se como espaços de
reunião e articulação política contra a ordem escravocrata, servindo, ao mesmo tempo, para
preservar tradições africanas, disfarçando também a organização dos candomblés. As
“irmandades de cor” tornaram-se, assim, ao mesmo tempo, apoio ao processo aculturativo
católico e um canal expressivo para a reação contra-culturativa, sendo, ainda, posteriormente,
um caminho tributário ao processo de desenvolvimento do catolicismo popular brasileiro.
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O primeiro candomblé jeje-nagô no Brasil, o Axé Airá Intilê - situado inicialmente nas
redondezas da Igreja da Barroquinha (Salvador, início do século XIX), tendo se mudado
depois para lugares mais afastados -, foi criado por mulheres originárias de Kêto, escravas
libertas que pertenciam também à Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. O candomblé
da Barroquinha é um marco na história da religião afrobrasileira.
O candomblé da Barroquinha foi o espaço que abrigou um grande acordo
político (...). Do ponto de vista litúrgico, o caráter fundamental inovador do
candomblé da Barroquinha foi que pela primeira vez, o culto de todos os
orixás foi reunido no mesmo terreiro. Segundo as tradições, o candomblé da
Barroquinha deixou, portanto, de ser apenas uma casa de culto para tornar-se
uma organização político-social-religiosa complexa (SILVEIRA, 2000).
Após ter sido criado na Barroquinha, este terreiro de candomblé mudou-se para o
Calabar (Baixa de São Lázaro) e, posteriormente, instalou-se no local em que até hoje se
encontra, com o nome de Ilê Iyá Nassô Oká, conhecido como Casa Branca do Engenho Velho
(primeiro terreiro a ser tombado como patrimônio cultural brasileiro), na Avenida Vasco da
Gama (cf. RISÉRIO, 2004, p. 391). Deste candomblé desenvolveu-se uma cadeia míticoreligiosa
que até hoje consitui-se uma referência na paisagem cultural brasileira. De
dissidências internas107, nasceram, por exemplo, terreiros como o Iyá Omi Axé Iyamassê, no
Alto do Gantois, e o Ilê Axé Opô Afonjá, em São Gonçalo do Retiro. A organização espacial
destas roças ou terreiros de candomblés mais antigos apresenta algumas especificidades,
constituindo os locais como verdadeiras comunidades, com características especiais:
Uma parte dos membros do “terreiro” habita no local ou nos arredores do
mesmo, formando, às vezes um bairro, um arraial ou um povoado. Outra
parte de seus integrantes mora mais ou menos distante daí, mas vem com
certa regularidade e passa períodos mais ou menos prolongados no terreiro
(...) O vínculo que se estabelece entre os membros da comunidade não está
em função de que eles habitem num espaço preciso: os limites da sociedade
ęgb´ę não coincidem com os limites físicos do “terreiro”. O “terreiro”
ultrapassa os limites materiais (por assim dizer pólo de irradiação) para se
projetar e permear a sociedade global (SANTOS, 1976, p.32-33).
107 Cf. RISÉRIO, 2004: 392.
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A autora afirma, assim, que os vínculos que se estabelecem entre os membros da
comunidade do candomblé, organizados num sítio específico e singular, ultrapassam os
limites físicos do terreiro, constituindo conexões simbólicas que, mantendo os membros da
sociedade numa constante relação com a comunidade de pertença.
Tomando-se por base os candomblés mais antigos de Salvador, na maioria das vezes a
utilização do espaço e a estrutura geral dos terreiros organizam-se a partir de dois tipos
básicos de espaço: uma área de acesso relativamente mais aberto, em que estão as construções
públicas e privadas, de uso religioso ou habitacional, dispostas de acordo com as
particularidades do terreiro; e uma área verde de acesso mais restrito, em que estão as árvores
sagradas, assentamentos de algumas divindades, as plantas de uso medicinal e rituais, as
fontes de água, configurando-se, assim, a “roça”, o “mato”, síntese e símbolo das florestas
ancestrais.
Segundo SANTOS (1976, p. 33-34), na área edificada encontram-se um barracão
principal, isto é, um grande salão onde acontecem as festas e as cerimônias públicas; “as
casas-templos” ou “casas-de-santo”, consagradas a um orixá individualmente ou a um grupo
de orixás; uma construção destinada à reclusão dos iniciantes (a chamada “camarinha” ou
roncó); uma cozinha ritual (onde são preparadas as comidas dos orixás e das festas) com antesala
e sala “semi-pública” a depender das ocasiões; e um conjunto de habitações (permanentes
ou temporárias) para os membros da comunidade religiosa. Ainda há uma construção, entre
este núcleo mais “urbano” e o mato, destinada ao culto dos mortos, dos egunguns, lugar este
de acesso extremamente restrito, normalmente separado por uma cerca de arbustos rituais.
O espaço do “mato”, mais selvagem e fértil e sob a guarda de entidades sobrenaturais, é
a maior área dos terreiros, e nele estão várias árvores e uma grande variedade de arbustos,
plantas e ervas, elementos indispensáveis à prática litúrgica. É um espaço sagrado de acesso
limitado, determinado pela hierarquia religiosa e pelo aval dos orixás. Tudo se organiza,
decerto, a partir da experiência simbólica, no vínculo direto com a natureza. Nas palavras de
mãe Stella de Oxossi, ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá:
É assim mesmo, a natureza conversa conosco a todo o momento, basta saber
entendê-la, ou até quem sabe, dar um pouco mais de atenção a ela. Tudo que
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a nossa religião professa advém da natureza. Os nossos dogmas não foram
ditados por um Deus distante, eles são aprendidos na interação
homem/divindade através da natureza, pois os nossos deuses sempre usaram
essa interção como forma de expressão (SANTOS, 2006, p. 11).
A perseguição histórica sofrida pelos terreiros de candomblé gerou uma ocupação de
áreas mais afastadas que foram, paulatinamente, sendo alcançadas pela cidade. Muitos dos
terreiros mais antigos foram perdendo, gradualmente, consideráveis áreas verdes, por invasões
e pelos problemas inerentes à posse da terra. A vida urbana alcançou as roças de candomblé,
gerando a necessidade de ações pontuais para salvaguardar a manutenção das áreas verdes108
dos terreiros. Entretanto, mesmo diminuídas ou até restritas a áreas mínimas, os terreiros de
candomblé sempre possuem árvores sagradas e plantas que simbolizam esta floresta ancestral
de referência. A sacralização da natureza, fundamento religioso central no candomblé,
permanece como base para a vida simbólica e material de uma vasta comunidade.
O caráter iniciático da religião do candomblé, em que os conhecimentos só são
repassados por meio da experiência vivida em presença109, também alcança o conhecimento
sobre o mundo vegetal, sobre as plantas, suas propriedades e usos. É um segredo, e quem o
guarda é Ossãim, orixá dono das ervas, morador do mato. O culto das folhas é secreto. A
coleta de ervas está circunscrita a regras rigorosas, caso não se queria perder delas o axé (a
força vital, a energia sagrada).
Estas ervas são tão importantes que aqueles africanos antigos que aqui
chegaram, embora vivendo sob regime escravista, não só se lançaram a uma
espécie de aprendizado ecológico do Brail, em busca das virtudes e poderes
de nossa flora, como conseguiram importar, por diversos meios, vegetais
indispensáveis ao culto dos deuses (...) (RISÉRIO, 2004, p.421).
108 Dentre os terreiros tradicionais do Nordeste, cinco foram considerados patrimônio cultural do Brasil. Em
Salvador (BA), foram tombados o terreiro da Casa Branca do Engenho Velho (Ilê Axé Nassô Oká), o do Ilê
Axé Opô Afonjá, o Ilê Axé Iyá Omim Iyamassê (Gantois) e o Manso Banduquenqué (Bate-Folha) e, em São
Luis do Maranhão, o Terreiro da Casa da Mina. Processos relacionados ao tombamento de outros terreiros
estão em curso.
109 Segundo SANTOS (1976, p.21), no candomblé “a aquisição de conhecimentos é uma experiência
progressiva, iniciática, possibilitada pela absorção e pelo desenvolvimento de qualidades e de poderes”.
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3.3.3.O Candomblé como Sítio Simbólico de Pertencimento
A religião do candomblé atuou numa dimensão de fundamental importância para os
africanos trazidos para o Brasil, constituindo-se em espaço de liberdade e recriação da vida
simbólica. Mitos, cantos e ritos negros atravessaram séculos de escravidão ancorados em
espaços sagrados, chegando até os dias de hoje, num processo de vigorosa reelaboração da
vida africana, permitindo a preservação de um ethos específico que sobreviveu a várias
pressões dos grupos dominantes, como verdadeiros nichos de resistência cultural, espaços de
re-organização de suas estruturas sociais e culturais110.
O homem arrancado de sua terra, escravizado do outro lado do mar oceano e
submetido a um intenso bombardeio ideológico europeizante, foi encontrar,
em sua religião, a possibilidade de manter viva uma continuidade, inclusive
pessoal (RISÉRIO e GIL, 1988: 108).
Apesar das fortes assimetrias entre as forças culturais atuantes (de dominação, de
resistência, de negociação, de adaptação etc.), o candomblé foi se constituindo como um
espaço simbólico capaz de atuar entre os membros de sua comunidade de tal maneira que
possibilitou uma percepção do mundo distinta da “cultura oficial” que tentava se impor como
modelo. Interpretações particulares do mundo, da vida e do corpo, permaneceram nas
comunidades do candomblé como referências fundamentais, constituindo-se um sistema de
crenças e práticas distinto do modelo judaico-cristão que os processos de aculturação das
diferenças tentavam continuamente impor.
A “entidade imaterial” do candomblé pode ser compreendida, assim, a partir do
conceito de “sítio simbólico de pertencimento”111, tornando-se um “espaço cognitivo” de
110 Segundo SANT’ANNA (s/d), Edison Carneiro identificou, em 1937, 67 candomblés registrados na União de
Seitas Afro-Brasileiras da Bahia (sendo 30 jeje-nagôs, 21 bantos, isto é, congo e angola, 15 ameríndios e 1
afroindígena). Nos anos 1980, o Projeto MAMNBA (Mapeamento dos Monumentos e Sítios Religiosos Negros
da Bahia) identificou cerca de 2000 terreiros cadastrados.
111 Segundo ZAOUAL (2003, p. 28-29), “o sítio simbólico de pertencimento é um marcador imaginário de
espaço vivido. Em outros termos, trata-se de uma entidade imaterial (ou intangível) que impregna o conjunto
do universo local de atores. Sempre o sítio é singular, aberto ou fechado. Ele contém um código de seleção e
de evolução própria: nesse sentido, é dinâmico. (...) Crenças, conceitos e comportamentos se articulam em
torno de um sentido de pertencimento (...)”.
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referência para aqueles que nele se inseriram (e inserem-se), do qual emanam referências
simbólicas e práticas que são bases de ação, de comunicação, de interpretação do corpo e da
natureza, construídas à margem ou em confronto com a civilização de domínio.
(...) universalmente, o homem precisa de sítio. É da ordem do incalculável.
Ele gosta do sítio onde se encontra. É seu lugar de encontro e ancoragem. No
plano conceptual, o sítio é uma entidade que contribui para a integração das
organizações sociais e dos indivíduos que as compõem, O sítio é antes de
tudo uma entidade imaterial (ZAOUAL, 2003, p. 54).
Definindo esquematicamente o sítio simbólico de pertencimento, ZAOUAL (2003,
p.54-55) utiliza a imagem “de três caixas estreitamente vinculadas”, três níveis de realidade
articulados que, em conjunto, constituem o todo, o sítio, lugar de “encontro e ancoragem”
para os sujeitos que a ele pertencem.
O todo está estruturado ao redor do senso cumum que seus aderentes
produzem em suas interações. O senso comum partilhado percorre o
conjunto dos diferentes níveis de realidade do sítio. Mitos, ritos, sítios estão
interligados (ZAOUAL, 2003: 55).
A conjunção integrada destes três planos constrói o senso comum partilhado que, por
um lado, dá sentido e substância às interações sociais dos seus integrantes e, por outro,
possibilita o diálogo, a relação e a troca com a exterioridade e a diversidade, de forma
dinâmica e seletiva: o sítio tem natureza mutante, organizada por um código interno de
seleção. A primeira destas caixas - a “caixa preta” - contém os mitos fundadores, as crenças, a
experiência, a memória e a trajetória do sítio; na caixa seguinte, a “caixa conceitual”, estão os
saberes sociais, as teorias e os modelos; e na terceira caixa, a chamada “caixa das
ferramentas”, há uma restituição, de modo imediato, de seus ofícios e seus modelos de ação.
Tomando-se este esquema de ZAOUAL, podemos considerar que os mitos
cosmológicos e ancestrais, as crenças no mundo organizado pelos orixás, as experiências
acumuladas e registrada pela oralidade e pela vivência, a memória presentificada na vida
comunitária e as trajetórias específicas dos processos históricos compõem a “caixa preta” do
candomblé. Neste caso, o símbolo é a base e a substância para a compreensão do mundo e
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para a atuação na vida, instrumentos também para a interação indivíduo-universo. Como
afirma a mãe-de-santo do Ilê Axé Opô Afonjá:
Todos os fundamentos da nossa religião, os nossos dogmas, manifestam-se
através do símbolo, pois é a partir deste que os mitos justificam os ritos nos
transmitindo a concepção dos nossos ancestrais acerca dos nossos orísa
(SANTOS, 2006, p.12).
A gente pode dizer que um símbolo detém o poder de indicar, sugerir e
estimular. Isto intensifica a afirmativa de que o mito, o rito, o culto, a
religião, a arte e os costumes, assim como a consciência e os conceitos
referentes à sua compreensão do mundo encontram seus fundamentos no
símbolo (ibidem, p. 13-14).
Na “caixa conceitual” do candomblé se encontram saberes específicos sobre a natureza
e a vida; teorias próprias para a interpretação do mundo, organizadas pela cosmologia dos
orixás; filiações de sentido que são particulares; epistemologia e modelos explanatórios
diferenciados dos hegemônicos; taxonomia e sistemas próprios de classificação do real,
intermediados simbolicamente pelos orixás e voduns. Estes modelos singulares, influenciados
pela cosmovisão do sítio, orientam as práticas locais, em consonância com o conceito
estabelecido por ZAOUAL (2003, p. 113). Todos estes modelos conceituais tornam-se a base
para a expressão mais imediata das formas de existência, das técnicas, dos tipos de relações
mantidas com o meio ambiente, enfim, para a chamada “caixa de ferramentas”, configurando
este sítio como único.
Podemos considerar, ainda, um vínculo simbólico dos terreiros com a África ancestral,
tomada como modelo imaginário para a síntese efetivada localmente no Brasil. Assim, além
de tornar-se uma referência singular e específica para a cosmovisão de mundo, o
comportamento, a ação, os conhecimentos, as técnicas e os saberes das pessoas e das
comunidades a ele vinculados, o candomblé reconstitui também um pertencimento a uma
pátria imemorial. ZAOUAL (2003, p.112), explicando como se pode decifrar o conceito de
“sítio simbólico”, afirma:
O sítio, uma cosmovisão do mundo. Enquanto “pátria imaginária”, um sítio
é, antes de tudo, uma entidade imaterial, logo, invisível. Impregna de modo
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subjacente os comportamentos individuais e coletivos e todas as
manifestações materiais de um dado lugar (paisagem, habitat, arquitetura,
saber fazer, técnicas, ferramentas etc.). Desse ponto de vista, o sítio é um
espaço, um patrimônio coletivo que estabelece sua consistência no espaço
vivido dos atores. Sua “caixa preta” contém os mitos fundadores, as crenças,
os sofrimentos, as provações duras, as revelações, as revoluções
atravessadas, as influências recebidas ou adotadas por um grupo humano.
Tudo isso se concentra na identidade do sítio transmitida pela socialização
entre gerações.
A religião manteve coesa uma consciência coletiva de pertencimento a uma cultura, se
modificando, certamente, em cada contexto, mas mantendo os sistemas originais básicos, se
ramificando em muitas varáveis: do candomblé jeje-nagô ao candomblé caboclo. Estas
diversas reelaborações deram significado e possibilitaram a sobrevivência física e espiritual
de importantes setores da população negra e mestiça. A religião, neste caso, foi um dos
refúgios de resistência ao processo de desafricanização do homem negro.
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4. BEBENDO NA RAIZ: SABERES E TÉCNICAS MEDICINAIS DO POVO
BRASILEIRO
4.1. CORPO, MAGIA E NATUREZA: PAJÉS, ORIXÁS E CABOCLOS
Todo conhecimento, incluindo o conhecimento científico, está enraizado, inserido e
dependente de um contexto cultural, social, histórico.
EDGAR MORIN, O MÉTODO IV.
O quadro de diversidade cultural no Brasil, extremamente complexo, remete à
existência de diferentes sítios de pertencimento simbólicos em que as interpretações mais
recorrentes sobre o corpo e os processos de adoecimento e cura estão impregnadas de sentidos
espirituais, religiosos, mágicos ou míticos. Para os membros das comunidades em que
ocorrem, tais formas simbólicas - de percepção e ação sobre o corpo - estabelecem as
atuações terapêuticas e orientam a seleção das técnicas e do suporte empírico a ser utilizado,
sendo a base para as ciências medicinais locais.
Os limites entre o que pode ser considerado magia ou ciência são próprios de cada
cultura, grupo étnico ou comunidade interpretativa. O que é percebido como pertinente a uma
categoria por um grupo pode ser interpretado como referente a outra categoria por outro grupo
(cultural). O que se coloca em questão é o próprio conceito de ciência. Considerando a idéia
de que a ciência é um construto humano, também ela se insere nos desígnios culturais. Marcel
Mauss, discutindo a magia, afirma, por exemplo, que o uso mágico das plantas, dos seres ou
mesmo de objetos implica um conhecimento sobre as propriedades intrínsecas de cada coisa,
denotando que uma das principais preocupações da magia é “determinar o uso e os poderes
específicos, genéricos ou universais dos seres, das coisas e mesmo das idéias” (MAUSS,
2003, p. 112). Para ele,
O mágico é o homem que, por dom, experiência ou revelação, conhece a
natureza e as naturezas; sua prática é determinada por seus conhecimentos. É
aqui que a magia mais se aproxima da ciência. Nesse ponto, inclusive, ela é
às vezes muito instruída, quando não verdadeiramente científica. Uma boa
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parte dos conhecimentos de que falamos aqui é adquirida e verificada
experimentalmente112 (ibidem, p. 112).
Percebe-se, assim, que o ato mágico é também um ato de conhecimento, que envolve
uma ciência e uma catalogação específica do mundo. Ainda segundo MAUSS, se considerado
o critério da representação abstrata, também a magia equivale à ciência, pois as especulações
e as observações oriundas da magia sobre as propriedades concretas das coisas indicam um
conteúdo científico. A percepção da existência de leis que orientam as práticas mágicas
demonstra haver uma “espécie de filosofia mágica”, por meio da qual foi possível o
estabelecimento de racionalidades mágicas eficientes, demonstrando tratar-se de “verdadeiros
rudimentos de leis científicas, isto é, de relações necessárias e positivas que se julga existir
entre coisas determinadas”. Para o autor, há três leis dominantes dominantes que orientam a
magia, a lei da contigüidade, a da similaridade e a do contraste113, podendo todas serem
chamadas de leis de simpatia114. Por outro lado, estando preocupados com “contágios,
harmonias, oposições, os mágicos chegaram à idéia de uma causalidade que não é mais
mística, mesmo quando se trata de propriedades que não são experimentais” (ibidem, p. 112),
envolvendo, nesta racionalidade, uma catalogação particular do mundo.
Cada magia necessariamente traçou, para ela mesma, um catálogo de
plantas, de minerais, de animais, de partes do corpo etc., a fim de registrar
suas propriedades especiais ou não, experimentais ou não. Por outro lado,
cada uma preocupou-se em codificar propriedades das coisas abstratas:
figuras geométricas, números, quantidades morais, vida, sorte etc.; e,
finalmente, cada uma fez concordarem esses diversos catálogos (MAUSS,
2003, p. 112).
Assim, percebe-se que dentro dos princípios da magia está nítida a existência de uma
epistemologia diferenciada daquela da ciência moderna, com eficiência comprovada por
aqueles que a vivenciam, caso se tome como medida de eficácia os padrões internos ao grupo
112 Tal definição de “mágico” bem poderia ser aplicada ao cientista formal, com as exceções da inserção na
atividade por “dom” ou “revelação”.
113 Para MAUSS (2003, p. 99), “as representações impessoais da magia são as leis que ela estabeleceu implícita
ou explicitamente, ao menos pela voz dos alquimistas e dos médicos”.
114 Com a ressalva de que podem ser chamadas de leis orientadas pela simpatia “se, sob a palavra simpatia, for
compreendida a antipatia” (MAUSS, 2003, p. 100).
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cultural em que as práticas se inserem, e não atribuições exógenas. Neste sentido,
consideramos haver, in situ, uma equivalência entre a magia e a ciência.
Na complexidade cultural brasileira, atuam, em paralelo ou em complemento à rede
local de curadores e cuidadores do corpo, seres encantados115, orixás, caboclos, pajés e outros
entes espirituais, a partir de diferentes ritos ou técnicas, acompanhando as pessoas do
nascimento à morte. Seja no Norte e Nordeste brasileiros, seja em comunidades urbanas
periféricas de grandes centros como Rio de Janeiro ou São Paulo116, o povo brasileiro, em
diferentes graus, utiliza-se de entidades do mundo não-corpóreo para cuidar, tratar ou
proteger o seu próprio corpo. Estas entidades não corpóreas se fazem presentes direta ou
indiretamente numa espécie de rede cabocla117 de cuidados sobre o corpo, em contato
também com as religiões afro-índias ou as afro-brasileiras.
Para PRANDI (2001a, p. 7-9), há um “universo plural” entre as religiões afro-índiobrasileiras
- todas sincretizadas em diferentes graus com o catolicismo -, que se espalham,
mesclam-se, trocam influências, migram e sofrem mudanças, existindo em todo o território
nacional, nas mais diversas formas rituais: umbanda, candomblé, candomblé de caboclo,
xangô, tambor de mina, terecô, jarê, encantaria, catimbó ou jurema.
Ao analisar os vários tipos de agentes mágico-religiosos que atuam nesses rituais,
espalhados por todo o Brasil, torna-se difícil estabelecer distinções nítidas e precisas entre o
que seria, nestes casos, relativo à esfera da magia e o que seria do âmbito da religião. Não há
como estabelecer categorias genéricas. Apenas se a análise considerasse a inserção de cada
acontecimento e caso em seu contexto e locus de ocorrência, seria possível tal classificação,
115 Conceito de ”encantados” segundo PRANDI (2001a, p. 07), “Conhecidos nas religiões afrobrasileiras pelo
nome genérico de encantados, concebidos como espíritos de homens e mulheres que morreram ou então
passaram diretamente deste mundo para o mundo mítico, invisível, sem ter conhecido a experiência de
morrer: disse que se encantaram”.
116 Para CASCUDO, (1983, p. 609) “Também as cidades tentaculares, com arranha-céus e faculdades
modernas, possuem infindável corpo de feiticeiros da diuturnidade prestigiosa de uma clientela confiante e
teimosa”.
117 Toma-se, aqui, o adjetivo “caboclo” - ou “cabocla” - no sentido de síntese da cultura popular brasileira. A
idéia de uma rede cabocla se refere à existência de uma base comum de saberes e conhecimentos medicinais
híbridos (europeus, africanos e ameríndios) que são difundidos e amplamente utilizados pelas camadas
populares de todo o Brasil.
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124
compreendida como localizada e específica. Considerando a magia a partir da conceituação
de Marcel MAUSS (2003, p. 55), percebe-se que:
A magia compreende agentes, atos e representações: chamamos mágico o
indivíduo que efetua atos mágicos, mesmo quando não é um profissional;
chamamos representações mágicas as idéias e as crenças que correspondem
aos atos mágicos; quanto aos atos, em relação aos quais definimos os outros
elementos da magia, chamamo-los ritos mágicos. (grifos do autor).
Tais dificuldades tornam-se evidentes pelas distinções estabelecidas por Mauss entre
ritos mágicos e ritos religiosos. Seguindo os critérios iniciais utilizados por MAUSS (2003, p.
59-61), os elementos de distinção entre atos mágicos e atos religiosos são os agentes que
efetuam um ou outro ritual e a escolha dos lugares onde estes devem acontecer. No caso das
práticas brasileiras, considera-se que existe uma alternância destes elementos de distinção,
sem regras rígidas: o mesmo agente pode efetuar ora um ritual mais litúrgico, ora um ritual
mais ligado a práticas mágico-simbólicas, e essa alternância também é pertinente quando se
trata dos locais em que as práticas acontecem, podendo ocorrer em espaços sacralizados pelas
religiões envolvidas ou acontecer em ambientes não litúrgicos, no cotidiano e em espaços
comuns.
No entanto, é no terceiro critério firmado por Mauss que essas esferas mais se misturam,
pois é colocada a existência do elemento segredo envolvendo um ou outro caso,
considerando-se haver uma necessidade de manutenção do sigilo e do segredo sobre os
conhecimentos próprios da magia: “o isolamento, como o segredo, é um sinal quase perfeito
da natureza do rito mágico” (MAUSS, 2003, p. 60). Por questões ligadas à história social do
país, o que se percebe é que, na maior parte das práticas religiosas afro-índio-brasileiras, a
manutenção do segredo é um ponto fundamental, relacionando-se à própria sobrevivência
religiosa118. Assim, tomando as distinções de Mauss, apenas em casos particulares e
específicos é que se tornaria pertinente distinguir os planos mágico e religioso destas práticas
118 BASTIDE (2001a, p. 25), explicando as dificuldades iniciais que enfrentou quando, na década de 1940,
tomou contato com os candomblés baianos para efetuar pesquisas etnográficas, fala que: “A lei do segredo
existe. Mas os chefes do culto, que muitas vezes tiveram de sofrer perseguições policiais, hesitam sobre os
limites do segredo (...) O ingresso no mundo dos candomblés efetua-se por meio de uma série de iniciações
progressivas, de cerimônias especializadas, abertas àqueles que são chamados pelos deuses, qualquer que
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brasileiras. Talvez a maneira mais efetiva de se conseguir chegar a uma compreensão que
distinga estes universos tão complexos e relacionados seja estabelecendo, em consonância
com o próprio MAUSS (ibidem, p. 61), que “não definimos magia pela forma de seus ritos,
mas pelas condições nas quais eles se produzem e que marcam o lugar que ocupam no
conjunto dos hábitos sociais”.
Nos diversos sítios simbólicos de pertencimento existentes no Brasil, os saberes, as
técnicas e os conhecimentos sobre o corpo são organizados por princípios relacionados a
outras ciências e medicinas, orientados por princípios mais vitalistas e holistas, que, de
maneira mais constante, incluem as esferas espirituais e afetivas em seus diagnósticos e
terapêuticas.
Pelo viés da medicina padrão, a representação do corpo refere-se a partes decompostas,
que são interpretadas, diagnosticadas e tratadas em frações, por profissionais cada vez mais
especializados apenas numa parte do corpo, perdendo-se a noção de conjunto e de corpo em
vida, e mais se aproximando de um corpo morto, dissecado em aulas de anatomia. Em outros
sistemas médicos - inclusive os populares e locais brasileiros -, o corpo é percebido de
maneira mais completa, a despeito das implicações dos graves problemas sociais, ambientais
e econômicos na saúde das comunidades.
O corpo é interpretado por diferentes curadores locais a partir da percepção de uma rede
ampla de interações, que, além dos aspectos biofísicos, incorporam as dimensões afetivas,
culturais, espirituais e religiosas. Se, sob o ponto de vista étnico, o caboclo é aqui considerado
como síntese de mistura e hibridismo, sob o prisma dos conhecimentos e das atuações sobre o
corpo, há uma junção de elementos de diversas tradições culturais, podendo a atuação dos
caboclos-curadores ser considerada uma síntese das medicinas populares brasileiras.
A pajelança cabocla brasileira, por exemplo, representa uma atuação sincrética sobre o
corpo, implicando fenômenos que podem ser compreendidos tanto como mágico-religiosos
quanto como científicos, epistemológicos e técnicos. As terapêuticas praticadas incluem, em
suas prescrições, formulações que utilizam a biodiversidade local, a natureza, de maneiras
seja sua origem étnica, e é à medida que se vai penetrando no interior do santuário que os mistérios vão sendo
aprendidos”.
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variadas. Na região Norte do Brasil, a presença de curadores que traduzem sincretismos
religiosos variados e conhecimentos empíricos e mágicos ancestrais é recorrente em diversas
comunidades dispersas pelo território de vários Estados. Segundo Maués e Villacorta (2001),
no geral, as diferentes categorias destes curadores - pajé, experiente, benzedor, benzedeira,
dentista prático, parteira e farmacêutico - constituem o efetivo sistema médico local das
comunidades do interior da região amazônica, ainda que não-oficial, e gozam do maior
prestígio e confiança da população.
Entre as comunidades caboclas e ribeirinhas da região Norte, os conhecimentos sobre as
terapêuticas medicinais e as plantas incorporam, às tradições herdadas dos contatos
intertribais e interétnicos, os saberes e as técnicas medicinais populares de origem européia,
bem como conhecimentos oriundos de tradições afro-brasileiras, que chegaram à região
principalmente pelos fluxos migratórios do Nordeste. As referências terapêuticas,
redesenhadas119, congregam novas técnicas e ampliam o repertório de ervas, plantas e raízes,
mantendo-se, entretanto, a utilização dos “remédios da terra” como característica cultural
marcante.
Há uma diferença entre a pajelança indígena, vinculada a grupos propriamente
indígenas, e a pajelança rural ou cabocla, disseminada entre populações não-indígenas,
resultante de múltiplas misturas e influências culturais: dos tupinambás ao catolicismo, de
crenças e lendas portuguesas aos cultos africanos, e, mais recentemente, aos cultos
mediúnicos kardecistas. A pajelança amazônica “é uma forma de xamanismo em que se dá a
ocorrência do fenômeno da incorporação pelo pajé, sendo seu corpo tomado, no transe ritual,
por entidades conhecidas como encantados ou caruanas” (MAUÉS e VILLACORTA, 2001,
p. 11).
Segundo SANTOS (2000), as percepções locais sobre a saúde estabelecem distinções
entre doenças do corpo e doenças do espírito (ou doenças de remédio e doenças de reza),
elegendo, para cada tipo de doença, um repertório diferenciado e específico de tratamentos,
terapêuticas e práticas de cura. Para MAUÉS e VILLACORTA (2001), apesar de tais grupos
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perceberem distinções - mesmo que tênues - entre males físicos, pensados como “naturais” ou
“normais” (mandadas por Deus), e males mágico-simbólicos, provocados por causas nãofísicas
- inveja, feitiçaria, espíritos, mau-olhado, quebranto etc. -, os pajés locais são capazes
de curar grande parte de todos os problemas. O que coloca a questão da legitimidade do
agente de cura perante a comunidade como garantidora da eficiência do processo.
Na pajelança cabocla, há uma tomada do corpo do xamã-curador por entidades mágicas
(encantados/caruanas) que, nesta incorporação, vêm ao mundo físico com o intuito básico de
curar os doentes: “não é o xamã quem cura, mas sim as entidades que agem tendo seu corpo
como instrumento” (MAUÉS e VILLACORTA, 2001, p. 25). As variadas técnicas de cura e
cuidado do corpo utilizadas por tais encantados, pajés ou caruanas incluem “dançar com o
doente nas costas”; ‘chupar’ as doenças aplicando a boca sobre a pele; “defumar o corpo com
fumaças específicas”; “realizar tantas sessões xamanísticas de cura quanto sejam necessárias”;
fazer benzeduras e rezas contra maus-olhados ou quebranto; passar bebidas (cachaça) ou
infusões sobre os corpos, ou prescrever receitas (cf. ibidem). As receitas prescritas tanto
podem incluir remédios industrializados (vendidos em farmácias) ou remédios da terra,
fabricados a partir de ervas, raízes, folhas, óleos, animais ou outros produtos da farmacopéia
popular.
Nas tradições mais ligadas às religiões afro-brasileiras, é o caboclo120 quem assume mais
fortemente a função curativa e interpretativa dos males do corpo. Ainda que a primeira
imagem mental de referência da palavra “caboclo” seja a de um indígena, sob a categoria
ampla de caboclo são cultuados diferentes tipos de encantados121 que refletem a diversidade
sociocultural e geográfica das regiões brasileiras (sertão, litoral, floresta, zonas ribeirinhas
etc.).
119 Em alguns grupos locais amazônicos, segundo SANTOS (2000, p. 920), “são as populações que inventam ou
reinventam tradições para se adequar a outras formas culturais que lhes são impostas ou com as quais travam
contato”.
120 Conceito de “Caboclo” (segundo PRANDI et alli 2001, p. 120-1): “O caboclo é a entidade espiritual presente
em todas as religiões afrobrasileiras, sejam elas organizadas em torno de orixás, voduns ou inquices”, cuja
característica marcante “é seu poder de cura e a disposição para ajudar os necessitados, mais a sabedoria”.
121 Esta diversidade é percebida na denominação dos encantados: Índia Jurema, Cabocla Iara, Rei do Congo,
Sultão das Matas, Rei da Hungria, Marujo, Boiadeiro, Sete Flechas, Tupiniquim, Tupinambá, Truvania,
Martim Pescador, Caboclo Mata Verde, Caboclo Malembá, Caboclo Catendê, Caboclo Jaci, Pena Verde,
Caboclo da Laje Preta, Ogum Marinho, Ogum de Ronda etc.
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Apesar de predominantemente identificados como índios, há caboclos de
diferentes origens míticas, como boiadeiros, turcos e marinheiros ou
marujos. Caracterizam-se, em geral, pela comunicação verbal e proximidade
de contato com o público que freqüenta os terreiros. Eles brincam, entoam
cantigas e tiram as pessoas para dançar ao som de seu alegre samba. Além da
animação, outra característica marcante é seu poder de cura e a disposição
para ajudar os necessitados, mais a sabedoria (PRANDI et alli, 2001, p. 121).
Para CONONE (2001, p. 282), estes tipos, presentes também na umbanda, “são
evidentemente retirados da realidade nacional”, buscando aí “sua fonte de inspiração,
transformando em símbolos figuras do cotidiano popular”. Todos eles têm como principal
ocupação a cura dos males do corpo, ensinando banhos, prescrevendo remédios, dando
conselhos ou atuando diretamente sobre ele. As prescrições e receitas, os banhos medicinais
ou garrafadas, feitos sob orientação dos caboclos, são usados com confiança pela população,
pois se acredita que eles conhecem profundamente os segredos e as ciências das matas e da
natureza brasileira:
No imaginário popular, o caboclo é a um só tempo valente, destemido,
brincalhão e altruísta, capaz de nos ajudar para o alívio das aflições
cotidianas. As pessoas que freqüentam os cultos, sobretudo as mais pobres,
encontram nesta entidade um sábio curandeiro, sempre pronto a vir em
socorro dos aflitos (PRANDI et alli, 2001, p. 121).
Os caboclos chamam os membros da assistência, uns depois dos outros. (...)
O outro quer conselhos e o caboclo só dá bons conselhos (...) Ordena alguma
obrigação. O caboclo consola e alivia (BASTIDE, 2001b, p. 156).
O caboclo (fig. 28) pode ser considerado como o elemento comum que une todas as
manifestações religiosas afro-índio-brasileiras, fazendo-se presente por meio do transe
mediúnico e da incorporação em terreiros de candomblé, em centros de umbanda, em sessões
espíritas kardecistas, no xangô, no catimbó, no tambor-de-mina, no batuque ou em outros
cultos menos conhecidos. Nas incorporações destes caboclos nos médiuns dos diversos
centros religiosos em que aparecem, eles conversam com desenvoltura com os fiéis-pacientes,
fumam charutos, ingerem bebidas alcoólicas, dando sempre ênfase à cura dos males do corpo,
seja utilizando gestos rituais simbólicos, cantos, gritos de saudação ou folhas, raízes, cipós,
sementes e outros elementos da biodiversidade local, de que é profundo conhecedor.
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É recorrente também a percepção da doença como um malefício de contaminação
mágica ou espiritual, cujo contágio não se dá no plano bioquímico ou físico. Nesses casos,
ainda que o adoecimento resulte numa sintomatologia relacionada a doenças físicas
conhecidas pela comunidade, considera-se que a causa fundamental da doença, a etiologia
primeira destas moléstias relaciona-se a contaminações da maldade de outros, originando-se
de males enviados por ou emanados de pessoas invejosas, inimigos ou espíritos maléficos.
Essa noção de que elementos do mundo invisível atuam efetivamente sobre a vida e o
corpo das pessoas causando adoecimento ou infortúnios é explicada por MAUSS (2003, p.
102) como baseada na idéia de uma contigüidade simpática entre o homem e o cosmo.
A idéia da continuidade mágica, quer esta se realize por relação prévia do
todo com a parte ou por contato acidental, implica a idéia de contágio. As
qualidades, as doenças, a sorte, toda espécie de influxo mágico, são
concebidos como transmissíveis ao longo dessas correntes simpáticas.
Estes processos exteriores de contágio simbólico podem resultar numa ampla gama de
doenças e sintomas, até mesmo na morte, sendo imprescindível, para o restabelecimento da
saúde e a cura, que se consiga chegar a um diagnóstico preciso, que se possa descobrir a fonte
(...) os sentimentos de perda de identidade
são compensados pela procura ou criação de
novos contextos e retóricas identitárias. Híbrida
ou mestiça, como se diz agora, a cultura
encontra-se assim mais dominada do que nunca
pela problemática da identidade, que se enuncia
cada vez mais como uma “identidade cultural”.
Michel Agier,
Distúrbios Identitários em Tempos de Globalização.
Figura 28 -
Foto de cabocla em festa de
rua, feita por Verger
Salvador, Bahia, Brasil, 1948.
Pierre Verger © Fundação Pierre
Verger
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130
primeva daquele malefício espiritual que se torna físico, o sujeito ou o ente espiritual
provocador do desequilíbrio para que se possa então proceder às terapêuticas de cura e ao
combate dos males “contaminados”. Segundo CASCUDO (1983, p. 608),
Não há, para o povo, moléstia de origem interna, mas uma manifestação
invejosa de inimigos espontâneos, adversidades de seres invisíveis ou
castigo divino aos pecados cometidos. Na mentalidade universal e coletiva
ninguém morre: é morto. Há uma endosmose letal. Ação maléfica de fora
para dentro.
Para se tratar acometimentos desta natureza, em que poderes não físicos são capazes de
dominar os elementos físicos para causarem o mal, é necessário recorrer a poderes
semelhantes em força e natureza. Apenas por meio de uma atuação terapêutica espiritual,
mágica ou religiosa é que se conseguirá sucesso real nos processos de cura, de outro modo
conseguir-se-á apenas a resolução temporária e parcial das doenças. Nesta lógica, o
tratamento médico convencional é visto como incapaz de diagnosticar e de curar a totalidade
dos males relacionados a tal doença ou moléstia. Não adianta recorrer apenas à medicina
padrão, ainda que ela possa vir a ajudar na cura de um ou outro sintoma: é preciso
diagnosticar os problemas que envolvem a pessoa como um todo para que se possa enfrentar a
totalidade dos males que a acometem.
A terapêutica pode então se aproximar da liturgia, da magia e dos rituais simbólicos,
envolvendo - ou não - elementos da natureza, em banhos ou remédios. Mas, em todos esses
casos, é preciso recorrer a quem tem o poder, a capacidade e a ciência de diagnosticar e
prescrever terapêuticas eficazes para problemas desta natureza: curadores, curandeiros, mães
e pais-de-santo, caboclos, pretos-velhos, xamãs, pajés, adivinhos, rezadeiras, benzedores...
Nos casos de doenças de causa não-física, de contaminações e malefícios espirituais, a
terapêutica pode envolver processos de limpeza e purificação, banhos, rezas, benzeduras,
danças, fumigações ou defumações, a depender do grupo de pertencimento simbólico ou da
etnia de referência. Nas religiões afro-índias ou afro-brasileiras, o banho de folhas é um dos
primeiros recursos terapêuticos de descontaminação e limpeza.
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No candomblé jeje-nagô da Bahia, segundo BASTIDE (2001a, p. 150-2), o uso racional
das plantas obedece a regras que distinguem duas utilizações terapêuticas, a religiosa e a
medicinal, sendo que no primeiro caso a ação é simbólica e no segundo é efetiva,
participante. A relação das plantas com este ou aquele orixá, as ligações dos orixás com as
várias partes do corpo humano (anatomia mística), ou as virtudes intrínsecas das plantas e
ervas utilizadas podem interferir na seleção das mesmas para uso ritual ou medicinal. Mas a
prescrição das mesmas se orienta pelo jogo de búzios, pela consulta ao Ifá. O sistema
classificatório que organiza as plantas para uso é conhecido, em sua completude, por Ossaim -
orixá das plantas, das ervas e das folhas -, que, por meio dos babalossaim orienta a sua
utilização.
Ossaim, orixá das folhas, do verde, da clorofila, é quem preside, pois, todos
os processos litúrgicos que envolvam o poder terapêutico restaurador ou
catalisador das folhas. Ora, para se preparar um banho de folhas, panacéia de
uso freqüente, costuma-se ralar as folhas, atritar umas com as outras para
desprender o sumo que procederá a cura ou a unção (TAVARES, 2002 ,
p.113).
A terapia do “sacudimento” é outra técnica de limpeza muito utilizada, consistindo em
ritos que envolvem a utilização de plantas, objetos, animais ou outros elementos (água,
incenso, pedra, cereais, comidas etc.) pelo princípio da transferência por contigüidade, isto é,
pela transição da doença - ou de qualquer mal que se combata - para um objeto (ou ser) de
transição, ou pela lógica da contramagia. BASTIDE (2001a, p. 63), ao explicar as funções
dos babalorixás ou das ialorixás (pais ou mães-de-santo) nos candomblés iorubá da Bahia,
ressalta o fato de que eles, ocupando o topo da hierarquia religiosa, podem assumir também
função curativa:
(...) assumir o papel de curandeiro, sobretudo quando a doença tem origem
mística ou sobrenatural - quando, por exemplo, é conseqüência da violação
de um tabu, ou quando é ‘mau-olhado’ atirado por macumbeiro ou feiticeiro;
é preciso então, conforme o caso, proceder a um bori para ‘fortificar a
cabeça’, ou a uma ‘troca de cabeças’, que é o rito de contramagia
(consistindo em fazer a doença passar para um animal, que, esfregado no
próprio corpo do paciente, é em seguida atirado fora como uma espécie de
bode expiatório). (grifos do autor).
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No trabalho de CAPRARA (2006, p. 269-70), encontramos uma descrição dos
processos de diagnose e terapêutica feita por Oba Kakanfó, figura de importância no
candomblé baiano:
(...) geralmente se procura saber através de búzios, de uma consulta, a
origem daquilo que está atingindo a pessoa. Então, mesmo que seja às vezes
só um mal físico, sempre se procura ter uma ajuda do Orixá. Então depende,
o que for determinado se faz. Por exemplo, para Omolu122 geralmente, um
sacudimento com folhas, também com bururu (pipoca). E, no último caso,
dependendo da altura ou do problema que está atingindo a pessoa, pode fazer
um sacudimento com bichos; por exemplo, com galos ou pombos, não?
Geralmente, nesse sacudimento, o bicho não é sacrificado, o bicho é solto,
vivo, pedindo que, vamos dizer, o mal que está atingindo naquela hora,
naquele instante, seja transferido para o animal e o animal é solto no mato.
Estas atuações baseiam-se no fundamento da existência de vínculos simbólicos unindo a
pessoa a tudo que a cerca, sejam os seus objetos pessoais ou os seres de sua família ou mesmo
aquilo que a toca, aquilo que mantém um contato imediato com a pessoa, comportando a
capacidade de assimilar, por contigüidade, os malefícios ou benefícios que recaem sobre ela.
Nos termos da teoria geral da magia esboçada por MAUSS (2003, p. 99), é o que corresponde
à lei simpática da contigüidade, uma das três leis dominantes que orientam a magia:
A forma mais simples dessa noção de contigüidade simpática nos é dada na
identificação da parte ao todo. A parte vale pela coisa inteira. Os dentes, a
saliva, o suor, as unhas, os cabelos, representam integralmente a pessoa; de
tal modo que, por meio deles, pode-se agir diretamente sobre ela, seja para
seduzí-la, seja para enfeitiçá-la (ibidem, p. 100).
Essa lei da contigüidade comporta, aliás, outros desdobramentos. Tudo o que
está em contato imediato com a pessoa, as roupas, a marca dos passos, a do
corpo sobre a relva ou no leito, o leito, o assento, os objetos que usa
habitualmente, brinquedos e outros, são assimilados às partes destacadas do
corpo (...). Em suma, os indivíduos e as coisas estão ligadas a um número,
122 Segundo VERGER (1981, p. 212), na África, “Obaluayé (‘Rei Dono da Terra’) ou Omolu (‘Filho do
Senhor’) são os nomes dados a Sànpànná, deus da varíola e das doenças contagiosas (...). Melhor definido, ele
é aquele que pune os malfeitores e insolentes enviando-lhes a varíola”. No Brasil e em Cuba “Xapanã é
prudentemente chamado Obaluaê ou Omolu” (ibidem, p. 216).
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que parece teoricamente ilimitado, de associados simpáticos. A corrente
deles é tão cerrada, é tal sua continuidade que, para produzir um efeito
buscado, é indiferente agir sobre um ou sobre outro dos elos (ibidem, p.
101).
Na África, a “qualidade das relações entre um indivíduo e o seu orixá” (cf. VERGER,
1981, p. 32) era diferente das que orientam o candomblé baiano123. A ligação entre a pessoa e
seus orixás de cabeça, que foi orientada na África por pertença e ancestralidade (ligando o
orixá a cada pessoa, cidade ou mesmo país), no Novo Mundo se modificou. O número de
adeptos sem vínculos diretos nem raízes africanas aumentou, e a autenticidade dos transes
mediúnicos destes adeptos sem ancestrais africanos sugere que os vínculos se estabelecem,
então, em outras bases, que para Verger (ibidem, p. 33), são “afinidades de temperamento”,
“tendências inatas”, traços psicológicos comuns, marcas das forças mentais que os animam.
