terça-feira, 8 de maio de 2012

BERNARTDO MASCARENHAS

1 Ibmec MG Working Paper – WP11 O EMPRESÁRIO BRASILEIRO: UM ESTUDO COMPARATIVO Sérgio de Oliveira Birchal (Ibmec MG) SergioOB@ibmecmg.br (2004) 2 O EMPRESÁRIO BRASILEIRO: UM ESTUDO COMPARATIVO Sérgio de Oliveira Birchal INTRODUÇÃO Este trabalho examina o debate sobre o empresário na historiografia econômica brasileira. Ele objetiva contestar a visão amplamente aceita de que as experiências paulista e, em menor medida, carioca podem ser generalizadas para outras partes do Brasil. O trabalho compara as origens sociais e as fontes de capital dos empresários mineiros, paulistas e cariocas no século XIX. A análise do empresário mineiro revela que em contraste com os seus pares em São Paulo e no Rio de Janeiro, os empresários mineiros emergiram principalmente da elite local constituída basicamente de brasileiros. Além disso, apesar de que as fontes de capital (principalmente agricultura e comércio) usadas pelos empresários mineiros não eram muito distintas daquelas usadas por seus pares paulistas e cariocas, elas diferiam na sua natureza, com o café e o comércio importador-exportador tendo um papel menos relevante. 1. UMA BREVE REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O EMPRESÁRIO BRASILEIRO A economia brasileira no século XVIII era predominantemente agrícola e, principalmente, orientada para as exportações. Falar de empresários durante esse período é falar de senhores de engenho e outros proprietários de terras1. Com o desenvolvimento da economia cafeeira no início da década de 1820, começou a surgir uma nova classe empresarial destinada a ter um importante papel no desenvolvimento econômico futuro do país. Esta nova classe era constituída inicialmente de empresários locais que haviam acumulado algum capital em atividades comerciais - principalmente o provisionamento da cidade do Rio de Janeiro que era o então principal mercado consumidor brasileiro - e mais tarde passaram a produzir café2. A comparação entre os processos de formação das classes dominantes das economias cafeeira e açucareira revela algumas diferenças fundamentais. Quando a classe dominante da economia açucareira foi formada, as atividades comerciais eram controladas por grupos estabelecidos em Portugal ou nos Países Baixos. Os homens que controlavam a produção não tinham nenhuma perspectiva da economia açucareira como um todo, na medida em que as etapas produtiva e comercial eram separadas3. A formação da economia cafeeira ocorreu sob condições bastante diferentes. Desde o início, como mencionamos acima, a classe dominante era composta de homens com experiência de negócios e as etapas de produção e comercialização eram interesses interligados4. Porém, durante a primeira metade do século XIX não emergiu nenhuma classe industrial significativa. As indústrias têxteis e de alimentos que foram a base do crescimento industrial brasileiro não surgiram até 1840. Na verdade, não houve crescimento industrial significativo até a década de 1870. Além disso, há alguma controvérsia no debate sobre as origens sociais e econômicas do empresariado industrial paulista. Duas principais correntes podem ser identificadas nesse debate. A primeira, a abordagem do "imigrante burguês"5, argumenta que o papel mais importante na promoção da industrialização em São Paulo coube ao grupo formado por importadores e imigrantes, ou o chamado "imigrante burguês". A 1 L.C.T.D. Prado, "Commercial Capital, Domestic Market and Manufacturing in Imperial Brazil: The Failure of Brazilian Economic Development in the XIXth Century", University of London, unpublished Ph.D. thesis, 1991, pp.174-83. 2 C. Furtado, The Economic growth of Brazil: A Survey from Colonial to Modern Times, (Los Angeles, 1965), pp.124-125. 3 Ibid., p.125. 4 Ibid., pp.124-6. 5 Representada principalmente por W. Dean, A Industrialização de São Paulo, (São Paulo, 1971), e J. Gorender, A Burguesia Brasileira, (São Paulo, 6th ed. 1986). 3 segunda, a abordagem do "capitalismo tardio"6, argumenta que em São Paulo os plantadores de café constituíram o grupo social do qual emergiu a burguesia industrial. Assim sendo, de acordo com a historiografia econômica brasileira o empresário brasileiro capitalista moderno emergiu somente na segunda década do século passado com a expansão da economia cafeeira. Essa classe empresarial cafeeira estabeleceu a base econômica e social para a emergência de um estágio mais avançado do desenvolvimento capitalista brasileiro. A industrialização foi promovida por ambos, os chamados imigrantes burgueses e os plantadores de café. Entretanto, a maior parte do que foi escrito até então sobre as origens social e econômica do empresariado brasileiro se baseia principalmente em evidências tiradas das experiências de São Paulo e, em menor medida, do Rio de Janeiro. Porém, há evidências sugerindo que o padrão de desenvolvimento empresarial em outras partes do Brasil, como Minas Gerais, foi de uma certa forma diferente. 2. O EMPRESÁRIO MINEIRO Essa parte examina as origens étnicas, sociais e econômicas do empresário mineiro no século XIX. Ela compara as principais influências sociais e econômicas no processo de formação das classes empresariais brasileira e mineira. A primeira seção investiga os antecedentes sociais e étnicos do empresariado mineiro. O foco é a análise dos grupos sociais de onde emergiram o empresário mineiro. A segunda seção examina as principais influências econômicas na formação da classe empresarial mineira. Em outras palavras, ela investiga as principais fontes de capital disponíveis para os futuros empresários. 2.1 - As Origens Étnicas e Sociais Como foi mencionado acima, o grupo social consituído por importadores e imigrantes, o chamado imigrante burguês, teve uma grande influência na formação da classe empresarial paulista7. Porém, no que concerne a formação da classe empresarial mineira a participação de imigrantes foi muito mais limitada. Os imigrantes tiveram uma pequena, porém relevante, participação no estabelecimento da siderurgia mineira e tiveram uma grande participação na formação da classe empresarial da zona da Mata, uma importante região cafeeira. Em outras regiões, a participação de imigrantes é muito limitada. Na siderurgia, a participação dos empresários estrangeiros foi importante durante o século passado. Duas das mais bem sucedidas fundições fundadas durante este período foram estabelecidas por imigrantes: a fábrica Patriótica, estabelecida por Eschwege, um engenheiro alemão8, e a fábrica de São Miguel de Piracicaba, fundada por Monlevade, um engenheiro francês9. Outras fundições, menores e menos importantes, foram também estabelecidas por estrangeiros10. Além disso, estrangeiros e seus descendentes participaram do estabelecimento das usinas de maior porte que começaram a dominar a siderurgia mineira nas últimas décadas do século passado. A usina Esperança foi estabelecida em 1888 por três brasileiros (Amaro da Silveira, Henrique Hargreaves e Carlos da Costa Wigg) e um metalúrgico suíço (Alberto Gerspacher). Mais tarde José Gerspacher (filho de Alberto Gerspacher e quem operou ambas usinas) e Carlos da Costa Wigg estabeleceram a usina Burnier em 189211. 6 Representada principalmente por J.M. Cardoso de Mello, O Capitalismo Tardio: Contribuição à Revisão Crítica da Formação e Desenvolvimento da Economia Brasileira, (São Paulo, 1982) e W. Cano, Raízes da Concentração Industrial em São Paulo, (São Paulo, 3rd. ed. 1977). 7 W. Dean, A Industrialização de São Paulo, (São Paulo, 1971). 8 F.A.M. Gomes, História da Siderurgia no Brasil, (Belo Horizonte/São Paulo, 1983), pp.79-85. 9 D.C. Libby, Transformação e Trabalho em uma Economia Escravista: Minas Gerais no Século XIX, (São Paulo, 1988), p.149. 10 Ibid., pp.163-9. 11 W. Suzigan, Indústria Brasileira: Origem e Desenvolvimento, (São Paulo, 1986), pp.258-9. 