quarta-feira, 30 de maio de 2012

o problema da aágua no nordeste

O Potencial de Água do Semi-Árido Brasileiro :Perspectivas do Uso Eficiente Aldo da C. Rebouças Professor Titular Universidade de São Paulo; Certified and Registered Professional Hydrogeologist – American Institute of Hydrology; Diretor MIDAS- Manejo Integrado das Águas; Consultor Hidro Ambiente Rua Eduardo Silva Magalhães, 510, Pq. Continental, CEP 05324-000, São Paulo, SP; Tel. 011-2682862; Fax: 011 8690483, E-mail: aldocr@mandic.com.br Resumo Na zona central do região Nordeste a pluviometria média varia entre 500 e 800 mm/ano e tem regime muito irregular. Ademais, a combinação desse quadro meteorológico com o domínio do substrato geológico formado por rochas cristalinas sub-aflorantes e praticamente impermeáveis resulta em rios temporários e condições edafoclimáticas de semi-aridez sobre cerca de 10% do território nacional. A visão de rios perenes fundamenta a síndroma da abundância, enquanto a de rios temporários no Nordeste semi-árido engendra síndroma da escassez. Vale salientar, todavia, que síndromas de abundância e escassez resultantes da visão de rios perenes e temporários, respectivamente, são tão falsas quanto o geocentrismo fundamentado na visão do deslocamento do Sol de um lado para outro do nosso horizonte. Efetivamente, as condições físico-climáticas que predominam no Sertão do Nordeste do Brasil podem, relativamente, dificultar a vida, exigir maior empenho e maior racionalidade na gestão dos seus recursos naturais em geral e da água, em particular, mas não podem ser responsabilizadas pelo quadro de pobreza amplamente manipulado e sofridamente tolerado. Destarte, o que mais falta no Brasil em geral e no Nordeste, em particular, não é água mas determinado padrão cultural que agregue confiança e melhore a eficiência das organizações públicas e privadas envolvidas no negócio da água. Nossa motivação básica neste trabalho recusa o determinismo físico-climático que tem servido de justificativa à cultura da crise da água no Mundo ou no Brasil, bem como à cultura da seca na região Nordeste. Introdução O Brasil é o único país de dimensão continental – 8.547.403,5 km2 – sob condições de clima equatorial/tropical úmido na sua maior extensão. A combinação desse quadro meteorológico - caracterizado por uma pluviometria média anual entre 1000 e 3000 mm/ano - com um substrato geológico formado por rochas cristalinas cobertas por um manto de alteração e/ou sedimentos detríticos de 4 milhões km2 e espessura média de 50 metros, e depósitos sedimentares de 3,9 milhões km2 e espessura média perto de 1000 metros, resulta rios perenes sobre cerca de 90% do seu território. Todavia, na zona central da sua região Nordeste a pluviometria média varia entre 500 e 800 mm/ano e tem regime muito irregular. Ademais, a combinação desse quadro meteorológico com o domínio do substrato geológico formado por rochas cristalinas sub-aflorantes e praticamente impermeáveis resulta em rios temporários e condições edafoclimáticas de semi-aridez sobre cerca de 10% do território nacional. A visão de rios perenes fundamenta a síndrome da abundância, enquanto a de rios temporários no Nordeste semi-árido engendra síndrome da escassez. Vale salientar, todavia, que síndromes de abundância e escassez resultantes da visão de rios perenes e temporários, respectivamente, são tão falsas quanto o geocentrismo fundamentado na visão do deslocamento do Sol de um lado para outro do nosso horizonte. Efetivamente, as condições físico-climáticas que predominam no Sertão do Nordeste do Brasil podem, relativamente, dificultar a vida, exigir maior empenho e maior racionalidade na gestão dos seus recursos naturais em geral e da água, em particular, mas não podem ser responsabilizadas pelo quadro de pobreza amplamente manipulado e sofridamente tolerado. Destarte, o que mais falta no Brasil em geral e no Nordeste, em particular, não é água mas determinado padrão cultural que agregue confiança e melhore a eficiência das organizações públicas e privadas envolvidas no negócio da água. Nossa motivação básica neste trabalho recusa o determinismo físico-climático que tem servido de justificativa à cultura da crise da água no Mundo ou no Brasil, bem como à cultura da seca na região