Podemos chamar essas tendências de arquétipos da personalidade escondida
das pessoas (...). Se uma pessoa, vítima de problemas não-solucionados, é
“escolhida” como filho ou filha-de-santo pelo orixá, cujo arquétipo
corresponde a essas tendências escondidas, isso será para ela a experiência
mais aliviadora e reconfortante pela qual pode passar. No momento do
transe, ela comporta-se, inconscientemente, como o orixá, seu arquétipo, e é
exatamente a isso que aspiram suas tendências secretas e reprimidas
(VERGER, 1981, p. 34).
Assim, todo um quadro de referências simbólicas e de vínculos de pertencimento serve
de referência para orientar a vida da pessoa ligada ao candomblé, na relação estreita de
comunicação e contato entre o ayê (mundo dos vivos) e o orum (mundo dos orixás, dos
antepassados e de Olorum). Os elementos referenciais de cada orixá (cores, plantas, elementos
da natureza, arquétipos comportamentais etc.) confluem, assim, no axé da pessoa, e são
fundamentais para a manutenção de sua saúde física, psíquica e espiritual. O corpo deve ser
tratado de maneira simultânea, física, espiritual e em sua relação maior com o universo, com a
natureza. Segundo PÓVOAS (2006, p. 216),
123 Segundo BASTIDE (2001a, p. 153), “na África, os orixás são deuses de clãs; são considerados como
antepassados que outrora viveram na terra e que foram divinizados depois da morte. Mas ao mesmo tempo
constituem forças da natureza, fazem chover, reinam sobre a água doce, ou representam uma atividade
sociológica bem determinada, a caça, a metalurgia: não são, pois, adorados apenas pelos descendentes,
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Toma-se também o comprimido passado pelo médico, porém acompanhado
do banho de folha, da oferenda ao orixá, da benzedura pela velha rezadeira
preparada. As folhas curativas para os males do corpo passam primeiro pelo
peji, onde são imantadas por axés específicos. Não se trata de simples
manipulação material. O que atua, segundo a crença, não é só o princípio
químico, mas também a força do axé. E esse sim é que propicia caminho
para que o outro atue plenamente.
Se as virtudes medicinais das plantas não são ignoradas nem desconsideradas nas
prescrições medicinais situadas no candomblé jeje-nagô baiano, elas atuam, entretanto, em
conformidade com as orientações dos orixás e dos sacerdotes, os babalaôs ou os babalossaim,
que as prescrevem de acordo com uma ciência específica e particular, cujos critérios de
classificação são referenciados pela percepção holística do microcosmo humano em relação
ao macrocosmo universal.
(...) enquanto o curandeiro ou o ervanário se interessam unicamente pelas
propriedades terapêuticas, o olossaim formula a respeito delas uma
explicação, tornando-as um elemento da teoria dos orixás. Introduz
imediatamente a planta num sistema classificatório e de correspondências:
entre uma divindade e uma parte do corpo humano, entre esta parte do corpo
humano e a planta salvadora, finalmente entre a planta e seu orixá
correspondente. De tal modo que se fecha o círculo. Este pode ser percorrido
em dois sentidos: da planta para o orixá, e é assim que ela encontra seu lugar
no sistema; do orixá para a planta, e é assim que se compreende a gênese de
sua virtude medicinal (BASTIDE, 2001a, p. 152).
Em alguns mitos dos orixás coletados e sistematizados por Reginaldo PRANDI (2001c),
está presente a temática das plantas medicinais e sua relação com os Orixás, permeada por
Ossaim, orixá senhor das ervas terapêuticas. Conta um dos mitos que Ossaim, sendo então um
escravo de Orunmilá (orixá do oráculo), foi um dia na floresta onde conheceu e ficou amigo
de Aroni, um gnomo de uma perna que tudo sabia sobre as plantas. Com ele Ossaim aprendeu
todo o segredo das ervas. Um dia, Orunmilá ordenou a Ossaim que fosse roçar o mato de suas
terras, mas diante das plantas, Ossaim assim se expressava:
membros do clã, mais ainda por todos os que necessitam de seu apoio - camponeses que desejam boas
colheitas, pescadores, ferreiros”.
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“Esta não pode ser cortada, é a erva que cura as dores”.
Diante de uma planta que curava hemorragia, dizia:
“Esta estanca o sangue, não deve ser cortada”.
Em frente de uma planta que curava a febre, dizia:
“Esta também não, porque refresca o corpo”.
E assim por diante.
Orunmilá, que era um babalaô muito procurado por doentes, interessouse
então pelo poder curativo das plantas e ordenou que Ossaim ficasse
junto dele nos momentos de consulta, que o ajudasse a curar os enfermos
com o uso das ervas miraculosas.
E assim Ossaim ajudava Orunmilá a receitar e acabou sendo conhecido
como o grande médico que é (PRANDI, 2001c, p. 152).
Ainda de acordo com os registros míticos referidos, todos os orixás recorriam ao poder
e aos conhecimentos de Ossaim para o tratamento de qualquer moléstia ou doença do corpo,
dependendo dele para as curas. A ele ofereciam sacrifícios, a ele pediam favores, e, em troca,
Ossaim lhes dava preparados mágicos:
banhos, chás, infusões, pomadas, abo, beberagens.
Curava as dores, as feridas, os sangramentos;
as desinterias, os inchaços e fraturas;
curava as pestes, febres, órgãos corrompidos;
limpava a pele purulenta e o sangue pisado;
livrava o corpo de todos os males (ibidem, p. 153).
Tanto poder tinha Ossaim, conhecedor dos segredos das ervas e da cura, que Xangô,
orixá-rei deus da justiça, julgou que deveria ser compartilhado com os demais orixás,
ordenando então que Ossaim partilhasse suas plantas com os outros orixás, o que foi por ele
recusado. Apesar das investidas dos orixás em tomar de Ossaim algumas plantas, o poder do
axé só permaneciam nelas sob as ordens de Ossaim. Xangô então compreendeu que o poder
das ervas deveria ser mesmo de Ossaim, que, após a vitória, resolve dar a cada orixá uma
planta:
Ossaim, contudo, deu uma folha para cada orixá,
deu uma euê para cada um deles.
Cada folha com seus axés e seus ofós,
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que são as cantigas de encantamento,
sem as quais as folhas não funcionam.
Ossaim distribuiu as folhas aos orixás
para que eles não mais o invejassem.
Eles também podiam realizar proezas com as ervas,
Mas os segredos mais profundos ele guardou para si.
Ossaim não conta seus segredos para ninguém,
Ossaim nem mesmo fala.
Fala por ele seu criado Aroni.
Os orixás ficaram gratos a Ossaim
E sempre o reverenciam quando usam as folhas (ibidem, p. 154).
Segundo CAPRARA (2006), frente a crises de doenças como a epilepsia, no candomblé
da Bahia há uma demanda por uma resposta diagnóstica e terapêutica religiosa. No tradicional
terreiro do Axé Opô Afonjá, uma das mais antigas casas de candomblé da cidade de Salvador,
“a resposta diagnóstica é sempre dada pelos búzios que são consultados diante de qualquer
problema”. A terapêutica adotada segue as orientações dadas pelos orixás por meio do jogo,
visando ao restabelecimento da saúde e do bem-estar da pessoa, de maneira ampla124: “o
processo que se realiza tende a estabelecer um equilíbrio entre o indivíduo, o Orixá e a
comunidade do terreiro” (ibidem, p. 267).
Como se percebe, o mundo das divindades é a ligação primitiva entre os homens e a
natureza, entre “o mundo dos homens” e “o mundo da floresta” (BASTIDE, 2001a, p. 152):
O santo faz adoecer e cura; é todo-poderoso em relação à parte do corpo
humano que lhe pertence; quando não lhe dispensam homenagens, pode
desencadear sobre ele sua cólera; no entanto, se o devoto mostra
arrependimento, concede a erva que cicatrizará a própria carne que feriu (...).
Há ligação entre os acontecimentos vividos ou as plantas selvagens e os
orixás que estão no céu. Esses últimos constituem o princípio de
classificação que engloba em suas malhas todo o real, mediante uma
concepção das dependências.
124 “No caso de doença orgânica, escolhe-se o tratamento farmacológico, no caso em que o episódio seja a
manifestação de um Orixá, por exemplo, de Omolu, segue-se um caminho que pode levar o indivíduo a uma
série de ofertas feitas à divindade, ou então, à introdução de um verdadeiro e próprio ritual de iniciação”
(CAPRARA, 2006, p. 267).
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Há também ligação entre as pessoas, os orixás e outra gama de eventos do mundo, como
os quatro elementos terra, ar, fogo e água125, os fenômenos meteorológicos, as plantas e o
mundo da floresta, os animais, certos metais, espaços geográficos (floresta, mar, rios etc.),
dias da semana e acontecimentos. No candomblé, alguns objetos adquirem um vínculo
especial com a pessoa que passam a representar a partir de certos ritos de comunhão com os
orixás e o Terreiro em que se inicia. É o caso, por exemplo, das pedras utilizadas nos
“assentamentos” dos orixás (pejis) e os colares de conta, peças fundamentais aos ritos de
entronização e nos procedimentos litúrgicos necessários para a incorporação dos novos fiéis à
vida do candomblé, a religião dos orixás.
A pedra ritual da divindade que será “assentada” é preparada de acordo com os
preceitos da tradição, adquirindo, a partir dos rituais específicos, uma nova dimensão
simbólica: representando a ligação particular daquele indivíduo com o seu orixá, a pedra (otá)
incorpora novos atributos, sendo considerada “uma pequena porção individualizada da
energia do orixá assentado, assim como a pessoa o é”, como se “a energia da cabeça da pessoa
fosse transferida qualitativamente, e numa intensidade renovável para a pedra, para o otá que
está constituído de energia correlata” (TAVARES, 2002, p. 99 e 101).
É preciso acrescentar que essa pedra não será esquecida no decorrer dos
rituais; uma parte dos alimentos, dos animais sacrificados e do sangue
derramado lhe será oferecida, de modo que a fabricação da pedra, ou, como
se diz, a “fixação” paralela do orixá na pedra, segue passo a passo todas as
etapas da “fixação” paralela do orixá na cabeça do iniciado (BASTIDE,
2001a, p. 48).
É possível perceber, nos fundamentos destes mecanismos simbólicos de vinculação do
axé do orixá com a pessoa e a pedra, mecanismos de transferência de qualidades e de
propriedades que se assemelham à lei da contigüidade simpática como descrita por Mauss.
Por outro lado, dentre os objetos rituais dos membros do candomblé, há um colar que lhe é
particularmente preparado, feito de contas da cor correspondente a seu orixá e lavado com
125 Para PÓVOAS (2006, p. 215), no candomblé “também se crê na estruturação do universo humano com base
nos quatro elementos, Terra, Água, Fogo e Ar. As pessoas, então, se consideram, se reconhecem e se
comportam como se fossem o próprio elemento. E qualquer prática de cura, tratamento, reposição ou troca
passa necessariamente por tal entendimento”.
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folhas e outros elementos específicos, pelo pai ou pela mãe-de-santo do terreiro que freqüenta.
Segundo BASTIDE (2001a, p. 41), “para que o colar tenha valor é preciso”:
1) que tenha ficado uma noite inteira sobre a pedra do deus a que pertence e
que o sangue de uma ave morta em sacrifício, juntamente com as ervas
apropriadas, tenha lavado ao mesmo tempo a pedra e o colar. (...)
2) a esta primeira participação se junte uma segunda, entre pedra, colar e
cabeça do indivíduo que celebra o ritual.
Revela-se, assim, in situ, um vínculo fundamental entre a pessoa que se inicia no
candomblé; o orixá a que pertence; o mundo dos invisíveis; o mundo da natureza e das folhas;
os minerais; os animais; os objetos rituais; a estrutura mítica cosmológica e a comunidade
religiosa.
Alguns atos - como comer, fumar, beber, soprar, chupar, defumar, dançar ou cantar -
estão presentes em muitas práticas curativas caboclas. Em algumas comunidades, há uma
identificação do hálito da pessoa (“sopro”) com estados de saúde e equilíbrio ou de doença e
infortúnio, passível de ação terapêutica e tratamento, ou de contaminação e malefício. A par
dos atos de lamber, chupar ou passar saliva, soprar é uma das técnicas terapêuticas mais
universais e recorrentes126. Acredita-se ser possível intervir sobre o adoecimento ou o
sofrimento de alguém, sugando ou soprando substâncias consideradas mágicas que,
estabelecendo um alento vital, comunicam-se com o paciente produzindo uma continuidade
mágico-curativa. Nas tradições medicinais ameríndias, um procedimento terapêutico usual do
xamã é a fumigação do doente. BASTIDE afirma que, para o índio, “o fumo é a planta
sagrada e é sua fumaça que cura as doenças, proporciona o êxtase, dá poderes sobrenaturais,
põe o pajé em comunicação com os espíritos” (2001b, p. 146).
Tratar os doentes é o dever mais comum dos pajés e o uso do tabaco é
sempre o prelúdio e complemento necessário dessa operação. (...) Ao visitar
um paciente, o pajé acocora-se próximo da rede, acendendo imediatamente
um cachimbo (...) O pajé sopra fumaça sobre todo o corpo do paciente,
126 Cf. CASCUDO (1983, p. 605): “As formas universais e persistentes da sucção, sopro, lambedura, cuja
popularidade prestigiosa em todos os recantos do mundo denuncia sua espantosa velhice, não datariam do
neolítico? Era o momento exato do maior contato humano com a natureza livre e as faculdades de observação
estariam voltadas para as fórmulas universais de uso, indispensáveis e urgentes na vida áspera e primitiva”.
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depois sobre as póprias mãos, cospe nelas e começa vagarosa e firmemente a
fazer massagens no enfermo (WAGLEY, 1943, apud BASTIDE, 2001b, p.
47).
A escolha dos alimentos e o próprio ato de comer também são questões importantes na
perspectiva das técnicas terapêuticas brasileiras. Os hábitos alimentares orientados para a
saúde definem o que se deve e o que não se deve comer, definindo mitos, proibições e tabus
alimentares fortemente enraizados no cotidiano. As interdições podem se originar de
costumes familiares, de mitos regionais, do tipo de adoecimento a que se relaciona, de tabus
religiosos etc.
Há relações diferenciadas entre alimentos, doenças e cura, a depender do sítio
simbólico de pertencimento. O cardápio está sujeito a fronteiras e limites intransponíveis,
determinados por costumes ancestrais e por tradições mágico-religiosas. Os padrões
alimentares, nestes casos, independem dos valores nutricionais, balizando-se pela “aura” de
confiabilidade que impregna aquilo que é dado comer em cada comunidade.
O ato de comer, assim, transcende à necessidade fisiológica da nutrição127. Assim, a
seleção dos alimentos pode fundamentar-se na possível assimilação de elementos positivos ou
negativos a eles atribuídos, e aos sentidos de que se revestem segundo as tradições locais.
Alguns alimentos são considerados “apaziguadores” ou “pacificantes” 128, enquanto outros se
revestem de atributos negativos, requerendo cuidados no manuseio e consumo.
O cardápio litúrgico das religiões afro-brasileiras ou afro-ameríndias interfere também
na relação dos fiéis com a comida, estabelecendo regras de consumo e tabus alimentares. A
consagração de alimentos e as oferendas para orixás, voduns, inquices, caboclos e encantados
regulam e mediam as relações das pessoas com as comidas, como no caso das “quizilas” que
existem no candomblé jeje-nagô. As quizilas são tabus alimentares que restringem o consumo
de certos alimentos e plantas pelos iniciados, sob a lógica mítica: cada interdição tem seu
fundamento na mitologia, vedando o consumo do alimento-tabu aos iniciados, sob pena de
127 Para CASCUDO (1983, p. 391), “a alimentação humana está muito mais poderosamente vinculada a fatores
espirituais em exigência tradicional que aos próprios imperativos fisiológicos”.
128 Câmara CASCUDO (1983, p. 404), ao comentar o caráter “apaziguador” atribuído a alguns alimentos, lembra
o ditado popular que diz: “quem come, amansa”.
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140
adoecimento (leve ou severo, conforme a justificativa mítica associada129). Para conhecer seus
tabus alimentares, o iniciado deve consultar o Ifá, por meio do jogo de búzios.
Os orixás têm não apenas pratos preferidos, mas também alimentos
proibidos nos quais não podem ou nem mesmo querem tocar. Essas
proibições são de duas espécies: algumas são particulares a esta ou aquela
divindade (...); outras são particulares a este ou aquele estado, a esta ou
aquela situação. (...) Ao lado desses tabus individuais e de situação, há tabus
comuns a todos os filhos de um mesmo orixá. Cada divindade tem suas
repugnâncias alimentares, bem como suas marcadas preferências
(BASTIDE, 2001a, p. 336).
Também fora da esfera religiosas, redes autônomas de significado são construídas,
ligando alimentos a processos de adoecimento e cura de maneira diversa das considerações
bioquímicas. As categorias de análise são outras e obedecem a lógicas classificatórias
específicas e localmente situadas.
A noção de equilíbrio está presente, por exemplo, na regulação do consumo de certos
alimentos classificados pela lógica do quente / frio (tal classificação não é determinada pela
temperatura e sim por características terapêuticas intrínsecas atribuídas a alimentos, ervas ou
bebidas). Assim, da mesma forma que “doenças quentes devem ser tratadas com ervas
medicinais e alimentos frios, e as doenças frias devem ser tratadas com ervas medicinais e
alimentos quentes” (QUEIRÓZ 1986, p. 314), também certas comidas consideradas frias não
podem ser consumidas durante o processo de restabelecimento de doenças tratadas com
terapêuticas quentes, nem vice-versa. Outros alimentos podem ser indicados para consumo
apenas em certos horários do dia, e outras combinações são sumariamente interditadas.
Observa-se que tanto num caso como em outro há uma grande variação regional de critérios e
combinações.
Um conceito popular presente em várias regiões é o de comida remosa. Considera-se
existir propriedades intrínsecas em certos alimentos, que os tornam capazes de causar uma
129 Segundo BASTIDE (2001a, p. 336), há uma lógica nas quizilas, explicada tanto pelas mitologias específicas
de cada orixá quanto pelas leis do simbolismo: “Por exemplo, se Xangô não pode comer feijões brancos é
porque, sem dúvida, preparava um prato de feijões brancos quando seus inimigos, aproveitando sua distração,
tentaram roubar-lhe o trono”.
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doença, retardar ou impedir a cura, ou então, caso se trate do conceito contrário (isto é, de
comida-não-remosa), de facilitar o retorno à saúde. Assim, com variações locais, certas
carnes (como as de carneiro, porco, algumas caças e peixes etc.) são consideradas remosas,
com seu consumo circunscrito a regras e circunstâncias que precisam ser observadas, sob
risco de adoecimento ou de agravamento de doenças. Em pesquisa de campo junto às
comunidades ribeirinhas dos vales dos rios Acre e Purus (Amazônia), SANTOS (2000)
verificou a existência da concepção popular da propriedade intrínseca dos alimentos remosos:
As carnes de caça e de peixe ditas remosas, por exemplo, são com freqüência
citadas como causas de enfermidades na pele e no estômago, além de, muitas
vezes, haver a proibição de seu consumo pelo doente durante o tratamento,
ou por um rezador, antes das sessões de cura. (...)
D. Maria Alice Moura Costa recomenda esta dieta para o período de
recuperação da malária: ”O porco-do-mato é uma carne remosa, já o veado é
manso. A paca também é remosa. De caça do mato, só mesmo o veado é
manso. De peixe, só a sardinha, a branquinha... que não faz mal. A galinha a
gente também não dá” (ibidem, p. 927).
CASCUDO (1983) afirma que, na tradição popular de variadas culturas, é conferido
certo poder “contaminante” ao olhar de outrem durante as refeições. De acordo com ele, entre
muitos povos africanos, asiáticos e ameríndios, é vedado olhar para alguém enquanto este se
alimenta, e, em contrapartida, deve-se evitar o olhar alheio enquanto se come, regra esta que
leva, inclusive, à precaução de se comer de costas para o curioso de olhar contaminante, capaz
de “causar mal” ou mesmo adoecer. Para o autor, “não desapareceu essa proibição no Brasil e
as crianças têm recomendação de não olhar muito ou insistentemente quem está comendo.
‘Tira a sustança’. Absorve a força nutritiva do alimento” (ibidem, 422). Para ele, “a escolha
dos nossos alimentos diários está intimamente ligada a um complexo cultural inflexível”.
O ato de beber também mantém simbologias com cerimônias e rituais sagrados. Como
lembra Cascudo (1983: 398), “todo povo possui seu vinho”:
Vinhos de uva, arroz, milho, leite azedo (kumis), de palmeira, agave
(pulque), aguardente de bagaço de uva, bagaceira portuguesa; do mel da
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cana destilado, cachaça, a mais popular bebida do Brasil, a tiquira de
mandioca (Amazonas, Pará, Maranhão), o vinho de caju, o cauim dos tupis...
A busca de equilíbrio e proteção contra malefícios ou doenças vai depender da
necessidade e da especificidade de cada processo individual, incorporando também saberes de
outras terapêuticas, como a benzedura e a reza. Para QUINTANA (1999), as rezadeiras atuam
sobre o universo do fortuito e do imponderável, acenando aos pacientes com um discurso
através do qual torna-se possível “ter um controle um pouco maior sobre as adversidades do
destino” (ibidem, p. 15).
As rezadeiras e benzedeiras adquirem, em sua experiência prática, conhecimentos sobre
raízes, ervas e outros elementos da natureza, sabendo combinações específicas para cada
necessidade, prescrevendo-as com base em seu próprio saber ou sob a inspiração de entidades
mágicas e espirituais que porventura participem dos processos de cura. Envolvendo elementos
simbólicos e técnicos diversos (figs. 29 e 30), a atuação das benzedeiras e rezadeiras varia
regionalmente e apresenta grande diversidade de suportes materiais, com a utilização de
cordões, brasas, galhos, plantas e outros elementos da biodiversidade, sempre inseridos num
contexto ritual.
Figura 29 - Altar de Candomblé de Caboclo e
Figura 30 - Dona Maria, rezadeira, em atuação.
(Vitória da Conquista, 2007)
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Compreendendo a benzedura e as rezas como uma terapia popular amplamente
difundida no país, a associação desta prática com outras formas de atuação com o corpo -
como a fitoterapia e a religiosidade voltada para a cura - é também uma realidade que varia
regionalmente ou conforme a tradição de um ou outro rezador ou benzendor, que assume
papel de agente de cura (figs. 31 e 32).
O princípio dialógico está presente nestes processos, pois há uma prévia interpretação,
pelo benzedor, dos males que acometem a pessoa que está sendo tratada, tornando possível a
posterior atuação que visa ao alívio ou à cura. Nestes momentos de troca dialógica, há uma
mútua disponibilidade para que sejam trazidos à tona elementos afetivos e espirituais da vida
do consulente/paciente, que se expõe ao outro para uma diagnose simbólica. É também
necessário que haja um reconhecimento da eficácia e da capacidade de atuação do rezador ou
benzedor por parte do sujeito/paciente, ou seja, a crença no tratamento, que se desenvolverá
inserido num contexto ritual, em que elementos simbólicos (rezas, gestos, jaculatórias, sinais
etc.) se associam a elementos técnicos (folhas, chás, pomadas, banhos, remédios etc.) (cf.
QUINTANA, 1999, p. 19).
Figuras 31 e 32 -
Caboclo Lage Grande incorporado para atuar em
consulta de tratamento de saúde.
(Vitória da Conquista, 2007)
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Apesar da grande recorrência de benzederias e rezadeiras em todas as regiões do Brasil,
esta prática não se configura como uma especificidade brasileira, acontecendo em vários
outros países e desde tempos imemoriais. Como afirma SOUZA (2002, p.95-6):
A benzedura é um importante elemento que faz parte da cultura popular do
nosso país. Fazer uso de orações e simpatias para curar algumas doenças ou
aflições é um tipo de conhecimento ainda bastante presente e difundido por
todo o Brasil, em especial nas cidades do interior e na zona rural. (...)
A prática realizada por essas terapeutas populares não é um privilégio do
mundo contemporâneo e nem um fenômeno exclusivamente brasileiro;
muito pelo contrário. Essa experiência vem sendo realizada desde o
aparecimento dos primeiros homens, surge junto com os mitos e as magias.
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4.2. SOBRE FITOTERAPIA E BIODIVERSIDADE
4. 2.1. Da Saúde Pública e dos Fármacos no Brasil
A Constituição Brasileira de 1988 conceitua a saúde como direito de todos e dever do
Estado, definindo-se, assim, o princípio da universalidade para o serviço de saúde. Estabelece
também como diretrizes a integralidade, a eqüidade, a participação social e a
descentralização130. O amadurecimento da idéia da saúde como direito universal – cerne das
concepções políticas sobre saúde desenvolvidas nos anos 1970 e 1980 em todo o mundo e que
culminaram, no caso brasileiro, no princípio constitucional da universalidade – tem resultado
num esforço paulatino e crescente de ampliação do acesso à saúde no Brasil.
Na perspectiva mundial, um marco fundamental para as discussões sobre a saúde das
populações foi a 1ª Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada
em setembro de 1978 em Alma-Ata (Kazaquistão, então URSS), organizada pela OMS e pelo
UNICEF, contando com a presença de 700 participantes, representantes de 134 países, de 67
organismos internacionais e de diversas organizações não governamentais. Como resultado,
houve a adoção de uma Declaração131 que enfatiza, desde o seu primeiro ponto, a saúde como
um direito humano fundamental, estabelecida como a mais importante meta social mundial,
cuja realização requer a ação articulada de vários outros setores da sociedade, além do setor
específico da saúde.
Firmou-se então a idéia de que a promoção e a proteção da saúde das populações são
elementos fundamentais para a melhoria da qualidade de vida dos homens e,
consequentemente, para o desenvolvimento econômico e social, bem como para a paz
mundial, no “espírito da justiça social” (cf. ponto V da Declaração). Tal consenso representou
o ponto de partida para várias outras iniciativas tanto da articulação de movimentos
internacionais quanto das discussões sobre políticas públicas de saúde nos países
participantes. O ponto IV da declaração de Alma-Ata, ao estabelecer que “é direito e dever
130 Constituição Brasileira, Título VIII, Capítulo II, Seção 2, artigos 196 a 200.
131 O texto síntese da declaração está transcrito em Anexo à tese.
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dos povos participar individual e coletivamente no planejamento e na execução de seus
cuidados de saúde”, tornou-se também um marco histórico na proposição de sistemas de
saúde construídos de forma autônoma a partir dos contextos sócio-culturais, ambientais e
econômicos específicos de cada país, estipulando ainda que:
Todos os governos devem formular políticas, estratégias e planos nacionais
de ação para lançar / sustentar os cuidados primários de saúde em
coordenação com outros setores. Para esse fim, será necessário agir com
vontade política, mobilizar os recursos do país e utilizar racionalmente os
recursos externos disponíveis (Declaração de Alma-Ata, ponto VIII).
Posteriormente, em novembro de 1986, aconteceu em Ottawa (Canadá) a 1ª Conferência
Internacional sobre Promoção da Saúde, cujo documento final, conhecido como a Carta de
Ottawa132, ressaltou a importância da eqüidade, que passou a constituir-se como um conceito
básico desde então, reforçando-se também o fundamento da participação ativa da população
como um meio fundamental para operacionalizar a promoção de saúde. Além de listar vários
campos de ação essenciais para a promoção da saúde, a Carta estabeleceu a noção de saúde
como um “estado de completo bem-estar físico, mental e social”, incluindo aspectos mais
amplos da vida humana, como as aspirações, a satisfação das necessidades e a modificação
favorável do meio ambiente, afirmando que são condições básicas e recursos fundamentais
para a saúde: paz, habitação, educação, alimentação, recursos econômicos, ecossistema
estável, recursos sustentáveis, justiça social e eqüidade. (cf. Carta de Ottawa).
Dois anos depois, em 1988, a 2ª Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde,
realizada em Adelaide (Austrália) 133, seguiu os direcionamentos referenciados pelas
anteriores, destacando também a importância das políticas públicas e a necessidade do
estabelecimento de decisões políticas que garantam a promoção da saúde, principalmente no
que concerne à esfera econômica das sociedades, de maneira a tornar possível a garantia de
recursos para as ações necessárias. Identificando cinco campos de ação para a promoção da
saúde (a saber: construção de políticas públicas saudáveis; criação de ambientes favoráveis à
132 A Carta de Ottawa está disponível em http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Ottawa.pdf (acesso em
10 de setembro de 2007).
133 Declaração de Adelaide disponível em http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Adelaide.pdf (acesso em
10 de setembro de 2007).
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saúde; desenvolvimento de habilidades; reforço da ação comunitária e reorientação dos
serviços de saúde), a Carta de Adelaide afirmou o conceito de políticas públicas saudáveis,
conceituadas como aquelas que tenham o propósito de criar ambientes físicos e sociais
favoráveis à saúde.
A interdependência e a inseparabilidade entre as esferas ambientais, sociais, econômicas
e a saúde foram pontos destacados durante a 3ª Conferência Internacional sobre Promoção da
Saúde134, realizada em Sundsvall (Suíça) em 1991, evento que antecedeu a Conferência
Mundial sobre o Meio Ambiente, a ECO 92 (Rio de Janeiro, 1992) e que já apontava a
necessidade do reconhecimento destas inter-relações sócio-ambientais para o planejamento e
a consecução das políticas governamentais relacionadas à saúde. Como conseqüência, foi
firmado um compromisso com o desenvolvimento sustentável, com forte ênfase na relação
entre ambiente e saúde, alicerçado pela ótica da justiça social e do princípio da eqüidade.
Ainda em 1992, foi realizada a Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, em
Santafé de Bogotá (Colômbia)135, gerando uma aproximação maior com os problemas
específicos das nações latinoamericanas, incorporando resultados das reuniões anteriores e
analisando experiências de saúde de vários países. Em 1997 foi realizada a Conferência
Internacional sobre Promoção de Saúde de Jacarta (Indonésia), reafirmando os princípios e as
concepções anteriores, avançando na proposição de prioridades para a promoção de saúde
visando à melhoria da qualidade de vida no século XXI, reforçadas durante a 5ª Conferência
Mundial, realizada no México, em 2000.
As idéias de transformação no paradigma de saúde vigente e da necessidade de uma
reorientação dos serviços de saúde estiveram presentes ao longo do percurso destes
movimentos mundiais, o que influenciou os movimentos sociais ocorridos no Brasil durante
este período, resultando no estabelecimento de princípios contitucionais amplos e universais
para a saúde no Brasil a partir da Constituição de 1988. Considera-se o texto constitucional
brasileiro e suas definições referentes à saúde, bem como a posterior criação do Sistema
134 Declaração de Sundsvall disponível em http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Sundsvall.pdf (acesso
em 10 de setembro de 2007).
135 Declaração de Santafé de Bogotá disponível em http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Santafe.pdf
(acesso em 10 de setembro de 2007)
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Único de Saúde (SUS)136, como importantes conquistas do Movimento da Reforma Sanitária
e dos movimentos sociais desenvolvidos no país.
No contexto anterior, as ações federais brasileiras no âmbito da saúde restringiam-se
quase exclusivamente a poucas ações de promoção da saúde e prevenção de doenças, como
campanhas de vacinação e controle de endemias, com pouquíssimos hospitais especializados,
a maior parte deles nas áreas de psiquiatria e tuberculose. Grande parte da assistência médicohospitalar
à população pobre ou indigente era prestada por municípios, estados ou instituições
filantrópicas. Não havia garantias de direitos e a assistência do Estado à saúde assumia
condições de favor dos poderes públicos ou caridade, com suas relações estabelecidas no
âmbito do favorecimento político, do clientelismo e da troca de benefícios.
O Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) concentrava a então limitada atuação
pública existente, e foi, posteriormente, transformado no Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (INAMPS), uma autarquia do Ministério da Previdência e
Assistência Social, cujas ações de assistência à saúde limitavam-se apenas aos trabalhadores
da economia formal (que tinham carteira de trabalho assinada, podendo assim tirar a carteira
do Inamps) e seus dependentes e deixavam de fora um imenso contingente populacional.
No final da década de 80, foram tomadas medidas (como o fim da exigência da carteira
de segurado do INAMPS para o atendimento nos hospitais próprios e conveniados da rede
pública) que resultaram numa certa aproximação com a idéia de uma cobertura universal,
proposta esta que era bandeira de luta de vários setores sociais ligados à saúde pública. Este
processo culminou no estabelecimento do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
(SUDS), em parceria com os governos estaduais, reforçando a construção de um sistema de
saúde com tendência ao atendimento universal.
Ao longo de todo o processo de democratização da saúde no país, o Movimento da
Reforma Sanitária destacou-se, atuando em diversos setores com grande mobilização política.
136 O SUS foi instituído pela Lei Orgânica da Saúde (LOS), Lei 8.080/1990. Outras legislações de referência para
a construção do atual modelo de saúde pública brasileiro são: a Lei Complementar 8.142/1990 (que
regulamenta a participação social, transferência de recursos e as instâncias colegiadas) e a Emenda
Constitucional 29/2000 (que determina a participação orçamentária mínima obrigatória).
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149
Com a Constituição Federal de 1988 e a institucionalização do Sistema Único de Saúde, a
ampliação do acesso, a unificação das estruturas existentes, a descentralização, o
financiamento e o controle social passam a ser questões amplamente discutidas na gestão da
saúde e na sua implementação.
Apesar dos avanços decorridos desde então, a eqüidade no acesso à saúde ainda está
longe de se tornar uma realidade, a despeito da real viabilização progressiva do SUS no país.
O mesmo se aplica ao acesso da população ao medicamento. O Brasil está entre os 10 maiores
mercados de medicamentos (com faturamento de cerca de US$ 7 bilhões em 2001) e, no
entanto, mais de 50% da população brasileira não tem acesso aos medicamentos por falta de
recursos financeiros. Segundo MARQUES (2000), o mercado governamental, no país,
corresponde a 35% do mercado total de produtos farmacêuticos, e apenas 15% são comprados
de modo centralizado pelo SUS e distribuídos para cerca de cem milhões de brasileiros
pobres137.
A acessibilidade plena aos medicamentos (assistência farmacêutica total) é garantida
pelo Estado brasileiro aos portadores do HIV e doentes de AIDS, o que se tornou referência
de política pública de combate à AIDS em todo o mundo. Até agora, entretanto, este modelo
não é extensível aos outros programas de saúde (cf. MARQUES, 2000). No ano de 2004
houve a implementação de novas políticas públicas de acesso a medicamentos básicos, como
as Farmácias Populares, implantadas em muitos municípios brasileiros.
No Brasil, a agência reguladora e controladora de medicamentos e fármacos é a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária /ANVISA, uma autarquia sob regime especial vinculada ao
Ministério da Saúde, que, quando se trata de liberação de medicamentos, se baseia, em muito,
em pesquisas, informações e estudos disponibilizados por agências semelhantes de outros
países. Dentre as agências fiscalizadoras da área de saúde e medicamentos, destaca-se,
mundialmente, a famosa FDA, Food and Drug Administration, agência americana que atua na
saúde pública controlando padrões de “eficiência” e de “segurança” para consumo de
alimentos, terapias e medicamentos, e que serve de referência para vários países, inclusive o
Brasil. Aqui, A ANVISA foi criada pelo governo brasileiro em 1999 (Lei 9.782, de 26 de
137 Dados do ano 2000.
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janeiro de 1999), em substituição à Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária (SNVC) 138,
visando à modernização e ao aumento da eficiência e da eficácia do processo de registro de
medicamentos e ações de vigilância sanitária (baseando-se no modelo da FDA), tendo como
finalidade institucional
promover a proteção da saúde da população por intermédio do controle
sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços
submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos
processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados. 139
Como a maior parte das deliberações da ANVISA sobre eficiência e segurança de
medicamentos é feita com base em pesquisas e informações produzidas por agências de outros
países (além dos EUA, os dados vêm de paises como o Reino Unido, Portugal, Espanha,
dentre outros) cria-se uma rede de relações de dependência às publicações dos meios
acadêmicos e científicos que, infelizmente, não estão isentas das influências econômicas e dos
grandes interesses corporativos.
A situação ainda se complica quando, a despeito do conceito de eficiência alcançado,
graves erros são cometidos por agências como a FDA, expondo-as ao descrédito e criando
insegurança às pessoas, transformadas em consumidores de saúde.
Um caso recente de erro de liberação de fármacos que ganhou a atenção internacional
foi o dos antiinflamatórios Vioxx, Bextra e Celebra, tornando-se exemplar desta situação. O
medicamento Vioxx, do Laboratório Merck, amplamente usado em vários países como
antiinflamatório e analgésico, foi retirado de circulação em setembro de 2004 após a
comprovação de problemas coronarianos e mortes causadas por ataques cardíacos decorrentes
de efeitos colaterais do seu uso. Segundo a Folha on line (em artigo de 25/01/05), estudo
encomendado pela FDA (órgão responsável pela aprovação de remédios nos EUA) e
publicado na revista médica Lancet, diz que o Vioxx pode ter causado até 140 mil casos de
doenças coronarianas apenas nos Estados Unidos desde 1999. No estudo, das 27.000 pessoas
138 A SNVC até 1999 era a instância responsável pelo registro e liberação de medicamentos, tanto os importados
quanto fabricados no país, num processo considerado excessivamente moroso, deficiente e vulnerável à
corrupção (cf MARQUES, 2000).
139 www.anvisa.gov.br, 27 de janeiro de 2005.
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que usaram Vioxx, 8.143 sofreram do coração e 1.508 tiveram morte súbita. Os referidos
remédios, chamados inibidores COX-2 foram liberados para consumo pela FDA - no afã de
aprovar medicamentos ao consumo com rapidez-, e posteriormente, após circularem
livremente nos mercados internacionais, foram questionados e tiveram suas autorizações
suspensas após a comprovação do aumento de risco de enfartos, cardiopatias e derrames
provocados por estes remédios. Várias mortes foram associadas ao consumo dos mesmos. No
Brasil, até agora, apenas o Vioxx teve sua venda cancelada. O problema aqui se torna maior
devido à falta de fiscalização sobre a venda de remédios “tarja preta” ou “vermelha” (cuja
compra só deveria se efetivar com receituário médico), agravando-se com o hábito
disseminado da automedicação.
Outro caso famoso que aconteceu nos Estados Unidos da América foi o do Paxil,
quando o Estado de Nova York processou a empresa farmacêutica Glaxo Smith Kline por ter
suprimido dados de estudos que mostravam que o antidepressivo Paxil aumentava o risco de
suicídio entre adolescentes. A repercussão deste caso tem levado à revisão dos critérios e à
proposição de novas medidas para diminuir o grave problema da parcialidade da publicação
de dados de pesquisas científicas sobre medicamentos, inclusive com proposta de projetos de
lei apresentados na Câmara e no Senado americanos exigindo que a indústria farmacêutica e
os cientistas registrem os testes clínicos desde o início e relatem obrigatoriamente todos os
seus resultados num banco de dados de acesso público.
Um caso clássico de problemas decorrentes de medicamentos liberados para o consumo
foi o da Talidomida, uma droga sintetizada quimicamente na década de 1950 na Alemanha e
que entrou na composição de diversos sedativos, antieméticos e antigripais fabricados e
comercializados por vários laboratórios. Tendo sido considerado “inofensivo” para gestantes,
foi largamente utilizado em vários países entre os anos de 1957 e 1962. Como decorrência de
seu uso, houve uma epidemia de malformações graves de membros, acometendo mais de
15.000 crianças em todo o mundo. Em 1961, os remédios que tinham em sua composição a
Talidomida tiveram o uso proibido em vários países, embora continuassem a ser
comercializados no Brasil por mais quatro anos. Mais recentemente, a Talidomida foi liberada
pela OMS para tratamento de hanseníase e tem sido estudada como possível componente no
tratamento contra a AIDS.
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152
No imaginário médico farmacêutico ocidental, casos como o do Vioxx ou o do Paxil
somam-se ao da Talidomida, causando a impressão trágica de desamparo do homem comum
frente aos grandes interesses empresariais e às manipulações corporativas. As iatrogêneses ou
as doenças terapêuticas acompanharam, par e passo, a história do desenvolvimento dos
comprimidos, das cápsulas e dos injetáveis e, para a surpresa de “consumidores cobaias”,
muitas vezes revela-se a posteriori a gravidade com que certos medicamentos atingem o
corpo humano, causando danos tão sérios quanto lamentáveis.
DUPUY e KARSENTY (1979, p. 8-9) já apontavam, desde a década de 1970, alguns
exemplos de doenças terapêuticas, calculando estarem, naquele período, na ordem de 15% das
enfermidades observadas:
Os medicamentos aparentemente mais inofensivos foram questionados. A
aspirina, por exemplo, ingerida pelos franceses na ordem de três bilhões
de comprimidos por ano. O professor Beauchant (...) revelou que, em
duzentas hemorragias digestivas tratadas no seu serviço, oitenta eram
devidas a uma intoxicação causada por aspirina. Outros acusados: a
piramidon, que entra na composição de 167 produtos de uso corrente,
medicamentos contra a dor e a febre, cuja nocividade lesa os glóbulos
brancos de tal modo que foi proibido na Dinamarca; a fenacetina, cuja
absorção regular pode provocar, a longo prazo, a destruição dos rins; o
cloranfenicol, antibiótico eficaz em numerosas afecções, que revelou-se
responsável por anemias mortais...
A lista poderia, na realidade, englobar o conjunto da farmacopéia, pois
todos os medicamentos têm, o que se chama, num curioso eufemismo,
“efeitos secundários”, os quais podem surgir apenas a longo prazo, e
contra-indicações: o de tornar-se perigoso absorvê-los juntamente com
determinados alimentos, bebidas alcoólicas ou outros medicamento.
Por outro lado, a despeito da representação de infalibilidade construída em torno da
tecnologia e das práticas medico-farmacêuticas, não são apenas os efeitos colaterais que
causam perplexidade. Soma-se a eles a ineficácia ou mesmo inatividade de medicamentos que
foram vendidos e receitados por várias décadas como terapêutica e tratamento para problemas
de saúde aos quais suas ações passavam ao largo, pois o único efeito possível era o do
placebo. As dúvidas são muitas. De tempos em tempos alguns remédios - que por anos
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153
fizeram parte do cotidiano das pessoas, de seus estoques farmacêuticos familiares (como, por
exemplo, o mercúrio cromo) ou mesmo dos receituários médicos mais controlados - passam a
ser proibidos, banidos do mercado, sem explicações convincentes para aqueles que os
consumiram durante muito tempo. Outros que tinham seu consumo liberado sem exigência de
receituário passam a ser controlados, sob a alegação de risco à saúde, risco este, assim,
descoberto sempre com atraso. Em reportagem de Rogério Tuma publicada na Revista Carta
Capital140, encontra-se uma síntese desta situação:
No ano passado, por força da Justiça, a Anvisa exigiu que a
comercialização da dipirona fosse vinculada à exigência de receita
médica. A medida causou estranheza, pois o ácido acetilsalisílico e o
acetoaminofem, ambos também utilizados como analgésicos e
antitérmicos, com efeitos colaterais e risco de grave reações bem
conhecido, não foram controlados. Em janeiro, a Anvisa anunciou na sua
home page na Internet que, por recurso da Aventis, fabricante da
Novalgina, nome comercial da dipirona, a exigência de apresentação de
receita foi suspensa. A exigência de receita para venda de dipirona no
Brasil e as recentes recomendações extras para o uso de acetoaminofem
nos EUA evocam um cenário de ataque e contra-ataque entre dois
ferrenhos competidores mundiais no campo dos analgésicos e
antitérmicos.
Torna-se difícil para a pessoa comum confiar na regulação que deveria ser papel do
Estado e evidencia-se o imenso poder das indústrias e das corporações, interferindo em
âmbitos que comprometem seriamente a saúde e a vida. Entretanto, outras ilusões embalam
continuamente o consumo de medicamentos novos postos à venda pela grande empresa
médico-farmacêutica aliada à mídia e aos poderes institucionalizados.
Na perspectiva mais ampla, das empresas e indústrias médico-farmacêuticas, a
manipulação da informação configura-se, de fato, em práticas efetivas e cotidianas,
conhecidas e discutidas amplamente por órgãos de defesa de consumidores ou por entidades
que exercem controle regulatório. Por exemplo, o Centro pela Ciência em Favor do Interesse
Público divulgou (em 23-09-05) que cientistas e órgãos de defesa do consumidor têm
levantado suspeitas sobre os resultados de estudos que avaliaram positivamente a ação da
140 Revista Carta Capital, ano XI, número 326, de 26 de janeiro de 2005, p.69.
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estatina na redução do colesterol, pois, segundo a matéria, entre outras preocupações, havia o
fato de que oito em cada nove autores das recomendações tinham ligações com os fabricantes
de estatina, sendo que algumas das pesquisas eram financiadas pelos últimos.
A parcialidade de estudos científicos da área médica e farmacêutica recoloca questões
éticas, principalmente quando se considera o fato de que muitos dos estudos são financiados
por empresas e indústrias e seus resultados ficam submetidos, assim, aos filtros dos interesses
econômicos, decorrentes da associação entre ciência, mercado e marketing.
Se a produção científica de uma maneira geral não é destituída das influências do
mercado, pois não paira sobre a realidade social e econômica, quando se trata de pesquisas da
área médica e farmacêutica, as questões relacionadas a pesquisas, comunicações científicas,
testes clínicos, estudos, regulamentações etc. ainda tornam-se mais complexas, pois implicam
em riscos e benefícios que podem fazer a diferença entre a vida e a morte.
Também a divulgação científica incorpora elementos da lógica que orienta o
agendamento e a seleção de temas, assuntos e conteúdos pela mídia e pela grande indústria da
comunicação, gerando diferentes possibilidades de manipulação dos resultados, que se somam
a possíveis motivações “menos nobres” dos pesquisadores que, ainda que inconfessadamente,
são influenciados por vaidades acadêmicas ou busca de prestígio intelectual, o que se agrava
quando se pesa o poder que o discurso científico representa ou as implicações econômicas,
políticas, ou comerciais presentes no processo da produção científica.