4 Portanto, os empresários estrangeiros tiveram uma participação pequena, porém relevante, no estabelecimento da siderurgia mineira. Isto parece ter ocorrido muito em função do know-how que esses estrangeiros possuíam, que não estava disponível na forma de maquinário como no caso da indústria têxtil. No entanto, baseado na evidência apresentada acima e tendo em mente que o número estimado de fundições em Minas Gerais durante o período 1821-1893 nunca foi menor que 3012, fica claro que a maioria das fundições pertenciam a brasileiros. A participação de imigrantes era muito maior dentro da classe empresarial da zona da Mata. Aí é amplamente aceito que estrangeiros residentes na região tiveram uma participação fundamental no processo de industrialização13. O fluxo de imigrantes para a região começou na década de 1850 com o estabelecimento de uma colônia de imigrantes pela Companhia União e Indústria (CUI). A maioria dos imigrantes era alemães, que mais tarde foram os responsáveis pelo primeiro surto de industrialização de Juiz de Fora. No fim da década de 1880, um grande número de italianos chegou em Juiz de Fora. Muitos deles estabeleceriam mais tarde curtumes e fábricas de chapéus, sapatos, móveis etc14. Tabela 1 - Juiz de Fora: nacionalidade dos proprietários de fábricas, 1858-1912. Origem No. de Estabelecimentos % Alemães 28 43.1 Brasileiros 19 29.3 Italianos 14 21.5 Ingleses 01 1.5 Outros 02 3.1 Informação não Disponível 01 1.5 Total 65 100.0 Fonte: Adaptado de L.A.V. Arantes, "As Origens da Burguesia Industrial em Juiz de Fora, 1858/1912", Universidade Federal Fluminense, Tses de Mestrado, Niteroi, 1991, p.160. Como mostra a Tabela 1, os imigrantes possuíam mais de 66% do total das indústrias estabelecidas em Juiz de Fora durante o período 1858-1912. Os números apresentados na Tabela 1 são evidência irrefutável da importância dos imigrantes na formação da classe empresarial da zona da Mata, especialmente na cidade de Juiz de Fora. Além disso, ao contrário do que alguns autores observaram em São Paulo15, o imigrante que se tornou industrial em Juiz de Fora normalmente não se encaixa no conceito de "imigrante burguês". A maioria dos imigrantes que se tornaram industriais em Juiz de Fora veio inicialmente para o Brasil para trabalhar como operários, artesãos ou camponeses, e foi atraída pela perspectiva de possuir um pedaço de terra16. 12 Libby, op.cit., p.154. 13 Para uma discussão mais ampla sobre a participação de imigrantes na industrialização de Juiz de Fora ver A. Esteves, Álbum do Município de Juiz de Fora, (Belo Horizonte, 1914); D.A. Giroletti, A Industrialização de Juiz de Fora: 1850-1930, (Juiz de Fora, 1988); P. Oliveira, História de Juiz de Fora, (Juiz de Fora, 1966); L.J. Stehling, "Trajetória da Indústria em Juiz de Fora", in Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora, (Juiz de Fora, 1966), Vol.2, No.2, pp.30-7; and L.A.V. Arantes, "As Origens da Burguesia Industrial em Juiz de Fora, 1858/1912", Universidade Federal Fluminense, unpublished M.Sc. thesis, Niterói, 1991. 14 Arantes, op.cit., pp.87-121. 15 Ver Dean, op.cit. e Gorender, A Burguesia Brasileira, (São Paulo, 6a. ed. 1986). 16 Arantes, op.cit., p.98. 5 Apesar da importância dos imigrantes no estabelecimento da siderurgia e na formação da classe empresarial da zona da Mata, a classe empresarial mineira era, porém, amplamente constituída por brasileiros. Como mostra a Tabela 1, os brasileiros foram responsáveis pelo estabelecimento de aproximadamente um terço das indústrias fundadas em Juiz de Fora no período 1858-1912. Entre os brasileiros, os industriais não relacionados com a economia cafeeira possuíam um pouco mais de 26% do número total de indústrias. Os fazendeiros tinham uma pequena participação, possuindo pouco mais de 3% das indústrias estabelecidas em Juiz de Fora17. Um dos mais importantes empreendimentos estabelecidos por fazendeiros da zona da Mata foi a CUI. A companhia foi estabelecida por Mariano Procópio Ferreira Lage, um fazendeiro nascido em Barbacena, e vários outros fazendeiros da região18. Portanto, é razoável afirmar que a CUI foi estabelecida por fazendeiros da região interessados na melhoria dos meios de transporte para a sua produção, como foi o caso de muitas das primeiras ferrovias na província de São Paulo19. Tabela 2 - Minas Gerais: nacionalidade dos principais promotores e acionistas das fábricas têxteis estabelecidas na década de 1870. FÁBRICA PRINCIPAIS PROMOTORES E ACIONISTAS NACIONALIDA DE Cedro Antônio Cândido Mascarenhas Caetano Mascarenhas Bernardo Mascarenhas Brasileiro Brasileiro Brasileiro Brumado Franciso José de Andrade Botelho Brasileiro SAIM Azarias de Souza Dias Brasileiro Biribiry Santos family Brasileiro Cachoeira Pacífico Mascarenhas Victor Mascarenhas Francisco Mascarenhas Luis Augusto Vianna Barbosa Brasileiro Brasileiro Brasileiro Brasileiro União Itabirana Não há informações n.a. Fontes: Compilado de P. Tamm, Uma Dinastia de Tecelões, (Belo Horizonte, 2nd ed. 1960), pp.64-9; G. Guimarães, Francisco José de Andrade Botelho, (Belo Horizonte, 1950), p.14; M.L.P. Costa, A Fábrica de Tecidos de Machado, 1871-1917, (Belo Horizonte, 1989), p.25; M.T.R.O. Versiani, "The Cotton Textile Industry of Minas Gerais, Brazil: Beginnings and Early Development, 1868-1906", University of London, unpublished Ph.D. thesis, 1991, pp.50-1; G.M. Mascarenhas, Centenário da Fábrica do Cedro, 1872-1972, (Belo Horizonte, 1972), pp.93-118; S.J. Stein, Origens e Evolução da Indústria Têxtil no Brasil, 1850-1950, (Rio de Janeiro, 1950), p.216. Notas: (n.a.) não há informações. A indústria têxtil, que estava concentrada principalmente na parte central de Minas Gerais, foi estabelecida quase que exclusivamente por empresários brasileiros originários de 17 Ibid., p.160. 18 Companhia União e Indústria, Relatório da Assembléia Geral dos Acionistas, (1857), pp.38-9. 19 C.M. Lewis, Public Policy and Private Initiative: Railway Building in São Paulo, 1860-1889, (1991), pp.35-55. Para uma discussão mais ampla sobre a construção e o financiamento das ferrovias paulistas ver também F.A.M. Saes, As Ferrovias de São Paulo, 1870-1940, (São Paulo, 1981). 6 umas poucas famílias ou pequenos círculos de amigos. Como mostra a Tabela 2, as fábricas fundadas durante a década de 1870 foram estabelecidas por empresários da região. O mesmo padrão pode ser observado para o restante do século XIX. Como mostram as Tabelas 3 e 4, as fábricas têxteis durante as décadas de 1880 e 1890 continuaram a ser fundadas por brasileiros, principalmente, por empresários oriundos da região. A comparação entre a nacionalidade dos principais promotores e acionistas das indústrias têxteis mineira e carioca revela o quão diferente a classe empresarial mineira era daquela descrita pela historiografia econômica brasileira. Enquanto um grande número de empresários têxteis cariocas era estrangeiro, como mostra a Tabela 5, seus congêneres mineiros eram principalmente empresários locais. A principal explicação para tal discrepância era a grande concentração de estrangeiros no Rio de Janeiro. No período 1872- 1920, por exemplo, os estrangeiros representavam não menos do que 20% da população carioca, enquanto durante esse mesmo período eles não representavam mais do 4% da população mineira20. Além disso, os estrangeiros controlavam grande parte das atividades comerciais dos principais centros urbanos. No final da década de 1850, os estrangeiros controlavam 62% do comércio atacadista de tecidos do Rio de Janeiro21. Em breve eles dominavam as atividades manufatureiras ligadas às suas atividades comerciais, processo já observado em São Paulo22. As empresas mineiras de fornecimento de eletricidade da virada do século foram também estabelecidas principalmente por empresários da região. A Companhia Mineira de Eletricidade (CME) foi fundada por Bernardo Mascarenhas, nascido em Taboleiro Grande, Minas Gerais. Maiores evidências de que a CME era um empreendimento familiar e local é o fato de que dos 30 acionistas originais 12 pertenciam à família Mascarenhas23 e muitos outros eram nomes proeminentes da comunidade empresarial local24. A Companhia Força e Luz Cataguazes-Leopoldina (CFLCL), por sua vez, foi estabelecida por dois brasileiros e um português: Noberto Custódio Ferreira, nascido em Rio Novo, Rio de Janeiro25; José Monteiro Ribeiro Junqueira, nascido em Leopoldina, Minas Gerais26; e João Duarte Ferreira, nascido em Coimbra, Portugal, que veio para o Brasil em 187227. Uma análise das origens dos empresários que estabeleceram as empresas de fornecimento de energia elétrica em São Paulo e no Rio de Janeiro também revela uma acentuada diferença com Minas Gerais. Nos casos de São Paulo e Rio de Janeiro, as primeiras empresas de fornecimento de energia elétrica estabelecidas na virada do século foram fundadas por estrangeiros. A São Paulo Tramway, Light and Power Company (SPTLPC), fundada em 1899, foi promovida por Francesco Antonio Gualco, um empresário italiano, e Frederick Pearson, um engenheiro e capitalista norte americano. A Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company Ltd. (RJTLPC) foi promovida por Alexander Mackenzie, que era certamente estrangeiro, e fundada 05 anos mais tarde por um grupo de capitalistas canadenses28. 