Nordeste. Peculiaridades Geoambientais da Região Nordeste A macrorregião geoeconômica Nordeste (1.561.178 km2) é a segunda do país em população, estimada em 55 milhões de habitantes no ano 2000 (SUDENE/ÁRIDAS, 1994). O Nordeste tem sido com freqüência confundido com a zona de incidência das secas, o chamado Polígono das Secas (936.993km2), delimitado – Lei no 1348 de 10 de fevereiro de 1951 – como área oficial de incidência periódica do flagelo e de atuação do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS. Para efeito da política desenvolvimentista da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE – a região Nordeste compreende uma área de 1.663.230km2, tendo em vista abranger a parte do Polígono das Secas que penetra no norte do estado de Minas Gerais. Esta região Nordeste apresenta sub-regiões bem definidas em seus contornos físico-climáticos, ressaltando-se o Sertão, cuja área abrange cerca de 55% da extensão regional. Neste domínio central de 912.208 km2, também referido como semi-árido, a pluviosidade média varia entre 300 e 800 mm/ano. Todavia, esses valores médios anuais de chuvas podem ocorrer num só mês ou se distribuir de forma irregular - tanto no espaço com no tempo - nos 3-5 meses do período chuvoso dos anos normais. Na prática, o flagelo da seca neste contexto decorre da distribuição das chuvas de forma incompatível com as necessidades hídricas das culturas de subsistência da população rural, que, mesmo em anos normais, já vive em condições limite da pobreza. As características hidrológicas gerais e edafoclimáticas do Sertão são semelhantes às de outros semi-áridos quentes do mundo: secas periódicas e cheias freqüentes dos rios temporários, solos arenosos, rasos, salinos por vezes e pobres em nutrientes essenciais ao desenvolvimento da biomassa natural ou cultivada. A vegetação básica do Sertão é rala, a caatinga, mas apresenta grande variedade de formações, todas adaptadas à prolongada estação seca, a qual dura entre 7 e 9 meses em anos normais. Vale ressaltar, todavia, que o contexto físico do Sertão é bem peculiar, comparativamente à outras regiões áridas ou semi-áridas do mundo, à medida que tem cerca de 50% (400.000km2) do seu domínio ocupado por afloramentos rochosos, sem possibilidade de grande armazenamento de água subterrânea. Em conseqüência, os rios localizados totalmente nesse contexto geológico são temporários, ou seja, regra geral escoam apenas durante pouco tempo após o período chuvoso. Nesta área do embasamento rochoso subaflorante - que limita a vegetação, impede a infiltração, reduz o escoamento ao plano da superfície, sem descarga subterrânea - a regularidade da oferta de água só poderá ser garantida mediante um manejo integrado e eficiente das águas dos açudes, das zonas aqüíferas e outras formas de armazenamento, uso e conservação das chuvas que caem neste domínio territorial. Fortaleza é a cidade mais populosa do nosso contexto semi-árido, com cerca de 1.800.000 habitantes (IBGE, 1991). Não obstante, os seus habitantes se comportam como se houvesse água aos borbotões para abastecê-los. Esta síndrome da abundância admite e tolera os desperdícios, dá pouca ou nenhuma prioridade à reutilização não potável – urbana, industrial ou agrícola – das enxurradas de águas pluviais do meio urbano e dos seus esgotos que deságuam nos rios e lagoas da cidade ou são lançados na sua orla marítima, tornando a freqüência de suas praias perigosa à saúde. Para manter os níveis de desperdício e de baixa eficiência dos usos atuais, a solução apontada pelo balanço de ofertas e demandas é um plano de obras extraordinárias para trazer água de açudes situados a várias centenas de quilômetros, os quais deverão ser alimentados pelas águas transportadas dos rios perenes localizados a milhares de quilômetros de distância. O litoral oriental é formado por uma faixa úmida conhecida como Zona da Mata. A sua pluviosidade varia entre 1000 e 2500mm/ano, os rios são perenes e há importantes reservas de água subterrânea. Na zona litorânea estão localizados os maiores centros urbanos da Região, destacando-se as cidades do Recife (perto de 2 milhões de habitantes) e Salvador (perto de 3 milhões de habitantes). Neste contexto, as cidades em geral padecem de problemas de abastecimento, os quais