Na perspectiva das patentes farmacêuticas no Brasil, foi a Lei de Patentes 9279/96, em
vigor a partir de abril de 1997, que tornou a patente extensível às invenções químicofarmacêuticas
e aos microorganismos transgênicos141. As patentes farmacêuticas conferem
direitos de propriedade e uso exclusivo na produção (monopólio temporário) por um período
de tempo que, no caso brasileiro, é de 20 anos. As patentes são consideradas um recurso
importante na defesa dos interesses de empresas e indústrias e, por este ponto de vista, é
recorrente a idéia de que essa exclusividade estimula e assegura a competitividade de certos
grupos de empresas, como as farmacêuticas e as biotecnológicas. Após o período da
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exclusividade, a invenção deve ser revelada e tornada acessível ao público, com sua livre
utilização assegurada. Segundo MARQUES (2000), este é um dos argumentos-chave para
subsidiar a lógica de que a patente (a exclusividade do direito de monopólio) garante o
interesse público na medida em que é um “estímulo à criatividade científica e ao esforço no
desenvolvimento de avanços tecnológicos”.
Para esta autora, não há consenso nem dados claros sobre os efeitos e o real impacto de
um regime de patentes sobre o preço dos medicamentos, sequer sobre a economia do país.
Assim, no Brasil, após a proteção patentária estabelecida no novo código (Lei 9276/96), o
desafio “passou a ser tornar-se um país inovador e alcançar um nível mais elevado de
inventibilidade nas atividades científicas, tecnológicas e gerenciais nesses campo”
(MARQUES, 2000).
É estimado que os ecossistemas do Brasil compreendam 22% de todas as
espécies biológicas do mundo e apenas um deles, a floresta amazônica, é um
extraordinário reservatório de, pelo menos, 55 mil espécies de plantas. É,
portanto, compreensível que a crescente capacidade da moderna
biotecnologia para identificar e incorporar recursos biológicos em produtos
comerciais esteja sendo paralela à crescente importância que o Brasil tem
conferido aos seus ricos recursos biológicos (MARQUES, 2000).
Dados indicam tanto a necessidade de se rediscutir os paradigmas médico-farmacêuticos
em questão quanto a de implementação de políticas de estímulo ao desenvolvimento do setor
farmacêutico nacional, que responde apenas por cerca de 25% dos medicamentos consumidos
no país, bem como a de discutir amplamente a perspectiva dos Fitoterápicos.
Dentre esta variada gama de práticas medicinais e farmacêuticas, a utilização de plantas
e de outros elementos da natureza é recorrente, tanto de forma efetiva quanto de forma
simbólica. A Fitoterapia tem sido uma das práticas mais discutidas na contemporaneidade,
buscando-se, tanto no país quanto em outros lugares do mundo, mecanismos de
regulamentação e implementação de políticas para a área.
141 De uma maneira geral, com o patenteamento do genoma, conseqüências negativas sobre o fluxo da
informação científica e sobre o acesso ao medicamento são temidas.
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O uso terapêutico de plantas medicinais em sua forma mais popular, baseada no
conhecimento transmitido informalmente vem sendo discutido nos últimos anos pelas
instâncias mais formais da sociedade, como universidades e governo. Tanto há uma
preocupação com o uso correto das plantas que têm propriedade farmacológica, quanto há
uma percepção da necessidade de proposição de diretrizes e políticas públicas voltadas para as
plantas medicinais e os remédios fitoterápicos.
A incorporação das práticas tradicionais, dentre elas o uso de plantas medicinais, aos
sistemas locais de saúde tem sido discutida pela Organização Mundial de Saúde como forma
de ampliação do acesso e de melhoria da qualidade de vida das populações. Ressalta-se o fato
de que, desde a Assembléia Mundial de Saúde de 1987, houve uma indicação explícita para
que os países iniciassem programas de cunho amplo, voltados para a identificação, a
avaliação, o preparo, o cultivo e a conservação de plantas usadas em medicina tradicional, de
maneira a assegurar a qualidade dos medicamentos fitoterápicos e tradicionais, buscando-se
assegurar o uso de técnicas adequadas e de padrões apropriados para sua fabricação.
O reconhecimento, em 1991, pela OMS, da importância da medicina tradicional na
promoção da saúde, especialmente para as populações que têm pouco acesso aos sistemas de
saúde, ocasionou uma recomendação aos Estados-Membros para a intensificação da troca de
informações e da cooperação entre as esferas da sociedade ligadas às medicinas tradicionais e
as relativas à moderna assistência médico-sanitária, notadamente frente à necessidade de
garantia de medicamentos tradicionais e fitoterápicos de qualidade e de eficácia comprovada,
na perspectiva de ampliação do acesso farmacêutio das populações e de redução dos gastos
com medicamentos. A sugestão incluía a perspectiva de aproveitamento das práticas
fitoterápicas locais, apontando também para a possibilidade de se descobrir novas substâncias
terapêuticas a partir da ampliação do investimento nesta área.
Em 2002, no documento da OMS sobre a estratégia global para as medicinas
tradicionais, complementares e alternativas (OMS, 2002), há um forte reforço ao
compromisso de estimular o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a
incorporação destas medicinas aos sitemas oficias de saúde dos 191 Estados-Membros da
OMS.
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157
Na perspectiva brasileira, a elaboração e a execução de políticas nacionais é de
competência da União, e o estabelecimento de uma política nacional voltada para a
incorporação das práticas medicinais tradicionais e complementares tem sido analisada por
vários setores da sociedade de forma sistemática, resultando na publicação, pelo Ministério da
Saúde, da Portaria Nº.971, de 03/05/2006, que aprova a Política Nacional de Práticas
Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde142. As chamadas
“práticas integrativas e complementares” envolvem desde terapias utilizadas como recursos
adicionais aos tratamentos mais convencionais até sistemas médicos complexos, como a
medicina chinesa, com abordagens que estimulam também a autonomia do sujeito frente ao
próprio corpo e a valorização da relação entre ser humano, natureza e sociedade, reforçando
um ponto de vista mais amplo sobre o processo saúde-doença.
No Brasil, a trajetória histórica que levou à construção desta política nacional teve
alguns marcos de referência, tais como: o Relatório Final da 8ª Conferência Nacional de
Saúde (1986), que deliberou pela “introdução de práticas alternativas de assistência à saúde
no âmbito dos serviços de saúde, possibilitando ao usuário o direito democrático de escolher
a terapêutica preferida” 143; algumas resoluções da CIPLAN144 que, em 1988, estabeleceram
normas para o atendimento em homeopatia, acupuntura, fitoterapia e algumas outras técnicas
alternativas; o Relatório Final da 10ª Conferência Nacional de Saúde (1996), que aprovou a
“incorporação ao SUS, em todo o País, de práticas de saúde como a fitoterapia, acupuntura e
homeopatia, contemplando as terapias alternativas e práticas populares”145, e, em 2003, a
constituição, pelo Ministério da Saúde, de um Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar
a Política Nacional de Medicina Natural e Práticas Complementares no Sistema Único de
Saúde, implementada em 2006.
142 A Portaria Nº 971/06, do Ministério da Saúde, se encontra em Anexo à tese e está disponível em
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/PNPIC.pdf (acesso em 10 de setembro de 2007).
143 O texto integral do Relatório Final da 8ª Conferência Nacional de Saúde, de 1986, se encontra disponível em
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/8_CNS_Relatorio%20Final.pdf (acesso em 10/09/2007).
144 CIPLAN: Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação (cf. resoluções números 4, 5, 6, 7 e 8, de
1988).
145 O texto integral do Relatório Final da 10ª Conferência Nacional de Saúde, de 1996, se encontra disponível em
http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/relatorio_10.pdf. No item 286.12, o Relatório recomenda
“incorporar no SUS, em todo o País, as práticas de saúde como a fitoterapia, acupuntura e homeopatia,
contemplando as terapias alternativas e práticas populares” e, no item 351.10, estabelece também o incentivo
à incorporação da fitoterapia na assistência farmacêutica pública.
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O texto da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares considera a
fitoterapia como uma “terapêutica caracterizada pelo uso de plantas medicinais em suas
diferentes formas farmacêuticas, sem a utilização de substâncias ativas isoladas, ainda que de
origem vegetal”, e destaca o grande potencial brasileiro para o desenvolvimento da mesma,
considerando os fatos da diversidade cultural do país, de sua imensa biodiversidade e dos
vínculos culturais tradicionais entre esta prática terapêutica e a população brasileira. Ressalta,
ainda, o crescimento do interesse popular e institucional sobre a fitoterapia e sua inclusão no
SUS.
Em 22 de junho de 2006, foi aprovada a Política Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos, Decreto nº 5.813 (texto em Anexo à tese), estabelecendo diretrizes e linhas de
ação prioritárias para o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, tendo como
objetivo geral “garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas
medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o
desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional”. Há um reconhecimento da
importância dos produtos naturais e fitoterápicos, tanto na perspectiva dos mesmos como
agentes terapêuticos diretos quanto em seu valor como matéria-prima para a síntese e a
preparação de compostos farmacológicos, bem como para a pesquisa e o desenvolvimento de
novas drogas, fitoterápicas ou não.
Reconhece-se também a biodiversidade brasileira como um patrimônio, reiterando a
importância da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) também no que se refere à
garantia dos direitos dos povos indígenas e das comunidades locais sobre seus conhecimentos
tradicionais. Aponta a diversidade cultural e étnica como uma riqueza da qual resultou um
vasto patrimônio de conhecimentos e tecnologias tradicionais sobre o uso e o manejo de
plantas medicinais.
Nesse sentido, compreende-se que o Brasil, com seu amplo patrimônio
genético e sua diversidade cultural, tem em mãos a oportunidade para
estabelecer um modelo de desenvolvimento próprio e soberano na área de
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saúde e uso de plantas medicinais e fitoterápicos, que prime pelo uso
sustentável dos componentes da biodiversidade e respeite os princípios
éticos e compromissos internacionais assumidos, principalmente a
“Convenção sobre Diversidade Biológica”, e promova a geração de riquezas
com inclusão social (Texto anexo à Política Nacional de Plantas Medicinais
e Fitoterápicos, 2006) 146.
Dentre os princípios ressaltados como básicos para a elaboração da Política Nacional de
Plantas Medicinais e Fitoterápicos, estão a melhoria da atenção à saúde, o uso sustentável da
biodiversidade brasileira, o fortalecimento da agricultura familiar, a geração de emprego e
renda, o desenvolvimento industrial e tecnológico e a perspectiva de inclusão social e
regional (ibidem).
146 Texto disponível em http://200.214.130.38/portal/arquivos/doc/decreto_plantas_medicinais_2006.doc e
acessado em 10 de setembro de 2007.
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4.2.2. Fitoterapia e Biodiversidade
As estratégias desenvolvidas pelos homens para o enfrentamento da doença e a
manutenção da saúde estiveram presentes desde os primórdios da humanidade. Práticas
coetâneas dialogam com táticas antigas, como a utilização de plantas e elementos da natureza.
Em algumas comunidades contemporâneas, a utilização dos recursos naturais apresenta-se
como única alternativa terapêutica, seja por meio de técnicas de domínio comum (decocção,
maceração, mastigação, banho, infusão etc.), ou pela via da consulta aos especialistas locais
que recorrem à natureza em seus receituários, preceitos, interdições e práticas de cura.
Na história da humanidade, as virtudes terapêuticas dos elementos da natureza foram
testadas empiricamente e transmitidas pela tradição oral, de forma lenta e gradual, gerando
uma acumulação de conhecimentos e de técnicas de utilização voltados para o alívio da dor, a
cicatrização de feridas, o cuidado com o corpo ou o adiamento da morte. A construção destes
conhecimentos se efetuou de várias maneiras, envolvendo a observação contínua e a prática
cotidiana da relação humana com a natureza. Assim foram sistematizados saberes e processos
tecnológicos relacionados às mais amplas esferas da vida humana, na percepção das
potencialidades de uso de uma ou de outra espécie natural, convergindo a sua utilização para a
alimentação, a produção de utensílios, o uso medicinal, num processo contínuo de
domesticação e de produção cultural.
Ainda hoje a natureza é perscrutada e analisada pelo homem nesta busca incessante de
novas formas de utilizá-la em seu benefício. Entretanto, há muita distância entre a mastigação
ou a maceração primeva de folhas ou cascas de árvores para aplicação terapêutica e a
construção química das sínteses laboratoriais de medicamentos que, originariamente,
nasceram das descobertas humanas sobre as dádivas da natureza.
A complexidade das questões envolvidas na discussão sobre a fitoterapia é imensa, e a
amplitude da temática inclui, além dos âmbitos epistemológicos, culturais e científicos,
aspectos tecnológicos, farmacêuticos, medicinais, ecológicos, ambientais e sociológicos, com
implicações de ordem econômica, ética, política e institucional.
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Segundo GARCIA (1995), a Organização Mundial de Saúde estima que 80% da
população do planeta utiliza, de algum modo, plantas medicinais como medicamentos,
englobando a utilização de cerca de 25.000 espécies.
Ainda não se conhece, entretanto, a diversidade de plantas das florestas tropicais
empregadas medicinalmente por comunidades e populações indígenas ou tradicionais, e não
há um parâmetro para o número de espécies tropicais envolvidas na produção cotidiana destas
comunidades, mas supõe-se que, como cerca de 2/3 das espécies de plantas se encontram nos
trópicos, há uma possibilidade grande de se levantar inúmeras novas plantas da flora tropical
potencialmente utilizáveis pela farmacêutica, seja na aplicação direta, seja na produção
fitoterápica, ou na construção de novos modelos sintéticos de produtos bioativos147.
Apesar do grande número de medicamentos sintéticos, criados continuamente pelo
homem em seus laboratórios, e da manipulação constante de novos elementos e tecnologias, a
maior parte dos fármacos têm suas origens diretamente relacionadas ao ambiente natural,
sendo o mundo vegetal uma fonte inesgotável de moléculas (e genes) extremamente
importantes à farmacopéia. Segundo GARCIA (1995: 49),
O valor dos produtos naturais das plantas medicinais para a sociedade e para
a economia do Estado é incalculável. Um em quatro produtos vendidos nas
farmácias é fabricado a partir de materiais extraídos de plantas das florestas
tropicais ou de estruturas químicas derivadas desses vegetais. Somente nos
EUA, em 1990, foram vendidos normalmente cerca de 8 bilhões de dólares
em medicamentos derivados das plantas.
A OMS define fitoterápicos como substâncias ativas presentes na planta como um todo,
ou em parte dela, na forma de extrato total ou processado, que podem ser extraídos a partir de
processos diversificados148 e comercializados em estado líquido, sólido ou semi-sólido. Tanto
no Brasil quanto em todo o mundo, o mercado de fitoterápicos tem experimentado um
acentuado crescimento, provavelmente como expressão da busca por uma maior autonomia
147 Para GARCIA (1995), “Quando se sabe que menos de 1% das plantas tropicais tiveram seus usos potenciais
corretamente investigados e a imensa flora brasileira é praticamente desconhecida em termos químicos, podese
imaginar o valor econômico de seu estudo”.
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sobre o corpo, ou do retorno do sentimento de valorização da natureza e dos produtos a ela
associados. Sob o ponto de vista das práticas médicas, combinam-se, nessa tendência, o medo
e a preocupação com os efeitos colaterais dos medicamentos sintéticos ou alopáticos e a
crença (infundada) de que os fitoterápicos não causam efeitos colaterais indesejáveis. De
acordo com SIANI (2002), outras causas prováveis deste crescimento associam-se à
disposição para a automedicação, à crescente preferência por tratamentos preventivos, ao
menor preço, além do aumento das comprovações científicas sobre a eficácia e a segurança.
O expressivo consumo de fitoterápicos, especialmente nos países industrializados, fez
aumentar o interesse por este mercado, estimado, em 2002, em mais de US$20 bilhões
anuais149. Para SIANI (2002), a produção de fitoterápicos envolve questões diversas, como
gestão e manejo da biodiversidade; qualidade e disponibilidade das matérias primas; controle
de qualidade, padronização e estabilização dos fitofármacos, além dos problemas decorrentes
do modelo tecnológico agroquímico de lavoura, intensivo em uso de fertilizantes e pesticidas.
Outra questão fundamental é a regulamentação da moderna biotecnologia de aplicação à
saúde, o que, para MARQUES (2000), implica a discussão de patamares ético, econômicos e
políticos e a necessidade de um arcabouço legal voltado para proteger e regular o acesso aos
recursos naturais e biológicos do Brasil, país que se encontra no topo da lista dos países
detentores de grande biodiversidade, com estimativas que atribuem ao Brasil cerca de 22% de
todas as espécies biológicas do mundo.
As possibilidades de manipulação genética que as novas tecnologias e biotecnologias
passaram a disponibilizar para a humanidade acirraram a disputa de vários dos segmentos da
sociedade pelo uso e controle da biodiversidade. Para ALBAGLI (1998),
(...) é principalmente como matéria-prima das biotecnologias avançadas que
a biodiversidade assume hoje um caráter estratégico, valorizando-se nem
tanto a vida em si, mas a informação genética nela contida. A biodiversidade
148 SIANI (2002) cita os seguintes processos recorrentes de extração: com etanol, água ou ambos (extratos
fluidos); evaporação, processamento e secura (extratos sólidos e moles); concentração de extratos totais ou
frações, além de outros processos fitoquímicos.
149 O mercado internacional de fitoterápicos tem como principais consumidores a Europa (com a Alemanha
respondendo por mais da metade do mercado europeu) e a Ásia (cf. SIANI, 2002).
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investe-se assim de um duplo significado: enquanto elemento essencial de
suporte à vida e enquanto reserva de valor futuro.
O termo biodiversidade foi adotado em meados da década de 80 por Edward O. Wilson,
significando toda a variedade de organismos vivos em todos os ecossistemas do planeta, e seu
estudo incluindo as interações e os processos dos organismos, das populações e dos
ecossistemas para a preservação de sua estrutura e funcionamento conjunto (cf. EHLERS e
VEIGA, 2003). Compreendendo-se a biodiversidade como a variedade de organismos vivos e
toda a vida biológica no planeta, ou seja, a variabilidade da vida150, o imperativo de sua
preservação vincula-se ao valor ético de defesa da vida.
Durante a década de 1990, com a crescente percepção da necessidade de proteção da
biodiversidade e de regulamentação, 157 países assinaram a Convenção sobre a Diversidade
Biológica (CDB) durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Rio 92) 151, firmando o compromisso de respeitar a soberania dos países
sobre seus patrimônios genéticos e abordando também o problema do uso comercial de
saberes e conhecimentos tradicionais e populares, afirmando-se a necessidade de se garantir a
repartição equânime e justa dos ganhos.
O imperativo de preservação da biodiversidade vincula-se à própria sobrevivência da
espécie humana, além de apontar para um indiscutível valor ético de defesa da vida em todas
as suas formas e dimensões. Entretanto, para que esta preservação não fique apenas no plano
da utopia, é preciso avançar na discussão sobre efetivas e equânimes formas de concretizá-la,
o que passa pela reflexão sobre a busca de atividades econômicas que possibilitem a
conservação e o uso sustentável da biodiversidade.
No que se refere à fitoterapia e ao uso sustentável dos recursos naturais por
comunidades locais, por exemplo, SIANI (2002) refere-se a uma divergência de opiniões
sobre o tema, apontando duas tendências principais: por um lado há uma valorização dos
fitoterápicos como oportunidades para geração sustentável de renda para comunidades locais,
150 Cf. ALBAGLI, 1998.
151 A Eco 92 ou Rio 92 foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
realizada no Rio de Janeiro, em 1992.
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164
resultando, assim, em possibilidade de financiamento da conservação da biodiversidade e, por
outro, a bioprospecção é vista como mecanismo de pirataria da biodiversidade e do
conhecimento associado ao seu uso.
A abordagem de questões relativas à biodiversidade e a sua utilização envolve também
a discussão sobre a informação a ela relativa, tanto no que se refere ao domínio dos recursos
biogenéticos naturais, sua gestão e utilização, quanto no que reporta à proteção de direitos à
propriedade intelectual, sejam frente aos problemas sobre a “posse” dos conhecimentos
tradicionais ou populares seja sob a ótica empresarial, das patentes, dos fármacos ou dos
bancos genéticos.
O avanço das tecnologias genéticas que possibilitam a manipulação da vida em níveis
cada vez menores (e intercambiáveis, com os transgênicos, por exemplo) amplia as
potencialidades de uso e aplicação dos recursos biológicos, tanto no presente quanto no
futuro, gerando também um incentivo adicional à acentuada emergência contemporânea da
temática da biodiversidade no cenário internacional, bem como requerendo doses extras de
prudência e de responsabilidade.
As possibilidades de manipulação genética que as novas tecnologias passaram a
disponibilizar para a humanidade (tanto as biotecnologias já existentes quanto aquelas em
desenvolvimento ou as virtualmente possíveis de virem a ser criadas) acirraram a disputa de
vários dos segmentos da sociedade que percebem a biodiversidade tanto a partir de seu valor
ecológico eticamente estabelecido (valor de existência de todo e qualquer ser vivo, valor da
diversidade como elemento essencial ao equilíbrio ambiental planetário, valor simbólico e
intangível da biodiversidade como resultante do longo processo de evolução da vida no
planeta...) ou pela ótica do valor de uso, considerando-se também as virtuais perspectivas de
utilização econômica, seja coletivamente, ampliando seus benefícios de forma mais equânime,
seja pelo capital privado, visando ao lucro de alguns.
Sob o ponto de vista da gestão e do marco regulatório, os fitoterápicos se inserem no
amplo setor da biotecnologia e é dentro desta perspectiva que têm sido tratados pelo Estado
brasileiro nos últimos anos, sob o âmbito do Ministério da Ciência e da Tecnologia.
Entretanto, a normatização do registro de medicamentos fitoterápicos está situada na esfera do
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Ministério da Saúde, por meio de resolução da ANVISA, a RDC n°.17 (Resolução de
Diretoria Colegiada n°. 17), de 24 de fevereiro de 2000, que assim define os fitoterápicos:
Medicamento fitoterápico - medicamento farmacêutico obtido por processos
tecnologicamente adequados, empregando-se exclusivamente matériasprimas
vegetais, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de
diagnóstico. É caracterizado pelo conhecimento da eficácia e dos riscos de
seu uso, assim como pela reprodutibilidade e constância de sua qualidade.
Não se considera medicamento fitoterápico aquele que, na sua composição,
inclua substâncias ativas isoladas, de qualquer origem, nem as associações
destas com extratos vegetais (ANVISA/ RDC n°. 17, Definições, 1.5.).
A RDC nº17 da ANVISA é um marco regulatório que define novas exigências para
registro e realização de testes farmacopéicos fitoterápicos e normatiza padrões de qualidade
para os processos envolvidos e para os produtos resultantes, o que demandou a superação das
fragilidades da base técnica das empresas do setor, gerando novos patamares científicos e
tecnológicos. Se, por um lado, tais parâmetros estão mais compatíveis com as exigências do
mercado internacional, por outro, resultaram imprimindo configurações diferentes às
competições internas do mercado nacional, marcado pela predominância de empresas
pequenas ou médias, familiares ou tradicionais, bem como pelo baixo padrão tecnológico de
sua cadeia produtiva (cf. SIANI, 2002).
Dentre outras definições estabelecidas desde seu início, a RDC n°. 17 situa os
fitomedicamentos a partir do conhecimento de sua eficácia e da segurança de seu uso e
estabelece também tipos diferenciados de medicamentos fitoterápicos, classificando-os em
novos, tradicionais ou similares:
Medicamento fitoterápico novo - aquele cuja eficácia, segurança e qualidade,
sejam comprovadas cientificamente junto ao órgão federal competente, por
ocasião do registro, podendo servir de referência para o registro de similares.
Medicamento fitoterápico tradicional - aquele elaborado a partir de planta
medicinal de uso alicerçado na tradição popular, sem evidências, conhecidas
ou informadas, de risco à saúde do usuário, cuja eficácia é validada através
de levantamentos etnofarmacológicos e de utilização, documentações
tecnocientíficas ou publicações indexadas.
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Medicamento fitoterápico similar - aquele que contém as mesmas matériasprimas
vegetais, na mesma concentração de princípio ativo ou marcadores,
utilizando a mesma via de administração, forma farmacêutica, posologia e
indicação terapêutica de um medicamento fitoterápico considerado como
referência (RDC n°. 17, Parte1, tópicos de 1.6 a 1.8).
Esta tipologia vai servir de referência também para a definição de algumas exigências
específicas para registro do medicamento tradicional junto à Vigilância Sanitária. SIANI
(2002) formula, a partir das definições da RDC n°.17, três fases de desenvolvimento de
fitomedicamentos, apontando também algumas das principais questões relacionadas a cada
uma dessas fases:
(1) a fase botânico-agronômica, que inclui o levantamento, a coleta e o manejo, e que
apresenta dificuldades como a não-disponibilidade de informações sistematizadas sobre
levantamentos florísticos e fitossociológicos (faltam inventários de ocorrências de
espécies); alta insuficiência de informações sistematizadas em etnobotânica,
etnofarmacologia e práticas médicas tradicionais e populares; processo demorado de
licenciamento para coleta; incompatibilidade da mão-de-obra disponível frente à
demanda existente; carência de taxionomistas e de acesso a especialistas, bem como de
informações científicas básicas para o manejo sustentável, além de insuficiência de
capacitação e treinamento e da baixa qualificação do coletor e produtor;
(2) a fase químico-farmacêutica, referente aos procedimentos químicos e de formulação
e que enfrenta problemas como insuficiência (ou mesmo ausência) de procedimentos
operacionais padrões (POPs) qualificados para extração; dificuldades relativas à
engenharia de extração (equipamentos, tecnologia etc.); problemas técnico-burocráticos
nas atividades de fracionamento, isolamento e identificação de princípios ativos e no
controle químico e microbiológico dos extratos e frações (indisponibilidade de padrões
de referência, armazenamento do extrato, resíduos e contaminações); falta de
profissionais qualificados; ausência de parâmetros normativos de estabilidade de
produtos etc.;
(3) a fase biomédica, abarcando os processos de farmacologia, toxicologia e clínica e
tendo como principais entraves as dificuldades de comprovação da eficácia e da
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167
segurança de uso, o que envolve farmacologia pré-clínica (testes in vitro e in vivo) e
clínica (pessoas); a inadequação e a insuficiência de laboratórios, bem como de padrões
claros para a relação entre o público e o privado; ausência de práticas de troca de
informação técnico-científica; dificuldades de suprimento de animais para testes e do
estabelecimento de definições terapêuticas (doses, órgãos alvo de toxicidade, efeitos
colaterais etc.).
Outras questões relativas à produção de fitoterápicos dizem respeito à gestão e ao
manejo da biodiversidade, à qualidade e disponibilidade das matérias primas para fabricação
dos medicamentos fitoterápicos, à complexidade das tarefas de controle de qualidade,
padronização e estabilização dos fitomedicamentos e à forte pressão do modelo tecnológico
agroquímico, intensivo em uso de fertilizantes e pesticidas que podem comprometer por
demais a qualidade dos solos e da matéria prima (cf. SIANI, 2002).
Um dos problemas básicos relacionados à ampla utilização dos fitoterápicos reporta-se à
diferença entre os paradigmas científicos e epistemológicos envolvidos no uso medicinal das
plantas, pois, apesar do vasto e antigo uso, poucos fitoterápicos foram validados
“cientificamente” sob o ponto de vista metodológico da ciência moderna, legitimador da
“verdade” quanto à comprovação da sua eficácia clínica ou à avaliação de sua segurança. O
aparato conceitual positivista da biomedicina nem sempre serve para aferir eficiências
terapêuticas das medicinas tradicionais, locais ou populares, pois correspondem, entre si, a
categorias mentais culturalmente distintas, a diferentes visões de mundo e arcabouços
simbólicos impossíveis de redução a um mesmo modelo.
A utilização empírica das plantas nestas outras medicinas baseia-se, constantemente, em
conhecimentos menos formais, provenientes do saber popular ou tradicional, do acúmulo de
informações oralmente transmitidas ou das experiências particulares de grupos ou de sujeitos
praticantes. Representa uma epistemologia e um pólo do saber e da ação distintos do saber
elaborado e considerado pela “cultura erudita” como cânone único e verdadeiro, praticado
pelas instâncias universitárias e acadêmicas e validado como modelo pelas regulamentações e
legislações que organizam a produção industrial.
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168
Por se reportarem historicamente a processos diferentes de validação de reprodução de
conhecimento, os saberes populares /tradicionais refletem, quando confrontados, o conflito de
legitimidade que existe entre os seus modos de validação. Portanto, há pouca informação e
produção formal “cientificamente” legitimada sobre os constituintes responsáveis pelas
atividades farmacológicas de fitoterápicos, poucos estudos clínicos bem controlados sob o
ponto de vista do padrão e método de validação para mercado.
Segundo Le Breton (1995), a medicina quer situar-se fora do marco social e cultural ao
atribuir-se a palavra verdadeira, a única “científica” e, portanto, intocável e inquestionável,
referindo-se ao conjunto das outras medicinas, ocidentais ou não, com dúvidas acerca da
validez: tudo se passa como se a medicina ocidental fosse a vara com a qual se medissem
todas das outras possibilidades de aproximação à enfermidade.
Questões como estas implicam também em outros tipos de problemas culturais, como,
por exemplo, o de estabelecimento de critérios para validação de medicamentos tradicionais
ou fitoterápicos, isto é, as dificuldades de tradução dos dados da etno-farmacologia para a
“linguagem” da ciência empírica, por causa das diferenças paradigmáticas, que são, em última
instância, culturais, antropológicas.
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169
4.2.3. Sobre a Apropriação Mercantilizada dos Conhecimentos Locais
A grande variedade de plantas e animais existentes nos ecossistemas brasileiros
constitui uma fonte biológica de valor inestimável: recursos naturais podem significar
incalculável valor econômico se transformados em matéria-prima para a biotecnologia, em
que genes, moléculas e microorganismos derivados das florestas brasileiras passam a ter
aplicação na indústria farmacêutica, na química industrial, na produção de cosméticos, no
setor alimentício, na medicina etc. A biodiversidade representa também uma perspectiva
promissora para o desenvolvimento futuro de produtos farmacêuticos e medicinais, pois
plantas, fungos, bactérias ou animais - de aplicabilidade ainda desconhecida pelo mercado -
podem vir a se tornar matéria-prima para a descoberta de novas drogas e medicamentos.
O conhecimento tradicional das comunidades locais sobre os usos possíveis destes
recursos serve, muitas vezes, como excelentes pistas para a sistematização destes possíveis
usos, além de queimar etapas no oneroso processo de validação de suas propriedades. O
desenvolvimento histórico dos medicamentos fitoterápicos remete, amiúde, ao conhecimento
popular ou tradicional, pois o uso empírico baseado na tradição oral e nos costumes locais
constantemente serve - e serviu - de base para a pesquisa e a sistematização das plantas
medicinais e dos remédios delas derivados. No entanto, a situação se problematiza com a
crescente demanda por produtos naturais e com o interesse dos grandes laboratórios
estrangeiros, aliados às novas possibilidades de lucro representadas pelo desenvolvimento da
moderna biotecnologia para a fabricação de bens de consumo e de produtos farmacêuticos.
A biotecnologia moderna, com o desenvolvimento da engenharia genética, possibilita a
utilização de seres vivos artificialmente modificados e manipulados por técnicas específicas
laboratoriais e industriais. Difere-se da biotecnologia clássica, compreendida como a
utilização de propriedades de organismos existentes na natureza para fins industriais. Segundo
a Convenção sobre a Diversidade Biológica,
a biotecnologia pode ser entendida como a aplicação tecnológica que utiliza
sistemas biológicos, organismos vivos, ou derivados, para fabricar ou
modificar produtos ou processos destinados à utilização específica; emprego
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de processos biológicos à produção de materiais e substâncias para uso
industrial, medicinal, farmacêutico, de cosméticos, alimentício etc. (CDB,
1992, p. 9).
O conhecimento tradicional é utilizado, assim, como fonte e complemento para testes
científicos sobre fitoterápicos e outros produtos medicinais que utilizam recursos naturais.
Quase toda empresa que desenvolve medicamentos fitoterápicos utiliza-se deste
conhecimento, seja de maneira direta (como nos casos de etno-bioprospecção), seja de
maneira indireta, baseando suas pesquisas nas fontes documentais e nas publicações sobre
conhecimento tradicional associado de alguma forma às espécies pesquisadas.
Saberes e técnicas resultantes da experiência social, cultural e ambiental de
comunidades tradicionais ou grupos locais traduzem conhecimentos específicos sobre a
natureza das áreas em que estes grupos vivem, implicando na possibilidade de desvendar
novas informações sobre a biodiversidade e fontes de matéria-prima genética a partir destes
conhecimentos. Assim, muitos conhecimentos tradicionais sobre os recursos da
biodiversidade adquirem outro valor quando passam ao âmbito do mercado, transformados
pela possibilidade de lucro que representam para empresas e indústrias.
Analisando a tendência de busca, pela ciência-padrão (big science), de diálogos com
outras ciências, locais ou tradicionais, notadamente frente à questão das companhias
farmacêuticas em procura pelo conhecimento tradicional, a antropóloga Manuela Carneiro da
CUNHA (1998a) discute o aumento do interesse pelos produtos naturais motivado por
interesses econômicos, bem como a necessidade de valorização das ciências do tipo local
frente à riqueza constituída pela diversidade cultural, indicando também o caráter
diferenciado com que os conhecimentos tradicionais se processam, específicos a condições
próprias de produção de saber.
Durante muito tempo se dizia: no fundo, tanto faz, pode-se sintetizar em
laboratórios montes de produtos, com todas as combinações possíveis,
testando as propriedades dos compostos químicos. Só que alguém lembrou
que isso teve uma limitação evidente; ao passo que os produtos naturais de
certa forma têm uma gama maior de opções e já foram ‘testados’ para
funcionarem pelo menos para certas coisas pela sua própria evolução,
alguma funcionalidade eles têm, então nada os substitui. Segundo o diretor
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do Jardim Botânico de Nova York, multiplica-se por cinco a eficácia se
seguirmos o conhecimento tradicional. Isso é um ganho tão considerável...
Até que me provem o contrário, esse conhecimento tradicional continua
sendo um enorme capital (CUNHA, 1998a: 83).
Os usos comerciais dos recursos naturais brasileiros (cujo exemplo primordial, a
exploração do pau-brasil, remete à própria constituição do país) têm, assim, se sofisticado a
partir das inovações tecnológicas e do desenvolvimento da biotecnologia. A bioprospecção,
associada à biopirataria, indica ainda a possibilidade de aumentos significativos de produtos
derivados de recursos genéticos desenvolvidos para a mercantilização. O registro de patentes
de princípios ativos originários da flora brasileira por empresas estrangeiras vem acontecendo
de forma regular nos últimos anos, movimentando imensos montantes de recursos, apesar das
normas estipuladas pela Convenção sobre Diversidade Biológica.
Diversos produtos originários da biodiversidade amazônica já foram
patenteados por empresas estrangeiras. A questão ganhou destaque com o
cupuaçu, cuja marca e patente haviam sido depositados por empresas
japonesas interessadas na exploração de derivados da fruta. A pronta reação
do governo brasileiro reverteu o processo. Mas dezenas de outros produtos
da fauna e da flora brasileiras já estão patenteados no exterior por
laboratórios farmacêuticos transnacionais.
Estados Unidos, Japão, Inglaterra e França lideram a lista de países
detentores de patentes de produtos da flora amazônica (...) (Editorial da
Gazeta Mercantil publicado em 19/05/2004 152).
Os saberes e os conhecimentos medicinais populares, locais e tradicionais, fonte
constante para a produção farmacológica mundial, evocam discussões dos âmbitos culturais,
políticos, econômicos e éticos. Questões que envolvem os mecanismos e as formas de
aproximação, de utilização, de apropriação ou de pirataria de empresas e multinacionais sobre
conhecimentos locais e populares têm sido debatidas no mundo e no Brasil, notadamente
frente aos novos problemas contemporâneos e às discussões sobre propriedade intelectual nos
152 Disponível em http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=124120, acesso em 10 de
dezembro de 2005.
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mais diversificados âmbitos da produção cultural, científica ou tecnológica. Segundo Vandana
SHIVA (2001, p. 103)
Outro problema relacionado com a prospecção da biodiversidade é que as
coletas de material freqüentemente são realizadas como parte de uma troca
científica, em que entidades científicas têm ligação com as corporações.
No que se refere à busca dos etnoconhecimentos de populações tradicionais, os
processos crescentes de bioprospecção levantam questões sérias, a começar pelas éticas, sobre
a repartição equânime e justa dos ganhos e resultados. A antropóloga Manuela Carneiro da
CUNHA, discutindo os direitos de propriedade intelectual, comenta esse âmbito da busca de
inovação tecnológica ou industrial pelo mercado junto às comunidades tradicionais:
Cada vez mais companhias farmacêuticas e o Instituto Nacional do Câncer
dos EUA se interessam pela prospecção de recursos genéticos, provenientes
sobretudo de florestas tropicais. Constatou-se que, se as companhias
farmacêuticas seguirem as sugestões apontadas pelo conhecimento indígena,
a eficiência da pesquisa é quintuplicada (...) (CUNHA, 1998 b:95).
Povos indígenas desenvolveram um conhecimento que é valioso para a
produção. Tal conhecimento ainda não é remunerado ou compensado devido
à definição ocidental individualista de patentes. Seria mais do que elementar
justiça que fosse reconhecido ou compensado. Atualmente, tem-se ainda
uma ideologia de patrimônio da humanidade ou livre acesso, quando se trata
de populações indígenas, mas tem-se uma ideologia de propriedade privada
quando se trata das empresas (ibidem: 97).
Por outro lado, nas comunidades tradicionais ou locais, o processo de produção de
conhecimento e de pesquisa é contínuo, e acontece inserido numa rede de relações simbólicas
e sociais amplas, como parte de uma cultura viva. CUNHA153, apontando para a necessidade
de valorização das ciências do tipo local e para a riqueza que a diversidade cultural se
constitui, indica também o caráter diferenciado com que os conhecimentos tradicionais se
processam, específicos a condições próprias de produção de saber:
Acredito que uma das coisas importantes que os antropólogos trouxeram
para essa discussão é que não existe um acervo cultural no sentido de um
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data-base, um conjunto de informações fixas. Existe um conhecimento que
está sempre se produzindo e avançando. (...) Não existe uma educação
formal para esse tipo de conhecimento, cada um tem o seu talento, o seu
interesse. (...) O importante é manter a possibilidade dessas experiências,
pois, de certa forma, esses grupos locais formam um batalhão de
pesquisadores (CUNHA, 1998a: 82).
Coloca-se em questão, além de outros aspectos éticos, a repartição equânime dos lucros
oriundos dos produtos resultantes destes processos, em que o conhecimento tradicional é
submetido posteriormente a tecnologias de ponta.
Outras questões também podem ser pensadas, como a que se refere ao pertencimento
dos conhecimentos locais. Sendo os conhecimentos tradicionais saberes de domínio coletivo,
frutos de tradições culturais locais e de atividades coletivas, que são transmitidos oralmente
ou pela experimentação empírica da vida cotidiana peculiar e característica de cada
comunidade, é difícil precisar os limites de propriedade deste ou daquele conhecimento, uma
vez que estão dispersos por vários grupos semelhantes.
Por outro lado, este tipo de discussão nem sempre faz sentido para os membros das
comunidades locais, indígenas ou tradicionais, pois envolvem conceitos e paradigmas que não
fazem parte do arcabouço conceitual de suas culturas. E conceitos e noções de outro universo
epistemológico resultam sendo impostos para discussão em situação desigual. Temas como
patentes, propriedade sobre conhecimentos ou elementos da natureza, bioprospecção,
marcas, uso de imagem etc. são de difícil assimilação por pessoas e grupos que não estão
familiarizados com a sociedade mercantilizada.
Questões como estas evidenciam a amplitude da temática, que, além de âmbitos
epistemológicos, científicos, tecnológicos, medicinais, farmacêuticos, ecológicos, ambientais
e sociológicos, assume uma imensa dimensão econômica, ética, política e institucional,
envolvendo importantes reflexões sobre a defesa dos direitos intelectuais desses grupos locais
ou tradicionais, frente aos imensos interesses comerciais existentes.
153 Cf. entrevista publicada na revista Sexta-Feira, 1998 a.
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Toda cultura é feita de empréstimos, adaptações, interpretações e de diálogos com
outros grupos culturais. Entretanto, a mercantilização contemporânea da vida, atingindo várias
dimensões e esferas da sociedade, resulta no estabelecimento de relações desiguais nos
processos de busca de técnicas, saberes e conhecimentos desenvolvidos localmente por
grupos culturais específicos. Enquanto, por um lado, grupos locais cedem ou doam
informações e conhecimentos sobre plantas e outros elementos da biodiversidade utilizados,
com base na tradição oral, há gerações, para os cuidados do corpo e da saúde, por outro lado,
empresas e indústrias se apossam duplamente das informações e da natureza, estabelecendose
como donos, registrando patentes e princípios ativos, transformando tudo em mercadoria.
Diferente da antropofagia ritual dos tupinambás, que devoravam seus inimigos para a
incorporação de seus atributos morais e espirituais, os atuais “devoradores” dos
conhecimentos e dos saberes indígenas costumam eliminar completamente a quem devora,
numa relação desigual de força e poder. Não é sob a égide do respeito às diferenças ou sob o
ponto de vista antropológico da busca de compreensão das alteridades culturais que muitos
agentes representativos do mercado e do padrão hegemônico se voltam para os conhecimentos
tradicionais ou populares. Ao contrário, evidencia-se claramente que as motivações desta
busca contemporânea de diálogo e tradução são as mesmas que alimentam o mercado e o
contínuo crescimento da civilização ocidental, desde seus primórdios até suas conseqüências
críticas contemporâneas: o lucro e os interesses econômicos privados.
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4.3. PLANTAS COM USO TERAPÊUTICO NO BRASIL
4.3.1. Dos Usos e das Terapias com Plantas: o exemplo do Projeto Farmácias Vivas
O uso familiar ou popular de ervas e plantas medicinais é uma prática recorrente nas
diversas regiões e tradições culturais locais do Brasil. Geralmente cultivadas em jardins e
quintais, estas plantas e suas formas de utilização são conhecidas pelas pessoas a partir de
informações transmitidas oralmente, às vezes de geração para geração, outras vezes por
prescrições de amigos, conhecidos, ou mesmo profissionais de saúde. Não são levadas em
conta, nestes usos, aferições científicas sobre a validade das utilizações, legitimações
metodológicas baseadas em princípios-ativos, sequer opiniões formais sobre as práticas: usase,
e pronto.
A inclusão da perspectiva simbólica nos processos de cura por meio destas terapêuticas
não exclui a possibilidade de uma atuação efetiva dos princípios ativos relacionados a cada
folha, flor, fruto, caule ou raiz utilizada. Reconhecendo a efetiva validade destes usos mais
tradicionais que se baseiam em outra lógica que não a da ciência padrão, não se exclui,
entretanto, a possibilidade de uma atuação afetiva ou espiritual das práticas medicinais
fitoterápicas brasileiras, em paralelo com a eficácia da ação terapêutica das plantas
propriamente dita. Ao contrário, as atuações simbólicas envolvidas nos procedimentos de cura
que utilizam plantas e outros elementos da natureza são reconhecidas como importantes para
os processos que geram uma melhoria no estado de saúde das pessoas, incluídas em suas
relações com a cultura, o ambiente e a comunidade.
O sistema de saúde pública no Brasil não dispõe, para a população, uma efetiva
assistência farmacêutica que seja capaz de suprir as necessidades reais de medicamentos,
problema ainda mais grave nas regiões norte e nordeste do país (MATOS, 2002). Os
processos de descentralização da saúde pública levaram, aos municípios que atingiram a
gestão plena da saúde, uma maior autonomia no planejamento das ações e na implantação de
novos projetos ou programas, criando também a possibilidade de uma maior aproximação
com as tradições locais e as práticas tradicionais de tratamento e cuidado com o corpo.
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176
Muitos programas de fitoterapia desenvolvidos atualmente no sistema público de saúde
estão vinculados ao Programa de Saúde de Família (PSF). Mais contemporâneamente, após a
promulgação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS e da
Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (em 2006), novas experiências de
ações e projetos têm sido planejadas e desenvolvidas, voltadas para a incorporação de
práticas medicinais tradicionais ou complementares, inclusive com o uso de plantas
medicinais.
Por outro lado, nas últimas décadas, várias experiências locais de projetos ou programas
de saúde com ênfase em práticas alternativas ou complementares podem ser encontradas em
todo o Brasil, sejam no âmbito estadual ou municipal. A discussão e a análise de alguns deles
podem servir de subsídio e de exemplo para o planejamento de novas experiências que se
pretenda implantar.
Para a proposição de programas ou de projetos mais amplos, filiados a instituições de
pesquisa, do governo ou da sociedade civil, reconhece-se a necessidade do estabelecimento de
práticas seguras que garantam a qualidade dos produtos fitoterápicos, em todas as etapas
envolvidas nos procedimentos de preparo e uso.
São muitos, portanto, os projetos que envolvem o uso da fitoterapia em todo o Brasil. E
este tipo de projeto apresenta uma forte tendência ao crescimento a partir do incremento que
representa a promulgação da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Tomase,
aqui, o exemplo do Projeto Farmácias Vivas, um projeto de apoio social ao
desenvolvimento de hortos medicinais e farmácias fitoterápicas, que busca validar a planta
medicinal do povo para o povo, criado na Universidade Federal do Ceará, apoiado pela
FUNCAP/CE154, pelo Royal Botanic Gardens de Kew (UK) e por outras instituições que
firmaram parcerias ao longo do seu percurso. O Projeto foi visitado, em Fortaleza, durante a
pesquisa de campo desenvolvida em julho de 2005, onde foram realizadas algumas reuniões
com o Prof. Dr. Francisco José de Abreu Matos (fig. 33), seu idealizador e fundador.