20 Ver Ministério da Agricultura, Indústria e Commercio, Recenseamento do Brazil Realizado em 1 de Setembro de 1920, (Rio de Janeiro, 1924), IV, 2nd. part, p.48 e Directoria Geral de Estatística, Relatorio Annexo ao do Ministerio dos Negocios do Imperio de 1876, (Rio de Janeiro, 1877), p.15. 21 L.C.T.D. Prado, "Commercial Capital, Domestic Market and Manufacturing in Imperial Brazil: The Failure of Brazilian Economic Development in the XIXth Century", University of London, unpublished Ph.D. thesis, 1991, pp.180-3. 22 Ver Dean, op.cit., pp.25-40. 23 P. Oliveira, Companhia Mineira de Eletricidade: Pioneira da Iluminação Hidrelétrica na América do Sul, (Juiz de Fora, 1969), p.27. 24 Companhia Mineira de Eletricidade, Ata da Primeira Reunião dos Acionistas da Companhia Mineira de Eletricidade, Instalação da Assembléia Geral e Constituição da Sociedade, reproduzido em ibid., pp.25-6. 25 "O Falecimento do Dr. Norberto Custodio Ferreira", em Jornal Cataguases, (Cataguases), 17 de Fevereiro de 1935, p.1. 26 "Dr. José Monteiro Ribeiro Junqueira", em Gazeta de Leopoldina, (Leopoldina), 19 de Maio de 1946. 27 L.S. Costa, Cataguases Centenária: Dados para a sua História, (Cataguases, 1977), p.541. 28 Panorama do Setor de Energia Elétrica no Brasil, ed. R.F. Dias, L.M.M. Cabral, P.B.B. Cachapuz e S.T.N. Lamarrão, (Rio de Janeiro, 1988), pp.34-5. 7 Tabela 3 - Minas Gerais: nacionalidade dos principais promotores e acionistas das fábricas têxteis estabelecidas na década de 1880. FÁBRICA PRINCIPAIS PROMOTORES E ACIONISTAS NACIONALIDADE Cassú Borges, Irmãos & Co. n.a. Marzagão Companhia Industrial Sabarense n.a. Filatório Montes Claros Manoel Rodrigues Donato Rodrigues Antônio Narciso Soares Angelo de Quadros Bittencourt Gregório Velloso Brasileiro Brasileiro Brasileiro Brasileiro Brasileiro Bom Jardim Pereira Murta & Co. n.a. São Sebastião Antônio Gonçalves da Silva Mascarenhas Brasileiro Viçosa Mello & Reis Co. n.a. Industrial Mineira Andrew Steele John Steele Peter Steele William Moreth Henry Whittaker Inglês Inglês Inglês Inglês Inglês São Vicente Não há informação n.a. União Lavrense Não há informação n.a. Cachoeira dos Macacos João da Matta Teixeira Jeronymo Francisco França Américo Teixeira Guimarães Brasileiro Brasileiro Brasileiro Santa Bárbara Pedro da Matta Machado Augusto da Matta Machado Francisco F. Corrêa Rabelo Pedro José Verciani João Antônio L. de Figueiredo Antônio Moreira da Costa Brasileiro Brasileiro Brasileiro Brasileiro Brasileiro Brasileiro Paulo Moreirense Não há informação n.a. Mascarenhas Bernardo Mascarenhas Brasileiro Pedreira Não há informação n.a. São Roberto Quintiliano Alves Ferreira Brasileiro Industrial Ouro Preto Não há informação n.a. Fonte: Compilado de Versiani, op.cit., pp.75-92; Tamm, op.cit., p.25; A.M. Vaz, Cia. Cedro e Cachoeira: História de uma Empresa Familiar, 1883-1987, (Belo Horizonte, 1990), pp.102-3; N.A.M. Freitas, "Cia. Têxtil Cachoeira dos Macacos: Empresa que deu Origem a uma Cidade", Fundação Mineira de Arte Aleijadinho/Escola Superior de Artes Plásticas, Mimeo., Belo Horizonte, 1990p.17; N.L. Mascarenhas, Bernardo Mascarenhas: o Surto Industrial de Minas Gerais, (Rio de Janeiro, 1954), pp.123-5. Notas: (n.a.) Não há informação. 8 Tabela 4 - Minas Gerais: nacionalidade dos principais promotores e acionistas das fábricas têxteis estabelecidas na década de 1890. FÁBRICA PRINCIPAIS PROMOTORES E ACIONISTAS NACIONALIDADE Santanense Manoel José de Souza Moreira Manoel Gonçalves de Souza Moreira Augusto Gonçalves de S. Moreira Antônio Pereira de Mattos Brasileiro Brasileiro Brasileiro Brasileiro São Joanense Antônio Moreira da Costa Rodrigues n.a. Itabira do Campo Não há informação n.a. Pitanguense Luiz Augusto Barbosa Francisco Bahia da Rocha Sérgio Mascarenhas Barbosa Antônio Mascarenhas Brasileiro n.a. Brasileiro Brasileiro Cachoeira Grande Anônio Ferreira Alves da Silva João da Matta Teixeira Américo Teixeira Guimarães Herculino França Brasileiro Brasileiro Brasileiro Brasileiro Progresso Fabril Carlos Vaz de Mello Brasileiro Melancias Jeronymo Francisco França João da Matta Teixeira Theophilo Marques Ferreira Brasileiro Brasileiro Brasileiro São Domingos Moreira Penna family Brasileiro São João Nepomuceno Daniel de Moraes Sarmento Junior Brasileiro Jequitahy Não há informação n.a. Perpetua Não há informação n.a. Itinga Não há informação n.a. Fonte: Compilado de M.A.G. Souza, História de Itaúna, (Belo Horizonte, 1986), I, p.101-94; Versiani, op.cit., p.128-243; G.M. Mascarenhas, op.cit., p.118; Tamm, op.cit., p.87; Companhia Industrial Pitanguense, Lista Nominativa dos Srs. Subscritores, (1894), em Minas Gerais, 5 de Janeiro de 1894, p.7; Companhia Industrial Pitanguense, Estatutos, (1893) em Minas Gerais, 5 de Janeiro de 1894, pp.7-8; Companhia Industrial Pitanguense, Ata da Assemblea Geral Institutiva, (1893) em Minas Gerais, 5 de Janeiro de 1894, p.7; Companhia Progresso Fabril, Ata da Sessão da Assembléa Geral dos Accionistas para a Constituição da mesma Companhia, (1893), em Minas Gerais, 23 de Maio de 1893, pp.6-8; Companhia Industrial São Domingos, Ata da Assembléa de Instalação, (1894), em Minas Gerais, 21 de Fevereiro de 1894, p.7; e Companhia Industrial São Domingos, Lista dos Acionistas, (1894), em Minas Gerais, 21 de Fevereiro de 1894, p.7. Notas: (n.a.) Não há informação. Um outro aspecto importante da origem social do empresário mineiro é que os mais proeminentes empresários do século XIX vieram da classe dominante e de tradicionais famílias locais. Mariano Procópio Ferreira Lage, fundador da CUI, nasceu numa família rica e de prestígio de Barbacena. Seu pai era um importante fazendeiro da zona da Mata e foi vereador em Barbacena e mais tarde deputado provincial29. Outros parentes de Mariano Procópio eram igualmente ricos e importantes. Sua irmã era casada com seu primo, cujo pai - 29 W.L. Bastos, Mariano Procópio Ferreira Lage: Sua Vida, Sua Obra, Descendência, Genealogia, (Juiz de Fora, 2nd ed. 1991). 