são engendrados, principalmente, pela baixa eficiência das empresas de água, grande desperdício dos usuários e falta de uma gestão das águas subterrâneas, integrada aos abundantes recursos superficiais disponíveis. Entrementes, obras extraordinárias são propostas, como trazer água de rios distantes, tais como Paraguaçu, Piranhas-Açu, do rio São Francisco, ou instalar usinas de dessalinização da água do mar. Entre o litoral úmido e o sertão, estende-se uma área de transição – o Agreste – com clima subúmido e produção agropecuária, principalmente. Os problemas de água nesta área decorrem, fundamentalmente, da baixa eficiência de uso dos recursos de solo/água e biomassa disponíveis. O Meio Norte constitui a área de transição amazônica, com pluviosidade variando entre 1000 e 2000mm/ano e quadro geológico sedimentar, resultando em condições hidrológicas que se tornam, progressivamente, mais promissoras no sentido leste para oeste. Os rios dessa área são perenes, existe grandes reservas de água subterrânea e condições favoráveis à gestão ativa dos aqüíferos para garantir um desenvolvimento de atividades produtivas regulares. Não obstante, os habitantes apresentam níveis vexatórios de pobreza, que são agravados pelas doenças de veiculação hídrica de origem sanitária. Potencialidades Hídricas do Nordeste A chuva representa a única fonte de água renovável do Nordeste, cujos valores normais no conjunto de 24 unidades hidrográficas de planejamento, variam entre 640 e 1840 mm/ano, representando 1778 bilhões m3/ano (SUDENE/ÁRIDAS, 1994). Todavia, a previsão segura das quantidades de água precipitada – P é um problema complexo, porque depende de fatores meteorológicos situados fora da região e variam, sensivelmente, tanto no espaço como no tempo. Regra geral, torna-se necessário a realização de medidas durante um longo período de tempo e numa rede de estações distribuídas de forma adequada na atmosfera, nos oceanos, no território em apreço, no país ou no continente sul americano, principalmente. Ademais, no plano geral do Nordeste, a região é uma verdadeira estufa climática - normal de temperatura anual do ar de 27oC e de grande regularidade, brisa relativamente intensa e bastante regular, normal de umidade relativa do ar de 70%, normal de insolação de 2800 horas/ano e quase permanente. Nesse quadro, as taxas de evaporação situam-se entre 1500 e perto de 3000mm/ano. As taxas de evapotranspiração potencial variam entre 1306 e 1899 mm/ano nas 24 unidades hidrográficas de planejamento, média de 1655 mm/ano ou 2700 bilhões m3/ano. Isto significa que as taxas de evaporação ou de evapotranspiração potencial anual são superiores as quantidades de chuvas anuais (SUDENE/ÁRIDAS, 1994). Além disso, as chuvas podem ocorrer num só mês ou se distribuir de forma irregular - tanto no espaço com no tempo - nos 3-5 meses do período chuvoso dos anos normais. Entretanto, o fato de chover em poucos dias quase toda a média precipitada num mês da fase invernosa torna-se positivo para a região, uma vez que somente assim ocorrem excedentes hídricos que deságuam nos rios, infiltram nos terrenos para satisfazer o déficit de umidade dos solos e realimentar os aqüíferos. Com as quantidades de chuvas regularmente distribuídas ao longo do ano, os processos de evaporação intensa transformariam o Sertão num deserto. Portanto, uma vez que a ocorrência e distribuição das chuvas envolvem fenômenos complexos, ainda imprevisíveis, que os custos de regularização da oferta mediante o transporte de água de rios perenes situados a milhares de quilômetros de distância, de tratamento ou de dessalinização de águas impróprias ao consumo, ainda são relativamente elevados, é mais prático trabalhar com os “pés no chão”, considerando as águas territoriais que molham os solos, escoam pela sua superfície e/ou se acumulam nos açudes e no seu subsolo, durante os curtos períodos chuvosos. Em termos práticos, a umidade do solo constitui uma reserva localizada de água, à medida que é consumida onde ocorre a chuva que lhe dá origem. Seu maior ou menor aproveitamento sócio-econômico depende das características edáficas do contexto em apreço, da compatibilidade do regime de ocorrência das chuvas com a fisiologia da vegetação natural ou cultivada, dos níveis tecnológicos