A utilização de plantas medicinais nos programas de atenção primária
de saúde pode se constituir numa forma muito útil de alternativa
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177
terapêutica, por sua eficácia aliada a um baixo custo operacional, dada
a relativa facilidade para aquisição das plantas e compatibilidade
cultural com a população atendida. (MATOS, 2002: p. 13)
A trajetória do Projeto Farmácias Vivas (fig. 34) justifica, por si só, a escolha deste
projeto como exemplo, por se configurar como uma referência nacional consolidada desde
1985, numa experiência efetiva de mais de 20 anos de percurso. O Projeto, idealizado,
planejado, estruturado e criado pela emblemática figura do Prof. Dr. Francisco José de Abreu
Matos - pesquisador e professor emérito da Universidade Federal do Ceará - direciona-se para
a saúde pública, constituindo-se também como um exemplo de articulação bem sucedida entre
a universidade, os institutos de pesquisa, as instâncias governamentais e a sociedade civil,
estabelecendo trocas empíricas e científicas. Após aposentar-se como professor da UFC, e
diante da realidade local - em que cerca de 80% da população cearense não tinha recursos
para a compra de medicamentos e se tratava com plantas medicinais -, o Prof. Matos, com
base em seus trabalhos e pesquisas desenvolvidas na UFC por muitos anos, planejou uma
forma de traduzir as pesquisas universitárias de Farmacologia, Botânica e Química Orgânica
numa efetiva assistência farmacêutica que respaldasse o uso de plantas medicinais para a
melhoria da saúde das pessoas, arquitetando assim o Projeto Farmácias Vivas, que tem como
uma das suas marcas distintivas a preocupação em utilizar plantas validadas cientificamente:
154 Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico Tecnológico.
Figuras 33 - Prof. Francisco Matos e
Figura 34 - Entrada do Horto de Plantas Medicinais, do Projeto Farmácias Vivas (UFC). Forlaleza, 2005,
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178
Com a designação de Farmácias Vivas, o autor procura distinguir o tipo
de horta onde se cultivam plantas cientificamente validadas como
medicinais, daquelas que trabalham com plantas de uso empírico ainda
sujeitas a validação científica (MATOS, 2002: p. 16) (grifo nosso).
Sua adoção resguardará as autoridades sanitárias quanto à correção do
programa instalado, permitindo distingui-lo de outros mais comuns,
geralmente organizados sobre base empírica, onde a seleção das plantas
é feita pela simples incorporadora do receituário caseiro e dos raizeiros,
sem nenhuma avaliação prévia das reais propriedades das plantas
(ibidem: p.14).
O desenvolvimento do Projeto Farmácias Vivas deu-se por etapas, que incluíram amplas
pesquisas sobre as plantas utilizadas empiricamente pelas populações do Nordeste para
solução de seus problemas de saúde, listando-se mais de 500 plantas, algumas delas sendo
submetidas a exames comprobatórios, gerando a seleção de cerca de 70 espécies para o uso no
Projeto. A seleção das espécies a serem utilizadas no Projeto foi feita a partir das informações
científicas, o que se desdobrou posteriormente em pesquisas para a captação e geração de
informações sobre o uso correto das plantas, além dos processos ligados à produção de
mudas, formas de plantio e sistematização dos hortos, num processo contínuo de pesquisa. A
sistematização posterior inclui também etapas ligadas à preparação e à distribuição de mudas
para novas “farmácias vivas”, além de oficinas farmacêuticas que permitam a produção de
remédios no local.
O Projeto Farmácias Vivas vem realizando constantemente a seleção das
espécies, através da captação e geração de informações sobre o uso
correto das plantas; de coleta de plantas medicinais no campo para
introdução no Horto, identificação taxionômica, domesticação e
produção de material para estudo experimental e de mudas; treinamento
de pessoal de primeiro, segundo e terceiro graus, nas áreas agronômicas
e farmacêuticas, além da instalação de hortas medicinais
complementadas pelas oficinas farmacêuticas, de nível artesanal ou
farmacotécnico, nas comunidades privadas ou governamentais
interessadas (...) (ibidem: p.17).
O efetivo desenvolvimento do Projeto dá-se por meio de atividades que, além das já
mencionadas, constam também de prestação de assessoria técnico-científica para a
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179
implementação de Farmácias Vivas em novas comunidades que optem pela inclusão da
fitoterapia científica em seu arsenal terapêutico (ibidem: 25). Para uma adequada instalação,
é necessário que se garanta, além do permanente apoio técnico-científico, uma infra-estrutura
local, assim sistematizada pela literatura do Projeto (ibidem: p.26):
Quadro-Síntese 1 - Infra-Estrutura de Apoio Técnico-científico às Farmácias Vivas
Item 1 Instalação de um banco de dados computadorizado, organizado com os registros de
estudos científicos sobre plantas medicinais regionais, realizados localmente ou em
instituições nacionais ou estrangeiras, compreendendo as áreas de botânica,
farmacologia, agronomia, farmacognosia e fitoterapia.
Item 2 Organização de um banco de dados de informações populares, de natureza etnobotânica
ou etnofarmacológica, sobre as plantas medicinais mais utilizadas na região, de modo a
permitir a determinação de quais plantas têm maior freqüência e coerência de uso ao
longo de muitos anos da região.
Item 3 Montagem de um jardim de plantas medicinais organizado para funcionar como hortomatriz,
destinado ao cultivo de exemplares da flora regional e das espécies exóticas
aclimatadas, especialmente daquelas selecionadas do programa. Deve ser dotado de
condições adequadas para permitir seu auto-desenvolvimento e para fornecer mudas para
outros jardins organizados na forma de hortos padronizados ou farmácias vivas.
Obs.: O horto-matriz serve, também, como local de apoio ao desenvolvimento de
atividades didáticas e de investigação e, além disso, para fornecer biomassa de plantas
para estudos botânicos, químicos e farmacológicos na própria instituição a que está
vinculado.
Item 4 Criação de um serviço de intercâmbio de informações com outros grupos que exerçam
atividades afins, relacionadas com o tema: plantas medicinais, compreendendo os campos
da botânica, especialmente quanto aos herbários da farmacognosia, da química e da
farmacologia de produtos naturais, da fitotecnia e da farmacotécnica.
Item 5 Criação de um serviço de divulgação dos dados, de fácil acesso, que permita ao usuário
reconhecer visualmente as plantas e tomar conhecimento de suas propriedades
medicinais. Este serviço deve ser organizado de modo a induzir o uso correto das plantas
e desestimular a automedicação e uso das práticas populares de saúde consideradas
ineficientes e perigosas.
(Fonte: MATOS, 2002: p. 26-27)
Além destes aspectos, a implementação do Farmácias Vivas numa comunidade requer a
efetiva participação de três categorias de profissionais, que desenvolverão atividades de
maneira articulada e complementar: um médico fitoterapeuta, um farmacêutico e um
agrônomo. Estes, considerando-se suas especificidades técnicas, podem exercer suas funções
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180
também a partir de uma supervisão técnica dos trabalhos e procedimentos, contando-se com
equipes de profissionais, como enfermeiros, agentes de saúde, técnicos de farmácia, técnicos
agrícolas e jardineiros, que sejam capazes de assumir as respectivas responsabilidades a
serem transferidas sob regime de trabalho orientado (cf. MATOS, 2002: p.28). Tais
flexibilizações respondem também às realidades locais de cada uma das comunidades que
pretendam implementar o projeto.
A consultoria prestada pela equipe do Projeto Farmácias Vivas tanto está voltada para
as orientações técnicas necessárias à implantação quanto para o desenvolvimento de oficinas,
treinamento e demais orientações que possibilitem o posterior funcionamento de cada unidade
local com autonomia de gestão e funcionamento. O controle de qualidade dos produtos do
Projeto pressupõe um controle geral de todas as etapas dos processos envolvidos,
correspondentes a: controle do plantio (mudas e sementes de boa origem, utilização de
espécies medicinais com comprovação científica, cuidados gerais com a horta etc.) (figs. 35 a
38); da coleta; da preparação preliminar (separação adequada das partes das plantas utilizadas
– folhas, cascas, raízes, látex, sumo ou sementes -, cuidados higiênicos em geral e na
secagem, cuidados no armazenamento etc.) e, enfim, controle do produto final, seja ele a
planta devidamente datada e rotulada, sejam outros tipos de preparos farmacêuticos.
Figuras 35 e 36 - Horto de Plantas Medicinais, do Projeto Farmácias Vivas.
Fortaleza, 2005, fotos da pesquisa de campo.
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181
As formas de utilização das plantas medicinais são: aluás (bebidas fermentadas);
cataplasmas; chás (preparados por infusão, decocção, cozimento, maceração ou inalação);
infusos; lambedores ou xaropes; maceração; pós; sinapsismos (cataplasmas especiais); tintura;
tisanas e vinhos medicinais. Cada uma destas formas de uso segue uma orientação específica
de acordo com a finalidade, a planta, enfim, a adequação do uso. O Projeto Farmácias Vivas,
além de oferecer treinamento de uso e preparo, também dispõe de publicações que descrevem
as plantas, as partes utilizadas, as propriedades e os modos de usar (cf. MATOS, 2002). Após
as extensas pesquisas sobre as plantas medicinais do Nordeste e com dados de trabalhos
experimentais realizados na Universidade Federal do Ceará por grupos ligados a vários
setores e disciplinas (botânica taxionômica, química, farmacologia etc.), foram selecionadas
as seguintes espécies para uso regular no Projeto, todas devidamente testadas em seus
princípios ativos e com ação medicinal cientificamente comprovada.
Quadro-Síntese 2 - Projeto Farmácias-Vivas
Plantas validadas como medicinais para as Farmácias-Vivas do Nordeste do Brasil.
Açafroa
(Curcuma longa L.)
Acerola
(Malpighia glabra L.)
Agrião-bravo
(Acmella uliginosa) (Sw.) Cass.
Agrião-do-brejo
(Eclipta próstata) (L) L.
Alecrim
(Rosmarinus officinalis L.)
Alecrim-da-chapada (para o Piauí)
(Lippia gracillis H.B.K.)
Alecrim-do-tabuleiro (para o Ceará)
(Lippia microphylla Cham.)
Alecrim-do-vaqueiro (para a Bahia)
(Lippia aff. gracillis H.B.K.)
Alecrim-pimenta
(Lippia sidoides Cham.)
Alfavaca-cravo
(Ocimum gratissimum L.)
Figuras 37 e 38-
Horto de
Plantas
Medicinais, do
Projeto
Farmácias
Vivas.
Fortaleza, 2005,
fotos da
pesquisa de
campo.
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182
Alho
(Allium sativum L.)
Aroeira-da-praia
(Schinus terebinthifolius Raddi)
Aroeira-do-sertão
(Myracrodruom urundeuva Allemão)
Babosa
(Aloe vera (L.) Burm. f.)
Batata-de-purga (amarela)
(Operculina alata (Ham.) Urban.)
Batata-de-purga (branca)
(Operculina macrocarpa (L.) Farwel.)
Boldo-do-chile
(Peumus boldus Molina)
Cajazeira
(Spondias mombin L.)
Cajueiro
(Anacardium occidentale L.)
Camomila
(Chamomilla recutita L.)
Capim-santo
(Cymbopogon citratus Stapf.)
Chá-do-rio
(Capraria biflora L.)
Chambá
(Justicia pectoralis var. stenophylla Leon)
Chá-preto
(Camellia sinensis) (l.) O. Kuntze
Cideira-Brava
(Lippia alba (Mill.) N.E.Brown) tipo1
Cideira-carmelitana
(Lippia alba (Mill.) N.E.Brown) tipo 2
Cideira-comum
(Lippia alba (Mill.) N.E.Brown) tipo3
Coirama
(Kalanchoe brasilensis Camb. e afins)
Colônia
(Alpinia zerumbert (Pers.) Burtt. Et Smith)
Confrei
(Symphytum afficinale L.)
Cumaru
(Amburana cearensis (Allemão) A.C.Smith)
Estramônio-branco
(Datura stramonium L.)
Estramônio-bravo
(Datura inoxia L.)
Estramônio-roxo
(Datura stramonium var. tatula Moor.)
Eucalipto-medicinal
(Eucalyptus tereticornis Smith)
Gengibre
(Zingiber officinalis Roscoe)
Goiabeira-Vermelha
(Psidium guajava L. var. pomifera)
Guaco
(Mikania glomerata Spreng.)
Hortelã-japonesa
(Mentha arvensis L.)
Hortelã-pimenta
(Mentha X piperita L.)
Hortelã-rasteira
(Mentha X villosa Huds.)
Juazeiro
(Ziziphus joazeiro Mart.)
Macela-da-serra
(Tanacetum parthenium(L.) Sch. Bip.)
Macela-da-terra
(Eglates viscosa (L.) Less.)
Malvariço
(Plectranthus amboinicus (Lour.) Andr.)
Malva-santa
(Plectranthus barbatus Andr.)
Maracujá
(Passiflora edulis Sims.)
Mastruço
(Chenopodium ambrosioides L.)
Melão-de-são-caetano
(Momordica charantia L.)
Mestrasto (tipo vegetativo)
(Agerantum conyzoides L.)
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Moringa
(Moringa oleifera Lam.)
Mororó
(Bahuhinia forficata L.)
Mororó
(Bahuhinia ungulata L.)
Mostarda
(Brassica integrifoloa O.E.Schultz.)
Pau-d’arco-amarelo
(Tabebuia serratifolia Vahl.)
Pau-d’arco-roxo
(Tabebuia avenllanedea L.)
Pimenta-dos-monges
(Vitex-agnus castus L.)
Poejo (folha)
(Mentha pulegium L.)
Quebra-pedra
(Phyllanthus amarus Schum. et Thorn.)
Romã
(Punica granatum L.)
Sene
(Senna alexandrina P. Miller.)
Tomate
(Lycopersicum esculentum L.)
Torém
(Cecropia pachystachya Trec.)
Vassourinha
(Scoparia dulcis L.)
(Fonte: MATOS, 2002: p. 42-43)
Quadro-Síntese 3 - Projeto Farmácias-Vivas
Indicações Terapêuticas das Plantas Medicinais Utilizadas no Projeto Farmácias Vivas
Açúcar na
Urina
mororó, mororó, mororó-deespinho,
vassorinha
Aftas cajazeira, romã
Ameba hortelã-rasteira, goiabeiravermelha
Asma chambá, cumaru, guaco
Azia aroeira, malva-santa Boca
(inflamação)
aroeira, goiabeira, mororó,
romã
Câimbra de
sangue
hortelã-rasteira, goiabeiravermelha
Gripe
(tosse)
alecrim-do-tabuleiro, chambá,
cumaru, eucalipto-medicinal,
eucalipto-medicinal do
nordeste, guaco
Caspa alecrim-de-vaqueiro, alecrim-dotabuleiro,
alecrim-pimenta,
babosa, juazeiro
Catarro no
peito
alecrim-do-tabuleiro, chambé,
cidreira-da-terra, cumaru,
eucalipto-medicinal, eucaliptomedicinal
do nordeste, guaco
Chulé alecrim-de-vaqueiro, alecrim-dotabuleiro,
alecrim-pimenta,
eucalipto-limão
Colesterol alto açafroa, alho, aroeira,
mororó, mororó-de-espinho,
tomate vassourinha
Cólica
Menstrual
chambá, mentrasto Cólicas camomila, chambá, cidreiracarmelitana,
hortelã-rasteira,
menstrato, macela-do-reino
Coruba alecrim-de-vaqueiro, alecrim-dachapada,
alecrim-pimenta
Corrimento aroeira, hortelã-rasteira,
giabeira-vermelha
Dentes alecrim-de-vaqueiro, alecrim-dachapada,
alecrim-pimenta,
juazeiro
Desinfetante
local
alecrim-de-vaqueiro, alecrimda-
chapada, alecrim-pimenta,
eucalipto-limão, mastruço
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184
Diarréia chá-preto, goabeira-vermelha,
macela-da-terra
Diarréia com
sangue
goiabeira, hortelã-rasteira
Doenças
freqüentes
acerola, agrião-do-brejo Dor de barriga camomila, capim-santo,
cidreira-carmelitana,
estramônio, estramônio-roxo,
macela-da-terra
Dor de
cabeça
camomila, hortelã-japonesa,
macela-do-reino
Dor de dente agrião-bravo
Dor de
garganta
alvafaca-cravo, gengibre,
malvariço, romã
Dor nas juntas açafroa, copaíba,
mentrasto
Dor nos
quadris
açafroa, copaíba,
mentrasto
Dor nos seios pimenta-dos-monges
Dores
reumáticas
açafroa, copaíba,
mentrasto
Eczema alecrim-pimenta, alecrim-dachapada,
alecrim-detabuleiro,
aroeira, copaíba
Enxaqueca camomila, macela-do-reino Espinhas alecrim-de-vaqueiro, alecrimde-
tabuleiro, alecrim-pimenta
Ferida braba coirama-vermelha Feridas alecrim-de-vaqueiro, alecrimda-
chapada, alecrim-detabuleiro,
alecrim-pimenta,
alho, babosa, juazeiro, chádo-
rio, moringa
Ferimentos alecrim-de-vaqueiro, alecrim-dachapada,
alecrim-pimenta,
alfavaca-cravo, chá-do-rio,
copaíba, eucalipto-limão,
mastruço
Frieira alecrim-pimenta, alecrim-dachapada,
alecrim-dotabuleiro,
hortelã-pimenta
Fígado açafroa, agrião-do-brejo, boldodo-
chile, quebra-pedra
Garganta
(inflamação)
alecrim-pimenta, aroeira,
mororó, romã
Gases alecrim-do-sul, camomila,
cidreira-carmelitana, gengibre,
hortelã-pimenta, hortelã-rasteira,
macela-da-terra, macela-do-reino,
poejo
Gastrite aroeira, coraima, malva-santa
Gengivas
(inflamação)
aroeira, mororó, romã Giárdia hortelã-rasteira, goiabeiravermelha
Gota quebra-pedra Gripe acerola, alecrim-de-tabuleiro,
chambá, cumaru, eucaliptomedicinal,
eucaliptomedicinal-
do-nordeste, guaco
Homorróidas aroeira, copaíba Herpes genital romã, cajazeira
Herpes
labial
romã, cajazeira Impigem alecrim-da-chapara, alecrimde-
vaqueiro, alecrim-pimenta,
eucalipto-limão, hortelãpimaneta,
tomate
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Infecções acerola, agrião-do-brejo Inflamação nas
partes
aroeira, cajazeira, mororó,
romã
Inflamações
internas
açafroa, coirama, mentrasto, paudárco-
amarelo, pau-dárco-roxo
Insônia capim-santo, colônia,
cidreira-carmelitana,
maracujá
Mal-estar no
estômago
açafroa, camomila, cidreira,
gengibre, hortelã-rasteira,
macela-da-terra, macela-do-reino,
malva-santa
Mau hálito alfavaca, alecrim-pimenta,
alecrim-da-chapada, alecrimde-
tabuleiro
Menstruação
escassa
poejo, pimenta-dos-monges Nervoso capim-santo, colônia,
cidreira-brava, cidreiracarmelitana
Pedra na
vesícula
boldo-do-chile Pedra nos rins quebra-pedra
Piado no
peito
chambá, cumaru, guaco,
eucalipto-medicinal
Pressão alta torém, toré-do-nordeste,
colônia
Prisão de
ventre
babosa, batata-de-purga
(amarela), batata-de-purga
(branca), sena
Queimaduras aroeira, babosa, coirama,
confrei, pau-dárco-amarelo,
pau-dárco-roxo
Raladura no
útero
aroeira, pau-dárco Respiração
presa
chambá, cumaru, guaco,
eucalipto-medicinal
Sarna alecrim-pimenta, alecrim-dachapada,
alecrim-de-tabuleiro
Suvaqueira alecrim-pimenta, alecrim-dachapada,
alecrim-de-tabuleiro
Tendinite açafroa, copaíba, mentrasto Tensão prémenstrual
pimenta-dos-monges
Tosse
(gripe)
alecrim-do-tabuleiro, chambá,
cumaru, eucalipto-medicinal,
eucalipto-medicinal-do-nordeste,
guaco
Tricomonas hortelã-rasteira
Tumores coraima, mavariço Vaginite aroeira, pau-dárco
Vermelha alecrim-pimenta, alecrim-dachapada,
alecrim-de-tabuleiro,
aroeira, copaíba
Vesícula açafroa, boldo-do-chile
Vesícula
preguiçosa
boldo-do-chile
(Fonte: MATOS, 2002: p. 263-267)
No Horto de Plantas Medicinais Prof. Francisco José de Abreu Matos da UFC,
localizado no campus da Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza, são produzidas mudas
das plantas medicinais que serão repassadas às hortas comunitárias (figs. 35 a 43). Dentre as
plantas utilizadas na produção de medicamentos fitoterápicos pelo Projeto, o Prof. Matos
destaca o fato de que uma série de apenas um pequeno número delas já pode ser capaz de
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186
solucionar cerca de 80% das doenças mais comuns nas comunidades, com um custo bem
mais baixo que o medicamento industrializado155.
A transformação das plantas medicinais em medicamentos para distribuição também se
dá no âmbito do Projeto Farmácias Vivas. Os medicamentos fitoterápicos são preparados, sob
a supervisão de um farmacêutico especificamente treinado, em laboratórios que produzem
xaropes, tinturas, cápsulas, chás etc.
Comentando a qualidade dos fitomedicamentos produzidos, Dr. Matos156 destaca o
elevado poder anti-séptico da tintura e do sabonete líquido de alecrim-pimenta (Lippia
sidoides) e a grande eficácia do creme vaginal de aroeira-do-sertão (Myracrodruom
urundeuva), usado com muito sucesso no tratamento de cervicite e cervicovaginite, inclusive
em pacientes com problemas crônicos que não conseguiram se curar com outros
medicamentos. Cita ainda o elixir de aroeira que, no tratamento da gastrite e da úlcera
155 Cf. entrevista com o Professor Matos, disponível em http://www.prppg.ufc.br/conhecendo/edicao2.pdf .
156 Dados da pesquisa de campo. Julho de 2005, campus da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.
Figuras 39 a 43 -
Espécies
Medicinais no
Horto de Plantas
Medicinais, do
Projeto
Farmácias
Vivas.
Forlaleza, 2005,
fotos da pesquisa
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187
gástrica, tem ação semelhante às preparações de espinheira-santa, e as cápsulas de hortelãrasteira
(Menthax villosa) medicamento eficaz contra amebíase, giardíase e tricomoníase.
O município de Maracanaú (CE) foi o primeiro a implantar o Programa Farmácias
Vivas no sistema público de saúde, contando com uma estrutura composta por um horto de
plantas medicinais (com 40 canteiros) e um laboratório de manipulação e produção dos
medicamentos fitoterápicos, onde são produzidos 15 tipos de remédios (cf. SILVA et alli,
2006). Como forma de exemplificar os medicamentos fitoterápicos que são produzidos nas
unidades do Projeto Farmácias Vivas, utilizamos o quadro abaixo, que apresenta uma síntese
dos medicamentos produzidos pelo Projeto no município de Maracanaú.
Quadro-Síntese 4 - Medicamentos Fitoterápicos produzidos no município de Maracanaú
(CE) / Implantação local do Projeto Farmácias Vivas
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188
(Fonte: SILVA et alli, 2006: p. 263-267).
Desde o seu início, o Projeto Farmácias Vivas já foi implantado em 42 municípios
cearenses e em seis outros estados brasileiros157. Segundo o Prof. Matos158, o êxito e o bom
funcionamento de cada uma das unidades implementadas estão atrelados às realidades locais,
dependendo, em muito, das decisões políticas e dos suportes técnico-administrativos
necessários à manutenção e à gestão efetiva. Por exemplo, dentre os 42 municípios cearenses
157 Rio Grande do Norte, Paraíba, Piauí, Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro.
158 Caderno de pesquisa de campo, Fortaleza, 17 de julho de 2005.
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189
que implementaram o Projeto, apenas em 20 deles o funcionamento deu-se de maneira
satisfatória após um determinado período. A continuidade e o bom funcionamento das
“Farmácias-Vivas” implantadas dependem dos contextos locais, enfrentando problemas
clássicos das políticas públicas sociais na realidade brasileira, como as alterações decorrentes
das mudanças de governo, as dificuldades econômicas e orçamentárias, a falta de um corpo
técnico estável que dê suporte aos projetos em longo prazo, a descontinuidade dos projetos
sociais, subalternos às utilizações políticas de um ou outro grupo que esteja no poder, dentre
outras questões.
O êxito de um programa inovador como este depende, no entanto, da
firme decisão política de adotá-lo e garantir-lhe o desenvolvimento,
através de um planejamento que lhe garanta a implantação das
condições necessárias a seu funcionamento correto (MATOS, 2002:
p.14).
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190
4.3.2. Sobre a Elaboração de Um Catálogo de Plantas Terapêuticas
Como forma de apresentar um exemplo maior da diversidade biológica presente nas
tradições medicinais do povo brasileiro, foi elaborado um catálogo com cerca de quinhentas
plantas de uso terapêutico no Brasil, partindo-se de fontes biliográficas publicadas. Visando a
uma sistematização das informações disponíveis em livros de referência sobre as plantas, o
catálogo é organizado a partir da nomenclatura científica, incluindo-se as demais
nomenclaturas como forma de identificação (nomes populares e nomes iorubanos, quando
ocorrem). A cada planta são relacionados também os usos rituais, quando referenciados pela
bibliografia básica de pesquisa.
Não se pretende divulgar novos conhecimentos de etnobotânica, tendo-se o cuidado de
utilizar apenas fontes já publicadas e de reconhecido valor acadêmico; primeiro porque este
não é o propósito nem o objeto desta pesquisa, e depois porque tal divulgação poderia vir a
constituir uma fonte para apropriações mercantilizadas dos saberes tradicionais. Chamamos a
atenção para o fato de que, durante a pesquisa e o levantamento de dados, comprovou-se
haver uma imensa disponibilidade de informações sobre plantas medicinais e rituais na
internet, inclusive sobre novos usos e pesquisas em curso. Entretanto, pelos motivos acima
expostos, optou-se pela não utilização destes dados na formulação do catálogo. Não se
pretende, também, estabelecer nenhum receituário da farmacopéia do povo brasileiro, sequer
algum guia para automedicação ou para a utilização empírica destas plantas. Antes, se
expressa aqui o reconhecimento dos riscos que podem advir da utilização não referenciada
pelos contextos e tradições locais de uso.
Este catálogo é construído como evidência maior da riqueza e da diversidade envolvidas
nas interações entre cultura e natureza nas relações do povo brasileiro com a saúde e o corpo,
e como um convite a uma viagem ao mundo das plantas e sua imensa possibilidade de
existência conjunta com os seres humanos, mantidos os princípios do respeito e da proteção à
vida.
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4.3.2. Um Catálogo de Plantas com Uso Terapêutico no Brasil
Abrus precatorius L. (Ocorre no Brasil) - Considerada abortiva e afrodisíaca, usada como
antibiótica, diurética, emética, expectorante, febrífuga, hemostática, laxativa,
refrigerante, sedativa e vermífuga. Sementes tóxicas. Nomes populares: jequiriti; olhode-
cabra; tento-miúdo. Nome no candomblé: wérénjéjé. Orixás: Ossaim e Exu. Uso
ritual: oró de iniciação de todos os filhos de santo, para afastar pessoas negativas
(sementes).
Acanthospermum australe (Loefl.) Kuntze (Origem: América tropical) - Usada contra
anemia, erisipela, problemas urinários, tosse, dores, afecções febris, bronquite,
dispepsia e diarréia. Em banho, contra dores lombares, renais ou musculares, úlceras,
feridas e micoses. Nomes populares: amor-de-negro; mata-pasto; picão-da-praia;
maroto; carrapichinho.
Acanthospermum hispidum D.C. (Origem: América tropical) - Usada contra tosse, bronquite,
moléstia do fígado e diarréia. Nomes populares: carrapicho-rasteiro; espinho-decarneiro;
carrapicho-de-carneiro; chifre-de-veado; espinho-de-cigano; benzinho;
maroto; cabeça-de-boi; retirante; federação. Nome no candomblé: dágunró. Orixás:
Oxossi e Exu. Uso ritual: composição e sacralização de objetos rituais.
Achillea millefolium L. (Origem: Europa) - Usada desde a Idade Média. Considerada diurética,
antiinflamatória, antiespasmódica e cicatrizante, usada contra infecção respiratória,
indisposição, astenia, gases, diarréia, febres e gota. Em uso externo, contra hemorróidas,
contusões, doenças de pele, feridas, dores musculares. Nomes populares: mil-folhas;
atroveran; erva-de-carpinteiro; macelão; milefólio; mil-folhada; novalgina.
Achras sapota L. (Origem: México e América Central) - Usada como repositora de energia.
Sementes trituradas contra afecções renais e cascas contra diarréria, febre e verminose.
Nomes populares: sapotizeiro, sapodilho, sapota, sapotilha, sapotilheiro. Nome no
candomblé: nekigbé. Orixá: Ibeije. Uso ritual: oferenda ritual.
Achyrocline satureioides (Lam.) DC. (Origem: Brasil) - Usada contra problemas gástricos,
epilepsia, cólicas de origem nervosa, diarréias, espasmos, disenterias e como
antiinflamatória, analgésica e digestiva. Em uso externo, contra reumatismo, nevralgias,
cólicasdores articulares e musculares. Nomes populares: macela; camomila-nacional;
losna-do-mato; macela-amarela; paina.
Acmella oleracea (L.) R.K.Jansen (Origem: Amazônia) - Usada para tratar problemas da boca
e garganta, tuberculose e litíase pulmonar. Considerada anestésica e aperiente.
Empregado contra anemia, escorbuto, dispepsia e como estimulante da atividade
estomáquica. Nomes populares: agrião-do-pará; jambu.
Acmella uliginosa S(W.) Cass. (Origem: América tropical) - Usada como remédio popular
tradicional contra dor-de-dentes e ferimentos na boca. Nomes populares: agrião-bravo;
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jambu-pequeno.
Adansonia digitata L. e Bertholletia excelsa H.B.K. (Origem: África) - Usadas contra
inflamações purulentas e moléstias de fígado. Nomes populares: baobá; árvore-dosmil-
anos; bondo; imbondeiro; adansonia; calabaceira. Nome no candomblé: osè.
Orixás: diversos. Uso ritual: em banhos de iniciação e proteção. Árvores sagradas.
Adiantum capillus veneris L. (Origem: Europa) - Usada amplamente contra tosse, catarro,
rouquidão, cólicas mentruais, regularização uterina. Nomes populares: cabelo-devênus;
adiantum; avenca. Orixá: Oxum. Uso ritual: banhos purificatórios e na
sacralização de objetos rituais.
Aframomum melegueta (Roscoe) K.Schum. (Origem: África) Nomes populares: pimenta-dacosta.
Nome no candomblé: ataare. Orixás: Ossaim e Exu. Uso ritual: em
assentamaentos e para fazer pós e ebós.
Ageratum conyzoides L. (Origem: América) - Usada como anti-hemorrágica e cicatrizante.
Nomes populares: cacália-mentrasto; catinga-de-bode; cúria; erva-de-santa-lúcia;
maria-preta; mentraste; mentrasto; picão: picão-roxo; macela-de-são-joão; erva-de-sãojoão.
Nome no candomblé: àrúnsánsán; isúmi uré. Orixás: Xangô e Orumilá. Uso
ritual: banhos de purificação, sacudimentos.
Allamanda cathartica L. (Origem: Brasil) - Usada para eliminar sarna e piolho ou como
purgativa e anti-helmínica. Nomes populares: alamanda; alamanda-amarela; buiussu;
carolina; cipó-de-leite; comandara; dedal-de-dama; orélia; quatro-pataca; santa-maria;
sete-pataca. Orixás: Omolu e Oxum. Uso ritual: em ornamentação de terreiros e banhos
de descarrego.
Allium aescalonicum L. - Usada como expectorante, contra gripe, resfriado e catarro. Nome
popular: cebolinha-branca. Nome no candomblé: àlùbósà eléwé. Orixá: Oxum. Uso
ritual: na culinária litúrgica.
Allium cepa L. (Origem: Ásia) - Usada como depurativa, emoliente, diurética, laxante,
antibiótica, antipirética, antitussígena, anti-hemorrágica, anti-reumática, calmante,
alcalinizante, mineralizante, anti-álgica, anticoagulante, aperiente, vermífuga e contra
colesterol alto. Nome popular: cebola. Nome no candomblé: àlùbósà. Orixás: Oxalá e
Oxum. Uso ritual: em obrigações, jogos divinatórios e na culinária litúrgica.
Allium sativum L. (Origem provável: Ásia) - Usada desde a Antiguidade. Contra hipertensão e
picadas de inseto, para baixar ácido úrico, colesterol e triglicérides, para arteriosclerose,
problemas digestivos, febre, verminose, gripe, trombose, infecções na pele e mucosa.
Considerada antibacteriana, antioxidante, anti-séptica, hepatoprotetora, cardioprotetora,
antigripal. Nome popular: alho. Orixá: Obaluaiê. Uso ritual: na umbanda em banhos de
descarrego, defumadores e amuletos (tabu alimentar).
Aloe vera L. (Origem: África) - Usada contra inflamações, queimaduras, eczemas, erisipelas,
queda de cabelo. Considerada emoliente e resolutiva (em uso tópico), antioftálmica,
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vulneraria, vermífuga, cicatrizante, antimicrobiana, para hemorróidas, contusões,
entorses e dores reumáticas. Nomes populares: babosa; caraguatá; erva-babosa. Nome
no candomblé: ipòlerin. Orixás: Ogum e Omulu. Uso ritual: em rituais de iniciação e
banhos diversos.
Aloysia triphylla (L’Hér.) Britton (Origem: América do Sul) - Usada como adstringente,
aromática, sedativa, antiespasmódica, estimulante, digestiva, tônica, carminativa,
eupéptica, calmante, inseticida e bactericida (óleo essencial). Usada também contra
resfriados febris, problemas nervosos e acne. Nomes populares: erva-cidreira; cidró;
cidrão.
Alpinia zerumbet (Pers.) B.L. Burtt. & R.M. Sm. (Origem: Ásia) - Usada contra hipertensão e
ansiedade, como tranqüilizante e diurética. Nomes populares: falso-cardamono;
pacova; colônia; jardineira; alpínia; vindivá. Nome no candomblé: tótó. Orixás: Oxossi
e Iemanjá. Uso ritual: banhos purificatório e àgbo.
Alternanthera brasiliana (L.) O. Kuntze (Origem: Brasil) - Usada contra tosse, prisão-deventre,
problemas de fígado e bexiga, considerada diurética, digestiva, depurativa,
adstringente, antidiarréica. Nomes populares: acônito-do-mato; caaponga; cabeçabranca;
carrapichinho, carrapichinho-do-mato; ervanço; nateira; perpétua-da-mata;
perpétua-do-mato; perpétua-do-brasil; quebra-branca; quebra-panela; sempre-viva;
terramicina; infalível; doril.
Alternanthera tenella Colla. (Origem: América) - Usada como diurética. Nomes populares:
folha-da-riqueza; corrente; periquito; carrapicho; apaga-fogo; manjerico. Nome no
candomblé: ewé ajé. Orixás: Iemanjá e Ajé Saluga. Uso ritual: banhos purificatórios,
sacralização de objetos e para atrair riqueza e prosperidade.
Amaranthus spinosus L. (Origem: América) - Considerada tóxica. Usada contra febre,
hidropsia e catarro de bexiga. Nomes populares: bredo-de-espinho; bredo-bravo;
caruru-de-espinho; caruru-bravo. Nome no candomblé: tètè gún. Orixá: Exu. Uso
ritual: em trabalhos de Exu e sacralização de objetos rituais.
Amarantus viridis L. (Origem: Caribe) - Usada como emoliente, anti-blenorrágica, diurética,
resolutiva e laxativa. Nomes populares: amaranto-verde; bredo; caruru; caruru-bravo;
caruru-miúdo; caruru-de-porco; caruru-de-soldado.
Amarunthus viridis L. (Origem: Caribe) - Usada contra moléstias do fígado, cistite, retenção
urinária e tosses. Nomes populares: caruru; bredo; caruru-de-mancha; caruru-de-porco.
Nome no candomblé: tètè. Orixás: Oxalá e Ogum. Uso ritual: em rituais de iniciação,
àgbo e sacralização de objetos rituais.
Amburana cearensis (Allemao) A.C. Sm. (Ocorre no Brasil) - Usada no tratamento de
bronquites, asma, gripes e resfriados (chá) ou para dores reumáticas; considerada
antiinflamatória, analgésica, antiespasmódica e broncodilatadora. Nomes populares:
amburana; amburana-de-cheiro; cerejeira; cumaré; cumará; imburana; imburana-decheiro;
umburana.
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Anacardium humile A. St. Hil. (Origem: Brasil) - Usada contra diarréia e tosse e para baixar o
teor de glicose em diabéticos. Nomes populares: cajueiro-do-campo; cajuzinho;
cajueiro-anão; cajuí; caju-do-cerrado; cajuzinho-do-campo.
Anacardium occidentale L. (Origem: Brasil) - Usada pelos índios (desde antes de Cabral) para
a confecção do mocororó (suco fermentado) e em outros usos. Considerada
antidiabética, adstringente, antidiarréica, depurativa, tônica e antiasmática. Nomes
populares: acajaíba; acaju; acaju-açu; acajuíba; acaju-piranga; caju; caju-da-praia;
cajueiro; caju-manso. Orixás: Oxum, Xangô e Inlé. Uso ritual: em banhos purificatórios
e de iniciação, sacudimentos e oferendas.
Ananas comosus (L.) Merr. (Origem: Brasil) - Usada como estomáquica, carminativa,
diurética e antiinflamatória, indicado para problemas respiratórios, neurastenia,
psoríases, úlceras, chagas e feridas. Nomes populares: abacaxi; ananás. Orixás: Ìyábas
e Ibeije. Uso ritual: oferendas (tabu alimentar).
Anandenanthera colubrina (Vell.) Brenan (Origem: Brasil) - Usada como adstringente,
depurativa, hemostática, contra leucorréia, gonorréia, tosse, bronquite, coqueluche e
problemas respiratórios. Possui ação alucinógena e hipnótica. Nomes populares:
angico; angico-branco; cambuí-angico; goma-de-angico; angico-de-casca.
Anantherum bicorne Pol. Et Beauv. (Origem: Brasil) - Considerada emoliente, diurética e
contra hepatite, doenças no fígado, blenorragia, leucorréia, hidropisia e febre palustre.
Nome popular: sapê. Nome no candomblé: ekun. Orixás: Exu, Ogum, Oxossi, Ossaim
e Omulú. Uso ritual: para cobrir casas de alguns orixás (palhas) e em banhos de
descarrego (raízes).
Andira inermis (W. Wright) Kunth ex DC. (Origem: Brasil) - Usada como anti-helmíntica,
emética, febrífuga, purgativa, vomitiva, narcótica e vermífuga. Nomes populares:
angelim; pau-de-morcego; morcegueiro; morcegueira; morcego; sucupira-da-várzea;
avineira; angelim-branco; angelim-liso; angelim-da-várzea; andira-uchi; umaré; paupalmeira;
cumarurana; uchi; uchirana.
Anemopaegma arvense (Vell.) Stellf. (Origem: Brasil) - Usada como tônico para o sistema
nervoso e afrodisíaca. E contra insônia, neurastenia, nervosismo, hipocondria, falta de
memória, ansiedade, bronquite, asma, astenia e para convalescença geral. Nomes
populares: catuaba; catuabinha; catuíba; catuaba-pau; caramuru; tatuaba; piratançara;
marapuama; verga-teso; vergonteza; pau-de-resposta.
Aniba canelilla (Kunth) Mez (Origem: Amazônia) - Usada contra artrite, esgotamento
nervoso, excesso de albumina no sangue, hidropsia, catarro crônico, sífilis, leucorréia,
aerofagia e problemas de coração. Antiespasmódica, digestiva, eupéptica, peitoral,
excitante. Uso tópico contra acnes, resfriado, tosse, dermatite, infecções e ferimentos.
Nomes populares: preciosa; casca-preciosa; pau-rosa; casca-do-maranhão; folhapreciosa.
Annona montana Macf. (Origem: América) - Usada contra espasmos, como adstringente e
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vomitiva ou como emagrecedor. Nomes populares: araticum; araticum-açu; araticumponhe;
guanabana; guanabana-cimarroma; araxiku’ro (índios Urubu Kaapor); apaí
(índios Tikoró).
Annona muricicata L. (Origem: Andes) - Usada contra a obesidade, como diurética (contraindicada
para problemas renais). Nomes populares: graviola, araticum-do-grande,
araticum, jaca-de-pobre. Nome no candomblé: igi omo funfun. Orixás: Oxalá e Tempo.
Uso ritual: em assentamentos de Tempo. Árvore sagrada.
Annona squamosa L. (Origem: Antilhas) - Considerada antimicrobiana, sudorífica,
carminativa, estomáquica, anti-reumática. Usada contra furúnculos e úlceras. Nomes
populares: anona; araticum; fruta-do-conde; pinha; ata; condessa; arteira.
Apium graveolens L. (Origem: Europa) - Usada em todo o mundo contra flatulência e
reumatismo. Usada como aromática, diurética, antiinflamatória, sedativa, afrodisíaca,
estimulante da atividade uterina, amarga e tônica, redutora da pressão sanguínea,
depurativa, excitante, expectorante, febrífuga e anti-escorbútica. Nomes populares:
aipo; aipo-bravo; aipo-d’água; aipo-cultivado; aipo-doce; aipo-hortense; aipo-dospântanos;
aipo-rebano; aipo-silvestre; celeri; sabão; sabão-doce; salsão.
Arachis hypogaea L. (Origem: Brasil) - Considerada afrodisíaca, estimulante e tônica. Nome
popular: amendoim. Nome no candomblé: èpà. Orixás: Oxumaré e Oxum. Uso ritual:
oferendas (tabu alimentar).
Arctium lappa L. (Origem: Japão) - Usada como hipoglicemiante, depurativa, colerética,
diurética, diaforética, laxante, cicatrizante, anti-séptica e estomáquica. Em uso externo,
como bactericida e antimicótica, contra dermatoses, acnes, eczemas, seborréia e herpes.
Nomes populares: bardana; bardana-maior.
Argemone mexicana L. (Origem: México e Índia) - Usada contra inflamação da bexiga,
úlcera, inflamação ocular, dor de dente, abscesso na gengiva, como emoliente,
anestésica, calmante, narcótica, purgativa e vomitiva. Nomes populares: cardo-santo;
figueira-do-inferno; papoula-espinhosa; figo-do-inferno; cardo-amarelo; cardo-santamaria;
papoula-de-espinho; cardo-bento.
Aristolochia cymbifera Mart. & Zucc. (Origem: Brasil) - Usada como diurética, sedativa,
estomáquica, anti-séptica, diaforética e emenagoga. E contra asma, febre, dispepsia,
diarréia, gota, hidropsia, convulsões, epilepsia, palpitações, flatulência, prurido e
eczemas. Nomes populares: angélico; aristoloquia; calunga; capa-homem; cassau;
chaleira-de-judeu; cipó-mil-homens; contra-erva; erva-de-urubu; erva-bicha; jiboinha;
milhohomem; papo-de-galo; patinho; urubu-caá; bastarda; jarrinha; cacau; papo-deperu.
Nome no candomblé: akonijé; jokojé; jokonijé. Orixás: Ossaim e Oxum. Uso
ritual: feitura de santo para abrir a fala.
Arrabidaea chica (Bonpl.) B. Verl. (Origem: Brasil) - Usada como antiinflamatória,
antimicrobiana e vulnerária, e contra espasmos intestinais, diarréia, leucemia, icterícia,
anemia, albuminúria, psoríase e enterocolite. Usada pelos indígenas para limpeza de
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feridas crônicas e tratamento de micoses e herpes. Nomes populares: crajirú; carajiru;
chica; cajiru; cipó-cruz; coapiranga; guagiru; guarajuru-piranga; oajuru.
Artemisia absinthium L. (Origem: Europa, África e Ásia) - Usada em aperitivos considerados
diuréticas, emenagogo; abortivos e anti-helmínicos. Usado para perda de apetite,
distúrbios da digestão, do fígado e da vesícula biliar. Nomes populares: losna; losnamaior;
losma; absinto; acinto; acintro; alenjo; artemísia; grande-absinto; erva-santa;
alvina; flor-de-diana; gotas-amargas; erva-dos-vermes; erva-dos-velhos; sintro; alvina;
erva-de-santa-margarida; erva-do-fel.
Artemisia annua L. (Origem: Ásia, China) - Usada há séculos pelas medicinas chinesa e
indiana contra febre e lupus. Usada como antimalárica. Pesquisas recentes indicam
também atividades anti-schistosoma, antimicrobiana, antitumoral, antiinflamatória e
cardio-circulatória. Nomes populares: losna-verde; artemísia; artemísia-chinesa;
artemísia-doce.
Artemisia vulgaris L. (Origem: Ásia) - Usada como analgésica, antiespasmódica e
anticonvulsivante, para astenia, epilepsia, dores reumáticas, febres, anemias e contra
verminose. Em uso externo usada contra escaras, feridas, piolhos e lêndias. Nomes
populares: artemísia; flor-de-são-joão; anador; erva-de-são-joão; losna-brava; absintoselvagem.
Artocarpus incisa L. (Origem: Ásia) - Usada contra diarréias, tumores e furúnculos e como
vermífuga (raiz). Nome popular: fruta-pão. Nome no candomblé: gbèrèfútù. Orixás:
Oxalá e Oiá. Uso ritual: para afastar Egum e tirar a mão do pai ou mãe-de-santo
falecidos. Árvore sagrada.
Artocarpus integrifolia L. (Origem: Índia) - Usada como estimulante, antidiarréica,
antiasmática, antitussígena, expectorante e afrodisíaca (os caroços). Nome popular:
jaqueira. Nome no candomblé: ápáòká. Orixás: Apaoká, Xangô e Exu. Uso ritual:
árvore sagrada (entidade fitomórfica), assentamentos e banhos.
Arum esculentum Vent. (Origem: Ásia) - Usada externamente para feridas e úlceras. Nome
popular: taioba. Nome no candomblé: bàlá. Orixás: Oxum e Nanã. Uso ritual: culinária
litúrgica.
Attalea princeps M. (Origem: regiões tropicais e subtropicais) - Usada para combater a
calvície (óleo das amêndoas). Nomes populares: guacuri; palmeira-de-guacuri;
guaicuri. Nome no candomblé: màrìwò ìyá. Orixá: Nanã. Uso ritual: para cobrir
assentamentos e para fazer o cajado de Nanã.