9 o primeiro Barão de Pitanguy -, era um importante chefe político em Barbacena e um rico fazendeiro que tinha uma fortuna estimada em 400.000 Libras Esterlinas em 185030. Tabela 5 - A cidade do Rio de Janeiro: nacionalidade dos principais promotores das companhias têxteis estabelecidas no período 1878-1895. COMPANHIA PRINCIPAIS PROMOTORES NACIONALIDADE FTSL José Maria Teixeira de Azevedo Português FTPG Antônio Felício dos Santos José Rodrigues Peixoto John Sherrington Brasileiro Brasileiro Inglês FTR Frederico Glette Alemão FFTTA José Augusto Laranja Joaquim C. de Oliveira e Silva Henry Whittaker Português Português Inglês FFTTB Joaquim Marques da Costa Português FFTC Peter Steele Henry Whittaker George Holden Inglês Inglês Inglês FTSJ John Valentine Hall James Grainger Bellamy John Henry Lowndes Inglês Inglês Inglês FTSC Frederico Pinheiro da Silva John Henry Lowndes José da Cunha Ferreira Brasileiro Inglês Brasileiro CFTCI Manoel Salgado Zenha Francisco Tavares Bastos João José dos Reis Português n.a. Português CPIB Banco Rural e Hypotecário Banco Internacional do Brasil CFTC Viscount of Figueiredo Cândido da Cunha Sotto Maior Brasileiro Português CFTSF Affonso de Lamare n.a. FTR - Fábrica de Tecidos do Rink; CFTC - Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado; CPIB - Companhia Progresso Industrial do Brasil; FFTC - Fábrica de Fiação e Tecelagem Carioca; FTPG - Fábrica de Tecidos Pau Grande; FTSC - Fábrica de Tecidos de São Christóvão; FTSJ - Fábrica de Tecidos São João; FTSL - Fábrica de Tecidos São Lázaro; CFTCI - Companhia de Fiação e Tecidos Confiança Industrial; CFTSF - Companhia de Fiação e Tecidos São Félix; FFTTA - Fábrica de Fiação, Tecidos e Tinturaria Alliança; FFTTB - Fábrica de Fiação, Tecidos e Tinturaria Bomfim. Fonte:A.M.F.C. Monteiro, "Empreendedores e Investidores em Indústria Têxtil no Rio de Janeiro: 1878-1895", Universidade Federal Fluminense, unpublished M.Sc. thesis, Niterói, 1985, pp.98-283. Notas: (n.a.) Não há informação. 30 R.F. Burton, Viagem aos Planaltos do Brasil (1868), (São Paulo, 1941), I, p.147. 10 Bernardo Mascarenhas - que fundou diversas fábricas têxteis, um banco, uma empresa de fornecimento de energia elétrica e ainda participou de vários outros empreendimentos - , também nasceu numa rica e influente família. Seu pai, Antônio Gonçalves da Silva Mascarenhas, começou como comerciante na parte central de Minas Gerais e mais tarde se tornou fazendeiro e financista. Quando Antônio morreu em 1884 ele era certamente um dos homens mais ricos de Minas Gerais31. A maioria de seus 12 irmãos32 também era muito rica e tinha muita influência política. Antônio Cândido, Bernardo, Caetano, Victor, Pacífico, e Francisco, eram sócios nas fábricas do Cedro e da Cachoeira e mais tarde na CCC. Antonino foi comerciante, dono de tropa de mula e proprietário da fazenda Capim Branco em Sete Lagoas33. José estabeleceu-se como comerciante em Curvelo. Custódia casou-se com Luís Augusto Viana Barbosa, um fazendeiro e industrialista. Escolástica casou-se com Quintiliano Soares Diniz, um fazendeiro de Curvelo34. Além disso, Pacífico e Sebastião graduaram em medicina e ambos se tornaram políticos. Pacífico foi eleito vice-presidente de Minas Gerais em 1902 e Sebastião foi várias vezes eleito deputado por Minas Gerais35. Francisco Baptista de Oliveira, um famoso empresário de Juiz de Fora, nasceu em Entre-Rios de Minas, na fazenda Santa Cruz do Salto, que pertencia ao seu pai. O avô paterno de Francisco, Gervásio Joaquim de Souza, foi também um negociante e fazendeiro de prestígio em Entre-Rio de Minas onde ele era também líder do Partido Conservador. Ele teve quatorze filhos, entre eles, João Baptista de Oliveira e Sousa, pai de Francisco. João Baptista foi um comerciante e criador de gado. O avô materno de Francisco, Francisco Ribeiro da Silva, era fazendeiro, tenente-coronel da Guarda Nacional, vereador, juiz e líder do Partido Conservador em Entre-Rio de Minas36. O avô paterno de Américo Teixeira Guimarães, organizador da CCM, era Antônio Teixeira Guimarães, proprietário das fazendas Nova e Paraíso. Seu pai, João da Matta Teixeira, era o principal acionista da CCM e um conhecido capitalista. Além disso, como João da Matta Teixeira era rico e proprietário de terras, é razoável concluir que ele era também fazendeiro e que esta deve ter sido a sua principal atividade37. José Monteiro Ribeiro Junqueira, um dos fundadores da CFLCL, era filho de um fazendeiro de Leopoldina, José Ribeiro Junqueira, e pertencia a uma família tradicional do sul de Minas Gerais. José Monteiro Ribeiro Junqueira teve uma longa carreira política. Depois de formar-se em direito ele foi eleito deputado estadual e re-eleito quatro anos mais 31 Vaz, op.cit., p.34-40. 32 Antônio Gonçalves da Silva Mascarenhas, pai de Bernardo, teve treze filhos: Antônio Cândido, Antonino, José, Custódia, Escolástica, Francisca, Victor, Pacífico, Caetano, Bernardo, Maria Teodora, Sebastião e Francisco. Vaz, op.cit., pp.48-51, 71. 33 D.A. Giroletti, "Formação do Empresário Industrial", Universidade Federal de Minas Gerais, Mimeo., Belo Horizonte, 1991, p.4. 34 Tamm, op.cit., p.87-151. 35 Ibid., p.87-151. 36 W.L. Bastos, Francisco Baptista de Oliveira um Pioneiro: Sua Vida, Sua Obra, Sua Descendência, Genealogia, (Juiz de Fora, 1967), p.144-69. 37 Companhia Cachoeira dos Macacos, "Ata da Assembléia Geral dos Subscritores de Ações da Sociedade Anonyma Cachoeira dos Macacos para Constituição da mesma", reproduzido em Freitas, op.cit., p.23. 11 tarde. Ele foi eleito também prefeito de Leopoldina, deputado federal e senador. Em 1931 ele se tornou Secretário de Agricultura do Estado de Minas Gerais38. Norberto Custódio Ferreira, outro fundador da CFLCL, foi promotor público em Ponte Nova e de 1895 a 1897 foi eleito vereador em Cataguazes39. 38 Gazeta de Leopoldina, (Leopoldina), 19 May 1946. 39 "O Falecimento do Dr. Norberto Custodio Ferreira", em Jornal Cataguases, (Cataguases), 17 de Fevereiro de 1935, p.1. 12 Francisco José de Andrade Botelho, fundador da fábrica têxtil de Brumado, Minas Gerais, veio de uma importante família mineira. Seu bisavô paterno, Francisco Ignacio Botelho, era um fazendeiro rico e influente de Lavras40. Além disso, um dos irmãos de Francisco José de Andrade Botelho, Fidélis, foi eleito senador do Império em 188841. João Antônio dos Santos, um dos fundadores da fábrica de tecidos de Biribiry, era o bispo de Diamantina42 e pertencia a uma importante família da região. Um de seus sobrinhos, Antônio Felício dos Santos, era médico na cidade do Rio de Janeiro, deputado pelo Partido Liberal de 1867 a 1886, um dos fundadores e o primeiro presidente da Associação Industrial e um dos fundadores da Fábrica de Tecidos Pau Grande43. Portanto, os dados biográficos analisados acima suportam de forma inequívoca a conclusão de que a maioria dos pioneiros empresários mineiros emergiu da classe dominante e das tradicionais famílias mineiras. Eles e seus parentes eram ricos e politicamente influentes. 2.2 - Origens Econômicas: Essa seção examina as origens econômicas e empresariais do empresário mineiro. Ela investiga as principais influências econômicas na formação da classe empresarial mineira, a carreira empresarial dos homens de negócios mineiros e as atividades que representaram as suas principais fontes de capital. Como foi dito acima, a historiografia econômica brasileira sugere - baseada principalmente na experiência paulista - que as principais fontes de empreendimento e de capital no Brasil durante o século XIX foram ou o comércio, principalmente o comércio exportador e importador44, ou o cultivo do café45. Apesar do comércio e da agricultura terem também se constituído nas principais fontes de empreendimento e capital em Minas Gerais no século XIX, eles eram de uma natureza diferente em função da diferente natureza da economia mineira. Primeiro, Minas Gerais era uma região de difícil acesso e o comércio era orientado principalmente para os mercados locais, comercializando um número limitado de ítens básicos, tais como, café, sal, bacon, gado, fumo, cereais, algodão etc. As atividades importadoras e exportadoras estavam concentradas no Rio de Janeiro, Santos e São Paulo. Segundo, o cultivo de café estava confinado nas regiões do sul da província, as zonas Sul e da Mata. Terceiro, em outras regiões da província, especialmente nas partes central e norte, uma gama diferente de atividades econômicas eram desenvolvidas. Elas incluíam da mineração de ouro à criação de gado e agricultura46. Portanto, os cafeicultores e exportadores e importadores não foram tão importantes na formação da classe empresarial mineira como foram em São Paulo e no Rio de Janeiro. Porém, existe evidência sugerindo que a economia cafeeira - direta ou indiretamente - deu origem a parte dos fundos investidos no estabelecimento da indústria mineira. Os cafeicultores mineiros foram responsáveis, entre outros, pelo estabelecimento da CUI em 185247. Como foi mencionado acima, a companhia foi organizada por Mariano Procópio Ferreira Lage, que era fazendeiro, e muitos outros cafeicultores48. Além disso, os próprios 40 Reproduzido em Guimarães, op.cit., p.14. 