quarta-feira, 30 de maio de 2012

seca e fome nho nordeste

FOME ZERO NO NORDESTE DO BRASIL: CONSTRUINDO UMA LINHA DE BASE PARA AVALIAÇÃO DO PROGRAMA ÁREA DE INTERESSE: DESENVOLVIMENTO, POBREZA E EQUIDADE AUTORES: Airton Saboya Valente Junior (1) Maria Odete Alves (2) Viviane Queiroz Cerqueira (3) ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Banco do Nordeste do Brasil ETENE Av. Paranjana, 5.700 – Bloco A2 – Térreo – Passaré 60740-000 Fortaleza(CE) ________________ (1) Economista, mestre em desenvolvimento rural, técnico do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). E-mail: asvjunior@bnb.gov.br. (2) Engenheira Agrônoma, mestra em desenvolvimento rural, técnica do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). E-mail: moalves@bnb.gov.br. (3) Socióloga, técnica do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). E-mail: viviqueiroz@bnb.gov.br. 2 RESUMO O presente estudo se constitui de um diagnóstico socioeconômico de famílias beneficiárias do Programa Fome Zero (PFZ), o qual servirá de linha de base para a construção de indicadores para monitoramento e avaliação ao longo do tempo. Para tanto, foram selecionadas algumas localidades visando à realização de diagnósticos municipais, bem como a elaboração do perfil dos beneficiários do referido Programa. As informações colhidas na pesquisa de campo permitem concluir que o nível de pobreza das famílias elegíveis para o PFZ, e conseqüentemente, a situação de insegurança alimentar, afetando referidas famílias, decorrem de quatro dimensões principais: baixos níveis de escolaridade; precariedade de inserção ocupacional; baixos níveis de renda; e ausência de políticas públicas, objetivando o atendimento das necessidades coletivas. Palavras-chave Políticas Públicas; Programa Fome Zero; Segurança Alimentar ABSTRACT The present study is a preliminary evaluation of the Zero Hunger Program. The objective of the research is to construct a baseline as well as indicators aiming to evaluate the mentioned program overtime. As a result, a survey was conducted in some municipalities of the Northeast Region of Brazil. The main products of the survey were a diagnosis of the municipalities and a profile of the program’s beneficiaries. Keywords Public Policy; Zero Hunger Program; Food Security 3 1. INTRODUÇÃO O reconhecimento oficial do direito à alimentação está expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário. Implica dizer que nenhuma restrição à alimentação pode ser aceitável, tendo em vista que o bem-estar nutricional é um direito humano. Tal reflexão remete à questão da segurança alimentar e nutricional e à necessidade de definição do seu conceito. A expressão segurança alimentar e nutricional (SAN), como princípio geral, pode ser definida como “a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis” (CNSAN, 2004, p.1). A ausência dessas condições pode ser gerada por quatro fatores, conforme revisão de literatura elaborada por Pessanha (1998): Escassez de produção e oferta de produtos alimentares; distribuição desigual dos alimentos entre os membros da sociedade; baixa qualidade nutricional e contaminação dos alimentos consumidos pela população; e falta de acesso ou monopólio sobre a base genética do sistema agroalimentar. Daí se concluir que a noção de segurança alimentar e nutricional inclui quatro conteúdos, a saber: a) produção e oferta de alimentos; b) direito universal de acesso aos alimentos; c) qualidade sanitária e nutricional dos alimentos consumidos; d) conservação e controle da base genética do sistema agroalimentar. Os problemas de insegurança alimentar e nutricional afetam, sobretudo, os segmentos sociais, cujo acesso aos alimentos é precário, seja por insuficiência de renda ou incapacidade de produção para o auto-consumo. Significa que, de modo geral, a pobreza é a principal causa do acesso insuficiente aos alimentos. É neste contexto que emerge o Programa Fome Zero (PFZ), com o objetivo de “.incorporar ao mercado de consumo de alimentos aqueles que estão excluídos do mercado de trabalho e/ou que têm renda insuficiente para garantir uma alimentação digna a suas famílias” (Instituto de Cidadania, 2001). Assim, referido Programa surge como uma resposta ao perverso modelo de política adotado no Brasil, pois as ações estão delineadas para irem além do mero combate à fome. Prevê