Averrhaoa carambola L. (Origem provável: Índia e Malásia) - Usada como aperiente,
antidisentérica, anti-escorbútica, febrífuga, emagrecedora, e contra picada de insetos.
Nomes populares: carambola; carambola-doce; limão-de-caiena; camerunga.
Baccharis trimera (Less.) DC. (Origem: Brasil) - Usada para tratar anemias, diabetes,
obesidade, má-digestão, reumatismo, gota, feridas e úlceras, esterilidade feminina,
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malária, anginas, anemia, diarréia, garganta inflamada, verminose, problemas hepáticos,
impotência masculina; considerada tônica, aperiente, diurética, vermífuga, analgésica,
antiinflamatória, estimulante do fígado, febrífuga e estomáquica. Nomes populares:
carqueja; bacárida; cacáia-amarga; quinta-de-condomine; tiririca-de-babado; carquejaamarga;
bacanta; carque; vassoura.
Bactris gasipaes Kunth (Origem: Amazônia) - Usada como remédio para dor de ouvido e dor
de garganta (óleo). Usada também como repositora de minerais e vitaminas, como
cálcio, ferro, fósforo e vitamina A. Nome popular: pupunha.
Bambusa vulgaris Scharad. (Origem: Ásia) - Usada contra febres, hemorragias, afecções
nervosas, hemorróidas, diarréia, disenteria, impotência e como depurativo do sangue.
Nome popular: bambu. Nome no candomblé: dankó. Orixás: Oxalá e Oiá. Uso ritual:
ligado ao culto Egungun e culto a Dankó Ezó.
Banisteriopsis caapi (Spruce ex Griseb.) C.V. Morton (Origem: Amazônia) - Usada pelos
indígenas para comunicação com o mundo espiritual, pela visão alucinógena. Usada
ritualmente para transe em sessões de cura e proteção, tanto pelos índios quanto por
seitas místicas. Nomes populares: caapí; yagê; iagê; ayahuasca; jagube; mariri; mãode-
onça; tiwaco-mariri.
Bauhinia cheilantha (Bong.) Steud. (Origem: Brasil) - Usada como hipoglicemiante, redutora
de colesterol e triglicérides. Nomes populares: pata-de-vaca; mororó-do-sertão; miroró;
pata-de-cabra; mão-de-vaca; pata-de-veado; pata-de-cabra.
Bauhinia forficata Link (Origem: Ásia ou África) - Usada como antidiabética, diurética,
redutora de colesterol, contra cistite, parasitose, elefantíase e para eliminar cálculos
renais. Nomes populares: pata-de-vaca; bauínia; ceroula-de-homem; miroró; pata-deboi;
unha-de-anta; unha-de-boi; unha-de-vaca; unha-de-veado. Nome no candomblé:
àbafè. Orixás: Obaluaiê e Oiá. Uso ritual: banhos.
Beberis laurina Billb. (Origem: Brasil) - Usada como adstringente (uso tópico) e contra
queimadura (compressa). Nomes populares: são-joão; espinho-de-são-joão; berberis;
berberis-da-terra; quina-cruzeiro; raiz-de-são-joão; uva-de-espinho; uva-espim-dobrasil.
Begonia fisheri Schrank. (Origem: Brasil) - Usada contra catarro da bexiga, diarréias,
disenterias, escorbutos e sapinho de recém -nascidos. Nomes populares: azedinha-dobrejo;
erva-saracura; erva-do-sapo; erva-azeda; azeda-de-ourives. Nome no candomblé:
ìmu. Orixás: Iemanjá, Oxalá e Nanã. Uso ritual: em rituais de iniciação, banhos
purificatórios e sacralização de objetos rituais.
Bertholletia excelsa Bonpl. (Origem: Amazônia) - Usada há séculos pelos índios. Contra
males de fígado, hepatite, anemia, problemas estomacais e como antioxidante. Casca
usada contra diarréia e óleo, como emoliente. Fonte de selênio (previne câncer), trata
ansiedade, cansaço, depressão e perda de memória. Nomes populares: amêndoa-dopará;
castanha; castanha-do-brasil; castanha-do-pará; castanheira; júvia; nhá-nhá; tocari;
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toucá; tucari; turuni.
Bidens pilosa L. (Origem: América tropical) - Usada contra angina, diabetes, disenteria,
aftosa, hepatite, laringite, verminose, febre, blenorragia, leucorréia, diabetes, problemas
no fígado, infecções urinárias e vaginais. Empregada pelos indígenas como diurética,
emenagoga, antidisentérica e para tratamento de icterícia. Nomes populares: amorseco;
carrapicho; carrapicho-de-agulha; carrapicho-picão; coambi; cuambri; erva-picão;
fura-capa; guambu; picão; picão-amarelo; piolho-de-padre. Nome no candomblé:
abéré. Orixás: Exu e Oxum. Uso ritual: em feitiços, trabalhos de benefício e malefício.
Bixa orellana L. (Origem: América tropical) - Usada como estomáquica, tonificante,
antidiarréica, antifebril, contra palpitações, crises de asma, coqueluche e gripe. Usada
como xarope para faringite e bronquite. Também para enjôos de gravidez. Nomes
populares: urucum; açafrão; açafroa; açafroa-indígena; açafroeira-da-terra; anoto;
coloral; falso-açafrão; urucuuba; uru-uva. Nome no candomblé: osùn elédè. Orixá:
Xangô. Uso ritual: em rituais de iniciação o corante substitui o osùn africano.
Blitum ambrosioides L.- Um dos remédios tradicionais mais usador no mundo. Considerada
estomáquica, anti-reumática e anti-helmínica; usada também contra bonquite e
tuberculose. Nomes populares: mastruço; mastruz; erva-santa; lombrigueira,
mentrasto.
Boerhavia difussa L. (Origem: América) - Considerada diurética, colagoga e hipotensiva.
Contra, hepatite, icterícia, cistite e pedra na vesícula e rins. Nomes populares: ervatostão;
agarra-pinto; pega-pinto; tangaraca; bredo-de-porco. Nome no candomblé:
ètipónlá. Orixás: Xangô e Oiá. Uso ritual: em contra feitiço, defesa e banhos.
Borago officinalis L. (Origem: região Mediterrânea) - Uso medicinal datado da Idade Média.
Usada como emoliente, depurativa, sudorífica, diurética, laxativa, antiinflamatória,
expectorante e contra afecções do fígado e coração, reumatismo e tosse, com indicação
de uso externo (ingestão pode causar câncer de fígado). Nome popular: borragem.
Brassica oleracea var. capitata L. (Origem: Europa e Ásia) - Usada contra abscessos, dores,
nevralgias faciais e dentárias, úlceras e hemorróidas. Nome popular: repolho. Nome no
candomblé: ewé tutu. Orixá: Ossaim. Uso ritual: compõe o ebó “tudo que a boca
come”, para limpeza e contra Egun.
Brassica oleracea var. ocephala L. (Origem: Europa e Ásia) - Usada como remineralizante,
oxidante e laxante. Contra icterícia, cálculo biliar e renal, bronquite, asma, colites e
artrites, menstruações dolorosas e verminoses. Nome popular: couve. Nome no
candomblé: ewé wèmó. Orixá: Ossaim. Uso ritual: compõe o ebó “tudo que a boca
come”, para limpeza.
Brassica rapa L. (Origem: Europa) - Usada como revulsiva ou rubefaciente (cataplasma), e
contra dores nas costas e estados congestivos do pulmão e do coração e paralisias.
Nomes populares: mostarda; colza; couve; falso-nabo; ruibarbo; nabeira; nabo-branco;
couve-nabeira. Nome no candomblé: ewé làtípà. Orixás: Obaluaiê, Nanã, Iemanjá e
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Oxum. Uso ritual: culinária litúrgica.
Bredemeyera floribunda Willd. (Ocorre no Brasil) - Usada contra furunculose, afecção da
pele, picada de cobra e inseto, dermatite aguda e contato com urtiga. Também para
bronquite, como antiinflamatória e anti-histamínica. Nomes populares: raiz-de-sãojoão-
da-costa; pau-caixão; pacari; botica-inteira; cabão-de-bugre; laça-vaqueiro;
marfim-de-rama; pau-gemada; raiz-de-cobra.
Brillantaisia lamium (Ness.) Benth. (Origem: África e Brasil) - Nome popular: erva-de-bicho.
Nome no candomblé: eró igbin. Orixá: Oxalá. Uso ritual: ritos de iniciação, banhos e
sacralização de objetos.
Bromelia antiacantha Bertol. (Origem: Brasil) - Usada como xarope caseiro para asma,
bronquite, para eliminar pedras nos rins, tratar icterícia, edema, aftas e feridas. Nomes
populares: caraguatá; carauatá; gravatá; gravatá-da-praia; gravatá-do-mato; gravatá-deraposa;
banana-do-mato; croata.
Brosimum gaudichaudii Trécul. (Origem: Brasil) - Usada topicamente contra vitiligo e
manchas na pele. Contra doenças reumáticas, intoxicações, dermatoses, má-circulação,
gripe, resfriado e bronquite. Considerada depurativa. Nomes populares: maminhacadela;
mama-de-cadela; algodão-do-campo; mururerana; inhoré; inharé; espinho-devintém;
apê-do-sertão; manacá-do-campo; amoreira-do-mato; conduru; algodãozinho.
Brugmansia suaveolens Bercht & Presl. (Origem: México) - Usada contra asma, hemorróidas
e reumatismo. Nomes populares: trombeta-branca; cálice-de-vênus; saia-branca;
vestido-de-noiva; zabumba-branca; trombeta; babado; dama-da-noite. Nome no
candomblé: antijuí. Orixá: Oxalá. Uso ritual: banhos de purificação e sacudimentos de
casas.
Brunfelsia uniflora (Pohl) D. Don (Origem: Brasil) - Usada misticamente em rituais indígenas
amazônicos. Externamente usada contra reumatismo e artrite. Contra febres, sífilis,
picada de cobra. Considerada anestésica, diurética, abortiva, laxativa, narcótica,
purgativa, antiinflamatória e anti-séptica. Nomes populares: manacá; caagambá;
jasmim-do-paraguai; manacá-cheiroso; romeu-e-julieta. Orixá: Nanã. Uso ritual: em
banhos purificatórios e sacudimentos e como ornamento.
Bryophyllum pinnatum (Lam.) Oken (Origem: Ásia) - Usada para tratamento local de
furúnculos e na preparação de xaropes caseiros contra tosse, também contra anexite e
gastrite. Nomes populares: folha-da-fortuna; courama; coirama; folha-da-costa;
fortuna; pirarucu; diabinho; roda-da-fortuna; folha-grossa. Nome no candomblé:
àbámodá. Orixás: Ifá, Oxalá e Xangô. Uso ritual: Lavagem de objetos rituais.
Buddleja brasiliensis Jacq. ex Spreng. (Origem: Brasil) - Usada como anti-hemorroidal,
béquica, analgésica, sudorífica, calmante, emoliente, anti-reumática, para tratamento do
pulmão, contra veneno de cobra, contusões, gripe, asma, bronquite e tosse. Nomes
populares: barbasco; barbasco-do-brasil; calça-de-velha; calção-de-velho; carro-santo;
cezarinha; oassoma; tingui-da-praia; vassoura; vassourinha.
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Byrsonima crassifolia (L.) H.B.K.. (Origem: Brasil) - Usada como adstringente, tônica, contra
afecções respiratórias, bronquite, tuberculose e tosse. Nomes populares: murici;
murici-do-campo; muruci-pitanga; marajoara. Nome no candomblé: akeri. Orixá:
Oxossi. Uso ritual: rituais e banhos.
Byrsonima intermedia A. Juss. (Origem: Brasil) - Usada contra diarréias, infecções intestinais,
feridas crônicas, chagas, afecções da boca e garganta, corrimento vaginal, como
laxante, adstringente e febrífuga. Nomes populares: murici; muruci; murici-do-campo;
baga-de-tucano.
Caesalpinia bonduc (L.) Roxb. (Origem: África) - Nomes populares: olho-de-gato; ariós;
carniça; juquerionano; silva-da-praia. Nome no candomblé: àyò. Orixás: Orumilá e
Exu. Uso ritual: a semente usada em jogos divinatórios (amarração de ibo).
Cajanus cajan (L.) Millsp. (Origem: Índia) - Usada contra hemorragia, inflamação da
garganta, tosse, bronquite, úlcera, dores e inflamações. Nomes populares: guandu;
andu; ervilha-de-angola; ervilha-do-congo; feijão-de-árvore; guandeiro. Nome no
candomblé: èwà igbó; òtili. Orixá: Oxalá. Uso ritual: culinária ritual, banhos de
purificação e de equilíbrio.
Calendula officinalis L. (Origem: Europa) - Usada desde a Idade Média. Considerada
antiespasmódica, antiinflamatória, anti-séptica, cicatrizante, sudorífica, analgésica,
colagoga, estimulante do fígado e vesícula, anti-viral, antiemética, vasodilatadora,
tonificante da pele, depurativa e emoliente. E contra conjuntivite, eczema, herpes e
gengivite (uso externo). Nomes populares: bonina; calêndula; malmequer; maravilhados-
jardins. Nome no candomblé: ewé pépé. Orixá: Oxum. Uso ritual: banhos
purificatórios e sacudimentos.
Calophyllum brasiliense Cambess. (Origem: Brasil) - Usada como adstringente, antireumática
ou antidiabética. Nomes populares: guanandi; guandi; mangue; galandim;
gualambi; guanandi-carvalho; guanandi-cedro; guarandi; gulande-carvalho; jacareúba;
landim; olandi; olandim; pau-de-mangue.
Calotropis procera (Aiton) W.T.Aiton (Origem: Índia) - Usada, apesar de tóxica, com
propriedades anti-reumáticas e tranqüilizantes. Considerada tônica, estimulante,
antiinflamatória e analgésica. Nomes populares: algodão-de-seda; seda; hortênsia;
ciúme; flor-de-seda; ciumeira; leiteiro; paianinha-de-seda; queimadeira; janaúba.
Camellia sinensis (L.) Kuntze (Origem: Ásia) - Usada tradicionalmente como bebida
estimulante. Em compressas (chá-preto), contra problemas de pele, inflamação e
prurido. Considerado antialérgico, anticancerígeno e anti-ulcerogênica. Nomes
populares: chá; chá-preto; chá-da-índia.
Canna indica L. (Origem: América tropical) - Usada como expectorante, diurética, vomitiva e
abortivo. Nomes populares: ibiri; cana-ibiri; cana-de-jardim; naninha-de-jardim; canaflorífera;
erva-conteira; bananeirinha-da-índia. Nome no candomblé: ewé ìdò. Orixás:
Oxum e Ewá. Uso ritual: ornamentação e banhos para filhas de Oxum (problemas de
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atraso de regra).
Cannabis sativa L. (Origem: Ásia) - Usada como tranqüilizante e analgésica, contra
enxaquecas, encefalias e dores de dentes. Nomes populares: cânhamo-da-índia; fumode-
angola; diamba; liamba; maconha. Nome no candomblé: ewé igbó. Orixá: Exu. Uso
ritual: em função da proibição legal, restrito aos trabalhos com Exu, na sacralização dos
seus objetos rituais.
Capraria biflora L. (Origem: América tropical) - Usada contra febre, problemas de estômago e
urinários e conjuntivite. Nomes populares: chá-da-terra; chá-preto; chá-de-marajó; cháde-
boi.
Capsicum frutescens L. (Origem: América) - Usada como condimento e para dores
reumáticas, torcicolos, dores em geral, luxação e também como antidepressiva. Nomes
populares: pimenta-malagueta; pimenta. Nome no candomblé: ata. Orixá: Exu. Uso
ritual: trabalhos de feitiçaria.
Carapa guianensis Aubl. (Origem: Brasil, América Central e África) - Usada por índios
amazônicos como corante, cicatrizante e repelente. Contra picadas, inchaços, pancada,
reumatismo, verminose e na recuperação da pele (óleo). Casca usada contra febre e
verminose, e como antitumoral, antibacteriano e cicatrizante. Nomes populares:
andiroba; andiroba-saruba; carapá; nandiroba.
Carapa procera D.C. (Origem: América do Sul) - Usada como repelente (óleo). Nomes
populares: fava-de-oxum; andiroba. Orixá: Oxum. Uso ritual: em trabalhos,
assentamentos e junto ao jogo de búzios (sementes).
Carica papaya L. (Origem: América Central) - Usada como digestiva, diurética, laxante,
vermífuga, abortiva (fruto verde), emenagoga e antipirética. Contra asma e diabetes.
Nomes populares: mamoeiro; abobaia; amabapaia; amazonas; chamburi; chamburu;
formoso; havaiano; mamão; papaia. Nome no candomblé: ìbépe. Orixá: Oxalá. Uso
ritual: em trabalhos para tomar alguma coisa de alguém.
Carpotroche brasiliensis (Raddi.) A. Gray. (Origem: Brasil) - Usada (óleo) como inseticida,
depilatória, parasiticida, contra dermatoses, eczema, erisipela, sarna, impinge, pruridos
e caspa. Nomes populares: sapucainha; canudeiro; canudo-de-pito; fruta-de-babado;
fruta-de-comona; fruta-de-lepra; mata-piolho; óleo-sapucainha; papo-de-anjo; pau-decachimbo;
pau-de-cotia; ruchuchu.
Casearia sylvestre Sw. (Origem: Brasil) - Usada como depurativa, e contra queimaduras,
ferimentos, herpes, gastrite, úlcera, halitose, gengivite, estomatite, afta e feridas na
boca. Nomes populares: guaçatonga; apiá-acanoçu; bugre-branco; café-bravo; café-defrade;
cafezeiro-do-mato; cafezinho-do-mato; cambroé; chá-de-bugre; erva-lagarto;
erva-pontada; fruta-de-saíra; guaçatunga; guaçatunga-preta; língua-de-tejú; língua-deteiú;
para-tudo; pau-de-lagarto; petumba; varre-forno; vassitonga; são-gonçalinho;
flauta-de-saíra. Nome no candomblé: alékèsì. Orixá: Oxossi. Uso ritual: banhos de
purificação, rituais de iniciação, sacralização de objetos e sacudimento.
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Cassia fistula L. (Origem: Índia) - Usada como laxante, purgativa, adstringente e tônica,
contra dores reumáticas e picada de cobra. Nomes populares: cássia-imperial;
canafístula; chuva-de-ouro; tapira-coiana; fedegoso; fístula-amarela. Nome no
candomblé: fitíba. Orixá: Oxossi. Uso ritual: em rituais de inciação, banhos
purificatórios e sacudimentos.
Cassia fistula L. (Origem: Índia) - Usada contra afecções e formação de cálculo renal,
impinges (uso externo). Nomes populares: canfístula; tapira-coiana; chuva-de-ouro;
fedegoso; fístula-amarela. Nome no candomblé: fitíba. Orixá: Oxossi. Uso ritual: em
rituais de inciação, banhos purificatórios e sacudimentos.
Casuarina equisifolia L. (Origem: Austália) - Usada contra disenteria e inflamações de
garganta. Nome popular: casuarina. Nome no candomblé: igi oyá; igi igbalé. Orixás:
Oiá e Egum. Uso ritual: usada em culto Egungun.
Catharanthus roseus (L.) G. Don. (Origem provável: Madagascar) - Usada como sudorífica,
diurética, hipoglicemiante, febrífuga ou como antileucêmica. Nomes populares: boanoite;
boa-tarde; flor-de-todo-o-ano; lavadeira; vinca; vinca-de-madagascar. Orixá:
Oxalá. Uso ritual: em banhos de purificação e sacudimentos, para lavar os olhos dos
encarregados de jogos divinatórios.
Cayaponia tayuya (Vell.) Cogn. (Origem: Brasil) - Usada contra males diversos pelos índios,
há séculos. Usada como purgativa, tônica, depurativa, emética, reguladora do
metabolismo, analgésica, anti-sifilítica e depurativa. Contra mordida de cobra,
reumatismo, dores, nevralgias, erisipela, dermatose, eczema, úlcera, herpes, furúnculo e
gota. Nomes populares: taiuiá; tajujá; abobrinha-do-mato; cabeça-de-negro; guardião;
anapinta; tomba; azougue-do-brasil; raiz-de-bugre.
Cecropia pachystachya Trécul. e C. palmata Willd. (Origem: América Central e Brasil) -
Usada como diurética, anti-hipertensiva e antiinflamatória. Nomes populares: ambahu;
ambaí; ambaíba; ambaitinga; árvore-da-preguiça; embaíba; embaúba; caixeta-de-prego;
figueira-de-sururinan; ibaíba; ibaítuga; pau-de-preguiça; torém; umbaúba. Nome no
candomblé: àgbaó. Orixás: Ossaim e Xangô. Uso ritual: rituais e banhos de
purificação.
Cedrela odorata L. (Origem: Amazônia) - Considerada febrífuga, adstringente, vermífuga,
anti-reumática, antimalárica, contra dores no corpo, gripes e resfriados. Nomes
populares: cedro; cedro-do-amazonas; cedro-amargo; cedro-rosa; cedro-do-brejo;
cedro-pardo; cedro-vermelho; acajú; cedro-branco; cedro-cheiroso.
Ceiba pentandra (L.) Gaertn. (Origem: Brasil) - Usada contra diarréia e disenteria e para
facilitar a diurese. Nomes populares: sumaúma-da-várzea; árvore-de-seda; paina-lisa;
sumaúma-verdadeira; sumaúma. Nome no candomblé: àràbà. Orixá: Ogum. Uso ritual:
assentamentos de orixá e banhos purificatórios. Árvore sagrada.
Cenchrus echinatus L. (Origem: América Central) - Considerada adstringente e contra
secreção purulenta. Nomes populares: capim-carrapicho; capim-amoroso; timbete;
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espinho-de-roseta. Nome no candomblé: èmó. Orixás: Oxossi e Oxum. Uso ritual: em
trabalhos ou filtros amorosos de amarração.
Centella asiática (L.) Urban (Origem: Ásia) - Usada como antiinflamatória e cicatrizante (uso
externo), depurativa, estimulante cutâneo, diurética, digestiva, e em banhos de assento,
contra celulite, irritação vaginal, problemas circulatórios e vasculares. Nomes
populares: centela; dinheiro-em-penca; pata-de-burro.
Centratherum punctatum Cass. (Origem: América tropical) - Nomes populares: balainho-develho;
perpétua; perpétua-roxa; perpétua-do-mato. Nome no candomblé: amúnimúyè.
Orixá: Ossaim. Uso ritual: rituais de iniciação.
Centrosema brasilianum (L.) Benth. (Origem: áreas tropicais e subtropicais) - Nomes
populares: jequitirana; patinho-roxo. Nome no candomblé: kankanesin. Orixá:
Obaluaiê. Uso ritual: em àgbo e banhos purificatórios.
Cereus jamacaru DC. (Origem: Brasil) - Usada contra problemas no pulmão, renais e na pele,
escorbuto, cálculos nos rins, considerada emenagoga e febrífuga. Uso externo contra
úlcera. Nomes populares: mandacaru; mandacaru-de-boi; jamancaru. Orixás: Exu e
Ossaim. Uso ritual: em trbalhos litúrgicos e na lavagem de objetos rituais.
Cestrum laevigatum Sch. (Origem: América) - Usada para lavar feridas, micoses e
inflamações cutâneas. E como sedativa, antipirética, sudorífica, antiespasmódica,
diurética, anti-reumática e estimulante do fígado. Nome popular: coerana. Nome no
candomblé: ikèrègbè. Orixás: Exu e Obaluaiê. Uso ritual: em sacudimentos.
Chamaesyce hirta (L.) Millsp. (Origem: América tropical) - Usada contra inflamações
oculares, apesar de tóxica. Nomes populares: corredeira; erva-de-santa-luzia; ervaandorinha;
erva-de-cobre; erva-de-sangue; burra-leiteira; alcanjoeira. Nome no
candomblé: falákalá. Orixá: Exu. Uso ritual: em preparo de pó para limpar caminhos e
em assentamentos de Exu.
Chamaesyce prostata (Ait.) Small (Origem: América) - Usada contra cálculos renais. Nomes
populares: quebra-pedra; erva-de-santa-luzia; leite-de-nossa-senhora; leiteirinho. Nome
no candomblé: ewé bíyemí. Orixá: Obaluaiê. Uso ritual: banhos de purificação.
Chamomilla recutita (L.) Rauschert (Origem: Europa) - Usada desde a Grécia antiga e
incluída na farmacopéia mundial. Usada como calmante, antiinflamatória, analgésica,
antiespasmódica, carminativa, cicatrizante e emenagoga. E em problemas da pele,
gengivites e herpes. Nomes populares: camomila; camomila-romana; mançanilha;
matricária.
Chaptalia nutans (L.) Polack (Origem: América) - Usada como excitante, desobstruente e
contra catarros, tosses e moléstias de pele. Nomes populares: costa-branca; língua-devaca;
tapira; paraqueda; erva-de-sangue; sanguineira. Nome no candomblé: òpásóró;
jimim. Orixá: Oxalá. Uso ritual: em banhos.
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Chelidonium majus L. (Origem: Europa) - Usada há séculos como depurativa,
antiinflamatória, antiespasmódica, analgésica, diurética, laxativa, contra problemas de
fígado, vesícula, útero, digestivos e circulatórios. O látex usado contra verrugas e calos,
topicamente. Nomes populares: celidônia; quelidônia; erva-andorinha; erva-dasverrugas;
erva-dos-calos; figatil; grande-quelidônia; celidônia-maior. Orixás: Obaluaiê
e Ossaim. Uso ritual: banhos de purificação.
Chenopodium ambrosoides L. (Origem: América Tropical) - Usada como estomáquica,
diurética, vermífuga, sudorófica, anti-helmínica e anti-reumática. E contra bronquite e
tuberculose. Externamente para contusões e fraturas. Nomes populares: erva-de-santamaria;
ambrisina; mentruz; erva-formigueira; mastruço; mastruz; mata-cobra; canudo;
erva-pomba-rota; erva-santa; ambrósia; quenopódio; lombrigueira; mentrasto;
mentruço; vomiqueira. Orixá: Obaluaiê. Uso ritual: sacudimentos para saúde.
Chiococca alba (L.) Hitchc. Usada como diurética, febrífuga, purgante e contra asma e dores
na uretra. Nomes populares: cainca; cainana; poaia; cipó-cruz; raiz-de-quina; raizfedorenta;
dambê.
Chrysantemum cinerariaefolium (Tev.) Vis. (Origem provável: Irã) - Usada principalmente
como inseticida, parasiticida e repelente dos vetores transmissores de Chagas. Nomes
populares: piretro; flor-de-piretro; crisântemo.
Chrysobalanus icaco L. (Origem: Brasil) - Usada como antidiabética, adstringente, contra
diarréia crônica, blenorragia, leucorréia, catarro da bexiga. Nomes populares: ajurú;
guajiru; guajuru; abajeru; iaco; iaco-negro; kulimiro; ajirú; ajurú-branco.
Cichorium intybus L. (Origem: Europa) - Usada desde 4 mil anos a.C., como medicação
amarga, diurética, laxativa, para tratar males do fígado, reumatismo, gota e
hemorróidas. Nomes populares: chicória; chicórea; almeirão; escarola; chicóriaamarga;
chicória-selvagem.
Cinchona calisaya Wedd. (Origem: Amazônia) - Usada por séculos contra a malária. Também
contra febre, indigestão, problemas de boca e garganta, anemia e fadiga. Nomes
populares: quineira; quina-quina; quina-verdadeira.
Cinnamomum zeylanicum Breyn. (Origem: Siri Lanka e Índia) - Usada contra diarréia
infantil, gripe, verminose, dor-de-dente, mau hálito, vômito, problemas gástricos e
perda de apetite. Nomes populares: canela; canela-de-cheiro; canbela-da-índia; canelade-
tubo; canela-do-ceilão; canela-rainha. Nome no candomblé: téemi. Orixá: Oxum.
Uso ritual: como defumador, em banhos e perfumes.
Cissampelos pareira L. (Origem: Brasil) - Usada há séculos pelos índios contra várias
doenças, principalmente para problemas mentruais, dores pré e pós parto e hemorragias
uterinas. Usada como diurética, tônica, estomáquica, antiasmática, sudorífica,
expectorante, emenagoga e febrífuga, previne aborto e alivia menorragia. Usada para
inflamação dos testículos, problemas renais, leucorréia e amenorréia. Nomes
populares: abuta; abutua; barbasco; butua.
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Cissus verticillata (L.) Nicholson & C.E. Jarvis (Origem: Brasil) - Usada no tratamento de
problemas cardíacos (taquicardia, pressão alta), hidropisia, anemia, derrames e
tremores. Considerada hipoglicemiante, ativadora da circulação e anticonvulsivante.
Nomes populares: anil-trepador; cipó-pucá; puçá; insulina; cortina-de-pobre.
Citrullus citrull (L.) Kaarst. Usada como remédio para mulheres com dificuldade de
engravidar. Nome popular: melão-de-água. Nome no candomblé: agbéye. Orixás:
Iemanjá e Oxum. Uso ritual: culinária litúrgica.
Citrullus lanatus (Thunb.) Mansf. (Origem: Índia) - Usada em dietas alimentares contra
obesidade e deficiência orgânica. Nome popular: melancia. Nome no candomblé: bàrà.
Orixá: Iemanjá. Uso ritual: em oferendas às Iabás e na “quitanda de iaô”.
Citrus aurantium L. (Origem: Ásia) - Usada como expectorante, diurética, digestiva, contra
gases, tosses, diarréias, cólicas, reumatismo, má-digestão, pressão alta, gripe e
resfriado. Nomes populares: laranja-da-terra; laranja-amarga. Orixás: Xangôs e Iabás.
Uso ritual: em oferendas e em lavagem de cabeça e banhos para unir apaixonados
(angola e umbanda).
Citrus limon (L.) Burm. F. (Origem: Ásia) - Usada contra escorbuto, reumatismo, febre,
disenteria, acidez, varise, bronquite, dor de garganta, gripe, eczema e picadas. Nome
popular: limão. Orixás: Orunmilá e Ossaim. Uso ritual: na umbanda é utilizada como
contra-egum (tabu alimentar).
Clidemia hirta Baill.- Usada contra palpitações do coração, afecções das vias urinárias e do
aparelho genital, sífilis, erupções cutâneas, feridas rebeldes e coceiras. Nomes
populares: folha-de-fogo; branda-fogo; folha-de-iansã; pixirica; anhanga. Nome no
candomblé: ewé inón. Orixás: Exu, Oiá e Xangô. Uso ritual: em banhos de descarrego
e sacudimentos.
Clitoria guianensis Benth. (Origem: América Central e Brasil) - Usada como diurética,
purgativa, contra cistite e uretrite. Nome popular: espelina-falsa. Nome no candomblé:
áfón. Orixás: Obaluaiê e Nanã. Uso ritual: banhos de purificação e rituais de iniciação.
Cnicus benedictus L. (Origem: região mediterrânea) - Usada há séculos, como diurética,
antipirética, muito amarga, anti-séptica, antibiótica, digestiva, expectorante e
estimulante de lactação. Contra anorexia, falta de apetite, cólicas, diarréia e excesso de
muco. Uso externo em úlceras e feridas. Nomes populares: cardo-santo; cardobenedito;
cardo-bento.
Cnidoscolus phyllacanthus (Mull. Arg.) Pax & H. Hoffm. (Origem: Brasil) - Usada contra
inflamações ovarianas e inflamações gerais. Nomes populares: favela; faveleiro;
queimadeira.
Cnidoscolus urens (L.) Arth. (Origem: América) - Usada contra erisipela, conisderada tóxica.
Nomes populares: cansanção-de-leite; cansanção; urtiga; urtiga-cansanção;
queimadeira. Nome no candomblé: ewé kanan. Orixás: Exu e Xangô. Uso ritual: em
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trabalhos para separação e desordens (maléficos).
Cocos nucifera (L.) (Origem provável: Ásia) - Usada contra problemas intestinais,
desidratação, náuseas e vômitos. Nomes populares: coqueiro; coco; coco-da-bahia.
Nome no candomblé: àgbon. Orixás: Oxalá, Iemanjá, Oxossi. Uso ritual: culinária
litúrgica.
Codiaeum variegatum Blume. (Origem: Ásia) - Nomes populares: cróton; folha imperial;
louro-variegado; brasileirinho. Orixá: Oiá e Caboclos. Uso ritual: finalidades
ornamentais nos terreiros, ligado ao culto dos Caboclos.
Coffea arabica L. (Origem: África) - Usada como estimulante, contra fadiga e sonolência.
Nome popular: café. Orixá: Ossaim. Uso ritual: em banhos de iniciação.
Coix lacryma-jobi L. (Origem: Ásia) - Usada há séculos contra doenças reumáticas,
inflamações, dores, espasmos, febres, infecções e micoses. Considerada diurética,
tônica da vesícula, anti-séptica das vias respiratórias e urinárias e anti-reumática.
Nomes populares: capim-de-contas; lágrima-de-nossa-senhora; capim-de-nossasenhora;
lágrima-de-santa-maria; capiá; conta-de-lágrimas; capim-rosário; biurá; biuri;
capim-miçanga; lágrima-de-jó; adlaí. Nome no candomblé: ewé ojú omí. Orixás:
Oxalá, Ossaim, Oxossi e Iemanjá. Uso ritual: em ritual de Ossaim, banhos, lavagem de
búzios e na confecção de colares e rosários de Preto-Velho.
Cola acuminata (P. Beauv.) Sch. & Endl. (Origem: África) - Usada como tônico para o
coração. Nomes populares: noz-de-cola; cola; cola-africana; cacau-de-sudão; café-dosudão;
coleira. Nome no candomblé: obì. Orixá: Ossaim e Orumilá. Uso ritual: em
oferendas, em jogos divinatórios.
Coleus barbatus Benth. (Origem: Mediterrâneo) - Usada contra males do fígado, rins e
estômago. Nomes populares: boldo; falso-boldo; boldo-do-reino; alumã; malvaamarga;
malva-santa; tapete-de-oxalá. Nome no candomblé: ewé bàbá; ewúro bàbá.
Orixá: Oxalá. Uso ritual: em banhos de purificação.
Combretum leprosum Mart. (Origem: Brasil) - Usada contra tosse e coqueluche. Considerada
hemostática, sudorífica e calmante. Nomes populares: mofumbo; pente-de-macaco.
Commelina diffusa Burm. f. (Origem: América do Sul) - Usada contra afecções das vias
urinárias, reumatismo, inflamações oculares e topicamente em tumefações por picadas
de insetos. Nomes populares: trapoeraba; olhos-de-santa-luzia; marianinha; capimgomoso;
maria-mole. Nome no candomblé: gòdògbódò. Orixás: Nanã, Omolu e Exu.
Uso ritual: em banhos e trabalhos com Exu.
Copaifera langsdorffi Desf. (Origem: Amazônia) - Usada pelos índios desde o período précolombiano
como antimicrobiana, externamente para doenças de pele e picadas de
inseto. Considerada cicatrizante, antiinflamatória, diurética, expectorante. Contra
dermatose, psoríase, infecção de garganta. Nomes populares: bálsamo; bálsamo-decopaíba;
copaíba-da-várzea; copaíba-vermelha; copaibeira-de-minas; copaúba; cupiúva;
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oleiro; óleo-de-copaíba; óleo-vermelho; pau-de-óleo; podoi. Orixás: Odudua e
Obaluaiê. Uso ritual: banhos de prosperidade, sacudimentos e para untar objetos
sagrados.
Corchorus olitorius L. (Origem provável: África) - Nomes populares: caruru-da-bahia; jutaazul.
Nome no candomblé: óyó. Orixá: Xangô. Uso ritual: em culinária litúrgica (amalá
de Xangô), em banhos e àgbo.
Cordia ecalyculata Vell. (Origem: Brasil) - Usada como tônico cardíaco, diurética, redutor do
apetite, emagrecedora. Nomes populares: café-de-bugre; café-do-mato; cafezinho; cháde-
bugre; chá-de-frade; claraiba; louro-mole; louro-salgueiro; porangaba.
Cordia leucocephala Moric. (Origem: Brasil) - Usada no tratamento de reumatismo,
indigestão, raquitismo infantil e artrites. Nomes populares: moleque-duro; bamburral;
maria-preta; negro-duro.
Cordia verbenacea DC. (Origem: Brasil) - Usada como antiinflamatória, antiartrítica,
analgésica, tônica e anti-ulcerogênica. Contra gota, dores musculares e da coluna,
prostatite, nevralgia, contusões, cicatrização, úlcera. Nomes populares: catinga-debarão;
cordia; erva-baleeira; balieira-cambará; erva-preta; maria-milagrosa; mariapreta;
salicinha; catinga-preta; camarinha.
Coriandrum sativum L. (Origem: região mediterrânea) - Usada como condimento e
considerada sudorífica, hemostática, carminativa, moderadora do apetite e contra atonia
gastro-intestinal, ansiedade, nervosismo, digestão difícil e gases. Nomes populares:
coentro; coendro.
Coronopus didymus (L.) Sm. (Origem: América do Sul) - Usada como depurativa, diurética,
estimulante hepática, expectorante, anti-escorbútica, e contra tosse, bronquite,
escrofulose, afecções gástricas e urinárias, anemia, diabetes e afecções pulmonares.
Nomes populares: mentruz; mastruço; mentruz-rasteiro; matruz-miúdo; mastruço-dosíndios;
erva-de-santa-maria; erva-vomiqueira.
Costus spicatus (Jacq.) Sw. (Origem: Brasil) - Usada como diurética e depurativa. Nomes
populares: cana-de-macaco; cana-mansa; canarana; heparena; ubacaia; pacova. Nome
no candomblé: tètèrègún. Orixá: Oxalá. Uso ritual: rituais de iniciação em geral.
Coutarea hexandra (Jacq.) K. Schun. (Origem: Brasil) - Usada contra a malária. Nomes
populares: quina; quina-brava; quina-do-pará; quina-do-piauí.
Crateva tapia L. (Origem: Brasil) - Usada na medicina indígena como amargo-tônica e
febrífuga. Como emplastro, contra mordida de cobra e reumatismo. Nomes populares:
catauari; catauré; cabaceira; cabaceira-do-pantanal; trapiá; tapiá; pau-d’alho.
Crescentia cujete L. (Origem: América tropical) - Usada contra hidropsia, enterite, anemia e
hidrocele. Considerada purgativa, expectorante, antipirética, abortiva e estimulante de
expulsão de placenta. Como cataplasma emoliente, contra dor-de-cabeça, erisipela e
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doenças da pele. Nomes populares: cuieira; cuieté; cuia; coité. Nome no candomblé:
igbá. Orixás: Obatlá e Orumilá. Uso ritual: como recipiente para assentamentos, nos
banhos, no ritual da entrega da cuia (novos sacerdotes), na confecção de adornos e em
ritos fúnebres (substituindo os tambores).
Crotolaria retusa L. (Origem: Ásia) - Nomes populares: xique-xique; cascaveleira; guizo-decascavel;
crotolária, chocalho; maraca. Nome no candomblé: sère oba; isín. Orixá:
Xangô. Uso ritual: em oferendas, para pedir prosperidade, em composições para
banhos.
Croton cajucara Benth. (Origem: Amazônia) - Usada como antidiarréica, antiinflamatória,
anticolesterol, contra diabetes, inflamação no fígado, rins e bexiga. Nomes populares:
sacaca; muirá-sacaca; cajussara; sacaquinha.
Croton sonderianus Müll. Arg. (Origem: Brasil) - Usada para problemas estomacais, tratar
hemorróidas e hemorragia uterina. Nomes populares: marmeleiro-preto; marmeleiro.
Croton urucurana Baill. (Origem: Brasil) - Usada como remédio natural pelos índios para
estancar sangramentos, cicatrizar e evitar infecção. Anti-hemorrágica, antiinflamatória,
anti-séptica, anti-viral e cicatrizante. Nomes populares: drago; sangue-de-drago;
sangue-da-água; sangra-d’água; urucurana; urucauana; lucurana; capixingui;
tapexingui; tapixingui.
Croton zehntneri Pax. & K. Hoffm. (Origem: Brasil) - Usada em bebidas medicinais como
carminativa e estomacal. Nomes populares: canelinha; canela-do-mato; canela-decunhã.
Cucumis melo L. (Origem: Ásia e África) - Usada medicinalmente para repor vitaminas,
sódio, potássio, magnésio, cálcio e ferro e contra doenças da bexiga. Nome popular:
melão. Nome no candomblé: ègúsí. Orixá: Oxum. Uso ritual: oferendas.
Cucumis sativus L. (Origem: Amazônia) - Usada contra reumatismo, gota, erupção cutânea,
cistite, enterocolite, amigdalite, laringite e cólicas em geral. Nome popular: pepino.
Nome no candomblé: apálá. Orixá: Ossaim. Uso ritual: compõe um ebó (“tudo o que a
boca come”) para “limpar” pessoas doentes.
Cucurbita pepo L. (Origem: América Central) - Usada como vermífuga (sementes),
estomáquica, antipirética, antiinflamatória dos rins, fígado e baço, antidiarréica, contra
prisão-de-ventre e vermes. Uso externo em queimadura e feridas. Nomes populares:
abóbora; abóbora-amarela; abóbora-de-guiné; abóbora-grande; abóbora-menina;
abóbora-moranga; abóbora-quaresma; cabaceira; curcubita-major-rotunda; curcubitapotiro;
jirimum; moranga; zapalo. Nome no candomblé: elégédé. Orixá: Orumilá. Uso
ritual: oferendas (tabu alimentar).
Cuphea balsamona Ch. & Sch. - Usada contra arteriosclerose, hipertensão, palpitações,
inflamações intestinaisl, doenças venéreas e afecções cutâneas. Nomes populares: setesangrias;
erva-de-sangue; balsamona; baba-de-burro; escorrega; sete-chagas. Nome no
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candomblé: àmù. Orixá: Obaluiaê. Uso ritual: banhos de purificação e tratamento de
afecções cutâneas dos filhos de Nanã e Oxumaré.
Cuphea carthagenensis (Jacq.) J.F. Macbr. (Origem: América do Sul) - Considerada
diaforética, diurética, laxativa, anti-sifilítica, contra hipertensão e arteriosclerose.
Nomes populares: sete-sangrias; pé-de-pinto; erva-de-sangue; guanxuma-vermelha.
Cupressus pyramidalis Targ. (Origem: Ásia) - Usada contra blenorragia, disenteria, fraqueza
orgânica, úlceras e feridas. Nomes populares: cipreste-piramidal; cipreste-fúnebre;
cipreste-vulgar. Nome no candomblé: igi ikú. Orixás: Oiá e Egum. Uso ritual:
associado aos mortos, para feitiçarias.
Curcubita pepo L. (Origem: Europa) - Usada como vermífuga (sementes), estomáquica,
antipirética, antiinflamatória, antidiarréica e laxativa. Uso externo em queimadura e
feridas Nomes populares: abóbora; jerimum; zapalo; moranga. Nome no candomblé:
elégédé. Orixá: Orumilá. Uso ritual: oferendas (tabu alimentar).
Curcuma longa L. (Origem: Índia) - Usada há milênios pela medicina chinesa e ayuvédica.
Considerada anti-hepatotóxica, anti-hiperlipidêmica, antiinflamatória, contra disfunções
hepáticas, para abaixar colesterol e triglicérides. Nomes populares: açafrão; açafrão-daterra;
açafroa; gengibre-amarelo; cúrcuma.
Curcuma zedoaria (Christm.) Roscoe (Origem: Índia) - Usada contra problemas de estômago,
como digestiva, fungicida, protetor pulmonar e estimulante hepática. Uso externo
contra picada, mau hálito e em curativos. Nomes populares: zedoária; falso-açafrão.
Cuscuta racemosa Mart. (Origem: Chile) - Usada contra afecções pulmonares, gripe,
resfriado, angina, faringite e amigdalite. Uso externo como cicatrizante. Nomes
populares: cipó-chumbo; cipó-dourado; fios-de-ovos; aletria; espaguete; tinge-ovos;
cuscuta. Nome no candomblé: awó pupá. Orixás: Ossaim, Obaluaiê e Ogun-já. Uso
ritual: em práticas iniciatórias.
Cymbopogon citratus (D.C.) Stapf. (Origem: Índia) - Usada como sudorífica, calmante,
estomáquica, analgésica, antiespasmódica e aromática. Nomes populares: capim-limão;
capim-santo; capim-cidreira; capim-cidrão; erva-cidreira; verbena da Índia; citronela.
Nome no candomblé: Koríko oba. Orixás: Oxossi e Xangô. Uso ritual: em banhos
purificatórios e chás (calmante).
Cynara scolymus L (Origem: África e região mediterrânea) - Usada para distúrbios digestivos
e hepáticos, considerada depurativa, colagoga, colerética, diurética, eliminadora do
ácido úrico; contra obesidade, abaixa colesterol, triglicérides e toxinas. Nomes
populares: alcachofra; alcachofra-hortense.
Cynodon dactylon (L.) (Origem provável: regiões tropicale subtropical) - Usada como
diurética e antiabortiva. Nomes populares: capim-de-burro; grama-seda; capim-dabermuda;
capim-fino. Nome no candomblé: gbègi. Orixás: Xangô e Oxum. Uso ritual:
em banhos para filhos de Xangô e Oxum.
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Cyperus esculentus L. (Origem: América, Europa e Ásia) - Nomes populares: junquinho;
tiririca; tiririca-amarela; tiririca-mansa; junça; três-quinas. Nome no candomblé: dandá.
Orixás: Exu, Ogum, Oxossi e Ossaim. Uso ritual: em defumação, pós, amuletos e
sacralização de assentamentos.
Cyperus rotundus L. (Origem: Índia) - Usada para tratar feridas, tuberculose, problemas
pulmonares, escabiose e pústulas. Considerada digestiva, antiespasmódica,
antiinflamatória, sedativa, balsâmica, antimicrobiana, analgésica, diurética, antipirética,
anti-histamínica, adstringente, carminativa, diaforética, estomáquica, hipotensora e
vermífuga. Nomes populares: tiririca; tiririca-vermelha; tiririca-comum; junça; junçaaromática;
alho; capim-dandá. Nome no candomblé: labé-labé. Orixás: Exu, Ogum,
Oxossi e Ossaim. Uso ritual: em assentamentos e trabalhos de Exu, também em ritos
fúnebres.