41 Ibid., pp.11-31. 42 Versiani, op.cit., pp.50-1. 43 Monteiro, op.cit., p.122. 44 Dean, op.cit.. 45 Ver W. Cano, Raízes da concentração industrial em São Paulo, (São Paulo, 3rd. ed. 1977), capítulo II; J.M. Cardoso de Mello, O capitalismo tardio: contribuição à revisão crítica da formação e desenvolvimento da economia brasileira, (São Paulo, 1982), pp.96-106; e Z.M.C. Mello, Metamorfoses da Riqueza: São Paulo, 1845-1895, (São Paulo, 1985), capítulos II e IV. 46 Cammack, op.cit., pp.43-50. 47 Arantes, op.cit., 41-5. 48 Bastos, Mariano Procópio Ferreira Lage, pp.15-270. 13 cafeicultores da zona da Mata financiaram a construção de vários ramais da União e Indústria49. Tabela 6 - Distribução da indústria mineira entre as regiões cafeeiras e não cafeeiras em 1907. REGIÕES CAFEEIRA NÃO-CAFEEIRA DESCONHECIDO TOTAL Estabelecimento Número 342 160 22 524 % 65.3 30.5 4.2 100.0 Capital Contos 11,774 13,568 1,172 26,515 % 44.4 51.2 4.4 100.0 Trabalhadores Número 3,751 5,162 508 9,421 % 39.8 54.8 5.4 100.0 Produção Contos 17,815 12,891 1,537 32,244 % 55.2 40.0 4.8 100.0 Capital por Estabelecimento 34.42 84.80 53.27 50.60 Trabalhadores por Estabelecimento 10.96 32.26 23.09 17.97 Produção por Estabelecimento 52.09 80.57 69.86 61.53 Fonte: J.H. Lima, Café e Indústria em Minas Gerais (1870-1920), (Petrópolis, 1981), p.89. Outra evidência de que a economia cafeeira forneceu parte dos fundos investidos na indústria mineira, é o fato de que, apesar de algumas indústrias - tais como, a siderúrgica e têxtil - estarem concentradas, principalmente, na parte central de Minas Gerais, um grande número de pequenas fábricas começou a emergir na segunda metade do século XIX em muitos municípios cafeeiros. Em 1861, Juiz de Fora - um dos mais importantes municípios cafeeiros50 - já era o terceiro maior município em arrecadação de impostos, suplantado apenas por São João Del Rey e Ouro Preto na zona Metalúrgica51, e um dos principais centros 49 Companhia União e Indústria, Relatorio da Assembléia Geral dos Acionistas, (1861), p.7, 17-8. 50 Ver D.A. Giroletti, A Industrialização de Juiz de Fora, 1850-1930, (Juiz de Fora, 1988), pp.27-31. 51 Ibid., p.47. 14 industriais da província. Em 1870, existiam 34 estabelecimentos industriais em Juiz de Fora e sete anos mais tarde 8052. Além disso, dos 20 maiores municípios mineiros em termos de produção industrial em 1907 nove estavam localizados dentro das zonas cafeeiras (7 na zona da Mata e 2 na zona Sul) e 11 em zonas não-cafeeiras (10 na zona Metalúrgica e 1 na zona Oeste). O maior município em termos de produção industrial era Juiz de Fora, seguido por Sete Lagoas e Belo Horizonte, ambos localizados na zona Metalúrgica. Além disso, 65% das indústrias mineiras em 1907 foram estabelecidas nas regiões cafeeiras, enquanto apenas 30% delas foram estabelecidas nas regiões não-cafeeiras, como mostra a Tabela 6. Portanto, o fato de que um grande número de indústrias foi estabelecido nas regiões cafeeiras mineiras é evidência indiscutível da participação da economia cafeeira no estabelecimento da indústria mineira. Entretanto, a economia cafeeira que se desenvolveu no sul da província não teve um grande impacto no resto da economia mineira53. Na zona da Mata, uma das maiores regiões cafeeiras de Minas Gerais, os fazendeiros eram responsáveis por apenas 3% das indústrias estabelecidas em Juiz de Fora (o mais importante centro industrial da região) no período 1858-1912. Eram imigrantes e brasileiros não conectados com a atividade cafeeira que possuíam mais de 90% das indústrias estabelecidas em Juiz de Fora no período 1858-191254. O capital investido por brasileiros foi originalmente acumulado no comércio ou em profissões liberais, ou até mesmo na combinação delas55. Os imigrantes (que foram responsáveis pelo estabelecimento de mais de 66% das indústrias fundadas em Juiz de Fora durante este período) normalmente não se adequam ao conceito de "burguês imigrante". A maioria deles não tinha capital e começaram trabalhando como operários, artesãos ou até mesmo camponeses.56. Em outras partes de Minas Gerais o comércio regional e as atividades rurais (não relacionadas com a atividade cafeeira) eram o ponto de partida da carreira de muitos empresários. No caso da siderurgia, por exemplo, que durante todo o século XIX estava concentrada na parte central da província57, existe evidência de que a maioria das fundições foi estabelecida por fazendeiros. De acordo com Eschwege, no tempo de sua chegada em Minas Gerais em 1811 a maioria das fundições pertenciam a ferreiros e grandes fazendeiros58. Além disso, o capital investido no estabelecimento da fábrica Patriótica, fundada por Eschwege, foi dividido em 10 ações, cada uma representando 1.000 Cruzados do capital inicial. Eschwege subscreveu duas ações, o Conde de Palma (o governador de Minas Gerais) uma e uma grande e importante família mineira o restante. Apesar de não existir nenhuma informação direta acerca das atividades do Conde de Palma e da referida família, há evidência de que eles possuíam terras59. Assim sendo, é razoável acreditar que a maior parte do capital investido na fábrica Patriótica veio do setor rural. Mais evidência de que fazendeiros estabeleceram a maior parte das fundições mineiras fundadas nos primeiros 75 anos do século passado é o fato de que essas fundições começaram como partes integrantes de fazendas. Em 1866, por exemplo, um jornal anunciava a venda de uma fundição localizada numa fazenda no município de Diamantina que incluía, entre outras coisas, extensivo pasto para gado, trinta cabeças de gado, plantação 52 Giroletti, A Industrialização de Juiz de Fora, p.50. 53 J.H. Lima, Café e Indústria em Minas Gerais (1870-1920), (Petrópolis, 1981), pp.101-2. 54 Arantes, op.cit., p.159. 55 Giroletti, Industrialização de Juiz de Fora, p.92. 56 Arantes, op.cit., pp.87-102. 57 De acordo com Libby, a maioria das siderúrgicas estavam situadas dentro da zona Metalúrgica. Libby, op.cit., pp.152-60. 58 W.L. von Eschwege, Pluto Brasiliensis, (Berlin, 1833; reprinted Belo Horizonte/São Paulo, 1979), II, p.203. 59 Ibid., p.247. 15 de milho e pomar60. Mesmo a usina de São Miguel de Piracicaba, a mais bem sucedida e uma das maiores fundições desse período, era considerada por seu proprietário (Monlevade) como parte integrante de sua fazenda61. Portanto, como Libby sugere, é razoável concluir que a maioria das pequenas fundições estabelecida até a década de 1880 era também parte integrante de fazendas62. As usinas maiores (Esperança e Burnier), que foram fundadas nas últimas décadas do século passado, não foram estabelecidas por fazendeiros. A usina Esperança foi estabelecida por 2 engenheiros da ferrovia Central do Brasil (Amaro da Silveira e Henrique Hargreaves), um metalúrgico suíço (Alberto Gerspacher) e Carlos da Costa Wigg, o principal acionista, de quem não há informação acerca de suas atividades63. A usina Burnier foi estabelecida por Carlos da Costa Wigg e o filho de Alberto Gerspacher (José Gerspacher), que foi o diretor técnico de ambas as usinas (a Esperança e a Burnier)64. Portanto, há evidência de que nos primeiros 75 anos do século passado a maior parte das siderúrgicas mineiras foi estabelecida por fazendeiros. A indústria têxtil, que também se concentrava na parte central de Minas Gerais, foi estabelecida principalmente por fazendeiros (não relacionados com a atividade cafeeira) e comerciantes. Entre os fundadores da fábrica do Cedro, Antônio Cândido Mascarenhas era fazendeiro, comerciante e capitalista65. Caetano e Bernardo Mascarenhas começaram suas carreiras de empresário numa sociedade para engorda de gado para venda e no comércio de sal66. Os fundos utilizados para o estabelecimento da fábrica da Cachoeira originaram-se