o 4 desenvolvimento econômico, privilegiando o crescimento com distribuição de renda. Busca, portanto, quebrar o círculo vicioso da fome provocado pela falta de políticas de geração de emprego e renda, que fomenta a crescente concentração de riquezas, fruto do modelo neoliberal adotado no País na década de 1990. É um programa do governo federal que envolve diferentes entidades públicas e conta com a estrutura do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) para a coordenação das ações. A abrangência e a diversidade das situações que caracterizam o público da segurança alimentar e nutricional implicam necessidade de utilização de instrumentos diversos e formas de ação social voltadas para o enfrentamento de situações de fome em caráter estrutural, emergencial e local. Assim, o PFZ inclui ações estruturais, com políticas voltadas para as causas da fome e da pobreza (geração de emprego e renda, previdência social, incentivo à agricultura familiar, intensificação da reforma agrária, bolsa escola e renda mínima); ações específicas, com políticas direcionadas ao atendimento das famílias (cartão-alimentação, cestas básicas emergenciais, combate à desnutrição materno-infantil, ampliação da merenda escolar, educação para o consumo, dentre outras) e ações locais, com políticas a serem implementadas pelas prefeituras e sociedade civil (Belik, 2003; Instituto de Cidadania, 2001). O Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Instituição Pública Federal, tem o papel de desenvolver a Região e, mais que isso, a responsabilidade social de se engajar no PFZ, oferecendo os instrumentos e mecanismos de que dispõe, de forma a contribuir efetivamente para a redução da pobreza e para as mudanças estruturais necessárias no Nordeste, mais especificamente, através de ações voltadas para o aumento da renda por meio de políticas que incorporem o incentivo à agricultura familiar, além do já tradicional apoio à agricultura patronal. Neste sentido, o BNB se propôs a estabelecer um PLANO DE AÇÃO com base nos instrumentos e mecanismos de que dispõe, levando em conta suas características de instituição financeira e respeitando os limites territoriais de sua área de atuação1. Há, também, a determinação de se realizar avaliações periódicas das ações da Instituição no âmbito do Programa, havendo, dessa forma, a necessidade de se criar uma LINHA DE BASE para que seja possível construir os INDICADORES que deverão ser MONITORADOS e avaliados ao longo do tempo. Para cumprir esses passos, realizou-se pesquisa de campo junto a beneficiários do Programa Fome Zero, a fim de retratar o marco inicial da intervenção e construir indicadores socioeconômicos, com base na realidade de cada comunidade. Tais etapas são fundamentais para o acompanhamento e a 1 Estados do Nordeste e municípios do Norte de Minas Gerais, Vale do Jequitinhonha e Norte do estado do Espírito Santo. 5 avaliação das ações, a partir do estabelecimento de metas e prazos. Dessa forma, podem-se observar os avanços, os acertos e os erros cometidos no Programa, para então sugerir os ajustes necessários para o sucesso da política como um todo. 2. METODOLOGIA A coleta de informações para compor o diagnóstico socioeconômico dos beneficiários do PFZ constou de três etapas: inicialmente, coletaram-se dados secundários (de diversas fontes) sobre os municípios a serem pesquisados, tendo-se como premissa a obtenção de indicadores econômicos e sociais; na segunda etapa, colheram-se informações a partir de visitas exploratórias aos municípios pesquisados, a fim de inserir o conhecimento e a percepção dos diferentes segmentos da sociedade sobre a realidade local; e, na terceira etapa, realizou-se pesquisa de campo para a obtenção de perfis das comunidades locais. A pesquisa de campo foi realizada por meio da aplicação de questionários semi-estruturados, no período de julho a agosto de 2003, os quais foram ministrados por agentes de desenvolvimento do BNB com atuação nos municípios. Preliminarmente à visita a campo, o entrevistador foi submetido a treinamento sobre o Programa Fome Zero, a metodologia do trabalho a ser implementado e sobre o preenchimento dos questionários. O universo pesquisado foi considerado como sendo o total de beneficiários cadastrados para receber o Cartão Alimentação na ocasião da pesquisa, definido pelo Comitê