Datura metel L. (Origem: Ásia e África) - Usada em banho contra reumatismo (planta tóxica).
Nomes populares: trombeta-roxa; datura; manto-de-cristo; metel; trombeteira;
trombeta-cheirosa; cartucho-roxo; zabumba-roxa; saia-roxa; nogueira-de-metel;
anágua-de-viúva. Nome no candomblé: èsó feleje. Orixás: Ossaim, Oiá e Exu. Uso
ritual: em banhos, trabalhos com Exu.
Datura stramonium L. (Origem: Himalaia) - Usada como cigarro contra asma (flores),
considerada narcótica, sedativa, alucinógena, anticonvulsivante (tóxica). Nomes
populares: zabumba; anágua-de-noiva; erva-do-diabo; datura; estramônio; figueirabrava;
figueira-do-inferno; trombete; erva-dos-feiticeiros. Nome no candomblé: àgogó.
Orixás: Exu. Uso ritual: trabalhos para Exu..
Daucus carota L. (Origem: Europa) - Usada desde a Idade Média. Considerada carminativa,
emenagoga, diurética, anti-séptica, vermífuga, digestiva, tônica dos nervos, fonte de
vitamina, remineralizante e hipoglicemiante. Usada contra cistite, cálculos renais, gota,
edema, indigestão, flatulência e problemas menstruais. Uso externo em afecções
cutâneas e queimaduras. Nomes populares: cenoura; cenoura-silvestre; cenoura-brava.
Delonix regia (Boj. Ex Hook.) (Origem: Ásia) - Usada contra pressão alta e palpitação
cardíaca. E como sedativo leve. Nomes populares: Flamboyant, flor-do-paraíso. Nome
no candomblé: igi ògun bèrèkè. Orixás: Xangô, Oiá e Ibeije. Uso ritual: em
assentamentos após oferendas.
Desmodium adscendens (Sw.) DC. (Origem: Brasil) - Usada contra nervosismo e infecções
vaginais, blenorragia, leucorréia, dores no corpo e diarréia. Índios usam contra malária
e como contraceptivo. Nomes populares: amor-seco; amor-do-campo; carrapicho;
pega-pega; carrapicho-beiço-de-boi; amor-agarrado; marmelada-de-cavalo; amorico.
Nome no candomblé: ewé odé; èmón. Orixá: Oxossi. Uso ritual: em àgbo, banhos
purificatórios e na culinária litúrgica.
Dicksonia sellowiana H.B.K. (Origem: Brasil) - Usada contra tosse e problemas renais.
Nomes populares: feto; samambaiaçu; xaxim. Nome no candomblé: idé. Orixá: Nanã.
Uso ritual: em em rituais de iniciação, banhos de proteção dos filhos de Nanã, Oxumaré
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ou Obaluaiê.
Dieffenbachia aglaonematifolia Engl. (Origem: Colômbia e Costa Rica) - Considerada tóxica
e venenosa. Nome popular: comigo-ninguém-pode-verde. Nome no candomblé:
wobomú. Orixá: Logun Edé. Uso ritual: em ritual de iniciação, assentamento e
oferendas.
Dieffenbachia picta (Lodd.) Schott. (Origem: Brasil, Índia e África) - Considerada tóxica,
entorpecente, cáustica e venenosa. Nome popular: comigo-ninguém-pode. Nome no
candomblé: wobomú funfun. Orixás: Ifá e Exu. Uso ritual: trabalhos e assentamento de
Exu e como amuleto ornamental. Na umbanda, usada em banhos contra-feitiços.
Digitalis purpurea L. (Origem: Europa e África) - Usada há séculos pela medicina tradicional
da Europa. Diurética, apesar dos riscos tóxicos. Nomes populares: digital; dedaleira;
abeloira; dedo-de-dama.
Dimorphandra gardneriana Tul. (Ocorre no Brasil) - Usada como antiespasmódica e
antioxidante, contra hemorragias capilares e radicais livres. Nomes populares: favod’anta;
faveiro.
Dioscorea bubifera L. (Origem provável: África) - Nomes populares: cará-moela; cará-do-ar;
cará-de-corda; cará-de-sapateiro. Nome no candomblé: acan. Orixá: Oxalá. Uso ritual:
em pós de boa sorte.
Dioscorea retundata Poir. (Origem provável: África) - Usada contra coqueluche, asma
catarral e catarro bronquial. Nomes populares: inhame-da-costa; inhame-cará; inhameda-
guiné-branco; cará-do-pará. Nome no candomblé: isu. Orixás: Oxalá e Ogum. Uso
ritual: em oferendas, na culinária litúrgica.
Dipteryx odorata (Aubl.) Willd. (Origem: Amazônia) - Usada como aromatizante e contra
contra cólicas e úlceras. Nomes populares: amburana; cumaru; fava-tonca-daamazônia;
imburana-de-cheiro; cumarurana; cumaru-amarelo; muimapagé; champagne;
cumaru-do-amazonas; cumaru-de-cheiro.
Dorstenia asaroides Gardn. (Origem: Brasil) - Considerada analgésica, antiinflamatória,
diaforética, digestiva, diurética, emenagoga, febrífuga, purgativa, tônica, estimulante,
estomáquica, sudorífica, contra bronquites, cólicas uterinas, febre tifóide e infecções
respiratórias. Nomes populares: caapiá; caiapiá; apií; caiapiá-açu; chupa-chupa; contade-
cobra; contra-erva; contra-veneno; eiú; taropé; teju-açu; tiú; liga-osso; liga-liga.
Dracaena fragans (L.) Ker Gawl. (Origem: África) - Usada contra reumatismo. Nomes
populares: nativo; pau-d’água; dracena; coqueiro-de-vênus. Nome no candomblé:
pèrègún. Orixá: Ogum. Uso ritual: em banhos diversos, sacudimentos, em vários rituais,
àgbo e na sacralização dos objetos rituais.
Dracaena fragans var. massangeana L. (Origem: África) - Usada contra reumatismo. Nomes
populares: coqueiro-de-vênus-nativo; dracena-listrada; dracena-verde-e-amarela;
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nativo. Nome no candomblé: pèrègún kó; pèrègún funfun. Orixás: Oxumaré, Ossaim e
Logun Edé. Uso ritual: em rituais de iniciação (Oxumaré), banhos purificatórios,
ornamentação (oferendas a Ossaim).
Dracontium longipes Engl. (Origem: Amazônia) - Usada contra mordidas de cobra pelos
indígenas amazônicos. E contra asma, amenorréia, tosse, sarna, anemia, picadas e gota.
Nomes populares: erva-jararaca; jararaca; jararaca-taiá; milho-de-cobra; tajá-de-cobra.
Drimys winteri J.R. Forst. & G. Forst. (Origem: Chile) - Usada mundialmente como
carminativa, estomáquica e tônica. Contra problemas gástricos e estomacais, dispepsia,
disenteria, náuseas, dores intestinais, cólicas, febres e anemia. Considerada sudorífica,
anti-escorbútica, antiespasmódica e expectorante. Nomes populares: cataia; cascad’anta;
caá-pororoca; canela-amarga; casaca-de-anta; para-tudo; pau-prá-tudo.
Drymaria cordata (L.) (Origem: América tropical) - Nomes populares: erva-vintém; vintém;
esperguta-rasteira; folha-de-vintém; cordão-de-sapo; mastruço-do-brejo; jaboticaá.
Nome no candomblé: ilerín; okówó. Orixás: Oxalá, Oxum e Ossaim. Uso ritual: em
àgbo e banhos de purificação.
Echinodorus grandiflorus (Cham. & Schech.). (Origem: América) - Usada como diurética e
contra inflamações de garganta e problemas respiratórios. Nomes populares: chapéude-
couro; chá-mineiro; erva-do-brejo; congonha-do-brejo; aguapé. Nome no
candomblé: séséré. Orixá: Oxalá. Uso ritual: em banhos purificatórios.
Echinodorus macrophyllus (Kunth.) Mitch. (Origem: Brasil) - Considerada anti-reumática,
diurética, tônica e depurativa. Contra problemas no fígado e rins, arteriosclerose,
amidalites, faringites e doenças de pele. Nomes populares: chapéu-de-couro; chá-depobre;
chá-de-mineiro; congonha-do-brejo; erva-do-brejo; erva-do-pântano.
Eclipta alba (L.) Hassk. - Usada amplamente na medicina ayuvédica na Índia como
hepatoprotetora e em tratamentos do fígado. E contra tosse, bronquite, asma, diarréia,
sífilis e picadas, considerada tônica, emética, purgativa, desobstruente e
antiinflamatória. Nomes populares: agrião-do-brejo; erva-botão; lanceta; surucuína;
coacica; quebra-pedra; sucurima; cravo-brabo; tangaracá. Nome no candomblé: tenùbe.
Orixá: Ogum. Uso ritual: rituais de iniciação, àgbo, banhos purificatórios e
sacudimentos.
Egletes viscosa (L.) Less. (Origem: América tropical) - Usada contra problemas digestivos e
intestinais, cólicas, gases, azia, má-digestão, diarréia, enxaqueca e irregularidades
menstruais. Nomes populares: macela; macela-da-terra; macela-do-campo; macela-dosertão;
marcela; chá-da-lagoa; losna-do-mato.
Eichhornia azurea (Sw.) Kunth. (Origem: Amazônia) - Nomes populares: jacinto-d’água;
baronesa; dama-do-lago; mureré; orelha-de-veado. Nome no candomblé: eresí momin
pala. Orixá: Nanã. Uso ritual: banhos purificatórios, sacralização e limpeza de objetos
rituais.
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Eichhornia crassipes (Mart.) (Origem: Brasil) - Nomes populares: aguapé; dama-do-lago;
orelha-de-veado; rainha-do-lago. Nome no candomblé: ejá omodé. Orixás: Nanã,
Iemanjá e Oxum. Uso ritual: em àgbo, na sacralização e nos osé (limpeza) de objetos
rituais dos orixás e em “banho de boa sorte”.
Elaeis guineensis L. (Origem: África) - Usada externamente (óleo) conta angina, erisipela,
panarício e filariose. Nome popular: dendezeiro. Nome no candomblé: igi òpè; màrìwò.
Orixás: Oxalá e Ogum. Uso ritual: árvore sagrada, palmas usadas em oferendas. Usada
também em assentamentos e em diversas finalidades rituais, da culinária litúrgica ao
oráculo do Ifá.
Elephantopus mollis Kunth (Origem: América) - Considerada tônica, diurética, febrífuga,
emenagoga, anti-séptica, contra herpes, cálculos renais, bronquite, tosse, gripe, catarro,
coceira, resfriado e para cicatrização. Nomes populares: erva-grossa; língua-de-vaca;
fumo-bravo; erva-de-colégio; fumo-da-mata; erva-do-diabo; pé-de-elefante; sossoia;
suçuaia; suaçucaá; erva-de-viado; tapirapecu. Orixás: Exu e Omolu. Uso ritual: em
sacudimentos, em pó para trabalhos com Exu e, na umbanda, em banhos de descarrego
(pescoço para baixo).
Eleusini indica (L.) Gaertn. (Origem provável: Ásia) - Usada contra anemia, fraqueza, ameaça
de aborto, hemorragia, diarréia, disenteria, menstruação abundante e catarro.
Considerada diurética e reconstituinte. Nomes populares: pata-de-galinha; capim-péde-
galinha; grama-sapo; capim-da-cidade; capim-criador. Nome no candomblé: gbági.
Orixá: Oxum. Uso ritual: em banhos de prosperidade e para “problemas de barriga” ou
gravidez; e na sacralização de objetos rituais de Oxum.
Eleutherine bulbosa (Mill.) Urb (Origem: América tropical) - Usada contra hastralgia,
histeria, diarréia, verminose, amebíase ou como emplastro para cicatrização. Nomes
populares: marupari; marupazinho; marupá-piranga; palmeirinha; lírio-folha-depalmeira;
wá-ro.
Emilia sagitatta (Vahl.) DC. (Origem: Trópicos) - Nomes populares: pincel; falsa-serralha;
serralha-mirim; emília. Nome no candomblé: òdundún odò. Orixás: Oxalá e Iemanjá.
Uso ritual: em banhos purificatórios, rituais de iniciação e na culinária litúrgica.
Emilia sonchifolia (L.) DC (Origem: Ásia) - Considerada febrífuga, antiasmática e
antioftálmica. Contra asma, bronquite, resfriado, dor no corpo, faringite, problemas
urinários e amidalite. Uso externo em feridas, pruridos, eczemas, chagas e escaras.
Nomes populares: algodão-de-preá; bela-emília; falsa-serralha; pincel; pincel-deestudante;
serralha; seralha-brava; serralhinha.
Endopleura uchi Cuatrec. (Origem: Amazônia brasileira) - Usada (casca) para combater
colesterol, diabetes, reumatismo e artrite. Nome popular: uxi.
Entada sp. (Origem provável: África) - Nome popular: fava-de-xangô. Nome no candomblé:
olibé. Orixá: Xangô. Uso ritual: favas usadas em assentamentos de Xangô.
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Equinacea purpurea (L.) Moench (Origem: EUA) - Usada pelos índios norte-americanos há
séculos para várias doenças, inclusive envenenamento, picadas, lesões na pele,
problemas respiratórios e dor-de-dente. Considerada estimulante do sistema
imunológico, cicatrizante, antibacteriana, antialérgica, anti-séptica, antimicrobiana,
antivirótica, estimulante do sistema linfático e anticancerígena; contra resfriados, tosse,
bronquite, gripe, infecções urinárias, faringite, amigdalite e queimaduras. Nomes
populares: flor-roxa-cônica; cometa-roxo; equinácea.
Equisetum giganteum L. (Origem: América do Sul) - Usada contra problemas renais e
obesidade, gonorréia, diarréia, infecções renais e urinárias, hemorragias nasais,
anemias, excesso de ácido úrico. Considerada hemostática, adstringente, diurética.
Nomes populares: cavalinha; cola-de-cavalo; erva-canudo; rabo-de-cavalo; milho-decobra.
Eryngium foetidum L. (Origem: Amazônia) - Usada também como condimento. Considerada
abortiva, emenagoga, antimalárica, febrífuga, contra espasmos, impotência sexual,
hidropisia e retenção urinária. Nomes populares: coentro-bravo; coentro-de-caboclo.
Orixá: Oxum. Uso ritual: em sortilégios de atração do sexo oposto (tabu alimentar).
Erythrina speciosa Andrews. (Origem: Brasil) - Usada como tranquilizante e calmante, contra
pressão alta, insônia, dor de dente, pertubações do sistema nervoso e tosse. Nomes
populares: bico-de-papagaio; mulungu; mulungu-do-litoral; eritrina-candelabro. Nome
no candomblé: odidi. Orixá: Exu. Uso ritual: em trabalhos de Exu e lavagem de
assentamento.
Erythrina mulungu Mart. ex Benth. (Origem: Brasil) - Usada pelos índios como sedativa.
Considerada sedativa do sistema nervoso, usada contra ansiedade, tosse nervosa,
problemas do sistema nervoso, insônia, asma, bronquite, hepatite, gengivite,
inflamações hepáticas e esplênicas e febres. Sementes tóxicas. Nomes populares:
mulungu; amansa-senhor; árvore-de-coral; bico-de-papagaio; canivete; capa-homem;
corticeira; flor-de-coral; suína; suína-suinã; tiricero.
Erythrina velutina Willd. (Origem: Brasil) - Considerada calmante, emoliente, peitoral,
anestésica, sedativa, calmante de tosse e bronquite, contra verminose e hemorróidas,
como maturadora de abscessos. Nome popular: mulungu.
Erythroxylum vacciniifolium Mart. (Origem: Brasil) - Usada como estimulante, desde os tupis.
Contra impotência e fraqueza sexual, agitação, nervosismo, memória fraca, insônia e
hipocondria. Nome popular: catuaba (pau).
Eucalyptus globulus Labill. (Origem: Tasmânia) - Considerada aromatizante, expectorante,
analgésica, anti-séptica, antigripal. Nomes populares: árvore-da-febre; comeiro-azul;
eucalipto; gomeiro-azul; mogno-branco; eucalipto-limão. Orixá: Ogum. Uso ritual:
defumação, banhos de purificação e sacudimento.
Eugenia cumini (L.) Druce (Origem: Índia e Malásia) - Considerada hipoglicemiante (uso do
pó). Nomes populares: ameixa-do-pará; jambolão; jamelão; jambu.
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Eugenia uniflora L. (Origem: Brasil) - Usada para repor vitamina C e como excitante,
febrífuga, aromática, anti-reumática, antidisentérica, contra diarréia, verminose e febre,
bronquite, ansiedade, hipertensão arterial. Nomes populares: pitanga; ibipitanga;
pitanga-branca; pitanga-do-mato; pitanga-rósea; pitangatuba; ubipitanga; ginja; jinja.
Nome no candomblé: ítà. Orixás: Ossaim e Oxum. Uso ritual: em sacudimentos e
banhos para atrair coisas boas e prosperidade e na ornamentação.
Eupatodium ballotaefolium H.B.K. - Usada contra feridas e compondo infusões contra gripes
e resfriados. Considerada aromática, excitante e emoliente. Nomes populares: mariapreta;
balaio-de-velho. Nome no candomblé: ewé solé. Orixás: Nanã, Obaluaiê e
Oxumaré. Uso ritual: rituais de iniciação e banhos purificatórios.
Euphorbia tirucalli L. (Origem: África) - Resolutiva em carcinomas e epiteliomas benignos.
Usada externamente para retirar abscessos, verrugas e melanomas e contra reumatismo.
Nomes populares: aveloz; almeidinha; árvore-do-coral-de-são-sebastião; cega-olho;
coral-verde; coroa-de-cristo; dedo-do-diabo; dente-de-cão; espinho-de-cristo; labirinto;
cassoneira; mata-verrugas. Nome no candomblé: ikikigún. Orixás: Exu e Obaluaiê. Uso
ritual: em trabalhos com Exu.
Euterpe olearacea Mart. (Origem: Brasil) - Usada como energética e para repor vitaminas. O
sumo do palmito in natura é utilizado para estancar sangue de ferimentos. Nomes
populares: açaí-do-pará; juçara.
Ficus carica L. (Origem: Ásia) - Usada contra inflamação da boca e garganta, prisão de
ventre, bronquite, tosse, gripe, resfriado, como emoliente peitoral, laxativa, restauradora
de energia e retardadora de envelhecimento. Nomes populares: figo; figueira-daeuropa;
figueira; figueira-mansa; figueira-de-baco; figueira-comum.
Ficus doliaria Mart. (Origem: África) - Usada contra vermes, hidropisia, sífilis, reumatismo,
considerada depurativa. Nomes populares: gameleira; figueira; tatajuba; iroco;
figueira-branca; figueira-brava; figueira-grande. Nome no candomblé: ìrócò. Orixás:
Oxalá, Iroco e Exu. Uso ritual: em rituais de inciação, àgbo, banhos e outros
procedimentos contra doenças graves. Árvore sagrada, entidade fitomórfica.
Ficus insipida Willd. - Considerada anti-helmíntica, afrodisíaca, estimulante da memória,
depurativa, anti-sifilítica, e contra ancilostomose, icterícia, dores abdominais. Nomes
populares: apuí-açu; caxinguba; coaxinguba; figueira; figueira-do-mato; figueirabranca;
gameleira-branca, gameleira-roxa; lombrigueira; figueira-do-brejo; mata-pau.
Foeniculum vulgare Mill. (Origem: Europa) - Usada desde a antiguidade como chá
medicamentoso para problemas digestivos, estimulante digestivo e da lactação, contra
gases e cólicas. Também usado na culinária (base da haste). Nomes populares: ervadoce;
falso-anis; funcho; anis; funcho-doce. Orixás: Oxalá e Oxum. Uso ritual: em
banhos purificatórios e defumadores.
Fumaria officinalis L. (Origem: Europa) - Usada desde tempos remotos por Dioscorides e
Galeno. Na medicina tradicional como medicação amarga, tônica, laxativa, diurética,
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anti-escorbútica, aperitiva, depurativa, antiácida. Também para conjuntivite, eczema,
dermatite e afecções da pele. Nomes populares: fumaria; fel-da-terra; moleirinha;
molarinha; erva-moleireinha; fumo-da-terra; capenóide; sangue-de-cristo.
Fusaea longifólia (Aubl.) Safford (Origem: Brasil) - Usada pelos índios urubu-kaapor como
remédio de amplo aspecto, na solução de problemas variados de saúde. Nomes
populares: fusáia; karatu’a’a.
Galinsoga parviflora Cav. (Origem: América do Sul) - Usada contra doenças broncopulmonares,
considerada anti-escorbútica e digestiva. Nomes populares: picão-branco;
fazendeiro; botão-de-ouro.
Garcinia livingstoni T. Anders. e Garcinia kola Heckel (Origem: África) - Usada contra
bronquite. Nome popular: orobô. Nome no candomblé: orógbó. Orixás: Orumilá,
Xangô e Ossaim. Uso ritual: em jogos divinatórios, ritos de passagem e oferendas.
Genipa americana L (Origem: Brasil) - Usada como purgativa, antidiarréica e contra sífilis,
gonorréia, faringite e úlceras. Nomes populares: genipapo; genipá. Nome no
candomblé: bujè. Orixá: Obaluaiê. Uso ritual: na raspagem de cabeça dos filhos de
Obaluaiê.
Ginkgo biloba L. (Origem: China e Japão) - Usada no Brasil principalmente para problemas
circulatórios ou para dilatação dos vasos periféricos do cérebro, visando à melhoria da
memória. Usada há séculos pela medicina chinesa para o tratamento de problemas
variados de saúde. Nomes populares: árvore-avenca; árvore-folha-de-avenca; ginkgo.
Gomphrena arborescens L. f. (Origem: Brasil) - Usada como remédio universal: antipirética,
antidiarréica, febrífuga, tônica, amarga, aromática, excitante, emenagoga, ou contra
colites, enterites, fraquezas, febres intermitente e outros males. Nomes populares:
paratudinho; paratudo; panacéia; perpétua; perpétua-do-mato; raiz-do-padre.
Gomphrena globosa L. e Gomphrena celosioides Mart. (Origem: Índia e América do Sul) -
Usada contra males respiratórios e febres, tosse, estados nervosos do coração. Nomes
populares: perpétua; suspiro-roxo; para-tudo; perpétua-brava. Nome no candomblé:
èkèlegbara; amúeú wáyé. Orixá: Exu. Uso ritual: em trabalhos e assentamentos de Exu.
Gossypium barbadense L. (Origem: Índia e China) - Usada como regulador menstrual,
hemostática, contra inflamações e dores no útero, retenção de placenta. Nome popular:
algodoeiro. Nome no candomblé: ewé òwú. Orixás: Oxalá e Orumilá. Uso ritual: ligada
ao signo feminino, usada em rituais de iniciação, em tecidos de vestes rituais.
Gossypium hirsutum L. (Origem: Brasil) - Usada pela tradição popular para disenteria,
hemorragia uterina, falta de memória, amenorréia, distúrbio na menopausa, contra
impotência, pano branco, impigens, como cicatrizante, vermífugo e emoliente. Nomes
populares: algodoeiro; algodão; algodão-herbáceo; algodão-mocó; algodão-anual.
Guarea guidonia (L.) Sleumer (Origem: Brasil) - Usada como antiinflamatória, emética,
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adstringente, purgativa, febrífuga e abortiva (casca do tronco). E contra hidropisia e
gota (casca das raízes) e em banhos para artrites e traumas. Nomes populares: açafroa;
bilreiro; camboatã; canjerona-miúda; carrapeta-verdadeira; cedrão; cedro-branco;
cedroana; guaré; jataúba; jataíba; jataúba-branca; jitó; macuqueiro; macaqueiro;
marinheiro; pau-bala; pau-de-sabão; peloteira; taúva. Nome no candomblé: ìpèsán.
Orixá: Xangô. Uso ritual: em banhos de iniciação, proteção, prosperidade e
sacudimentos. Árvore sagrada.
Guazuma ulmifolia Lam. (Origem: Brasil) - Usada como diaforética e contra tosse, bronquite,
asma, pneumonia, febres e problemas hepáticos. O óleo dos frutos é usado para impedir
queda de cabelos (óleo-de-mutamba). Nomes populares: araticum-bravo; embira;
embireira; embiru; envireira; frutas-de-macaco; guamaca; guaxima-macho; guaximatorcida;
ibixuna; mutamba; mutambo; pau-de-bicho; pau-de-pomba; periquieira; pojó.
Gymnanthes brasiliensis Muel. Arg. (Origem: Brasil) - Nomes populares: língua-de-galinha;
laranjinha-branca; capixaba. Nome no candomblé: ewé bonokó. Orixás: Oxumaré e
Ogum. Uso ritual: rituais de iniciação, lavagem de búzios, sacralização dos cauris.
Hamalia patens Jacq. (Origem: Brasil) - Usada contra problemas de pele, infecções, diarréia,
febre e dores menstruais. Nomes populares: falsa-erva-de-rato; amália.
Hancornia specios Gomes (Origem: Brasil) - Usada como remédio para o fígado, contra
distúrbios intestinais e para induzir menstruação. Nomes populares: mangaba;
mangabeira; manga-icé (guarani); tembiú-catu (tupi).
Hedychium coronarium Koenig. (Origem: Himalaia e Madagascar) - Raízes usadas como antireumáticas
e purgativas. Nomes populares: lírio-do-brejo; lágrima-de-vênus; borboleta;
cardamomo-do-mato. Nome no candomblé: balabá. Orixás: Iemanjá e Ogum. Uso
ritual: ritual de iniciação e banhos purificatórios.
Helianthus annus L. (Origem: Peru) - Usada topicamente em contusões, machucados, úlceras
e inflamações na vagina. Nome popular: girassol. Nome no candomblé: òdòdó iyéiyé.
Orixá: Oxum. Uso ritual: para afastar maus espíritos e para prosperidade, em banhos.
Na umbanda usada em rituais de previsões.
Heliotropium indicum L. (Encontrada no Brasil) - Usada como diurética e peitoral, contra
úlceras, feridas, picadas de insetos, aftas, estomatites, ulcerações na garganta e faringe
(uso externo). Nomes populares: aguaraciunha; macelinha; erva-de-são-fiacre; aguaraá;
escorpião; cravo-de-urubu; tureroque; turiri; crista-de-galo; borragem-brava; borragem;
jacuacanga; borracha-brava; fedegoso; grinalda-de-boneca. Nome no candomblé: ewé
ogbe àkùko. Orixá: Xangô. Uso ritual: ritual de iniciação, àgbo, banhos e na culinária.
Hibiscus esculentus L. - Usada contra bronquite, pneumonia e tuberculose. Nome popular:
quiabo. Nome no candomblé: ilá; ìlasa; ìrula. Orixás: Xangô, Oiá, Iemanjá, Oxumaré,
Ibeije. Uso ritual: na culinária litúrgica, em oferendas e em banhos.
Hibiscus rosa-sinensis L. (Origem: Ásia) - Usada contra oftalmia. Nomes populares: brio-deUNIVERSIDADE
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estudante; mimo-de-vênus; graxa-de-estudante; hibisco-da-chinaa. Nome no
candomblé: èsá pupa. Orixás: Ossaim, Ogum e Oxum. Uso ritual: banhos de
purificação e descarrego.
Hibiscus sabdariffa L. (Origem: África) - Usada como emoliente, estomáquica, antiescorbútica,
diurética, febrífuga. Nomes populares: vinagreira; rosela; caruru-azeda;
azedinha; caruru-da-guiné; quiabo-azedo; quiabo-róseo; quiabo-roxo; roselha; groselha;
quiabo-de-angola; groselheira.
Himantanthus drasticus (Mar.) Plumel (Origem: América Central e do Sul) - Usada contra
vermes, febres, regras irregulares, infertilidade feminina, úlcera gástrica, câncer e
tuberculose. Nomes populares: janaguba; januda; dona-joana; raivos; jasmim-manga;
sabeú-una; tiborna; sucuúba.
Hippeastrum puniceum (Lam.) Kuntze (Origem: Brasil) - Usada como emética, catártica,
purgativa, excitante, antiasmática e peitoral. Nomes populares: açucena; açucenalaranja;
amarilis; cebola-berrante.
Humiria balsamifera (Aubl.) A. St.-Hil. (Origem: Brasil) - Usada como anti-helmínica,
balsâmica, expectorante, cicatrizante, para disenteria e dor-de-dente. Nomes populares:
umiri; umiri-de-cheiro; umiri-do-pará; muréua.
Hybanthus calceolaria (L.) Schulze-Menz (Origem: Brasil) - Usada como antidiarréica e
amebicida. Nomes populares: ipeca-branca; falsa-ipecacauana; poaia-branca; poaia-dapraia;
purga-de-campo.
Hydrocotile bonariensis Lam. (Origem: América e África) - Usada contra afecções do baço,
fígado, intestino, diarréia, hidropisias, reumatismo, sífilis, sardas e manchas na pele. E
como calmante e tônico cerebral. Nomes populares: erva-capitão; acariçoba: pára-sol;
capitão; lodagem. Nome no candomblé: ábèbè òsúm (leque de Oxum). Orixá: Oxum.
Uso ritual: como paramento e rituais de iniciação e banhos.
Hydrocotyle brasiliensis Scheidw. ex Otto & F. Dietr. (Origem: Brasil) - Usada como
antiinflamatória e cicatrizante (externo), depurativa, estimulante cutâneo, diurética,
digestiva, e em banhos de assento, contra celulite, irritação vaginal, problemas
circulatórios e vasculares. Nomes populares: centela; dinheiro-em-penca; pata-deburro.
Hymenaea courbaril L. (Origem: Brasil) - Usada pelos índios amazônicos contra diarréia,
tosse, gripe, bronquite, cistite, catarro no peito, problemas estomacais, câncer de
próstata, verminose, cólica, infecções na bexiga, tratamento de pé-de-atleta e fungos. E
como fortificante. Nomes populares: jatobá; jitaí; farinheira; fava-doce; jataí; jataí-açu;
jatobá-da-caatinga; jutaí; jutaicí.
Hypericum perforatum L. (Origem: América do Norte) - Usada desde a Idade Média.
Considerada antidepressiva, adstringente, anti-séptica, analgésica, calmante,
antiinflamatória e cicatrizante. Também contra asma brônquica, bronquite, tosse,
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cefaléia, dores reumáticas, ansiedade, distúrbio na menopausa, ciáticas e fibroses.
Nomes populares: hipérico; milfurada; milfacadas; erva-de-são-joão; orelha-de-gato.
Hyptis carpinofolia Benth. (Origem: Brasil) - Usada como antifebrífuga (banho). Nomes
populares: alfazema-do-brasil; rosmarinho. Nome no candomblé: àrùsò. Orixá: Oxum.
Uso ritual: oferendas, banhos e defumação.
Hyptis mollissima Benth. - Usada contra febres infantis. Nomes populares: catinga-de-mulata.
Nome no candomblé: makasa. Orixás: Oxalá, Oxum e Iemanjá. Uso ritual: em àgbo,
banhos purificatórios e lavagem de búzios divinatórios.
Hyptis pectinata (L.) Poit. (Origem: Américas) - Usada como estimulante, sudorífera e
béquica. Nomes populares: neves; alfazema-de-caboclo; alfazema-brava; macaé;
mercúrio-do-campo; poejo-do-brejo. Nome no candomblé: jobó làtórijé. Orixá: Oxalá.
Uso ritual: em rituais de iniciação e banhos de purificação.
Hyptis suaveolens (L.) Poit. (Origem: América) - Usada contra cólicas, problemas digestivos,
gota, gripe, febre, dores e problemas respiratórios. Nomes populares: alfavacão;
alfazema-de-caboclo; alfazema-brava; alfavaca-de-caboclo; cheirosa; salva-limão;
bamburral; betônica-brava; mentrasto-graçú; melissa-de-pison; cheirosa; pataquera;
betônica-branca; catônia; celine; erva-cidreira; salva-limão.
Ilex aquifolium L. (Origem: Europa e Ásia) - Nome popular: azevinho. Nome no candomblé:
sukuí. Orixá: Exu. Uso ritual: em sacudimentos e trabalhos com Exu.
Ilex paraguariensis A. St.-Hil. (Origem: América do Sul) - Usada para fins medicinais desde
antes da descoberta da América. O chá tem uso muito difundido (chimarrão, chá) e tem
função antioxidante e estimulante do sistema nervoso central. Nomes populares:
congonha; erva; erva-congonha; erva-mate; erva-verdadeira; erveira; mate; chá-mate.
Inga marginata Willd. (Origem: América do Sul) - Usada contra diarréias (internamente) e
para curar feridas (externamente). Nomes populares: ingá; ingazeiro; ingá-do-brejo;
ingá-banana. Nome no candomblé: kolomi; ìyá kolomi. Orixás: Ossaim, Oxalá e
Xangô. Uso ritual: em oferendas, banhos purificatórios, defumadores.
Ipomoea alba L. (Origem: América) - Usada contra reumatismo e inflamações cutâneas.
Nomes populares: dama-da-noite; campainha; corriola-da-noite; boa-noite; abre-noitefecha-
dia. Nome no candomblé: àlúkerésé. Orixá: Oxalá. Uso ritual: banhos de
prosperidade e de iniciação.
Ipomoea batatas (L.) Lam. (Origem: América) - Considerada galactagoga, contra deficiência
de vitamina A. Usada para aumentar a lactação. Nomes populares: batata-doce; batatada-
ilha; batata-da-terra. Nome no candomblé: ewé kukundùnkú; ewé orí. Orixás:
Iemanjá, Ogum e Oxumaré. Uso ritual: rituais de iniciação, banhos de purificação e
oferendas.
Ipomoea hederifolia L. (Origem: América) - Nomes populares: jitirana-vermelha; campainha;
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corda-de-viola; jitirana; corriola; primavera-de-caiena. Nome no candomblé: ewé
kawókawó. Orixás: Xangô e Oiá. Uso ritual: em rituais de iniciação, banhos de defesa e
prosperidade.
Ipomoea pes-caprae (L.) R. Br. (Origem: África e Ásia) - Uso remonta à Antiguidade.
Considerada emoliente, vunerária, diurética e purgativa. Usada contra reumatismo,
tumores, picada e na maturação de abscessos. Nomes populares: salsa-da-praia; batatada-
praia; ipoméia; cipó-da-praia; pé-de-cabra; convólvulo-da-praia. Nome no
candomblé: gbòrò ayaba. Orixá: Iemanjá. Uso ritual: em ritos de inciação para todos os
orixás.
Ipomoea salzmanii Choizy. Considerada abortiva. Nomes populares: batatinha. Nome no
candomblé: kurukuru. Orixá: Nanã. Uso ritual: em rituais de iniciação e banhos
propiciatórios.
Jatropha curcas L. (Origem: América tropical) - Nomes populares: pinhão-branco; pinhão;
pinhão-de-purga; pinhão-de-barbados. Nomes no candomblé: bòtujè funfun; olójobè.
Orixás: Ogum, Oxossi e Oiá. Uso ritual: em sacudimentos e banhos, em banhos de
descarrego e benzeduras.
Jatropha gossypiifolia L. (Origem: Antilhas e América tropical) - Usada como purgativa
drástica (sementes), cicatrizante, hemostática, anti-reumática, anti-hipertensiva e
diurética. Nomes populares: pinhão-roxo; erva-purgante; jalapa; mamoninha; piãoroxo;
peão-roxo; raiz-de-tiu. Nome no candomblé: bòtúje pupa. Orixás: Ogum, Oxossi,
Oiá e Iansã. Uso ritual: sacudimentos, banhos, banhos de descarrego e benzeduras.
Jodina rhombifolia (Hook & Arn.) Reissek (Origem: Brasil e América do Sul) - Usada contra
resfriado, problemas estomacais e disenteria. Uso tópico sobre feridas, câncer de pele e
ferimentos com infecção. Nomes populares: cancrosa; cancerosa; sombra-de-tolo.
Justicia pectoralis var. J. stenophylla Leon (Ocorre na Amazonia) - Folhas usadas em rituais
indígenas na Amazônia, como integrante de misturas alucinógenas inaladas. Usada
medicinalmente contra reumatismo, cefaléia, febre, cólicas abdominais, inflamações no
sistema respiratório e como expectorante, sudorífica e afrodisíaca. Nomes populares:
chambá; chachambá; anador; trevo-do-pará; trevo-cumaru.
Kalanchoe brasiliensis Camb. (Origem: Brasil) - Usada em doenças pulmonares e
topicamente contra dores, inchaços, para maturar abscessos e como cicatrizante. Nomes
populares: folha-da-costa; saião; folha-grossa; paratudo; erva-grossa. Nome no
candomblé: òdúndún. Orixá: Oxalá. Uso ritual: em ritos de iniciação, àgbo, banhos,
oferendas e para lavagem de búzios divinatórios.
Lablabe vulgaris var. albiflorus - Nome popular: feijão-branco. Nome no candomblé: èwà
funfun. Orixá: Ossaim. Uso ritual: culinária litúrgica (tabu alimentar) e oferendas a
egun.
Lactuca sativa L. (Origem: Ásia) - Usada como laxante, antiácida, anti-reumática, sonífera,
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calmante do estômago e do sistema nervoso e e contra palpitações, tosse, perturbações
nervosas e problemas de pele. Nome popular: alface.
Lantana camara L. (Origem: Brasil) - Considerada tônica, sudorífica, antipirética, antireumática,
indicada para afecções das vias respiratórias (xarope) e sarna (banhos).
Usada em compressas para contusões, esfoladuras, dores musculares e articulares
Nomes populares: câmara; cambará; camará; erva-chumbinho; lantana-cambará. Nome
no candomblé: ábitólá. Orixás: Exu e Xangô. Uso ritual: banhos para equilíbrio.
Laportea aestuans (L.) Chew. Usada em compressas contra dores e queimaduras.
Internamente contra catarro, menstruação irregular, hemorragia, leucorréia, escrofulose
e hemoptise. Nomes populares: urtiga-de-folha-grande; cansanção. Nome no
candomblé: èsìsì. Orixás: Exu e Ogum. Uso ritual: no preparo de pós e em trabalhos
com Exu.
Laurus nobilis L. (Origem: Ásia) - Usada como aperiente, digestiva, anti-séptica, resolutiva,
contra dispepsia, anorexia, flatulência, cólica, astenia, dores reumáticas, contra
reumatismo, fungos e mau cheiro no pé. Nomes populares: louro; louro-de-apolônio;
guacararaíba; loureiro.
Lavandua Sp. (Origem: Europa) - Usada para anúria, amenorréia, peitoral, dor-de-cabeça e
enxaqueca. Carminativa, antiespasmódica, anti-séptica, estimulante, cicatrizante,
digestiva. Nomes populares: alfazema; lavanda.
Leonotis nepetaefolia (L.) R. Br (Origem: África e Índia) - Considerada antiespasmódica,
anti-hemorragia uterina, diurética, vulnerária, estomáquica, péquica, peitoral, tônica,
sudorífica, anti-reumática, contra asma, bronquite, tosse, dores reumáticas, inflamação
urinária, reumatismo, nefragias, artrites, úlceras, icterícia e para eliminar ácido úrico.
Nomes populares: cordão-de-frade; cordão-de-são-francisco; catinga-de-mulata; paude-
praga; rubim; tolonga; corimdiba. Nome no candomblé: moborò. Orixás: Obaluaiê e
Oxossi. Uso ritual: em àgbo, em banhos purificatórios e no preparo de pós.
Leonurus sibiricus L. (Origem: Ásia) - Usada pela medicina popular em todo o mundo.
Considerada diurética, amarga, estimulante da circulação, reguladora da menstruação e
anti-hipertensiva. Usada contra dispepsia, gastralgia, malária, bronquite, tosse e
sangramento pós-parto. Nomes populares: rubim; macaé; erva-das-lavadeiras; ervados-
zangões; joão-magro; marroio; quinino-dos-pobres; mané-magro; pau-prá-tudo;
levantina; cordão-de-são-francisco; chá-de-frade; erva-de-santo-filho; amor-deixado;
pasto-de-abelha; ana-da-costa; estrela.
Lepidum sativum L. (Origem: Europa e Ásia) - Usada contra doenças no peito, bronquite,
sinusite, moléstias dos rins e estômago e como vermicida e desintoxicante. Nomes
populares: mastruz; mentruz; vassourinha; mentrusto, mastruço. Nome no candomblé:
ewé isinisini. Orixás: Exu e Egun. Uso ritual: sacudimentos, banhos de descarrego.
Leucas martinicensis (Jacq.) R. Br. (Origem: América Central) - Usada pela medicina popular
nordestina como sudorífica, calmante, antiinflamatória, carminativa, tônica,
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antinevrálgica, antiespasmódica e contra doenças renais, gota e artrite. Nomes
populares: cordão-de-frade; cordão-de-são-francisco; pau-de-praga; catinga-de-mulata.
Licania rigida Benth. (Origem: Brasil) - Usada (folhas) no tratamento de diabetes e
inflamações gerais. Nome popular: oiticica.
Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britt.& Wilson. (Origem: América) - Usada contra infecções
respiratórias, reumatismo, úlceras, herpes, palpitações. Considerada estimulante,
sedativa, anticonceptiva, cardioativa, tônica, anticonvulsivante, emenagoga,
antimicrobiana, estomáquica, anti-viral, sedativa e analgésica. Nomes populares: ervacideira-
de-arbusto; erva-cidreira-do-campo; alecrim-do-campo; alegrim-selvagem;
carmelitana; cideira-brava; falsa-melissa; lípia.
Lippia geminata Gardn. (Origem: Brasil) - Usada como estomáquica, calmante, estimulante e
tônica; contra cólicas, gripe e resfriado. Nomes populares: erva-cidreira-do-campo;
erva-cidreira; salva-do-brasil. Nome no candomblé: ewé túni. Orixá: Oxum. Uso ritual:
em banhos e defumadores para estimular mediunidade (umbanda).
Lippia gracilis Schauer. (Origem: Brasil) - Usada (chá) em lavagem de ferimentos, raladuras,
infecções na pele e garganta. E como bactericida, antimicrobiana e anti-séptica. Nomes
populares: alecrim-da-chapada; alecrim-do-tabuleiro.
Lippia microphylla Cham. (Origem: Brasil) - Apesar de parecer com outros alecrins, apenas
esta espécie, com cheiro de eucaliptol, é recomendada para inalações. Contra gripe,
bronquite, sinusite, congestão nasal, tosse, expectoração, por inalação. Usada também
em xarope. Nomes populares: alecrim-da-chapada; alecrim-do-tabuleiro.
Lippia sidoides (Cham.). (Origem: Brasil) - Usada contra infecções variadas (urinárias,
respiratórias, furúnculos, afecções cutâneas, cáries dentárias, mau-cheiro dos pés e
axilas), dermatoses, fungos, leucemia, leshmaniose. Considerada antimicrobiana,
antimicótica, bactericida, antifúngica, antiespasmódica, com atividade neuromuscular,
cardiocirculatória, antitumoral, citotóxica e inseticida. Nomes populares: alecrim-donordeste;
alecrim-pimenta; alecrim-grande; estrepa-cavalo.
Lonicera japonica Thunb. ex Murray (Origem: China e Japão) - Usada desde a antiga Grécia.
Considerada diurética, anti-séptica, antipirética, antiinflamatória, hipotensora,
sudorífica, adstringente e laxante. Nomes populares: madressilva; maravilha.
Luffa operculata (L.) Cogn. (Origem: América do Sul) - Considerada abortiva. Usada contra
sinusite, alcolismo, febre, picada, dor ciática, oftalmia crônica, sífilis, icterícia e
hidropisia. Nomes populares: abobrinha-do-norte; bucha; purga-de-paulista; buchinha;
buchinha-paulista; cabacinha.
Lycopersicon esculentum Mill. (Cultivo mundial) - Usada contra gripe, resfriado,
reumatismo, queimadura, problemas na boca e garganta, como antiasmática e
antiinflamatória. Nome popular: tomate. Orixás: Oxumaré e Caboclos. Uso ritual: em
oferendas.
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Lygodium volubile Sw. Nome popular: abre-caminho. Nome no candomblé: ewé lorogún.
Orixá: Ogum. Uso ritual: em encerramentos do ano litúrgico, em banhos, sacudimentos
e defumadores.
Macfadyena unguis-cati (L.) A.H.Gentry. (Origem: Brasil) - Usada com base na tradição
indígena contra picadura de cobra, diarréia, febre, reumatismo, tosse, inflamação
intestinal e como diurética. E contra doença venérea, malária e hepatite. Nomes
populares: unha-de-gato; cipó-de-gato; andirapoampé; erva-de-morcego; erva-de-sãodomingos;
unha-de-morcego; mão-de-calango.
Malpighia glabra L. (Origem: América Central) - Usada como fonte de vitamina C,
antioxidante, antiinfecciosa, anti-envelhecimento, para convalescenças, gripes e como
energético. Nomes populares: acerola; cereja-das-antilhas.
Malva sylvestris L. (Origem: Europa) - Usada desde a Antiguidade contra indisposição,
queimadura, picada de insetos, inflamações, bronquite, tosse, asma, enfizema pulmonar,
coqueluche, colite, constipação, afecções da pele, contusões, furúnculos, abscessos,
inflamações da boca e garganta. Nomes populares: malva; malva-alta; malva-debotica;
malva-grande; malva-rosa; malva-selvagem; malva-silvestre; malva-verde; rosachinesa;
rosa-marinho.
Mammea americana L. (Origem: Índia e América do Sul) - Usada para combate a parasitas,
aliviar dores de picadas e contra afecções da pele. Nomes populares: abricó-do-pará;
abricó-das-antilhas; abricó; abricoteiro; abricó-selvagem; rojo.
Mangifera indica L. (Origem: Índia) - Usada contra bronquite asmática, estomatite, gengivite,
contusões, leucorréia e diarréia Nome popular: mangueira. Nome no candomblé: òró
òyìnbó. Orixás: Ogum e Iroko. Uso ritual: contra demandas mal intencionadas, em
sacudimentos, em oferendas, banhos purificatórios, rituais de iniciação, lavagem de
contas e cabeça.
Manihot esculenta Crantz. (Origem: América do Sul) - Usada em cataplasma para maturação
de abscessos e como desengasgador. Nomes populares: mandioca; maniçoba; aipim;
macaxeira. Nome no candomblé: ègé. Orixás: Exu e Xangô. Uso ritual: culinária
litúrgica e ebós.