de fontes diferentes. Como aconteceu com os fundadores da fábrica do Cedro, os três irmãos Mascarenhas envolvidos no empreendimento também receberam uma herança de 26 Contos de seu pai quando se tornaram maiores de idade67. Além disso, antes do estabelecimento da fábrica da Cachoeira Victor Mascarenhas tinha sido comerciante em Curvelo e gerente da fazenda São Sebastião68. Seu irmão Pacífico Mascarenhas era médico na região. Não existe informação sobre as atividades de Francisco de Paula Mascarenhas antes do estabelecimento da fábrica da Cachoeira. Finalmente, Luis Augusto Vianna Barbosa era o dono da fazenda Cachoeira onde a fábrica da Cachoeira foi estabelecida69. Mais tarde os fundadores das fábricas do Cedro e da Cachoeira se juntaram à Theóphilo Marques Ferreira, um comerciante, e à Antônio Joaquim Barbosa da Silva, um advogado, no estabelecimento da CCC70. Portanto, os fundos investidos nas fábricas do Cedro, da Cachoeira e da CCC vieram principalmente do comércio e da agricultura (não relacionada com a atividade cafeeira). A fábrica do Brumado foi estabelecida em 1872 por capital acumulado no comércio. Seu fundador, Francisco José de Andrade Botelho, era um mineiro que morava no Rio de Janeiro trabalhando como comerciante na firma Botelho, Irmão & Andrade, antes da fundação da fábrica têxtil71. 60 Libby, op.cit., p.183. 61 Ibid., p.151. 62 Ibid., p.152. 63 Suzigan, op.cit., p.258-9. 64 Ibid., p.259. 65 Companhia Cedro e Cachoeira, "Caixa de Correspondências Recebidas No.2", "Carta de Antônio Cândido Mascarenhas para Joaquim Pereira Lopes, 3 de Agosto de 1870". 66 Vaz, op.cit., p.42-3. 67 Tamm, op.cit., p.86. 68 Ibid., pp.87, 100-2, 109-10. 69 Ibid., pp.87-208. 70 Vaz, op.cit., p.93. 71 Guimarães, op.cit.. 16 O principal acionista e fundador da SAIM, estabelecida em 1875, foi Azarias de Souza Dias, que era também um fazendeiro72. Entre os restantes 23 acionistas da fábrica mencionados pelo Almanach Sul Mineiro em 1874, há informação acerca das atividades de apenas 5 deles: Antônio Candido de Souza Dias, fazendeiro e capitalista; Antônio Candido Teixeira, juiz, fazendeiro e capitalista; e Antônio Domingos de Souza, Marcos de Souza Dias e Gabriel Domingos, todos eles fazendeiros73. Portanto, é razoável concluir que o capital investido nesta fábrica foi acumulado principalmente em atividades agrícolas. No entanto, é importante ressaltar que a fábrica estava situada numa região cafeeira (a zona Sul) e os fazendeiros mencionados acima podem muito bem ter sido cafeicultores. Aparte o fato de que um dos sócios (João Antônio dos Santos) era o bispo de Diamantina, não há informação acerca das atividades dos outros quatro sócios antes do estabelecimento da fábrica de Biribiry em 187674. Entre os fundadores do Filatório Montes Claros, Manoel e Donato Rodrigues, que subscreveram 53.3% do capital, eram fazendeiros de Grao Mogol, um município perto de Montes Claros. Antônio Narciso Soares iniciou a sua carreira empresarial como minerador e comerciante de diamantes em Diamantina. Gregório Velloso também começou como comerciante local e, finalmente, Angelo de Quadros Bittencourt tinha uma fazenda em Campo Grande, no município de Montes Claros75. Portanto, o capital investido no Filatório Montes Claros foi acumulado no comércio, na agricultura e na mineração de diamantes. A fábrica São Sebastião foi estabelecida por Antônio Gonçalves da Silva Mascarenhas, que começou como comerciante em Taboleiro Grande, na parte central da província. O negócio de Antônio Mascarenhas cresceu rapidamente e aos 34 anos - então um homem rico - ele comprou as terras que vieram a ser conhecidas como a fazenda São Sebastião. Ele então vendeu a loja e se tornou um próspero fazendeiro e financista. Em 1884, Antônio estabeleceu a fábrica São Sebastião na sua fazenda76. Portanto, apesar da fortuna acumulada por Antônio antes do estabelecimento da fábrica São Sebastião ter-se originado em diferentes atividades, é razoável concluir que o capital investido na fábrica foi principalmente acumulado no comércio e na agricultura. Os principais acionistas da CCM eram João da Matta Teixeira e Jeronymo Francisco França, que eram fazendeiros locais. João da Matta Teixeira é também mencionado no relatório da reunião dos acionistas para o estabelecimento da CCM como capitalista77. Portanto, a CCM era um empreendimento de fazendeiros. Apesar de não haver informação acerca das atividades dos fundadores da fábrica União Lavrense, dois de seus diretores eram comerciantes: Comendador José Duarte da Costa Negrão, um comerciante que vivia no Rio de Janeiro na época do estabelecimento da fábrica, e Manoel Hermeto Corrêa da Costa, um comerciante local. Portanto, é razoável concluir que pelo menos parte do capital investido na fábrica União Lavrense originou-se no comércio. Entretanto, não é possível dizer se o comércio do Comendador José Duarte da Costa Negrão, que morava no Rio de Janeiro, era ou não relacionado com o comércio de importação e exportação78. A fábrica Santa Bárbara foi inicialmente planejada por João da Matta Machado, um comerciante de diamantes de Diamantina, que também tinha uma oficina de lapidação de 72 B.S. Veiga, Almanach Sul Mineiro, (Campanha, 1874), p.148. 73 Ibid., pp.146-51. 74 Versiani, op.cit., pp.50-2. 75 Ibid., pp.81-2. 76 Ibid., p.34-40. 77 Companhia Cachoeira dos Macacos, "Ata da Assembléia Geral dos Subscritores de Ações da Sociedade Anonyma Cachoeira dos Macacos para Constituição da mesma", reproduzido em Freitas, op.cit., p.23. 78 Versiani, op.cit., p.88. 17 diamantes. Depois de sua morte, seus filhos e genros, juntos com Antônio Moreira da Costa, criaram uma sociedade para estabelecer a fábrica. Entre os filhos de João da Matta Machado, um era estudante de direito em São Paulo (Pedro da Matta Machado) e o outro (Alvaro da Matta Machado) era membro da Assembléia Provincial na época do estabelecimento da fábrica em 1886. Entre os seus genros, Francisco Ferreira Corrêa Rabelo era advogado, magistrado, professor e também político. Pedro José Verciani era um engenheiro que morava no Rio de Janeiro na época do estabelecimento da fábrica e João Antônio Lopes de Figueiredo era médico em Diamantina. Finalmente, Antônio Moreira da Costa, o único sócio fora da família Matta Machado, esteve durante toda a sua vida envolvido com o negócio de diamantes. Portanto, como Versiani ressalta, apesar do capital investido no estabelecimento da fábrica Santa Bárbara ter-se originado em diferentes atividades desenvolvidas por seus proprietários, uma parte significativa teve origem no negócio de diamantes79. A fábrica São Roberto foi organizada por Quintiliano Alves Ferreira, que estava envolvido numa série de negócios locais, tais como manufatura de chapéus e utensílios domésticos e a produção de diamantes80. A Tecelagem Mascarenhas foi estabelecida por Bernardo Mascarenhas, que iniciou a sua carreira empresarial numa sociedade com o sei irmão Caetano, como já foi dito acima. Mais tarde, os dois irmãos decidiram investir o dinheiro que eles haviam acumulado numa fábrica têxtil81. Alguns anos mais tarde, a fábrica do Cedro foi fundida com a fábrica da Cachoeira na CCC. Entretanto, Bernardo nunca esteve satisfeito com a sua vida em Taboleiro Grande, que era muito pequena para os seus talentos empresariais. Assim sendo, em 1887 Bernardo decidiu mudar-se para Juiz de Fora e ali montar uma fábrica têxtil como ele havia planejado anteriormente. Um ano depois de sua chegada em Juiz de Fora ele fundou a Tecelagem Mascarenhas82. Portanto, é razoável concluir que o capital investido nesta fábrica originou-se em parte do capital acumulado na fábrica Cedro e na CCC, e em parte daquilo que ele herdou de seu pai, capital acumulado no comércio e na agricultura. A Industrial Mineira foi estabelecida em Juiz de Fora por cinco ingleses (Andrew Steele, John Steele, Peter Steele, William Moreth e Henry Whittaker). A maior parte deles eram comerciantes residentes no Rio de Janeiro, à exceção de William Moreth que morava em Petrópolis83. Entre as fábricas têxteis estabelecidas durante a década de 1890, a CTS, também estabelecida na parte central de Minas Gerais, foi fundada por Manoel José de Souza Moreira (fazendeiro e comerciante local), seus filhos, Manoel Gonçalves de Souza Moreira (comerciante local) e Augusto Gonçalves de Souza Moreira (médico e membro da Assembléia Constituinte do estado de Minas Gerais)84, e seu genro, Antônio Pereira de Mattos, que era representante de grandes casas comerciais do Rio de Janeiro antes de se casar com uma das filhas de Manoel José de Souza Moreira85. A Companhia Industrial Pitanguense foi estabelecida, principalmente, por industriais experientes: Luiz Augusto Vianna Barbosa, um dos fundadores da fábrica da Cachoeira e da CCC, seu filho, Sérgio Mascarenhas Barbosa e Francisco e Américo Bahia da Rocha. Entre os demais acionistas da empresa, três eram fazendeiros, dois eram comerciantes, um era magistrado e as atividades dos restantes eram desconhecidas86. Aqui também é possível 79 Ibid., pp.86-8. 