das práticas culturais e do manejo do binômio solo/água. Historicamente, verifica-se que o nordestino, nas diversas formas de ocupação do território, fundamentou a sua economia no aproveitamento do potencial hídrico localizado, explorando de forma extensiva tanto a agricultura quanto a pecuária. Contudo, face ao baixo nível tecnológico/organizacional, dentre outros fatores, não conseguiu condições de consolidação econômica dessas atividades. Por sua vez, as condições primitivas de uso e ocupação do meio físico muito têm contribuído para a destruição do solo, o empobrecimento das pastagens nativas e a redução das suas reservas de água. Os fluxos de água nos rios e aqüíferos, bem como os volumes neles estocados, natural ou artificialmente, constituem as reservas moveis de água à medida que podem ser utilizadas fora dos locais onde caíram as chuvas que lhes deram origem. As lâminas médias totais escoadas nas 24 unidades hidrográficas de planejamento do Nordeste (Fig. 1) variam entre 52 e 352 mm/ano, com uma média de 150,5mm/ano, representando um volume médio de águas territoriais renováveis de 207 bilhões m3/ano. Os fluxos subterrâneos representados pelas descargas de base dos rios são da ordem de 58 bilhões m3/ano (SUDENE/ÁRIDAS, 1994). Neste particular, a região Nordeste compreende dois contextos hidrogeológicos distintos: 979100km2 de rochas do substrato geológico cristalino de idade Précambriana, subaflorantes e praticamente impermeáveis, salvo nas suas zonas de rochas fraturadas; e 648130km2 de rochas sedimentares, cujas idades vão do Período Siluriano ao Terciário, com permeabilidade intergranular generalizada, onde ocorrem reservas de água doce nos seus aqüíferos estimadas em 20.000km3 (Rebouças, 1997). Mercê da baixa permeabilidade do embasamento rochoso subaflorante sobre cerca de 400.000 km2 do Sertão e das suas feições lito-estruturais, aí se instalou uma densa rede hidrográfica, a qual propicia um sem número de locais favoráveis à construção de açudes. Esses reservatórios de água à vista constituem significativa reserva de água estimada em 22 bilhões m3, e adquirem valor simbólico, à margem de sua efetiva e concreta importância, como feição marcante da paisagem do Sertão nordestino. Tal como já ocorre noutros contextos semi-áridos do mundo, onde há predominância da geologia sedimentar, a gestão ativa dos seus aqüíferos ou Aquifer Storage Recovery vem proporcionando a utilização racional das águas subterrâneas para regularizar a oferta nos períodos de escassez, pratica a sua recarga nos períodos de excedentes hídricos ou de enchentes dos rios para proteção contra as grandes perdas por evaporação, pratica a reutilização de água no meio urbano, nas atividades industriais e agrícolas para recuperar aqüíferos sobreexplotados, controle da interface marinha e de reconstituição das reservas de água disponíveis. Perspectivas de Manejo Integrado O plano de Aproveitamento Integrado dos Recursos Hídricos do Nordeste – PLIRHINE – SUDENE (1980), reavaliado e atualizado pelo Grupo Regional de Recursos Hídricos do Projeto ÁRIDAS (1994) representa significativo avanço nas formas de abordagem da problemática da água no Nordeste. Os valores referentes às vazões totais médias de longo período dos rios têm sido universalmente aceitos como boas avaliações do potencial hídrico territorial renovável que pode ser utilizado, em termos de limite superior, em dada bacia hidrográfica, estado ou região geoeconômica de planejamento. A expressão destes potenciais em termos de m3/hab/ano, melhor compatibiliza a grande variabilidade da distribuição geográfica da água com aquela da população e é aqui chamado de potencial hídrico social. Por sua vez, a análise dos níveis de conforto e desenvolvimento alcançados pelos países membro das Nações Unidas indica que 2000 m3/hab/ano são suficientes para usufruto de uma boa qualidade de vida e obtenção de um desenvolvimento sustentado. Potenciais inferiores a 500m3/hab/ano indicam “escassez de água” e entre 500 e 1000m3/hab/ano significam condições de “estresse de água” (Margat, 1998). Por outro lado, a necessidade de gestão integrada configura-se à medida que a demanda evolui, atingindo determinados níveis destas potencialidades. Uma avaliação da experiência dos países membros