Mansoa alliacea (Lan.) A.H.Gentry. (Origem: Brasil) - Usada como analgésica, antipirética,
anti-reumática. Em emplastro, contra artrose. Em infusão, contra febre, resfriados e
problemas respiratórios, ou como tônica. Usada ritualmente pelos indígenas. Nomes
populares: cipó-alho; cipó-d’alho.
Marica coerulea Ker-Gawl. (Origem: Brasil) - Nomes populares: falso-íris; duas-amigas;
lírio-roxo-das-pedreiras. Nome no candomblé: ewé òré. Orixá: Ossaim. Uso ritual: em
confecção de sortilégios para aproximar amizades.
Marrubium vulgare L. (Origem: Europa, Ásia e África) - Usada desde Hipócrates. Como
amarga, aromática, anti-séptica, expectorante, estimulante digestivo e cardíaco, e contra
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inflamação, espasmos, bronquite, asma, tosse, resfriado, tosse comprida, febre tifóide,
palpitação, problemas de fígado e vesícula e para aumentar transpiração e o fluxo biliar.
Nomes populares: marroio; malvão; marroio-branco; bom-homem; erva-virgem;
hortelã-grande; hortelã-da-folha-grossa.
Marsilea quadrifolia L. (Origem: Europa, Ásia e África) - Nomes populares: trevo-de-quatrofolhas;
trevo-aquático; trevo-da-fortuna. Nome no candomblé: ewé omí-eró. Orixás:
Oxalá e Oxum. Uso ritual: em banhos para boa sorte e lavagem de búzios divinatórios.
Marsypianthes chamaedrys (Vahl.) Kuntze (Origem: América) - Usada contra anemia, dorde-
cabeça, picada de cobra e mosquitos, e reumatismo (banho). Considerada aromática,
febrífuga, antiespasmódica e carminativa. Nomes populares: paracari; paracaru;
hortelã-do-campo; alfavaca-de-cheiro; rabugem-de-cachorro; erva-de-cobra; coraçãode-
frade; vassoura; bóia-caá; hortelã-do-brasil.
Maytenus ilicifolia Reissek (Origem: América do Sul) - Usada em emplastro contra câncer de
pele. E contra úlcera, indigestão, gastrite, dispepsia e câncer. Considerada antiácida,
anti-séptica, antiinflamatória e cicatrizante. Nomes populares: espinheira-santa;
cancerosa; cancrosa; coromilho-do-campo; espinheira-divina; maiteno; salva-vidas.
Orixás: Oxalá e Oxóssi. Uso ritual: banhos purificatórios e sacudimentos.
Medicago sativa L. (Origem: Ásia) - Usada como adstringente, diurética, refrescante,
eliminadora de toxinas e colesterol, anti-hemorrágica, influenciando os sistemas
hormonal, circulatório e urinário. Nomes populares: alfafa; alfafa-de-flor-roxa;
luzerna; melga-dos-prados.
Melia azedarach L. (Origem: Ásia) - Usada como laxante, estomáquica, aperiente e
estimulante intestinal e contra hemorróidas, vermes, erisipela e afecções cutâneas.
Considerado abortivo. Nomes populares: pára-raio; santa-bárbara; árvore-do-paraíso;
cinamomo; amargoseira; jasmim-de-caiena. Nome no candomblé: igí mésàn. Orixá:
Oiá. Uso ritual: em rituais de inciação, banhos purificatórios, sacudimentos.
Melissa officinalis L. (Origem: Europa e Ásia) - Usada como calmante, digestiva, carminativa,
antiespasmódica, antinevrágica, contra dispepsias, gripes, bronquite, cefaléia, insônia,
enxaqueca, dores reumáticas e para funções gastro-intestinais. Nomes populares:
melissa; cidrilha; cidreira; erva-cidreira; melitéia; erva-luisa; salva-do-brasil; chá-detabuleiro.
Mentha arvensis L. (Origem provável: Oriente) - Usada como antidispéptica, antivomitiva,
descongestionante, antigripal, contra dor de cabeça e coceira na pele. Nomes
populares: hortelã-do-brasil; hortelã-japonesa; vique; hortelã; menta; hortelã-pimenta;
hortelã-das-cozinhas; menta-inglesa.
Mentha citrata L. Nome popular: levante-miúda. Nome no candomblé: eré tuntún. Orixás:
Oxum e Iemanjá. Uso ritual: componente de banhos purificatórios e defumações.
Mentha pulegium L. (Origem: Europa, Ásia e Arábia) - Usada contra desordens digestivas,
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amenorréia, gota, bronquite, asma, coqueluche, leucorréia, dismenorréia, resfriados e
para aumentar a micção. Aroma considerado anticatarral, tônico e estimulante.
Considerada anti-hipertensiva, cardiotônica, carminativa, estimulante hepatobiliar e
emenagoga. Uso externo para afecções de pele. Nomes populares: poejo; poejinho;
erva-de-são-lourenço; hortelã-miúda; menta-miúda; menta-selvagem; vique. Orixás:
Oxum e Ibeiji. Uso ritual: em sacudimentos e banhos de purificação.
Mentha x piperita L. (Origem: Europa) - Uso desde a Antiguidade. Usada como
antiespasmódica, antiinflamatória, anti-ulcerogênica e anti-viral, para má digestão,
náusea, gases, inflamações na boca, garganta e gengivas e em ferimentos, contusões e
pruridos. Nomes populares: hortelã; hortelã-pimenta; menta; menta-inglesa; hortelãapimentada;
hortelã-das-cozinhas; sândalo.
Mentha x villosa Huds. (Origem: Europa) - Usada desde a Antiguidade como condimento e
como medicinal. Considerada espasmolítica, antivomitiva, carminativa, estomáquica e
anti-helmíntica (via oral), anti-séptica e antiprurido (via local). Usada contra
verminoses. Nomes populares: hortelã-rasteira; hortelã-de-panela; hortelã; mentavilosa.
Merostachys donax L. (Origem: Brasil) - Nomes populares: taquaril; taquari. Nome no
candomblé: firirí. Orixá: Oiá. Uso ritual: em banhos de fortalecimento para mulheres
de Oiá.
Miconia albicans (Sw.) Trin. (Origem: América do Sul) - Usada como eupéptica e contra
pertubações digestivas Nome popular: canela-de-velho. Orixá: Obaluaiê. Uso ritual: em
àgbo e banhos purificatórios.
Mikania cordifolia (L.f.) Willd. (Origem: Brasil) - Usada como antiinflamatória,
antiparasitária, antiasmática, anti-reumática, analgésica e febrífuga. Nomes populares:
cipó-cabeludo; cipó-catinga; cipó-sucuriju; coração-de-jesus; erva-cobra; erva-de-sapo;
guaco.
Mikania glomerata Sprengel e Mikania laevigata Schultz Bip. ex Baker. (Origem: Brasil) -
Considerada tônica, depurativa, febrífuga, peitoral, anti-séptica, aperiente, antigripal,
broncodilatadora, antitussígena, antiinflamatória, expectorante, antimicrobiana,
relaxante muscular, antiedematogênica, com atividade espasmolítica e analgésica.
Contra problemas respiratórios, febre, sífilis, eczema, coceira na pele e edemas. Nomes
populares: guaco; guaco-liso; cipó-caatinga; cipó-cabeludo; cipó-sucuriji; guape; ervade-
cobra; coração-de-jesus; cipó-sucurijú; erva-cobra; erva-de-sapo; guaco-selvagem;
guaco-trepador; uaco. Nome no candomblé: ojé dúdú. Orixás: Oxalá, Oxossi e Ossaim.
Uso ritual: em banhos de proteção, contra problemas de saúde.
Mikania hirsutissima DC. (Origem: Brasil) - Considerada antialbuminúrica, anti-reumática,
diurética, moluscicida e estimulante. Usada contra uretrite, infecções urinárias,
distúrbios renais, diarréia, blenorragia e nefrite. Nomes populares: cipó-almecega;
cipó-catinga; cipó-cabeludo; cipó-de-cerca; erva-dutra; guaco; guaco-cabeludo.
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Mimosa pudica L. (Origem: América tropical) - Usada como purgativa, emética, contra
difteria, reumatismo, icterícia, problemas no fígado e rins, em uso externo para
gargarejo e cataplasma, contra problema de garganta e escrófula. Nomes populares:
adormideira; dormideira; mimosa; sensitiva; dorme-dorme; malícia-de-mulher;
arranhadeira; erva-viva; dorme-maria; juquiri-rasteiro; malícia-roxa; morre-joão;
vergonha; não-me-toque. Nome no candomblé: àpéjè. Orixás: Exu e Oiá. Uso ritual:
componente de mistura ritual usada para tirar consciência mediúnica, e em
assentamentos de Exu.
Mirabilis jalapa L. (Origem: América tropical) - Considerada antimicótica, antimicrobiana,
antivirótica, antibacteriana, diurética, carminativa, catártica, purgativa, estomáquica,
tônica e vermífuga. Nomes populares: batata-de-purga; belas-noites; boa-noite; bonina;
alapa; maravilha; pó-de-arroz; jalapa-falsa; beijos-de-frade; bons-dias; boa-morte; ervade-
santa-catarina; flor-das-quatro-horas. Nome no candomblé: èkelèyí. Orixás:
Orumilá, Eua e Oiá. Uso ritual: contra feitiços.
Momordica charantia L. (Origem: África e Ásia) - Usada contra hemorróida, pedra nos rins,
diarréia, dermatites, larva-migrans, como febrífuga, vermífuga, anti-reumática,
hipotensora e hipoglicemiante. Nomes populares: melão-de-são-caetano; erva-delavadeira;
fruto-de-cobra; fruto-de-negro; melão-de-são-vicente; melãozinho; fruta-desabiá.
Nome no candomblé: ejìnrìn. Orixás: Obaluaiê e Nanã. Uso ritual: em banhos de
purificação e sacudimentos (angola); considerado iterdito na nação Ketu.
Monnieria trifolia Loefl. (Origem: Amazônia) - Usada como tônica, diurética, sudorífica,
expectorante e antidiabética. Nomes populares: alfavaca-brava; alfazema-brava;
jaborandi-do-pará; maricotinha; pimenta-de-cobra. Nome no candomblé: etítáré. Orixá:
Iemanjá. Uso ritual: banhos purificatórios.
Monstera adansonii Schott. (Origem: Amazônia) - Nome popular: cinco-chagas. Nome no
candomblé: koléorógbà. Orixás: Oxalá, Xangô e Oiá. Uso ritual: em banhos
purificatórios com outros vegetais (considerada folha “quente”).
Moringa oleifera Lam. (Origem: África tropical) - Pouco uso no Brasil por tratar-se de
introdução e cultivo recentes. Usada tradicionalmente na Índia externamente em
ferimentos infectados ou em compressas para tratar gota e dores reumáticas, e como
cicatrizante. Sementes usadas para purificar água. Nomes populares: moringa; cedro;
quiabo-de-quina.
Morus nigra L. (Origem: Ásia) - Usada em gargarejos contra afta e inflamação de garganta. E
contra diabetes. Nomes populares: amoreira; amora-preta. Nome no candomblé: isan.
Orixás: Oiá e Egun. Uso ritual: para fazer os isan (bastões que controlam os Egunguns).
Musa sapientum L. (Origem: Ásia ou África) - Usada como remineralizante, repositora de
vitamina, cicatrizante, diurética, antiasmática, antianêmica, antiinflamatória,
antituberculínica e anti-séptica. Nome popular: bananeira. Nome no candomblé: ògèdè;
ewé ekó. Orixás: Iroko, Oxalá, Oxum, Logun Edé, Oxumaré e Ibeije. Uso ritual: em
oferendas, na culinária ritual, em trabalhos amorosos e em trabalhos divinatórios.
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Myracrodruon urundeuva Allemão (Origem: Brasil) - Usada em banhos de assento após o
parto, e contra afecções cutâneas, problemas do aparelho urinário e das vias
respiratórias. Tem efeito antiinflamatório, antiulcerogênico, cicatrizante. Contra
hemorróidas, ferimentos na pele, gastrites, úlceras gástricas, cervicites, vaginites,
gengivites, infecções de garganta e outras afecções. Nomes populares: arendiúva;
aroeira; aroeira-da-serra; aroeira-do-campo; aroeira-do-sertão; aroeira-preta;
caracuramira; urundeúva.
Myrciaria dubia (KBK) Mc Vaugh (Origem: Amazônia) - Usada para repor vitamina C (frutos
com maior teor de vitamina conhecido). Nomes populares: caçari; camu-camu.
Myroxylon peruiferum L. f. (Origem: Brasil e América do Sul) - Usada por indígenas para
asma, bronquite, catarro, dor de cabeça, reumatismo, torcicolo, tuberculose, abscesso.
Também para tratamento de feridas, úlceras, sarnas, como anti-séptica e expectorante.
Nomes populares: bálsamo; cabreúva; cabreúva-vermelha; pau-de-incenso; caboreíbavermelha;
caboriba; pau-de-bálsamo; puá; óleo-vermelho; óleo-cabreúva; sangue-degato;
quina-quina; óleo-bálsamo; bálsamo-de-tolu.
Nastrurtium officinale R. Br. (Origem: Europa) - Usada como digestiva, diurética, vermífuga,
contra raquitismo, atonia intestinal, afecções escorbúticas e bronco-pneumonares, tosse
e bronquite. Uso externo contra problemas de pele e mucosa bucal, ezema e acne.
Nomes populares: agrião-aquático; agrião; agrião-oficinal; berro; berro-d’água;
cardomo-dos-rios; mastruço-dos-rios; nastúrcio; saúde-do-corpo.
Nerium oleander L. (Origem: região mediterrânea) - Utilizado perigosamente como abortivo,
com muitos acidentes fatais. Externamente contra escabiose, abscessos e tumores.
Nomes populares: espirradeira; oleandro; louro-rosa; rodoendro.
Newbouldia leavis Seem. (Origem: África) - Nome popular: acocô. Nome no candomblé:
akòko. Orixás: Ossaim e Ogum. Uso ritual: como provedor de prosperidade, em rituais
de iniciação e banhos. Árvore sagrada.
Nicotiana tabacum L. (Origem: América tropical) - Considerada narcótica, diaforética,
sedativa, emética e vermífuga. Nomes populares: tabaco; fumo; pé-de-fumo;
nicociana; erva-santa; erva-da-rainha; panacéia; erva-sagrada; erva-de-santa-cruz.
Nome no candomblé: etába; asá. Orixá: Oxalá. Uso ritual: rituais de iniciação e
oferendas.
Nymphaea alba L., N. luteum Sibt. et Smith, N. rubra Roxb. ex Salisb. e N. caerulea Andr.
(Origem: Europa, Ásia, África e Américas) - Usadas contra disenteria, diarréia e
moléstias da pele. Como anafrodisíacas durante a reclusão dos iniciados. Nomes
populares: golfo-de-flor-branca; golfo-de-flor-amarela; golfo-de-flor-vermelha; golfode-
flor-lilás. Nome no candomblé: òsíbàtá. Orixás: Oxalá, Iemanjá, Xangô, Oxum, Oiá,
Oba, Nanã e Ewa. Uso ritual: em rituais de iniciação, àgbo, banhos purificatórios e nos
rituais de obrigação de sete anos.
Nymphaea victoria Sch. (Origem: Amazônia) - Nomes populares: vitória-régia; rainha-dosUNIVERSIDADE
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lagos; milho-d’água; forno-d’água; forno-de-jaçanã. Nome no candomblé: ewé omí
ojú. Orixá: Obá. Uso ritual: em rituais de iniciação, banhos purificatórios e para cobrir
assentamento de Obá.
Ocimum basilicum L. (Origem: Ásia e África) - Usada contra espasmos, gases, cólicas, febre,
infecções bacterianas, parasitas intestinais, tosse, gripe, resfriado e bronquite,
problemas de boca e garganta, diarréias, afecções urinárias e respiratórias, amigdalites,
faringites, gengivites, estomatites e aftas. Usada como estimulante, digestiva,
antiespasmódica, gástrica, galactógena, béquica e anti-reumática. Nomes populares:
alfavaca; alfavaca-cheirosa; alfavaca-do-mato; alfavacão; basílico; basilicão; erva-real;
manjericão; manjericão-de-molho; manjericão-doce; manjericão-grande; quioio;
remédio-de-vaqueiro. Nome no candomblé: efínrín. Orixás: Iemanjá e Oxum. Uso
ritual: composição de mistura para banhos.
Ocimum gratissimum L. (Origem: Oriente) - Usada em banhos antigripais, ou contra
nervosismo e paralisia. Considerada carminativa, sudorífica e diurética. Nomes
populares: alfavacão; alfavaca; alfavaca-cravo.
Ocimum selloi Benth. (Origem: Brasil) - Considerada digestiva-estomacal e hepático-biliar,
diurética, diaforética, carminativa, antiespasmódica e antiasmática, contra gases,
gastrite, vômito, tosse, bronquite, febre e resfriado. Nomes populares: elixirparegórico;
alfavaca-cheiro-de-anis; alfavaca; atroveran.
Ocimun basilicum purpureum Hort. (Origem: Ásia) - Usada contra gases, cólicas, diarréias,
afecções urinárias e respiratórias, amigdalites, faringites, gengivites, estomatites e aftas.
Nome popular: manjericão-roxo. Nome no candomblé: efínrín pupa. Orixás: Oxalá
(novo) e Xangô Airá. Uso ritual: banhos de purificação.
Ocimun gratissima L. (Origem: Índia) - Usada como diurética, estomáquica, anti-séptica e
contra doenças respiratórias. Nomes populares: alfavaca; alfavaca-do-campo; remédiode-
vaqueiro; alfavaca-cheirosa. Nome no candomblé: efínfín. Orixás: Xangô, Omulu e
Exu. Uso ritual: em trabalhos contra azar e para chamar dinheiro.
Ocimun minimum L. (Origem: Ásia) - Usada contra gases, cólicas, diarréias, afecções
urinárias e respiratórias, amigdalites, faringites, gengivites, estomatites e aftas. Nomes
populares: manjericão-de-folha-miúda; manjericão; manjericão-comum. Nome no
candomblé: efínrín kékéré. Orixás: Oxalá, Iemanjá e Oxum. Uso ritual: banhos rituais
iniciáticos, banhos de purificação e como proteção contra feitiço, inveja e mau-olhado.
Ocotea odorifera (Vell.) Rohwer (Origem: Brasil) - Usada no preparo de medicamentos
sudoríficos, anti-reumáticos, anti-sifilíticos, diuréticos e repelentes. Nomes populares:
canela-cheirosa; canela-de-sassafrás; canela-funcho; casca-cheirosa; louro-cheiroso;
sassafrás.
Oenocarpus bacaba Mart. (Origem: Amazônia) - Usada para tratamento de hipertensão,
tuberculose, diarréia, dor de cabeça, males do estômago e verminose, e como emplastro
cicatrizante. Nomes populares: bacaba; bacaba-açú; bacaba-do-azeite.
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Oenocarpus bataua Mart. (Origem: Amazônia) - Utilizado (óleo) como laxante, e contra
tuberculose, asma e problemas respiratórios. Nome popular: patauá.
Operculina macrocarpa (L.) Urb. (Comum no nordeste) - Usada em preparações diversas
(garrafadas), para tratamento de asma juvenil, paralisias faciais resultantes de AVC.
Nomes populares: jalapa-do-brasil; batata-de-purga.
Origanum vulgare L. (Origem: Europa) - Usada como estimulante, analgésica, espasmolítica,
sudorífica, digestiva e da atividade uterina, expectorante. Contra gripe, resfriado,
indigestão, flatulência, distúrbios estomacais e cólica menstrual. Nomes populares:
orégano; manjerona-baiana; manjerona-selvagem; manjerona; orégão; ouregão.
Orysa sativa L. (Origem: Ásia) - Usada contra enterites, gastroenterites, diarréias, abscessos e
inflamações cutâneas. Nome popular: arroz. Nome no candomblé: ìresì. Orixás: Oxalá.
Uso ritual: em ebós de saúde, na culinária litúrgica e em banhos de descarrego.
Ottonia anisun Spreng. (Origem: América) - Usada contra amenorréia, caxumba, edema
pulmonar, hemorragia irritação brônquica, leucorréia, dor de dentes, hemoptises e
alopecia. Nomes populares: desata-nó; jaborandi; jaborandi-manso; falso-jaborandi;
jaborandi-da-mata-verde. Nome no candomblé: ewé obaya. Orixá: Xangô. Uso ritual:
banhos de descarrego, defumadores de caboclo, contra maus espíritos e quebrantos.
Pandanus veitchii Hort. (Origem: Polinésia) - Nome popular: pandano. Nome no candomblé:
opinié. Orixás: Dàda e Báayànì (Ìyá Masé Male). Uso ritual: no oro destes orixás.
Papaver rhoeas L. (Origem: Europa) - Usada há séculos. Para sistema respiratório, em doses
mínimas. Como adstringente, expectorante, sedativa, analgésica, antiespasmódica e
estimulante da digestão. Contém morfina. Nomes populares: papoula; papoula-rubra;
papoula-das-searas; papoula-solitária; dormideira-silvestre; borboleta.
Parahancornia amapá (Hub.) Ducke (Origem: Amazônia Brasileira) - Usada como planta de
alto valor medicinal pelas populações caboclas do Amazonas. O leite da casca é
remédio contra fraqueza geral, problemas pulmonares, gastrite, tuberculose e doenças
intestinais. Considerada cicatrizante, analgésica e antiinflamatória. Nomes populares:
amapá; amapá-amargo.
Parietaria officinalis L. (Origem: Europa) - Usada contra inflamação urinária, problemas de
pele e como cicatrizante. Nome popular: parietária. Nome no candomblé: ewé monán.
Orixá: Oxalá. Uso ritual: em banhos purificatórios e sacudimentos para boa sorte.
Parkia multijuga Benth. (Origem: Amazônia) - Usada como cicatrizante e contra infecções em
hemorragias por golpes. Nomes populares: visgueiro; faveiro. Nome no candomblé:
andará. Orixás: Ogum e Oxossi. Uso ritual: rituais de proteção, confecção de objetos
rituais e para fazer pó (atin) da prosperidade.
Parkinsonia aculeata L. (Origem: Brasil) - Considerada antipirética, antiinflamatória,
sudorífica, contra epilepsia, malária e anemia. Nomes populares: turco; chile; cinaUNIVERSIDADE
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cina; espinho-de-jerusalém; rosa-da-turquia; sensitivo.
Passiflora edulis Sims (Cultivada no Brasil) - Considerada tranqüilizante, relaxante, usada
contra nervosismo, insônia. Nomes populares: maracujá; maracujá-azedo; maracujáliso;
maracujá-peroba; maracujá-de-garapa; flor-da-paixão. Nome no candomblé:
kankìnse. Orixás: Oiá e Ibeije. Uso ritual: em banhos purificatórios, àgbo dos filhos de
Oiá.
Passiflora incarnata L. (Origem: América) - Usada pelos astecas como sedativa, calmante,
antiespasmódica e tônica. Contra dor de cabeça e nervosismo. Nomes populares: florda-
paixão; maracujá; maracujá-guaçú; maracujá-silvestre; passiflora.
Paullinia cupana Kunth (Origem: Amazônia) - Usada há séculos pelos índios. Estimulante,
antinelvrágica, analgésica, antigripal e adstringente, contra diarréias, enxaqueca, fadiga,
obesidade e flatulência. Nomes populares: guaraná; uaraná.
Pavonia cancellata Cav. (Origem: América) - Nomes populares: malva-rasteira; barba-deboi.
Nome no candomblé: tó. Orixá: Obaluaiê. Uso ritual: em rituais de iniciação e
banhos purificatórios.
Pelargonium odoratissimum (L.) Ait. (Origem: África) - Usada como adstringente, contra
diarréia e corrimentos. Nomes populares: gerânio-cheiroso; jardineira; malva-maçã.
Nome no candomblé: ewé púpayo. Orixás: Xangô e Oiá. Uso ritual: em banhos de
purificação e para combater demandas e melhorar a sorte.
Peltodon radicans Pohl. (Origem: Brasil) - Usada como peitoral, carminativa, sedativa, para
tosse e asma, em banhos contra dermatoses e em cataplasma contra picadas de insetos e
cobra. Nomes populares: paracati; hortelã-do-mato; rabugem-de-cachorro.
Peperomia pellucida (L.) Kunth (Origem: Brasil) - Usada como hipotensora, diurética,
emoliente, antipruriginosa, vulnerária, usada constra tosse, dor de garganta,
arteriosclerose das coronárias, gengivite e afecções bucais. Nomes populares: ervajaboti;
comida-de-jaboti; maria-mole; ximbuí; alfavaca-de-cobra
Peperomia pellucida (L.) Kunth. (Origem: África) - Usada contra irritações e inflamações
oculares. Nomes populares: alfavaquinha-de-cobra. Nome no candomblé: rinrin.
Orixás: Oxalá e Oxum. Uso ritual: em rituais de iniciação e obrigações periódicas, em
àgbo.
Periploca nigrensis Afzel. (Origem: África) - Usada liturgicamente contra epilepsia. Nomes
populares: rama-de-leite; cipó-de-leite; folha-de-leite; orelha-de-macaco. Nome no
candomblé: ewé ogbó. Orixás: Oxossi e Ossaim. Uso ritual: iniciação de todos os
filhos de santo, em banhos e em combinação com outras plantas, usada para tirar
consciência mediúnica.
Persea gratissima Gaertn. (Origem: América Central) - Usada como diurética, carminativa,
antianêmica, antidiarréica, colerética, emenagogoa, contra ácido úrico e deficiência
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vitamínica, e antiinflamatória em uso externo. Nome popular: abacateiro. Nome no
candomblé: igi itobí. Orixás: Xangô, Oiá, Ogum e Exu. Uso ritual: fins medicinais.
Petiveria alliacea L. (Origem: Amazônia) - Usada como antiespasmódica, diurética,
sudorífica, emenagoga, analgésica, anestésica, abortiva, contra artrite, reumatismo,
malária, memória fraca, afecções da boca e dor de cabeça. Nomes populares: guiné;
erva-de-guiné; cagambá; embiaiendo; tipi; pipi; amansa-senhor; macura-caá; erva-dealho;
gambá; gerataca; gorana-timbó; gorarema; iratacaca; macura; ocoembro;
paracoca; pau-de-guiné; raiz-de-congonha; raiz-de-gambá; raiz-de-pipi; raiz-do-congo;
mucuracaá. Nome no candomblé: ewé ojúùsájú. Orixás: Orumilá, Oxossi, Ogum e Exu.
Uso ritual: em banhos, sacudimentos, composição de defumadores e lavagem de
objetos rituais.
Petroselinum crispum (Mill.) A.W. Hill (Origem: Europa) - Erva condimentar mais usada
universalmente. Considerada diurética, emenagoga, sedativa, emoliente, antiparasitária;
contra bronquite, asma, dispepsia, problemas menstruais, cistite, edemas, cálculos
renais, prostatite, cólicas, indigestão, anorexia, anemia, artrites e reumatismo. Em
cataplasma contra abscessos, feridas, úlceras e picadas de inseto. Nomes populares:
salsa; salsa-de-cheiro; salsinha; cheiro-verde.
Petroselium sativum L. (Origem: Europa) - Usada contra anemia, fraqueza, nervosismo,
febres sazonais, asma, embriagues, úlceras, chagas rebeldes, machucaduras, contusões,
dor de dente e hemorragia nasal. Como aperiente e digestiva. Nome popular: salsa.
Nome no candomblé: ewé obé. Orixás: Oxum e Exu. Uso ritual: em sacudimentos
(jeje) (tabu alimentar).
Pfaffia paniculata (Mart.) Kuntze (Origem: Brasil) - Usada pelas populações indígenas
amazônicas para a cura de vários males, tônico geral e rejuvenescedor. Usada como
regenerativa, reguladora de vários sistemas do corpo, imunoestimulante; contra fadiga
física e mental, hipoglicemia, impotência, artrites, anemia e diabetes, tumores,
monomucleose, hipertensão, menopausa, disfunções hormonais e estresses. Nomes
populares: ginseng-brasileiro; fáfia; para-tudo; suma.
Phaseolus vulgaris L. (Origem: Mundo) - Usada contra anemias, diabetes, ácido úrico,
cálculo renal, reumatismo, eczemas e manchas na pele. Nome popular: feijão-preto.
Nome no candomblé: èwà dúndún. Orixás: Nanã, Obaluaiê e Ogum. Uso ritual:
culinária litúrgica.
Philodendron bipinnatifidum Schott ex Endlicher (Origem: Brasil) - Usada como antireumática,
antialgésica, vesicatória e vulneraria. Também contra orquites, reumatismos
e úlceras, ou contra parasitos intestinais. Em banho, contra erisipela, inflamações
reumáticas e orquite. Nomes populares: guaiambê; flor-da-noite; banana-de-morcego;
imbê; bananeira-imbé.
Phlebodium decumanum (Willd.) J. Sm. (Origem: Brasil) - Usada contra tosse e problemas
no pâncreas, febre, indisposições renais. Considerada sudorífica, anti-reumática, tônica,
peitoral e expectorante. Nomes populares: guaririnha; cipó-cabeludo; erva-de-macaco;
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rabo-de-caxinguelê; samambaia.
Phthirusa teobromae Baill. (Origem: América tropical) - Usada contra gripe, resfriado,
pneumonia e bronquite. Considerada adstringente e tóxica. Nome popular: erva-depassarinho.
Nome no candomblé: àfòmóm. Orixás: Obaluaiê, Oxumarê e Nanã. Uso
ritual: rituais de iniciação e banhos de purificação.
Phyllanthus niruri L., P. amarus Schum., P. tenellus Roxb., P. urinaria L. (Origem: América)
- Usadas há mais de mil anos na Índia contra hepatite. Usadas contra problemas renais,
reumatismo gotoso, taxa elevada de ácido úrico. E como hipoglicêmica, anti-viral,
antiinflamatória, antibacteriana, antimutagênica, anticarcinogênica, cardiocirculatória e
analgésica, com atividade contra protozoários. Nomes populares: quebra-pedra; ervapombinha;
filanto; arrancapedras; fura-parede; conami. Nome no candomblé: ewé
bojutòna. Orixás: Ossaim e Oxumaré. Uso ritual: rituais de iniciação, àgbo e banhos
purificatórios ou de descarrego.
Physalies angulata L. (Origem: Trópicos) - Usada contra reumatismo e moléstias do fígado.
Nomes populares: camapu; camapum; canapum.
Physalis angulata L. (Origem: Brasil) - Usada para tratamento de reumatismo crônico,
problemas renais, da bexiga e do fígado, doenças de pele e como sedativa, diurética,
antifebril, antivomitiva e estimulante do aparelho genito-urinário. Nomes populares:
bucho-de-rã; camapú; joá; joá-de-capote; mata-fome; balão. Nome no candomblé: ewé
àpó. Orixás: Oxossi, Obaluaiê e Exu. Uso ritual: em sacudimentos, banhos
purificatórios e obrigações.
Picrolemma sprucei Hook. f. (Origem: Amazônia) - Considerada antimalárica, antitumoral,
antifágica, citotógica, larvicida/inseticida, fitotóxica. Altamente tóxica e abortiva.
Usada pelos indígenas contra malária. Usada contra gastrite, febre e vermes. Nomes
populares: caferana; café-rana; café-falso.
Pilea microphylla Miq. (Origem: América) - Nomes populares: brilhantina; dinheiro-empenca.
Nome no candomblé: ewé mimolé. Orixás: Oxalá e Oxum. Uso ritual: em
composição de banho de proteção e purificação.
Pilea nummularifolia Wedd. (Origem: América tropical) - Nome popular: dinheiro-em-penca.
Orixá: Oxum. Uso ritual: em composição de banho de proteção, em pós para atrair
dinheiro.
Pilocarpus microphyllus Staph ex Wardleworth (Origem: Brasil) - Usada para tratar bronquite,
febre e como cosmético. Nomes populares: jaborandi; jaborandi-legítimo.
Pilocarpus pennatifolius Lem. (Origem: Brasil) - Usada desde os índios guaranis para febre,
laringite, gripe, pneumonia, intoxicação, problemas renais. E em uso oftálmico. Nomes
populares: jaborandi; jaborandi-do-norte; pimenta-de-cachorro; ibirataí. Orixá: Oiá.
Uso ritual: em sacudimentos e banhos.
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Pimpinella anisum L. (Origem: Ásia) - Usada há séculos como estimulante das funções
digestivas e da lactação, para tratar gases, cólicas e dor de cabeça. Em chá, contra
resfriados, tosse, bronquite, febre, perda de apetite e inflamações da boca e garganta.
Nomes populares: anis; erva-doce; pimpinela-branca. Nome no candomblé: isé. Orixá:
Oxum. Uso ritual: em defumadores, banhos, rezas e benzeduras.
Piper aduncum L. (Origem: Trópicos) - Usada como tônica, carminativa, antiespasmódica,
adstringente, estimulante, digestiva, diurética, antimalárica, sedativa, laxante, antiséptica,
antifúngica e hemostática. Contra hemorróidas, gonorréia, corrimento vaginal,
hemorragia menstrual, dor de estômago, dor de dente, diarréia, disenteria, blenorragia,
afecções de fígado, vesícula e baço. Nomes populares: aperta-ruão; erva-de-jaboti;
jaborandi-do-mato; pimenta-de-macaco; tapa-buraco; aduncum; jaborandi-falso;
caapeba; inhandi; cheirosa. Nome no candomblé: ìyèyé. Orixá: Oxum. Uso ritual: em
sacudimentos, banhos e trabalhos para proteção da gestação.
Piper amalago L. (Origem: Brasil) - Nomes populares: bétis-cheiroso; pimenta-de-macaco.
Nome no candomblé: ewé boyí. Orixás: Oxalá, Xangô, Iemanjá e Oxum. Uso ritual:
(as sete espécies de bétis) são usadas em banhos de iniciação e purificação.
Piper arboreum Aubl. (Origem: Brasil) - Nome popular: vence-demanda. Nome no
candomblé: osè obá. Orixá: Xangô. Uso ritual: em banhos de porsperidade e
descarrego.
Piper nigrum L. (Origem: Índia e Indochina) - Nome popular: pimenta-do-reino. Nome no
candomblé: ata dudu. Orixá: Exu. Uso ritual: em trabalhos ritualísticos ligados a Exu.
Piper rivinoides Kunth. (Origem: Brasil) - Usada como diurética e cicatrizante. Nome
popular: bétis-branco. Nome no candomblé: ewé boyí funfun. Orixás: Oxalá e Iemanjá.
Uso ritual: rituais de iniciação e banhos de purificação.
Pistia stratiotes L. (Origem: América tropical) - Usada como diurética, expectorante, antidisentérica,
anti-hemorroidal, anti-diabética e contra hematúria. Banho para erisipela.
Nomes populares: aguapé; alface-d’água; erva-de-santa-luzia; erva-santa-dos-olhos;
flor-d’água; mururé-pajé; pasta; repolho-d’água. Nome no candomblé: ojúoró. Orixá:
Oxum. Uso ritual: em composição do amassi para lavar os cauris e olhos do olowo. Em
rituais de iniciação, no àgbo e em banhos purificatórios.
Plantago major L. e P. lanceolata L. (Origem: Eurásia) - Usada desde a Idade Média.
Considerada diurética, antidiarréica, antibacteriana, antitumoral, expectorante,
hemostática, cicatrizante, laxante, depurativa e desintoxicante. Contra bronquite,
feridas, eczemas, herpes, ictiose, psoríase, úlceras pépticas, amidalite, faringite,
gengivite, estomatite, traqueíte, problemas menstruais, conjuntivite, acne e espinhas,
queimadura e picada de insetos. Nomes populares: tançagem; tanchagem; plantagem;
língua-de-vaca. Nome no candomblé: ewé òpá. Orixá: Obaluaiê. Uso ritual: em banhos
purificatórios e àgbo.
Platonia insignis Mart. (Origem: Amazônia) - Usada em forma de óleo para doenças de pele e
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como cicatrizante. Látex usado contra eczemas, herpes e problemas de pele. Nome
popular: bacuri.
Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng. (Origem: Nova Guiné) - Usada em xaropes para
tosse, dor de garganta e bronquite. E contra problemas ovarianos, uterinos e cervicite.
Nomes populares: malvarisco; malvariço; hortelã-graúda; hortelã-grande; hortelã-dafolha-
grossa; hortelã-da-folha-graúda; hortelã-da-bahia; malva-do-reino.
Plectranthus barbatus Andrews (Origem: Índia) - Usada para tratamento dos males do fígado
e da digestão, gastrite, dispepsia, azia, mal-estar gástrico, ressaca, estimulante da
digestão e apetite. Nomes populares: falso-boldo; boldo; boldo-brasileiro; alum;
malva-santa; malva-amarga; sete-dores; folha-de-oxalá.
Pluchea sagittalis (Lam.) Cabrera (Origem: América) - Usada como peitoral, carminativa e
estomacal e para problemas digestivos e gástricos, flatulências, dispepsias nervosas,
gases, inflamação no útero, rins e bexiga, reumatismo, resfriados e bronquites. Nomes
populares: lucera; erva-lucera; luceroquitoco; tabacarana; madrecravo. Orixá:
Obaluaiê. Uso ritual: em banhos de descarrego do pescoço para baixo.
Plumbago scandens L. (Origem: Brasil) - Usada como purgativa, anestésica, contra
inflamação das juntas, dores de dente e ouvido e para remoção de verrugas. Utilizado
por curandeiros para recuperação da saúde mental. Nomes populares: caataia; louco;
caapononga; folha-de-louro; jasmim-azul; erva-do-diabo; queimadeira.
Plumeria drástica M. (Origem: América) - Usada contra febres intermitentes, obstrução das
vísceras abdominais e icterícia. Venenosa. Nome popular: jasmim-manga. Nome no
candomblé: ítètè. Orixá: Oxossi. Uso ritual: em rituais de iniciação, obrigações
periódicas e banhos purificatórios.
Polygala paniculata L. (Origem: Brasil) - Usada como antiblenorrágica, vomitiva e diurética.
Em uso local para machucados, reumatismos, dores na articulação e picada de cobra.
Nomes populares: barba-de-são-joão; barba-de-são-pedro; bromil; arrozinho; alecrimde-
santa-catarina; alcaçuz-de-santa-catarina; vassourinha. Nome no candomblé: sení.
Orixá: Ossaim. Uso ritual: em banhos purificadores e em trabalhos.
Polygala spectabilis DC. (Origem: Brasil) - Usada como expectorante, diaforética, béquica e
antidiarréica. Nome popular: caamembeca.
Polygonum acre H.B.K. (Origem: Ásia) - Usada como antipirética, estimulante, diurética,
adstringente, cicatrizante, anti-hemorroidal, vermicida, contra úlceras, diarréias e
congestões. Nomes populares: erva-de-bicho, capetiçoba; cataria; pimenta-do-brejo;
pimenta-da-água; persicária; capiçoba.
Polygonum hidropiperoidis Michx. (Origem: Ásia) - Usada como adstringente, estimulante,
diurética, vermicida, contra problemas de pele, artrite, inflamações, diarréia,
hemorróidas, varises, reumatismos, dores musculares e erisipela. Nomes populares:
acataia; cataia; capiçoba; pimenta-do-brejo; curage.
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Polypodium vaccinifolium Langsd. & Fisher (Origem: Brasil) - Usada como hemostática,
adstringente e contra reumatismo, dores nas costas, problemas sanguíneos, nos rins e
bexiga. Nomes populares: erva-silvina; cipó-cabeludo; soldinha. Nome no candomblé:
ewé odán. Orixás: Obaluaiê e Nanã. Uso ritual: em fundamentos, rituais de iniciação,
àgbo e banhos.
Polyscias fruticosa L. (Origem: Ásia) - Nome popular: árvore-da-felicidade. Nome no
candomblé: tarapé. Orixá: Ìyá Masé Male (Báayànì). Uso ritual: em assentamentos e
banhos purificatórios.
Polyscias guilfoylei Baley. (Origem: Ásia) - Nomes populares: tira-teima; árvore-dafelicidade-
macho; aralia-cortina. Nome no candomblé: ábèbè kò. Orixá: Ossaim. Uso
ritual: banhos e sacudimentos e ornamentação.
Portulaca oleracea L. (Origem: África) - Usada como sudorífica, emoliente, antiinflamatória,
diurética, vermífuga, antipirética, antibacteriana. Contra disenteria, hemorróida e como
ungüento. Nomes populares: beldroega; salada-de-negro; caaponga; ora-pro-nobis;
porcelana; bredo-de-porco; verdolaga; onze-horas. Nome no candomblé: ewé omí;
pápásan. Orixá: Oxalá. Uso ritual: em banhos para acalmar e melhorar a sorte.
Pothomorphe umbellata (L.) Miq. (Origem: América) - Usada como diurética, estomáquica,
tônica, carminativa, antipirética, contra afecções do aparelho digestivo, insuficiência
hepática, febre, menstruação irregular, inchaço, inflamação na perna, erisipela, tosse,
bronquite, queimaduras leves, dor de cabeça e reumatismo. Nomes populares:
pariparoba; malvaísco; caapeba; malvarisco. Nome no candomblé: ewé iyá. Orixá:
Iemanjá. Uso ritual: para os inquices, em ritos de iniciação e banhos purificatórios.
Como recipiente para oferendas.
Protium heptaphyllum (Aubl.) March. (Origem: Brasil) - Usada como defumador místico.
Considerada hemostática, cicatrizante e antiinflamatória, para tratar úlceras e
inflamações. Tribos amazônicas usam a resina como descongestionante nasal. Nomes
populares: almécega; almíscar; árvore-do-incenso; breu-branco; jauaricica; cicantaaihua;
elmi; erva-feiticeira; guapoy-ici; icaraiba; mescla; mirra; pau-de-breu; tacaamaca;
tei.
Prunus domestica L. (Origem: Ásia e Europa) - Usada como laxativa, contra tosse, prisão de
ventre e para o fígado. Nomes populares: ameixa; ameixa-japonesa.
Psidium guajava L. (Origem: América do Sul) - Usada contra diarréias aguda e disenteria, em
bochechos e gargarejos para inflamações da boca, garganta e faringe, ou contra úlceras
e dor-de-dente. Considerada antidiarréica, antiinflamatória, hipoglicêmica,
cardioprotetora e adstringente. Nomes populares: goiaba; araçá-goiaba; araçá-guaçú;
goiabamaçã. Orixás: Oxalá e Ogum. Uso ritual: em oferendas, para fazer varas rituais
de Oxalá (òtòrì) e fazer aquidavi (varetas para percussão de atabaque).
Psiduim guineense Swartz (Origem: América) - Usada contra diarréias, em forma de chá
(folhas tenras). Nomes populares: araçá; araçaí; araçá-mirim; araçá-do-campo.
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Psychotria ipecacauana (Brot.) Stokes (Ocorre no Brasil) - Usada pelos índios desde antes de
Cabral, para problemas intestinais, bronquite, coqueluche e verminose. Nomes
populares: ipeca; ipecacauana; papaconha; poaia; raiz-preta; raiz-emética.
Pterodon emarginatus Vogel (Origem: Brasil) - Usada no tratamento de reumatismo, diabetes
e equistossomose. Nomes populares: sucupira-branca; faveiro; fava-de-sucupira.
Ptychopetalum olacoides Benth. (Origem: Amazônia) - Usada pelos índios amazônicos, em
chás, contra impotência sexual, problemas neuro-musculares, gripe, reumatismo,
astenia cardíaca e gastrintestinal. Considerada afrodisíaca e tônica, para o sistema
nervoso. Nomes populares: marapuama; muirapuiama.
Punica granatum L. (Origem: Europa, Ásia e África) - Usada para inflamação da boca e
garganta e como vermífugo. Nomes populares: romã; romeira; granada; milagreira.
Nome no candomblé: àgbá. Orixás: Xangô e Ogum. Uso ritual: banhos de purificação e
oferendas.
Quassia amara L. (Origem: Brasil) - Usada contra malária, febre, diarréia, problemas do
fígado, estômago, intestino e hepatite. Uso tópico contra sarampo e problemas na boca.
Nomes populares: amargo; quássia; quina.
Raphia vinifera P. Beauv. (Origem: África) - Nome popular: palha-da-costa. Nome no
candomblé: ìkó. Orixás: Omulu, Oxumaré, Nanã, Ogum, Oxossi e Ossaim. Uso ritual:
larga utilização ritual, usada em confecções de “contra-eguns”, “mocans”, “senzalas” e
outros objetos de proteção; para enfiar colares e contas; para confeccionar roupas
rituais; para afastar espíritos nefastos.
Ricinus communis L. (Origem: Índia e da África) - Usada como emenagoga e em compressas
para dores reumáticas. Como vermífuga e em outros usos farmacêuticos. Nomes
populares: mamona; carrapateira; óleo; rícino; palma-de-cristo; óleo-de-castor;
mamoneira; carrapateiro; bojueira-rícino; carrapato; palma-cristi; palma-de-cristo;
bojueira; tortago; castor. Nome no candomblé: ewé lara funfun. Orixá: Oxalá. Uso
ritual: recipiente para oferendas.
Ricinus sanguineus Hoot. - Usada como purgativa, laxante (o óleo), tóxica. Nome popular:
mamona-vermelha. Nome no candomblé: ewé lárà pupa. Orixás: Ossaim e Egun. Uso
ritual: em rituais funerários (axexé).
Rosmarinus officinalis L. (Origem: Europa e África) - Uso tradicional em vários países.
Contra hipertensão, falta de apetite, azia, problemas respiratórios, cansaço físico e
mental, hemorróidas, e externamente, reumatismo, considerada estimulante digestiva,
cardiotônica, cicatrizante e antiespasmódica. Nomes populares: alecrim; alecrim-dejardim;
alecrim-rosmarino; libanotes; rosmarino. Nome no candomblé: ewéré. Orixá:
Oxalá. Uso ritual: banhos purificatórios, defumadores.
Rubus brasiliensis Mart. (Origem: Brasil) - Usada como diurética, laxante e contra cólicas.
Nomes populares: amora-brava; amora-brasileira; sarça; silva-branca.
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Ruellia gemminiflora H.B.K. (Origem: América do Sul) - Possui alto teor de proteínas, glicose
e frutose (rizomas). Nome popular: mãe-boa. Nome no candomblé: ìyábeyín. Orixás:
Nanã, Iemanjá e Oxum. Uso ritual: em rituais de iniciação e banhos de purificação.