80 Ibid., p.91. 81 Vaz, op.cit., p.42-3. 82 Mascarenhas, Bernardo Mascarenhas, pp.79-86, 123-9. 83 Versiani, op.cit., p.82. 84 Souza, op.cit., p.101-15, 123-7, 194-98. 85 Ibid., pp.170-3. 86 Companhia Industrial Pitanguense, Lista Nominativa dos Srs. Subscritores, (1894), em Minas Gerais, 5 de Janeiro de 1894, p.7. 18 observar a presença do capital comercial e agrário no estabelecimento de uma fábrica têxtil, apesar de que grande parte dos fundos investidos neste caso veio da própria indústria têxtil. A fábrica Melancias foi também estabelecida por industriais experientes. Entre os três maiores acionistas, Jeronymo Francisco França e João da Matta Teixeira eram ambos dois dos principais acionistas da CCM e Theóphilo Marques Ferreira, um dos fundadores da CCC e seu gerente geral por vários anos87. Os principais acionistas da Companhia Progresso Fabril eram: Carlos Vaz de Mello (político loca)l, José Tinoco (fazendeiro e capitalista) e Augusto Ferreira Brant (comerciante local)88. O principal organizador da fábrica da Cachoeira Grande era um fazendeiro da parte central de Minas Gerais (Antônio Ferreira Alves da Silva), cujos sócios eram os fundadores da CCM (João da Matta Teixeira, Américo Teixeira Guimarães e Herculino França). Portanto, o capital investido na fábrica da Cachoeira Grande originou-se principalmente na agricultura e na própria indústria têxtil89. Finalmente, a fábrica São Domingos foi estabelecida por sete pessoas, entre eles os membros da família Moreira Penna que eram os principais acionistas: Affonso Augusto Moreira Penna, então Governador de Minas Gerais, seus irmãos Domingos Moreira Teixeira Penna e José Moreira Teixeira Penna, os quais eram fazendeiros90. Portanto, apesar de que no todo o capital cafeeiro teve um papel menor no estabelecimento da indústria têxtil mineira, uma parte substancial do capital investido na indústria foi acumulada na agricultura. O comércio local era uma outra fonte importante de capital e várias fábricas estabelecidas no município de Diamantina foram financiadas principalmente pelo capital acumulado no negócio de diamantes. É importante ressaltar também que perto do fim do século muitas empresas têxteis foram financiadas por capital acumulado na própria indústria. A comparação entre a origem do capital investido no estabelecimento das indústrias têxteis mineira e carioca revelam importante diferenças e semelhanças. A maior parte das fábricas têxteis estabelecidas no Rio de Janeiro durante o período 1878-1895 foi também financiada por comerciantes. Entretanto, enquanto os comerciantes mineiros eram de natureza mais generalista e engajados no comércio local os seus congêneres cariocas eram mais especializados, negociando principalmente tecidos e engajados mais especificamente no comércio importador-exportador, como mostra a Tabela 7. Portanto, a comparação entre a origem dos fundos investidos nas indústrias têxteis mineira, carioca e paulista revela importantes diferenças. No primeiro caso, o capital investido originou-se no comércio generalista local, no negócio de diamantes e na agricultura (não relacionada com a cafeicultura). No segundo caso, a principal fonte de capital foi o negócio de importação e exportação, negociando principalmente com tecidos, enquanto o capital investido na indústria paulista veio principalmente da atividade cafeeira e também do negócio de importação e exportação91. 87 Versiani, op.cit., p.165. 88 Companhia Progresso Fabril, Estatutos, (1893), em Minas Gerais, 23 de Maio de 1893, pp.7-8. 89 Versiani, op.cit., pp.174-5. 90 Companhia Industrial São Domingos, Ata da Assembléia de Instalação, (1894), em Minas Gerais, 21 de Fevereiro de 1894, p.7. 91 Suzigan em seu trabalho sobre as origens da indústria brasileira chegou ás mesmas conclusões acerca da origem dos fundos investidos nas indústrias têxtil mineira e carioca. Para uma breve discussão acerca das origens do capital investido na indústria têxtil em diferentes partes do Brasil até o começo do século XX ver Suzigan, op.cit., pp.122-45, and Stein, op.cit., pp.41-3. 19 Tabela 7 - A cidade do Rio de Janeiro: atividades dos principais promotores das empresas têxteis estabelecidas no período 1878-1895. EMPRESA PRINCIPAIS PROMOTORES ATIVIDADE FTSL José Maria Teixeira de Azevedo Comerciante (comércio importador-exportador) FTPG Antônio Felício dos Santos José Rodrigues Peixoto John Sherrington Médico Médico e comerciante n.a. FTR Frederico Glette Comerciante (comércio importador-exportador de tecidos) FFTTA José Augusto Laranja Joaquim C. de Oliveira e Silva Henry Whittaker Comerciante Comerciante (atacadista de tecidos) Técnico FFTTB Joaquim Marques da Costa Comerciante (comércio de algodão) FFTC Peter Steele Henry Whittaker George Holden Comerciante (comércio importador-exportador de tecidos) Técnico n.a. FTSJ John Valentine Hall James Grainger Bellamy John Henry Lowndes Comerciante (comércio importador-exportador de tecidos) Comerciante (comércio importador-exportador de tecidos) Comerciante (comércio importador-exportador de tecidos) FTSC Frederico Pinheiro da Silva John Henry Lowndes José da Cunha Ferreira Comerciante Comerciante Médico CFTCI Manoel Salgado Zenha Francisco Tavares Bastos João José dos Reis Comerciante n.a. Comerciante CPIB Banco Rural e Hypotecário Banco Internacional do Brasil Banco Banco CFTC Viscount of Figueiredo Cândido da Cunha Sotto Maior Banqueiro e comerciante (comércio importadorexportador) Comerciante (comércio importador-exportador de tecidos) CFTSF Affonso de Lamare Comerciante FTR - Fábrica de Tecidos do Rink; CFTC - Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado; CPIB - Companhia Progresso Industrial do Brasil; FFTC - Fábrica de Fiação e Tecelagem Carioca; FTPG - Fábrica de Tecidos Pau Grande; FTSC - Fábrica de Tecidos de São Christóvão; FTSJ - Fábrica de Tecidos São João; FTSL - Fábrica de Tecidos São Lázaro; CFTCI - Companhia de Fiação e Tecidos Confiança Industrial; CFTSF - Companhia de Fiação e Tecidos São Félix; FFTTA - Fábrica de Fiação, Tecidos e Tinturaria Alliança; FFTTB - Fábrica de Fiação, Tecidos e Tinturaria Bomfim. Fonte: Monteiro, op.cit., pp.98-283. Nota: (n.a.) Não há informação. 