da Nações Unidas revela o quadro seguinte: (1) demanda de água representa menos de 5% dos potenciais de água renováveis do território em apreço, pouca atividade de gestão é exigida; (2). índices entre 5 e 10%, indicam situação ainda confortável, podendo ocorrer a necessidade de gestão para solucionar problemas locais; (3) índices entre 10 e 20% significa que gestão já se torna uma atividade indispensável, exigindo a realização de grandes investimentos; (4) a situação torna-se crítica com índices superiores a 20%, exigindo gestão e investimentos intensivos (Falkenmark & Lindh, 1976). Considerando os dados da Tabela 1, verifica-se que em cerca de 12% das unidades hidrográficas de planejamento do Nordeste as condições já são de “estresse de água” e em mais 25% os potenciais são apenas regulares, ou seja, entre 1000 e 2000m3/hab/ano. Nos 62,5% restantes das unidades hidrográficas de planejamento os potenciais hídricos sociais variam entre 2184 e 30252 m3/hab/ano. Por sua vez, nas bacias hidrográficas da transição amazônica os índices de demandas são inferiores a 5%, significando a pouca necessidade de gestão nesta área. Todavia, nas bacias hidrográficas do domínio semi-árido os índices superiores a 20% significam necessidade urgente de gestão. Vale ressaltar que o índice ligeiramente superior a 10% no Nordeste em geral significa que a atividade de gerenciamento das águas da região já é indispensável, para solução dos problemas de abastecimento, sobretudo graves no meio urbano e no seu domínio semi-árido. Vale salientar, todavia, a experiência internacional que mostra ser possível lograr uma boa qualidade de vida e um desenvolvimento sustentado com, pelo menos, metade das taxas adotadas para consumo urbano/industrial e irrigação, principalmente. No Nordeste em geral, e no Sertão, em particular, a utilização das águas subterrâneas é a mais social e flexível das fontes permanentes de água, pois podem ser captadas, quase sempre, lá onde se fazem necessárias e estão naturalmente protegidas da evaporação. Para tanto, todavia, os poços deverão ser locados, construídos e operados com um mínimo de qualidade e eficiência técnica. O equívoco é espalhar e expor indiscriminadamente as águas territoriais em micros e pequenos açudes rasos ou barreiros, sem nenhum critério hidrológico, fazendo do sol inclemente o maior consumidor das águas assim acumuladas. Estas obras nem sequer resolvem o problema do abastecimento, pois até nos anos normais a maioria destes reservatórios seca no período de estiagem. Em tal caso, a equação da sobrevivência à seca é estocar as águas dos rios em açudes com superfície de evaporação (espelho hidráulico) bastante reduzida e profundidade bem superior à altura da lâmina média anual evaporada, entre 2 e 3m. Por sua vez, a idéia de que a condição semi-árida está diretamente relacionada com a baixa produtividade agrícola é totalmente falsa e exemplos não faltam para mostrar o contrário. Efetivamente, a região semi-árida do Brasil não é pior, em termos de potencialidades agrícolas, do que muitas outras áreas semi-áridas do mundo, notadamente o Centro-Oeste dos Estados Unidos, a maior economia de todos os tempos desenvolvida numa região árida com um coração desértico. Outro fator que tem gerado idéia errônea sobre as dificuldades de solução dos problemas sócio-ambientais atribuídos às secas está na imensidão da área oficialmente definida de incidência periódica do fenômenos. Entretanto, como há décadas já assinalam alguns estudiosos, o Sertão não é uma região homogênea. Estudos mais recentes, desenvolvidos pela EMBAPA-CAPTSA, apontam para a existência de 172 unidades geoambientais, distribuídas em 20 paisagens distintas (Rebouças, 1996). Tal diversidade de ambientes edafoclimáticos representa vantagens comparativas com reflexos vários sobre as potencialidades de produção no semi-árido. São, sobretudo, novas oportunidades de negócios agrícolas, impossíveis de serem conseguidos nos outros domínios geoambientais do Nordeste e até em outras regiões do Brasil. A existência de ilhas de sucesso e prosperidade no contexto semi-árido do Nordeste brasileiro indica ser extremamente viável a ocorrência de significativas mudanças no seu cenário agrícola. Conclusões Estamos acostumados a ver o Primeiro