Ruta graveolens L. (Origem: Europa) - Usada em rituais religiosos e mágicos. Muito usado
por rezadeiras contra quebranto e mau olhado. Considerada estimulante, carminativa,
antiespasmódica, antihelmíntica, emenagoga, contra dores no ouvido, varizes, flebite,
problemas oftálmicos (uso externo). Nomes populares: arruda; arruda-fedorenta; rutade-
cheiro-forte. Nome no candomblé: atopà; kun. Orixá: Exu. Uso ritual: popularmente
contra mau-olhado (rezas e benzeduras), usada como protetora e como amuleto, e em
banhos e sacudimentos.
Saccharum officinarum L. (Origem: Ásia) - Usada como tônico, contra cansaço, fadiga e em
composições contra tosses, bronquites, catarro, icterícia, cólicas renais, digestão difícil,
afta, rachaduras no seio. Nome popular: cana-de-açúcar. Nome no candomblé: ìrèké.
Orixás: Exu, Oxum e Ibeije. Uso ritual: em preparo de amassi para lavar
assentamentos, em rituais de prosperidade, como defumador, como oferenda e na
culinária litúrgica.
Salvia offcinalis L. (Origem: região mediterrânea) - Usada desde a Idade Média. Contra
indigestão, problema de fígado, ansiedade, depressão, gota, dispepsia, astenia, diabetes,
bronquite, prisão de ventre, mordida de insetos, infecções de pele, gengiva, garganta e
boca. Nomes populares: erva-sagrada; sabiá; salva; sálvia. Nome no candomblé:
ikiriwí. Orixá: Oxalá. Uso ritual: em banhos, e em misturas para defumar ambientes.
Sambucus australis Cham. & Schltdl. e S. nigra L. (Origem: América do Sul) - Usada como
diurética, analgésica, estimulante de sudorese, antipirética, anti-séptica, cicatrizante e
antiinflamatória, e contra reumatismo, problemas respiratórios, artrite, gota, nefrite,
cálculo renal, sarampo e catapora, irritação dos olhos, dermatoses, queimaduras e
erisipela. Nomes populares: sabugueiro; acapora; sabugo-negro. Nome no candomblé:
àtòrìnà. Orixá: Obaluaiê. Uso ritual: rituais de iniciação, oferendas e banhos de
purificação.
Sansevieria trifasciata Hort. ex Prain. (Origem: África) - Nomes populares: espada-de-sãojorge;
espada-de-ogum; língua-de-sogra; rabo-de-lagarto. Nome no candomblé: ewé idà
òrìsà. Orixá: Ogum. Uso ritual: sacralização de objeto ritual, sacudimento, como
proteção e em lavagem de cabeça e banho de descarrego.
Saponaria officinalis L. (Origem: região Mediterrânea) - Usada durante séculos como sabão e
na medicina tradicional desde Hipócrates. Atualmente considerada depurativa, tônica,
laxativa, sudorífica, diurética, colérica e estimulante do fígado. Contra gota, doenças da
pele e icterícia. Nomes populares: erva-sabão; erva-saboeira; planta-sabão; sabão-dejardim;
saponária; saponária-das-boticas.
Schinus molle L. (Origem: Brasil) - Usada como adstringente, balsâmica, diurética,
emenagoga, purgativa, estomáquica, vulneraria, cicatrizante, purgativa, contra dor-dedente,
reumatismo, problemas urinários e respiratórios, cistite, uretrite, blenorragia,
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tosse, bronquite, gripe, diarréia e infecções em geral. Nomes populares: anacauíta;
aranguaraíba; aroeira; aroeira-da-praia; aroeira-mansa; aroeira-vermelha; bálsamo;
cambá; corneíba; corneira; fruto-do-sabiá; pimenteiro; terebinto.
Schinus molleoides Vell. (Origem: Brasil) - Usada como excitante, diurética, contra diarréia,
disenteria, infecção urinária.. Nomes populares: aroeira-branca; aroeirinha; aroeira-demangue;
aroeira-de-fruto-branco. Nome no candomblé: àjóbi; funfun; àjóbi jinjin.
Orixás: Xangô e Oiá. Uso ritual: banhos dedescarrego, considerada perigosa.
Schinus terebinthifolia Raddi (Origem: Brasil) - Usada em banhos de assento pós parto, como
antiinflamatória, antimicrobiana e cicatrizante. Contra doenças urinárias e respiratórias,
hemorragia uterina, cervicite, cerco-vaginite, ferimentos, gengivites, hemorróidas,
amidalites, azia e gastrite. Nomes populares: aguaraíba; aroeira; aroeira-da-praia;
aroeira-do-brejo; aroeira-do-campo; aroeira-pimenteira; aroeira-precoce; bálsamo;
cabuí; cambuí; coração-de-bugra; corneíba. Nome no candomblé: àjóbi; àjóbi oilé;
àjóbi pupá. Orixás: Ossaim, Ogum e Exu. Uso ritual: em sacrifício de animais, ebós e
sacudimentos.
Schizocentron elegans Meissn. (Origem: México) - Nomes populares: quaresminha-rasteira;
quaresmeira-rasteira; folha-de-amizade. Nome no candomblé: ewé alase. Orixá:
Ossaim. Uso ritual: para juntar amantes separados.
Scidapsus aureus Engler. (Origem: Oceania) - Nome popular: jibóia. Nome no candomblé:
ewé dan. Orixá: Oxumaré (e caboclos). Uso ritual: ornamentação, rituais de iniciação.
Scoparia dulcis L. (Origem: América tropical) - Usada contra febre, tosse, diarréia,
inflamação, dor de dente, bronquite, diabetes, hipertensão e picada de inseto. Nomes
populares: coerana-branca; tupixaba; trapixaba; vassourinha-de-oxum. Nome no
candomblé: semin-semin. Orixás: Oxum e Iemanjá. Uso ritual: em banhos
purificatórios, sacudimentos e sortilégio para obter favores.
Sechium edule (Jacq.) Sw. (Origem: América Central) - Usada como diurética, hipotensora e
remineralizante. Nomes populares: chuchu; machuchu; coxixe; machite; pepinela.
Orixás: Iemanjá e Oxum. Uso ritual: em ebós de limpeza em problemas de saúde.
Sedum dendroideum Moc. & Sessé (Origem: Ásia) - Usada contra bonquite e problemas
pulmonares. Nome popular: bálsamo. Orixá: Oxalá. Uso ritual: em banhos
purificatórios.
Senna alata (L.) Roxb. (Origem: Brasil) - Usada contra infestação de bactérias e fungos,
impingens, pano branco, herpes, sarna, afecções na pele. Como purgativa, emenagoga e
antifebril. Nomes populares: manjeroba-do-pará; manjeroba-grande; maria-preta;
mata-pasto; dartrial; candelabro.
Senna corymbosa (Lam.) H. S. Irwin & Barneby (Origem: Brasil) - Usada como laxante e
purgativa. Nomes populares: sena-do-mato; sena-do-campo; fedegoso; folha-de-sene.
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Senna obtusifolia (L.) Irwin & Barneby. Nomes populares: mata-pasto; fedegoso; fedegosobranco;
mata-pasto-liso. Nome no candomblé: àgbólà. Orixás: Oiá e Egungun. Uso
ritual: rituais de iniciação, banhos de purificação e sacudimentos.
Senna occidentalis (L.) Link (Origem: América tropical) - Usada como diurética, febrífuga,
contra problemas do fígado, hidropsia, anemia, dispepsia, desarranjos menstruais,
cicatrização de feridas, impingens e pano branco. Nomes populares: café-de-gozo;
erva-fedorenta; fedegoso; folha-de-pajé; ibixuma; lava-pratos; mangirioba; mamanguá;
mata-pasto; pajamarioba; peireiaba; sene; tararaçu. Nome no candomblé: ewé réré.
Orixá: Obaluaiê. Uso ritual: em banhos de purificação e descarrego e sacudimentos.
Senna spectabilis var. S. excelsa (Schrad.) H.S. Irwin & Barneby (Origem: Brasil) - Usada
como laxativa, purgativa, antiinflamatória, contra gripe e resfriado. Nomes populares:
são-joão; mata-pasto; fedegoso; mata-pasto-liso; fedegoso-branco; canafístula.
Sida carpinifolia L.f. (Origem: Brasil) - Usada como emoliente, contra tosse, bronquite e
afecções pulmonares. Nomes populares: guanxuma-lisa; guanxuma; vassourinha;
tupixá; tupitixá. Nome no candomblé: òsé pòtu. Orixá: Obaluaiê. Uso ritual: banhos,
sacudimentos. Com os galhos se fazem vassouras que afastam doenças epidêmicas.
Sida cordifolia L. (Origem: Áreas tropicais) - Usada como emoliente, contra picadas e
blenorragia. Nomes populares: malva-branca; guanxuma; malva-veludo; guaxima;
malva. Nome no candomblé: àsíkùtá; efun. Orixá: Oxalá. Uso ritual: banhos
purificatórios.
Sida linifolia Cav. (Origem: América do Sul) - Nomes populares: língua-de-galinha; guaxima;
língua-de-tucano; guanxuma-fina; malva-língua-de-tucano. Nome no candomblé:
àlùpàyídà. Orixás: Oxumaré e Nanã. Uso ritual: rituais de iniciação (Oxumaré), banhos
de purificação e sacudimentos.
Sida rhombifolia L. (Origem: América) - Usada como emoliente, tônica, estomáquica,
febrífuga, calmante e anti-hemorroidal. Nomes populares: guanxuma; malva; malvapreta;
zanzo; relógio; vassoura-do-campo; mata-pasto; vassourinha. Nome no
candomblé: àsarágogo. Orixá: Oxum. Uso ritual: sacudimentos de descarrego e
sacralização de objetos rituais.
Sideroxylon obtusifolium (Roen. & Schult.) T.D. Penn. (Origem: Brasil) - Considerada
antiinflamatória, adstringente e antidiabética. Nomes populares: quixaba; quixabeira;
maçaranduba-da-praia; sacutiaba.
Silybum marianum (L.) Gaertn. (Origem: Europa e Ásia) - Usada há séculos como erva
amarga, aperiente, diurética, tônica, regeneradora hepática, estimulante do fluxo biliar e
espasmolítica. Usada contra doenças do fígado e vesícula (iciterícia, cirrose, hepatite e
intoxicações). Nomes populares: cardo-mariano; cardo-santo; cardo-branco; serralhade-
folhas-pintadas.
Simaba ferruginea A. St.-Hil. (Origem: Brasil) - Usada contra febre, problemas digestivos,
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retenção de líquido, cicatrização, disenteria, reumatismo e machucados. Nomes
populares: calunga; fel-da-terra.
Simarouba amara Aubl. (Origem: Brasil) - Usada contra disenteria, malária, febre,
sangramento, verminose e anemia. Nomes populares: aruá; marubá; paraíba; simaruba.
Siparuna guianensis Aubl. (Origem: Brasil) - Usada como como carminativa, aromática,
estimulante, febrífuga, antidispéptica, diurética, abortiva, vulneraria e antiinflamatória.
Nomes populares: capitiú; caá-pitiú; erva santa; fedorenta; negramina. Orixá: Xangô.
Uso ritual: em àgbo, banhos de purificação, sacudimentos e na umbanda em banhos de
descarrego.
Smilax japicanga Griseb. (Origem: Brasil) - Usada há séculos pelos índios contra impotência
sexual, reumatismo, problemas de pele, sífilis e DSTs, artrite, febre, tosse, escrófula,
hipertensão, problemas digestivos, psoríase e como fortificante, tônica, diurética,
diaforético. Nomes populares: japecanga; japecanga-verdadeira; paicanga; jupicanga;
nhapecanga; raiz-da-china; salsa-de-espinho; salsa-do-campo; salsa-parrilha.
Solanum aculeatissimum Jacq., S. capsicoides All. e S. sisymbriifolium Lamk. (Origem:
Brasil) - Usadas contra afecções urinárias, hepáticas, renais e febris e dores de coluna.
Uso externo contra abscessos, furúnculos inflamações e manchas na pele. Nomes
populares: arrebenta-cavalo; mata-cavalo; joá; juá; jôá-bravo; babá; bobó. Nome no
candomblé: kanan-kanan; ewé bòbó. Orixá: Exu. Uso ritual: em trabalhos e
sacralização de objetos rituais de Exu. Na umbanda, em banhos de descarrego, do
pescoço para baixo.
Solanum agenteum Dun. & Poir. Nome popular: erva-prata. Nome no candomblé: ewé dígí.
Orixás: Oxalá, Oiá e Iemanjá. Uso ritual: em àgbo, banhos purificatórios e
sacudimentos, e como contra egun.
Solanum americanum Mill. (Origem: América) - Usada como analgésica, sedativa, narcótica
leve, expectorante, anafrodisíaca, diurética,emoliente e depurativa. Por via oral, usada
para gastralgia, espasmos da bexiga e dores articulares. Uso externo contra psoríase,
eczema, úlceras e pruridos. Nomes populares: maria-preta; caraxixá; erva-de-bicho;
erva-mocó; pimenta; pimenta-de-cachorro. Nome no candomblé: ewé ègùnmò. Orixá:
Obaluaiê. Uso ritual: banhos de proteção e sacudimentos.
Solanum cernuum Vell. (Origem: Brasil) - Usada como diurética, hemostática, sudorífica e
depurativa. Folhas em infusão usadas como desobstruente do fígado e contra gonorréia,
doenças de pele e úlceras cutâneas. Nomes populares: panacéia; braço-de-preguiça;
bolsa-de-pastor; velame-do-mato; capoeira-branca; barba-de-são-pedro; erva-carneira.
Solanum erianthum D. Don., S. granuloso-leprosum Dun. e S. mauritianum Scop. - Usadas
como calmante e diurética. Nomes populares: caiçara; couvetinga; capoeira-branca;
fumeira e fumo-bravo. Nome no candomblé: ode àkòsùn. Orixá: Oxossi. Uso ritual: em
rituais de iniciação, no àgbo e em banhos puruficatórios e de sacudimento.
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Solanum lycocarpum St. Hil. (Origem: Brasil) - Usada como diurética, calmante,
antiespasmódica, antiofídica e antiepiléptica. Contra afecções das vias urinárias,
hemorróidas, cólicas abdominais e renais, diabetes (amido dos frutos). Uso externo
(suco) para eliminar verrugas. Nomes populares: fruta-de-lobo; lobeira; berinjela-domato;
jurubebão; baba-de-boi; jurubeba-de-boi.
Solanum paniculatum L. (Origem: Brasil) - Usada como condimento (picles) e aditivo de
aguardente, e contra anemia, problemas hepáticos e digestivos, hepatite, gastrite, febres,
hidropisia e tumores uterinos, ressaca alcoólica, inflamação do baço e vesícula
preguiçosa. Uso externo como cicatrizante e contra úlceras, pruridos e contusões.
Nomes populares: jurubeba; caapeba; joa-tica; jubeba; jurubebinha; jurubena; juuna.
Nome no candomblé: kisikisi; igbá igún; igbá àjà. Orixás: Oxossi e Ossaim. Uso ritual:
em composição do àgbo e banhos purificatórios de iniciados.
Solidago chilensis Meyen (Origem: América) - Usada como estomáquica, adstringente,
cicatrizante e vulnerária. Uso externo no tratamento de ferimentos, escoriações,
traumatismos e contusões em substituição à arnica verdadeira (Arnica montana L.).
Nomes populares: arnica; arnica-brasileira; arnica-do-campo; arnica-silvestre; erva-delagarto;
erva-lanceta, espiga-de-ouro; lanceta; marcela-miúda; rabo-de-rojão; sapémacho.
Nome no candomblé: tamandé. Orixá: Nanã. Uso ritual: na sacralização de
objetos rituais.
Sonchus oleraceus L. (Origem provável: Europa) - Usada como diurética, antidisentérica,
antidiarréica, contra anemia, astenia, problemas hepáticos e biliares. Em uso externo é
utilizada contra dores reumáticas, machucados, feridas, chagas, pruridos, eczemas,
úlcera varicosa e escaras (em compressas) e como cicatrizante. Nomes populares:
serralha; chicória-brava; ciúmo; serralha-branca; serralha-lisa.
Spathodea campanulata Pal. Beauv. (Origem: África) - Usada contra anemia. Nomes
populares: tulipeira, espatódea, tulipeira-africana. Nome no candomblé: igi òrúru.
Orixás: Oxalá e Ogum. Uso ritual: em banhos e sacudimentos (mulheres e crianças).
Spermacoce verticillata L. (Origem: América) - Usada contra diarréia, hemorróidas, erisipela,
queimadura. Nomes populares: vassourinha; vassourinha-de-botão; carqueja; ervabotão;
erva-de-lagarto; poaia; poaia-rosário; poaia-preta. Nome no candomblé: kànérì.
Orixá: Oxossi. Uso ritual: no preparo do àgbo e em banhos para filhos de Oxossi.
Spigelia anthelmia L. (Origem: América tropical) - Usada na medicina caseira e pelos
indígenas amazônicos como vermífugo poderoso. Nomes populares: arapabaca; ervalombrigueira;
lombrigueira.
Spilanthes acmella (L.) Murr. (Origem: América do Sul) - Usada contra escorbuto, anemia,
dispepsia, dor de dente e como expectorante. Nomes populares: agrião-do-pará; jambu;
treme-treme; agrião-do-brasil; pimenta-d’água; jambu-açu. Nome no candomblé:
awùrépépé. Orixás: Oxalá e Oxum. Uso ritual: no preparo do àgbo e em banhos
benéficos.
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Spondias mombin (lutea) L. (Origem: Brasil) - Usada como gargarejo contra inflamações da
boca, da faringe e da garganta. Utilizada também para problema de póstata, herpes e
afta. Nomes populares: acajá; cajá-mirim; cajazeira; cajazeiro-miúdo; cajá-mimoso;
cajá-amarelo; cajá-do-sertão; taperebá. Nome no candomblé: igí ìyeyè; okinkán. Orixá:
Ogum. Uso ritual: em rituais de iniciação, banhos purificatórios para todos os filhos-desanto.
Árvore sagrada.
Stachytarpheta cayennensis (L.C. Rich.) Vahl. (Origem: Brasil) - Usada como tônica
estomacal, febrífuga, anti-histamínica, vermífuga, vulnerária, estimulante das funções
gastrointestinais e contra doenças do fígado, inflamações reumáticas, prisão de ventre,
gripes, resfriados, bronquit, desinteria e dispepsias. Nomes populares: gervão, gervãoroxo;
gervão-azul; chá-do-brasil; verônica, gervão-do-campo; rincão; rinchão; falsaverbena;
aguarapondá; mocotó; uregão; verbena;. Nome no candomblé: ewé ìgbolé.
Orixá: Obaluaiê. Uso ritual: em banhos de descarrego (do pescoço para baixo) e em
sacudimentos para melhorar a sorte.
Stemodia viscosa Roxb. - Usada contra asma e tosse nervosa, e como antiofídico. Nomes
populares: rabujo; paracari; meladinha-verdadeira. Nome no candomblé: àpèjebí.
Orixá: Obaluaiê. Uso ritual: banhos de purificação e sacralização de objetos rituais do
orixá.
Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni (Origem: Brasil) - Usada na tradição indígena guarani há
séculos. Considerada estimulante das funções cerebrais, hipotensora, cardiotônica,
contraceptiva e diurética: contra obesidade, azia e ácido úrico. Nomes populares: caáyupi;
capim-doce; erva-adocicada; estévia; folha-doce; stévia.
Strychnos pseudoquina A. St.-Hil. (Origem: Brasil) - Usada como tônica, febrífuga, amarga e
narcótica. Contra malária, problemas no baço, fígado ou estômago. Nomes populares:
quina-branca; quina; falsa-quina; quina-cruzeiro; quina-de-periquito.
Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville (Origem: Brasil) - Usada contra doenças
sexuais, hemorragias, diarréia, hemorróidas, para limpeza de ferimentos, para cicatrizar
escaras de decúbio e úlceras, contra conjuntivite e problemas dentários. Uso externo
para hemorragias uterinas, corrimento vaginal, feridas ulcerosas e pele oleosa.
Considerada cicatrizante, antibacteriana, antiedematogênica e antiinflamatória. Nomes
populares: barbatimão; barba-de-timão; barbatimão; casca-da-virgindade; casca-damocidade;
abara-motemo; paricarana; charãozinho-roxo; enche-cangalha; faveiro; ibatimó;
nabatimó; matimó; uabatimó; verna.
Synedrella nodioflora L. (Origem: América tropical) Nomes populares: folha-da-feiticeira;
botão-de-ouro; corredeira; barbatana. Nome no candomblé: ewé ajé. Orixás: Oxum e
Exu. Uso ritual: trabalhos maléficos.
Synphytum officinale L. (Origem: Ásia) - Usada como hemostática, antiinflamatória e
cicatrizante. E contra úlceras, feridas e cortes, fraturas e afecções ósseas (uso externo).
Nomes populares: confrei; consólida-maior; língua-de-vaca; orelhas-de-asnos; leitevegetal-
da-rússia; erva-do-cardeal; erva-encanadeira-de-osso.
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Syzygium aromaticum (L.) Merrl. & Perry (Origem: Índia) - Usada como carminativa, antiséptica,
analgésica, antioxidante, estimulante da digestão, e contra gases. Nomes
populares: craveiro-da-índia; cravo; cravo-da-índia; girofle; girofleiro. Orixá: Oxum.
Uso ritual: em misturas de defumadores, para atração de coisas positivas, em banhos
para atrair o sexo oposto.
Syzygium jambolanum D.C. (Origem: Índia) - Usada contra tosse, catarro pulmonar,
disenterias, inflamações dos olhos e da vagina. Nome popular: jambeiro-rosa. Nome no
candomblé: igi èso pupa. Orixá: Oxum. Uso ritual: preparação de pó para repelir tudo
que é negativo.
Tabebuia aurea (Silva Manso) Benth. & Hook. f. ex S. Moore (Origem: Brasil) - Usada
contra gripe, resfriado e inflamações. Nomes populares: carabeira; caroba-do-campo;
carobeira; cinco-em-rama; caraíba; ipê-amarelo-do-cerrado; pau-d’arco; paratudo.
Tabebuia avellanedae Lor. ex Griseb. (Origem: América) - Usada como antinfecciosa,
antifúngica, diurética, adstringente, contra impetigo, alguns tipos de câncer, de lupus,
doença de Parkinson, psoríase e alergia. Usada para inflamação de pele e mucosas, para
tratamento local de cervicite e cervico-vaginite, com ação anti-tumoral. Nomes
populares: ipê; lapacho; pau-d’arco-rosa; peúva; piúva.
Tabebuia impetiginosa Mart. (Origem: Brasil) - Usada contra inflamações, tumores, alergia,
diabetes, leucemia, câncer, anemia, arteriosclerose, artrite, bronquite, cistite, doenças
parasitárias, gastrite, feridas, malária. Também para melhorar a oxigenação do corpo.
Nomes populares: ipê-roxo; pau-d’arco.
Tagetes minuta L. (Origem: América do Sul) - Usada como aromática, excitante e diurética,
para tratamento de reumatismo, má-digestão, verminoses, bronquites, tosses, resfriados
e catarros. Em compressas, contra reumatismo, gota, nevralgias, dores lombares e
inflamações articulares. Nomes populares: cravo-de-defunto; coari; rabo-de-foguete;
cravo-do-mato; voadeira; erva-fedorenta.
Talinum paniculatum (Jacq.) Gaertn. (Origem: América) - Usada como complemento
alimentar e diurética. Em cataplasma para cicatrização de cortes e inflamações na pele.
Contra infecção intestinal e cansaço. Nomes populares: língua-de-vaca; bredo; caruru;
maria-gorda; labrobró; joão-gomes; maria-gomes; bunda-mole. Nome no candomblé:
ewé gbúre òsun. Orixás: Xangô e Oxum. Uso ritual: culinária litúrgica.
Talinun triangulare (Jacq.) Willd. (Origem: América) - Usada contra escorbuto e uso tópico
como cicatrizante. Nomes populares: bredo; língua-de-vaca; caruru; beldroega-grande.
Nome no candomblé: ewé gbúre. Orixás: Xangô, Oxum e Iemanjá. Uso ritual: em
àgbo, banhos de purificação, na culinária litúrgica.
Tamarindus indica L. (Origem: África) - Usada como laxante e contra sarampo, gripe, febre,
dores, pedra nos rins e icterícia. Nomes populares: tamarindo; jabaí; jabão; cedromimoso.
Nome no candomblé: àjàgbaó. Orixás: Oxalá e Xangô. Uso ritual: árvore
sagrada.
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Tanacetum parthenium (L.) Sch. Bip. (Origem: Brasil) - Usada contra enxaqueca, dor-decabeça,
mal-estar gástrico, diarréia, reumatismo, câimbra, suspensão da menstruação e
como analgésica, antiinflamatória e vermífuga. Nomes populares: margaridinha;
camomila-pequena; macela-da-serra.
Tanacetum vulgare L. (Origem: Europa) - Usada como vermífuga, estimulante, antihelmíntica,
emenagoga e abortiva. Também usada contra sarna. Nomes populares:
catinga-de-mulata; erva-lombrigueira; atanásia-das-boticas; palma; tanaceto; tanásia.
Taraxacum officinale Weber (Origem: Europa e Ásia) - Usada na medicina antiga da Europa.
Considerada diurética, hipoglicêmica, aperiente, febrífuga, depurativa, laxante. Contra
dores reumáticas, diabetes, inapetência, afecções da pele, hepáticas e biliares, prisão de
ventre e astenia. Nomes populares: dente-de-leão; taraxaco; amargosa; amor-doshomens;
chicória-louca; chicória silvestre; salada-de-toupeira; alface-de-cão.
Tetradenia riparia (Hochst.) Codd. (Origem: África) - Nomes populares: aloisia; erva-dejurema;
sândalo; limonete; pluma-de-névoa. Nome no candomblé: ewé didùn. Orixás:
Oxum e Iemanjá. Uso ritual: em banhos para atrair sorte, defumação.
Tetrapleura tetraptera (Schum & Thour.) (Origem: África) - Nome popular: aridan. Nome no
candomblé: àrìdan. Orixá: Ossaim. Uso ritual: em assentamentos e em preparos contra
feitiços.
Theobroma cacao L. (Origem: América Tropical) - Usada há séculos pelos ameríndios.
Emoliente para proteção da mão, lábios e mamilo, usada na fabricação de batons e
supositórios. Diurética, vasodilatadora, estimulante do sistema nervoso e do coração.
Nomes populares: cacau; cacaueiro; cacau-da-bahia; cacau-do-brasil; chocolate;
massaroca. Orixás: Oxalá e Ossaim. Uso ritual: em culinária litúrgica.
Theobroma grandiflorum (Willd. ex Spreng.) K. Schum. (Origem: Amazônia) - Usada pelos
índios (sementes moídas) contra dores abdominais e partos difíceis. Nome popular:
cupuaçu.
Thymus vulgaris L. (Origem: região mediterrânea) - Usada como aromática, adstringente,
expectorante, anti-séptica e antifúngica, contra espasmo, tosse, gripe, resfriado,
reumatismo, escaras, para boa digestão e desobstrução respiratória. Nomes populares:
tomilho; timo.
Tillandsia usneoides L. (Origem: América) - Usada contra abscessos, hemorróidas e
reumatismo. Nomes populares: barba-de-velho; barba-de-pau; samambaia. Nome no
candomblé: irùngbòn. Orixá: Obaluaiê. Uso ritual: em defumadores, sacudimentos e
sacralização de objetos rituais.
Tradescantia spathacea Sw. (Origem: México) - Usada contra tosse e problemas
respiratórios. Nomes populares: espada-de-santa-bárbara; cordoban; moisés-no-berço;
abacaxi-roxo. Nome no candomblé: ewé idà oyá; obé semi oyá. Orixá: Oiá. Uso ritual:
rituais de iniciação, àgbo, banhos e sacudimento.
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Trema micranta (L.) Engler (Origem: Ásia) - Nomes populares: crideúva; piriquiteira;
cambriúva; taleira; motamba; seriúva; chico-magro. Nome no candomblé: ewé oférè.
Orixás: Oxalá e Oiá. Uso ritual: chamada folha-da-amizade, em banhos de purificação,
sacudimentos e no preparo de pó de prosperidade.
Trixis divaricata (Kunth) Spreng. (Origem: América tropical) - Usada como emenagoga e
antiinflamatória, para tratar hemorragias uterinas e infecção dos olhos. Nomes
populares: celidônia; carvalhinha; erva-andorinha; guiné; raiz-de-cobra.
Tropaeolum majus L. (Origem: México e Peru) - Usada para fins alimentares, considerada
anti-escorbútica, anti-séptica, expectorante, diurética, fortificante capilar e para
tratamento de afecções pulmonares e desinfecção das vias urinárias. Nomes populares:
capuchinho(a); mastruço-do-peru; flor-de-sangue; agrião-do-méxico; chagas; capucine;
cinco-chagas; agrião-da-índia; mastruço.
Uncaria guaianensis (Aubl.) Gmelin e U. tomentosa (Willd.) DC. (Origem: América) -
Usadas por tribos indígenas contra processos degenerativos e inflamatórios. Usadas
contra asma, cirrose, reumatismo, alergias respiratórias, gastrite, úlcera gástrica, artrite,
feridas, úlceras, dores, câncer, diabetes, disenteria, ferida, tumores, perda de mamória e
para o sistema imunológico. Com atividade anticancerígena, anti-viral, antimutagênica,
antiinflamatória, anti-reumática, imunológica e contraceptiva. Nomes populares: unhade-
gato; carrapato-amarelo; garra-de-gavião.
Urena lobata L. (Origem: Ásia) - Usada contra cólica abdominal, tosses e como expectorante,
emoliente e antinflamarório. Nomes populares: malva-rosa; guaxima; guaxima-roxa;
aramina. Nome no candomblé: ìlasa omodé. Orixás: Oxalá e Oxossi. Uso ritual: galhos
usados como varas rituais (atorí) de Oxalá, em banhos propiciatórios dos filhos de
Oxossi e sacudimentos.
Urera baccifera (L.) Gaudich. (Origem: América tropical) - Nomes populares: urtiga-brava;
cansanção. Nome no candomblé: jojòfà; ájòfà. Orixás: Exu e Ogum. Uso ritual: em
sacralização de objetos rituais de Exu e para excitar Ogum.
Urtica dioica L. (Origem: Europa) - Usada como anti-reumática, anti-séptica, bactericida,
adstringente, diurética, depurativa, estimulante circulatória, antianêmica, emenagoga,
vasodilatadora e vermífuga. E contra rinite alérgica, problemas da próstata, para
estancar sangramentos e perder peso. Nomes populares: urtiga; urtigão; urtiga-maior;
urtiga-miúda; urtiga-queimadeira. Nome no candomblé: kan-kan. Orixá: Exu. Uso
ritual: em sacralização de objetos rituais de Exu, para criar confusão (quando
pulverizadas).
Urtica urens Vell. (Origem: Brasil) - Usada contra doenças de pele, urticária, coceira,
queimadura, dores reumáticas, incontinência urinária e hemorragias. Nomes populares:
urtiga-vermelha; urtiga-da-bahia; cansanção; urtiga-de-fogo; urtiguilha. Nome no
candomblé: ewé èpè. Orixá: Exu. Uso ritual: sacralização de objetos rituais e para
trabalhos de Exu (criar confusão)
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Vanilla palmarum Lindl. (Origem: Ásia) - Usada contra problemas nervosos, histerismo,
hipocandria, melancolia, convulsão, coqueluche, tosses e como afrodisíaco. Nomes
populares: baunilha-da-bahia; baunilha-de-nicuri; baunilha-silvestre. Nome no
candomblé: àbàrá òké. Orixá: Ossaim. Uso ritual: rituais de iniciação, banhos e
sacralização de objetos.
Vernonia condensata Baker (Origem: África) - Usada contra gases, sífilis, problemas no
estômago, fígado e vesícula, e como analgésica, colagoga, desintoxicante do fígado,
diurética, antidiarréica e aperiente. E contra ressaca alcoólica. Nomes populares: boldo;
alumã; figatil; heparém; árvore-do-pinguço; boldo-japonês; boldo-de-goiás; boldopaulista;
boldo-brasileiro. Nome no candomblé: àlùmón; éwúró. Orixá: Ogum. Uso
ritual: rituais de iniciação, banhos de purificação e sacudimentos.
Vernonia polyanthes Less. (Origem: Brasil) - Usada como diurética, balsâmica, antireumática,
contra bronquites e tosses. Uso externo para problemas da pele e dores
musculares. Nomes populares: assa-peixe; chamarrita; cambará-açu. Orixá: Oxum. Uso
ritual: em rituais de iniciação, banhos purificatórios e sacralização de objetos rituais.
Vigna ungiculata L. (Origem: África) - Usada contra anemias. Nome popular: feijão-fradinho.
Nome no candomblé: èwà. Orixá: Ossaim. Uso ritual: culinária litúrgica e oferendas.
Viola odorata L. (Origem: Europa) - Usada pela medicina caseira desde Hipócrates.
Considerada antiinflamatória, antiespasmódica, depurativa, expectorante, anti-séptica,
anticancerígena, diurética e sudorífica. Usada contra bronquite crônica, asma, infecções
respiratórias, insônia, enxaqueca, eczema e psoríase. Nomes populares: violeta, amorperfeito;
viola; violeta-de-cheiro.
Virola surinamensis (Rol. ex Rottb.) Warb. (Origem: Amazônia) - Usada contra problemas do
estômago, cólicas, erisipelas, inflamações, úlceras, aftas, hemorróidas, contra abscesso
dentário e como cicatrizante. Nomes populares: ucuúba; árvore-do-sebo; bicuíba; nozmoscada.
Vismia guianensis (Aubl.) Choisy (Origem: Amazônia) - Usada como tônica, antipirética,
anti-reumática e antifebril, ou contra micoses e doenças da pele. Nomes populares:
lacre; goma-lacre; pau-de-febre; caopiá.
Vitex agnus-castus L. (Origem: Brasil) - Usada como adstringente, hematúria, diurética,
antidisentérica e expectorante. Usada para regular hormônio, melhorar a lactação e
contra hemorróidas, diabetes, problemas menstruais, erisipela, gripes e resfriados.
Nomes populares: alecrim-de-angola; alecrim-do-norte; limba; pau-de-angola. Orixá:
Ossaim. Uso ritual: na reclusão, como anafrodisíaco.
Vitis vinifera L. (Origem: Ásia) - Usada como estimulante energético (vinho). Contra
hemorragia uterina, diarréia, fragilidade capilar. Considerada adstringente, antihemorrágica,
antianêmica, hipocolesterolemiante, anti-séptica, depurativa, diurética,
laxativa, vasoconstritora, tônica e estimulante. E como creme nutritivo da pele. Nomes
populares: uva; videira; parreira. Orixás: Oxalá, Oxum, Iemanjá e Ibeiji. Uso ritual: em
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oferendas, obrigações à cabeça e banhos para sorte no amor.
Waltheria douradinha A. St. Hil. (Origem: Brasil) - Usada como estimulante, emética,
sudorífica, hipotensora, depurativa, enérgica, tônica ao coração, emoliente e diurética,
contra disenteria, catarro-brônquico, afecções pulmonares, blenorragia, cistite, doenças
sifilíticas, tumores e úlceras crônicas. Nomes populares: douradinha; douradinha-docampo;
malva-branca; valva-veludo.
Wedelia paludosa D.C. (Origem: Brasil) - Nome popular: bem-me-quer. Nome no
candomblé: bánjókó. Orixá: Oxum. Uso ritual: rituais de iniciação, banhos
purificatórios e sacralização de objetos.
Xanthosoma atrovirens Koch. et Bouche., var appendiculatum (Origem: América tropical)
Nome popular: tamba-tajá. Nome no candomblé: patiòba. Orixá: Ossaim. Uso ritual:
em forma de pó para separar, confundir e anular união de casais.
Xanthosoma sagittifolium (L.) Scoltt. (Origem: América) - Nomes populares: tajá; taioba;
mangareto; mangarito; mangarás. Nome no candomblé: ewé kòkó. Orixás: Oxossi,
Iemanjá e Logun Edé. Uso ritual: rituais de iniciação e em fundamentos de orixás.
Xylopia aromatica (Lam.) Mart. (Origem: América tropical) - Usada como carminativa,
excitante e afrodisíaca. Nomes populares: envira; embira; jejerecu; pacovi; pimenta-denegro;
pimenta-da-costa; pimenta-do-sertão. Nome no candomblé: bejerekun. Orixá:
Ossaim. Uso ritual: em assentamentos, para plantar o axé do terreiro e na iniciação dos
filhos-de-santo.
Zea mays L. (Origem: América) - Usada como diurética, hipoglicêmica, estimulante do
fígado e para prevenir cálculo renal. Nomes populares: milho; abati; avati; cabelo-demilho.
Nome no candomblé: àgbàdó. Orixás: Ogum, Oxossi, Xangô, Iemanjá e Oxalá.
Uso ritual: culinária litúrgica, defumação e lavagem de objetos rituais.
Zingiber officinale Roscoe (Origem: Ásia) - Usada contra asma, bronquite, cólicas, gases,
inflamação na boca e garganta, como estimulante digestivo, antiinflamatória, antireumática,
antiviral, antivomitiva e antialérgica. Nomes populares: gengibre;
mangarataia; gingibre. Orixá: Ogum. Uso ritual: culinária litúrgica e em assentamentos.
Ziziphus joazeiro Mart. (Origem: Brasil) - Usada para problemas gástricos e doença de pele.
Nomes populares: juazeiro; joazeiro; joá; juá; juá-mirim.
Zornia diphylla Pers. (Origem: América e África) - Considerada diurética e laxante, usada
externamente contra reumatismo. Nomes populares: arrozinho; carrapicho; orelha-decaxinguelê;
alfafa-do-campo; urinária. Nome no candomblé: sèníkawá. Orixás: Ewá e
Ossaim. Uso ritual: em rituais de iniciação.
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FONTES BIBLIOGRÁFICAS DO CATÁLOGO
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5. CONCLUSÃO: ENCRUZILHADAS
No mundo contemporâneo, constituído como um grande mercado que parece incorporar
indistintamente as culturas e a natureza, lógicas singulares de compreensão do mundo
persistem, atribuindo sentidos específicos à vida e ao ser humano em sua completude, na
contramão da tendência incorporadora e homogeneizadora do modelo dominante.
A diversidade da produção cultural no Brasil tem sido a base material e simbólica para a
existência cotidiana de brasileiros que vivem realidades e sociabilidades múltiplas, orientadas
por repertórios específicos, construídos na rede das relações étnicas, sociais, econômicas,
ambientais. Há, de fato, na sociedade brasileira, uma interpenetração de diversas semiologias
que interferem na construção simbólica de padrões de saúde-doença, constituindo um mosaico
cultural em que coexistem modelos hegemônicos e outros modelos originários de sistemas
simbólicos e de comunidades interpretativas etnicamente diferenciadas.
As etnias não hegemônicas, presentes na história brasileira, que compõem, no resultado
dinâmico do processo histórico, o quadro multifacetado e pluriétnico da sociedade
contemporânea do país, influenciam (e influenciaram), com suas tradições culturais
diferenciadas, as práticas de tratamento de corpo que, variando do padrão, encontraram
espaços de existência, sobrevivência ou resistência nas frestas das instituições médicas e do
processo de construção de hegemonia.
O desenvolvimento da medicina ocidental, a despeito dos ganhos que possam ter sido
aferidos, implicou, para o homem, algumas cisões: a sua separação de si mesmo,
transformado de sujeito em objeto; a sua separação do Outro, devida à estrutura social
fundada no individualismo e no consumo; e a sua separação do universo, destituindo-o do
sentimento de pertencimento à natureza.
Apesar da forte influência da racionalidade moderna e do tecnicismo da medicina
padrão sobre os modelos e as percepções do corpo, percebe-se que, no exercício cotidiano do
povo brasileiro, outras racionalidades se fazem presentes, originárias de referências culturais
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diversas, a impregnar o corpo de sentidos diferenciados e a ampliar o leque de possíveis
atuações terapêuticas. Além dos elementos técnicos ou das atuações profissionais, as
dimensões simbólicas atuam também nas representações e nas ações relativas ao corpo e a
seus processos, quaisquer que sejam os ambientes culturais ou os contextos sociais das
práticas medicinais. A relação complexa que há entre os diferentes âmbitos da vida humana
coloca a esfera racional e técnica como interligada à esfera mítica e simbólica, numa
existência conjunta, apesar das tentativas de separação.
Refletimos, no percurso desta tese, sobre a produção de conhecimentos situados e
enraizados, tentando compreendê-los como expressões da diversidade cultural brasileira,
aproximando as relações entre saberes, técnicas e conhecimentos medicinais oriundos de
comunidades não-hegemônicas. A temática do corpo humano foi trazida à cena, viabilizando
a discussão sobre paradigmas epistemológicos contemporâneos, partindo-se de um enfoque
em que outras tradições culturais são valorizadas, na compreensão da necessidade ontológica
de pertencimento simbólico e comunitário. Buscando conhecer e analisar outras formas
étnicas e simbólicas de interpretar o corpo em sua relação com a natureza, esta tese procura,
assim, contribuir para o surgimento de novas alternativas e de formas mais prudentes e
responsáveis de atuação frente ao ambiente e à sociedade, considerando-se o imenso valor da
diversidade biológica e cultural.
Para o estabelecimento de diálogos epistemológicos, culturais e etnográficos sobre o
corpo no cotidiano dos brasileiros foi necessário ampliar o enfoque, tentando considerar o
homem em sua complexidade, como um ser cultural, simbólico, psíquico, social, histórico e
espiritual, sujeito de emoções, necessidades, técnicas, sentimentos de pertença e vínculos de
raiz, que atua na vida a partir de representações, imaginações, histórias, narrativas e mitos -
pessoais e comunitários.
A proposta de pesquisa, apontando desde o início para uma abordagem antropológica,
buscava compreender as especificidades culturais que substanciam as diferentes atribuições
de sentido aos processos ligados ao corpo (saúde, doença, cura etc.), valorizando-se o esforço
de reconstrução dos critérios internos de auto-reflexão de cada comunidade interpretativa
envolvida e evitando simplificações que utilizassem categorias exógenas aos sistemas
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simbólicos. Foi respeitado o princípio de que as diferenças culturais devem ser vistas como
dados irredutíveis, no pressuposto de que é a produção simbólica que dá sentido, significado e
intencionalidade às ações e comportamentos sociais em toda e qualquer sociedade humana,
embora possa variar quanto a focos e ênfases, a depender do tipo de sociedade e momento
histórico.
Por outro lado, considerando que o homem, além de um todo complexo de órgãos e
sistemas físico-químico-biológicos, é um ser simbólico, psíquico, social-histórico e espiritual,
sujeito de suas emoções, necessidades e técnicas, de suas histórias, narrativas e mitos
(pessoais e comunitários), de representações e imaginações, que se encontra inserido numa
teia de interações sócio-ambientais, só um enfoque interdisciplinar pôde abranger a
investigação sobre as medicinas paralelas no âmbito proposto.
Compreendendo o caráter processual da pesquisa interdisciplinar, firmamos também o
pressuposto da afirmação de uma postura dialógica, o reconhecimento da importância da
busca de alternativas de contrução de um conhecimento que se oriente pela sustentabilidade,
pela proteção da vida e pelo alicerce da ética. Na esperança de que esta análise aqui
desenvolvida, ao buscar dialogar com e compreender diferentes tradições culturais brasileiras,
possa vir a contribuir para o surgimento de uma neoprodução de saberes, geradores de formas
mais prudentes e responsáveis de atuação frente à natureza e às sociedades, na valorização da
diversidade da vida.
A questão do conhecimento e da informação é central na vida contemporânea, seja na
discussão dos contínuos e vertiginosos fluxos virtuais da globalização contemporânea, seja na
importância com que assumiu posições privilegiadas na economia global. Os interesses
mercadológicos de empresas e indústrias farmacêuticas, cosméticas e de outras áreas estão
voltados para o patrimônio natural brasileiro, articulando processos de aproximação e
assimilação também de bens culturais, implicando na apropriação de conhecimentos
tradicionais e populares de comunidades brasileiras (indígenas, afro-descendentes,
quilombolas, caboclas, ribeirinhas etc), o que demanda a presença do Estado, atuando no
princípio do bem comum. É urgente a discussão ampla sobre ética, biodiversidade,
diversidade cultural e propriedade intelectual frente à globalização e à mercantilização da
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vida. A bio-sociodiversidade, exposta aos riscos de uniformização dos interesses do mercado,
precisa ser discutida de maneira ampla, para que não seja devorada e para que possa vir a
significar uma efetiva conexão da tradição com o momento presente, na trilha de um futuro.
A construção do futuro requer mudanças nos rumos trilhados até então, valorizando-se
os contextos locais, as territorialidades, a pluralidade epistemológica, a diversidade cultural e
biológica e o respeito irrestrito ao outro. Tomar a memória como fonte de conhecimento
enraizado e localizado, bebendo na raiz, é também abrir-se ao diálogo verdadeiro, realizado
em presença, com um Outro igualmente situado, constituindo-se, nesta relação, uma
comunidade de amplo alcance, orientada pela valorização das diferenças e das especificidades
locais e baseada no diálogo ético.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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ANEXOS
1 - PORTARIA Nº 971, DE 3 DE MAIO DE 2006 - Aprova a Política Nacional de
Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) No Sistema Único de Saúde /
ANEXO À PORTARIA Nº 971 – Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) No Sistema Único de Saúde (TEXTO)
2 – DECRETO Nº 5.813, DE 22 DE JUNHO DE 2006 - Aprova a Política Nacional de
Plantas Medicinais e Fitoterápicos / ANEXO AO DECRETO Nº 5.813 – Política
Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (TEXTO)
3 - DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA - Conferência Internacional sobre Cuidados
Primários de Saúde Alma-Ata (URSS, 6 a 12 de setembro de 1978)
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ANEXO 1
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Acesso em 15 de Novembro de 2007.
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ANEXO 2
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FONTE: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Decreto_Fito.pdf
Acesso em 15 de Novembro de 2007.
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ANEXO 3
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