20 A indústria de geração de eletricidade, estabelecida na última década do século XIX, foi financiada de forma similar. Os investidores transferiram capital do comércio, agricultura, indústria, banco etc. Como já foi dito, a CME foi organizada em 1888 por Bernardo Mascarenhas, que começou no comércio e depois investiu na indústria têxtil92. Além disso, entre os 30 acionistas originais da CME, 12 pertenciam à família Mascarenhas93, pessoas que de uma forma ou de outra acumularam seu capital no comércio, na indústria e na agricultura94. De mais a mais, um dos principais organizadores e acionista, e um dos primeiros diretores da CME, Francisco Baptista de Oliveira, começou trabalhando com seu pai na sua casa comercial em Entre-Rios. Em 1882, ele mudou-se para Juiz de Fora onde fundou uma famosa casa comercial na zona da Mata ("Casa da Barateza")95. Oliveira conheceu Bernardo Mascarenhas, de quem ele se tornou grande amigo e sócio em vários empreendimentos no começo de 1886. Em 1887, ele e o Barão de Santa Helena (que também era um dos acionistas originais da CME96) fundaram o primeiro banco em Minas Gerais, o Banco Territorial e Mercantil de Minas97. Portanto, os fundos investidos na CME vieram do comércio, da indústria, de atividades bancárias e da agricultura. É razoável acreditar que o capital cafeeiro poderia ter participado no estabelecimento da companhia também, uma vez que a CME foi estabelecida em um dos maiores municípios cafeeiros de Minas Gerais (Juiz de Fora). A CFLCL foi estabelecida em 1905 por Norberto Custódio Ferreira, José Monteiro Ribeiro Junqueira e João Duarte Ferreira. Antes de fundar a CFLCL, Norberto Custódio Ferreira estabeleceu um escritório de advocacia em Cataguazes e fundou a primeira agência do Banco de Crédito Real de Minas Gerais na zona da Mata em Cataguazes98. José Monteiro Ribeiro Junqueira era também advogado e fundou com o seu sócio no escritório de advocacia o jornal local, Gazeta de Leopoldina99. João Duarte Ferreira como funcionário da Estrada de Ferro Leopoldina e mais tarde se tornou sócio na firma de Joaquim Estolano da Silveira. Em 1891, ele fundou a primeira usina de beneficiamento de café de Cataguazes (um dos maiores centros de produção de café da época), que alavancou decisivamente sua riqueza. Em 1893, ele estabeleceu o Banco de Cataguazes e em 1905 ele foi um dos fundadores e o maior acionista da CFLCL e da Companhia de Fiação e Tecelagem de Cataguazes. João Duarte Ferreira tornou-se um dos homens mais ricos de Minas Gerais e sua fortuna incluía, entre outras coisas, fazendas de café, usinas de açúcar e arroz, uma serraria, o Banco Construtor e o Grande Hotel Villas100. Portanto, o estabelecimento da CFLCL foi financiado pelo capital acumulado em atividades diferentes - indústria, banco e advocacia. Além disso, é razoável concluir que pelo menos parte do capital investido na CFLCL originou-se na agricultura, na medida em que o pai de um dos fundadores da CFLCL, José Monteiro Ribeiro Junqueira, era fazendeiro em Leopoldina101. Porém, agricultura neste caso significava provavelmente cafeicultura, uma vez que Leopoldina estava situada em um dos maiores centros de produção de café de Minas Gerais102. É também importante ressaltar a importância da economia cafeeira no estabelecimento da CFLCL. À parte a contribuição indireta (a formação de um mercado 92 Vaz, op.cit., pp.42-3. 93 Oliveira, Companhia Mineira de Eletricidade, p.27. 94 Ibid., p.27. 95 Bastos, Mariano Procópio Ferreira Lage, p.21. 96 Ibid., p.27. 97 Bastos, Mariano Procópio Ferreira Lage, p.22. 98 "O Falecimento do Dr. Norberto Custodio Ferreira", em Jornal Cataguases, (Cataguases), 17 de Fevereiro de 1935, p.1. 99 "Dr. José Monteiro Ribeiro Junqueira", em Gazeta de Leopoldina, (Leopoldina), 19 de Maio de 1946. 100 Costa, op.cit., p.541. 101 "Dr. José Monteiro Ribeiro Junqueira", em Gazeta de Leopoldina, (Leopoldina), 19 de Maio de 1946. 102 Em 1905, por exemplo, Leopoldina era o oitavo maior produtor de café da zona da Mata. Ver Lima, op.cit., p.36. 21 consumidor local, os fundos investidos em infra-estrutura etc.) que a atividade cafeeira pode ter tido no estabelecimento da CFLCL, uma das principais fontes de riqueza de um dos fundadores antes do estabelecimento da companhia foi o beneficiamento de café. Uma comparação do processo de financiamento das companhias de geração de eletricidade nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, de um lado, e em Minas Gerais, de outro, revela importantes diferenças. A STLPC e a RJTLPC foram financiadas por capital canadense103 uma vez que a escala do mercado consumidor nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro era tal que o capital necessário não podia ser facilmente obtido localmente sem a intervenção do Estado. No caso das companhias mineiras de geração de eletricidade, os respectivos mercados consumidores eram menores e as fontes locais de capital eram disponíveis e suficientes. No fim, a restrita dimensão dos mercados ao invés de funcionar como uma limitação imposta pelo ambiente de negócios mineiro, funcionou como uma condição necessária para o investimento local nesta indústria particular. Além disso, dos dados apresentados acima é possível observar que os acionistas da CME e da CFLCL eram ou amigos ou membros de uma mesma família (ou profissão), mais uma evidência da natureza local e pessoal dos negócios em Minas Gerais tão tarde quanto o começo do século XX. Em contraste, as companhias paulista e carioca de geração de eletricidade tinham uma estrutura acionária mais despersonalizada. CONCLUSÃO A análise das origens sociais e étnicas do empresário mineiro mostrou que uma grande e importante proporção da classe empresarial mineira não se adequava à descrição contida na literatura brasileira. Existem importantes contrastes com os empresários de São Paulo e do Rio de Janeiro. O mais óbvio é a menor importância dos imigrantes e cafeicultores na formação da classe empresarial mineira como um todo. Como Cammack ressaltou: "algumas das famílias mais bem sucedidas em Minas no século XIX, em termos econômicos, não deviam nada (...) ao café"104. Portanto, à parte uns poucos casos proeminentes na indústria siderúrgica e à parte a zona da Mata, aonde os imigrantes constituíam a maior parte da classe industrial local, os brasileiros nascidos em famílias tradicionais e influentes, normalmente não conectadas com a atividade cafeeira, parecem ter sido a principal fonte de empresários em Minas Gerais no século XIX. Porém, as peculiaridades da classe empresarial mineira não se restringiam aos aspectos étnicos e sociais. A análise das principais influências econômicas na formação da classe empresarial mineira revelou também importantes diferenças com relação às classes empresariais paulista e carioca. A participação dos cafeicultores, dos chamados "burgueses imigrantes" e dos importadores foi muito menor em Minas Gerias do que em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na zona da Mata - uma grande região cafeeira -, os cafeicultores tiveram uma pequena participação no estabelecimento da indústria local. Foram imigrantes, com recursos muito limitados e que, portanto, não podem ser classificados como "burgueses imigrantes", e brasileiros não conectados com a cafeicultura que foram os responsáveis pelo estabelecimento de mais de 90% das indústrias fundadas em Juiz de Fora durante o período. Além disso, o capital investido nas siderúrgicas e nas indústrias têxteis, concentradas na parte central de Minas Gerais, originou-se principalmente na agricultura, mais uma vez não relacionada com a cafeicultura, no comércio local generalista e no negócio de diamantes. A análise da indústria mineira de geração de eletricidade revelou que os fundos vieram de uma variedade de fontes - agricultura (inclusive a cafeicultura), indústria, bancos e a prática da 103 D. McDowall, The Light: Brazilian Traction, Light and Power Company Limited, 1899-1945, (Toronto, 1988), pp.48-79. 104 Cammack, op.cit., p.57. 22 advocacia. Entretanto, uma comparação com os fundos investidos nas companhias paulistas e cariocas de geração de energia elétrica mostrou que, enquanto os fundos investidos nas companhias mineiras originavam-se de fontes locais, aqueles investidos nas companhias paulistas e cariocas originavam-se de fontes estrangeiras. Desta forma, a análise da formação do empresariado mineiro no século passado nos permite afirmar que a história econômica brasileira do período era muito mais rica e diversa do que pode sugerir as experiências paulista e carioca. Havia vida econômica de relevante magnitude e dinamismo, cuja lógica guarda pouca semelhança àquela observada em São Paulo e Rio de Janeiro. COPYRIGHT AUTOR DO TEXTO

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