Mundo e o Brasil de rios perenes relativamente mais desenvolvido como ideais a alcançar. Isso, em geral, obscurece as potencialidades do Nordeste de rios temporários. Entretanto, as síndromes da abundância e da escassez resultantes da visão de rios perenes e temporários, respectivamente, são tão falsas quanto o geocentrismo fundamentado na visão do Sol caminhando de um lado para outro do nosso horizonte. A síndrome da abundância induzida pela visão de rios perenes no Brasil desenvolvido é culturalmente tão dominante que, para se combater o flagelo das secas no Nordeste, propugna-se como premissa a perenização dos seus rios temporários, mediante o transporte de água dos rios São Francisco e Tocantins (p. ex.) por meio de canais, túneis, aquadutos, dentre outros projetos de obras extraordinárias. Entretanto, o primeiro passo para aproveitar os potenciais do Nordeste é compreender sua natureza, identificar com clareza os diversos elementos que interferem na região em geral o no semi-árido, em particular. Afirmar que chove pouco no Nordeste em geral e no seu semi-árido, em particular, não é tecnicamente correto. O diagnóstico mais correto é que evapora muito, entre duas e três a altura média das chuvas anuais. Nestas condições, só o manejo eficiente e integrado da água territorial disponível - que é recolhida de formas variadas, que molha o solo, que escoa nos rios temporários, que se acumula nos açudes e nos aqüíferos rasos e profundos - permitirá à região vencer os desafios de produção e as vantagens comerciais sobre os mercados de outras regiões. Sem ganhar da evaporação intensa, mediante um uso muito eficiente da água disponível, não será possível tirar proveito da série de condições naturais, que, se exploradas adequadamente, poderão proporcionar resultados positivos e convivência equilibrada com o fenômeno climático das secas periódicas. Referências Falkenmark, M.& Lindh, G., 1976, Water for a starving world. Boulder, Colo. Westview Press. Margat, J., 1998, Repartition des ressources et des utilizations d’eau dans le monde: disparités présentes et futures, La Houille Blanche, No 2, p 40-51. Rebouças, A. C., 1997, Água na Região Nordeste: desperdício e escassez. Estudos Avançados- USP 11 (29) p 127 – 154. Rebouças, A. C., 1996, A transposição do Rio São Francisco sob o Prisma do Desenvolvimento Sustentável, SBPC, 4a Reunião Especial, Feira de Santana, Bahia, p 79-84. SUDENE/ÁRIDAS, 1994, Recursos Hídricos do Nordeste Semi-Árido, RH/SEPLAN/PR, Brasília. SUDENE/PLIRHINE, 1980, Plano de aproveitamento integrado dos recursos hídricos do Nordeste do Brasil, 15 v, Recife. Tabela 1- Potenciais de água nos rios do Nordeste, potenciais sociais e índices de demandas Ups- Unidades Planejamento Área Km2 **Potenciais Água Rios x106 m3/ano Demandas Totais *** x106 m3/ano Potencial Social m3/hab/ano Índice % Demanda 1 Tocantins 32 900 5 955 137,4 13 252 2,3 2 Gurupí 50 600 * 17 800 299,2 30 357 1,7 3 Mearim-Grajaú-Pindaré 97 000 17 570 628,5 7 568 3,6 4 Itapecuru 54 000 9 300 254,2 12 052 2,7 5 Munim-Barreirinhas 27 700 8 810 216,3 21 190 2,4 6 Parnaíba 330 000 40 120 1 807,8 11 942 4,5 7 Acaraú- Coreaú 30 500 5 270 224,2 5 853 4,2 8 Curú 11 500 2 360 214,1 6 127 9,1 9 Fortaleza 14 700 2 270 678,8 846 29,9 10 Jaguaribe 72 000 4 150 975,2 2 472 23,5 11 Apodi-Mossoró 15 900 820 187,8 1386 22,9 12 Piranhas-Açu 44 100 2 720 465,0 2 184 17,1 13 Leste Potiguar 24 440 1 680 401,2 997 14 Oriental Paraíba 23 760 2 190 482,0 1 030 22,0 15 Oriental Pernambuco 25 300 4 330 2 037,2 1 010 47,0 16 Bacias Alagoas 17 100 3 080 844,0 1 570 27,4 17 S. Francisco 487 000 * 41 100 9 148,8 6 384 22,2 18 Vaza-Barris 22330 1 200 196,3 1 177 16,4 19 Itapicuru-Real 46100 2 080 217,1 1 476 10,4 20 Paraguaçu-Salvador 81 560 8 420 1 173,4 937 13,9 21 Contas-Jequié 62 240 5 560 594,0 3 914 10,7 22 Pardo-Cachoeira 42 000 7 160 268,0 5 172 3,7 23 Jequitinhonha 23 200 * 6 110 81,4 27 254 1,3 24 Ext. Sul Bahia 27 300 6 241 332,2 14 653 5,2 NE-SUDENE 1 663 230 207 030 21 863,6 4 722 10,6 * Área da UPs dentro do NE-SUDENE ** ÁRIDAS, 1994; *** irrigação com 18000m3/ha/ano e 30% de retorno; demanda urbana entre 100 e 150 m3/hab/ano; população IBGE, 1991- in ÁRIDAS, 1994 copyright autor do texto

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