Gestor local do Programa Fome Zero. Vale lembrar que a amostra foi selecionada a partir dos dados de beneficiários cadastrados até julho de 2003. Assim sendo, a listagem que foi disponibilizada para este trabalho pode ter sido alterada em virtude da permanente atualização do Cadastro Único do Governo Federal, ou seja, a inclusão de novos beneficiários e a exclusão daqueles que não se enquadram no perfil do Programa. Para a definição da amostra, foram identificados seis municípios com baixos índices de desenvolvimento humano (IDH) da região atendida pelo Banco: Betânia do Piauí e Guaribas, no Piauí, Quixelô e Irauçuba, no Ceará e Cerro Corá e Taipú no Rio Grande do Norte. Em seguida, tentou-se estabelecer a representatividade de algumas categorias, presentes na população total cadastrada para receber o benefício. Dessa forma, aplicaram-se 182 questionários, levando-se em conta os cortes territorial (rural e urbano) e de gênero (homem e mulher), e observando-se a proporção de cada uma dessas variáveis no universo pesquisado. Os entrevistados foram sorteados a partir do cadastro 6 fornecido pelo então Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à Fome – MESA (Tabela 1). Uma vez determinadas as proporções da amostra, foram sorteados os beneficiários a serem contemplados pela pesquisa. O questionário foi elaborado com o intuito de analisar as condições de moradia, alimentação, saúde, produção, trabalho, renda e organização social dos beneficiários. Para a aplicação desses questionários, Agentes de Desenvolvimento e Técnicos de Campo do BNB participaram de treinamento oferecido pela equipe do ETENE. Considerando os padrões teóricos, o número mínimo de 180 observações para o público de 4.225 beneficiários cadastrados permitiu delimitar um erro amostral de aproximadamente 7,3%. Isso garante um nível de confiabilidade de 95% para as inferências tiradas a partir do resultado da pesquisa. TABELA 1. Beneficiários Cadastrados e Amostra Selecionada Municípios Dados Betânia do Piauí Guaribas Quixelô Irauçuba Cerro Corá Taipú Total de beneficiários cadastrados (1) 227 500 930 1.163 921 484 Rural Homens Mulheres 200 24 176 370 179 191 819 94 725 389 21 377 569 31 538 344 22 322 Urbano Homens Mulheres 27 0 27 130 50 80 111 10 101 765 26 739 352 9 343 140 9 131 Amostra Realizada 30 32 30 30 30 30 Rural Homens Mulheres 26 2 24 19 7 12 26 4 22 10 1 9 20 2 18 28 2 26 Urbano Homens Mulheres 4 0 4 13 7 6 4 0 4 20 0 20 10 0 10 2 0 2 Fonte: Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à Fome. Nota (1): Dados atualizados até junho de 2003. 7 Vale ressaltar ainda que a metodologia adotada pelo PFZ não tem como objetivo mensurar o número de pessoas que passam fome no País, mas sim estimar a “população vulnerável à fome”, em função da renda disponível. Implica dizer que os beneficiários do Programa devem ser, portanto, aquelas famílias que não possuem renda suficiente para garantir sua segurança alimentar, estando, desse modo, sujeitos à fome. 3. PERFIL DOS BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA FOME ZERO NO NORDESTE BRASILEIRO A média de peso encontrada na mostra foi de 57 kg, enquanto que a média de altura mostrou-se relativamente baixa (1,55m), o que proporciona um índice de massa corporal, IMC2 de 23,73. Apenas 12,1% dos entrevistados possuía peso acima de 70kg, enquanto que 6,6% possuía altura acima de 1,65m. Registre-se que todos os entrevistados tinham mais de 15 anos (Tabelas 2 e 3). TABELA 2. Faixa de Peso dos Entrevistados Faixa de Peso Quant. % Rural (%) Urbano % De 30kg a 40kg 4,95 4,65 5,66 De 41kg a 50kg 25,27 25,58 24,53 De 51kg a 60kg 36,26 35,66 37,74 De 61kg a 70kg 20,88 22,48 16,98 De 71kg a 80kg 8,79 7,75 11,32 De 81kg a 90kg 3,30 3,88 1,89 Não consta 0,55 0,00 1,89 Fonte: BNB - Pesquisa Direta. Não foi verificada relação positiva entre as variáveis (peso, altura) e o local de aplicação dos questionários, considerando que as médias são semelhantes para os meios urbano e rural (Tabelas 2 e 3). Também não foram observadas grandes discrepâncias em termos de gênero, apenas a manutenção dos padrões de diferenças para ambos os sexos. 2 O IMC é utilizado para medir a obesidade de adultos, e é calculado dividindo-se o peso de um indivíduo pelo quadrado de sua estatura. A Organização Mundial de Saúde estabelece que IMC menor que 18,5% (para pessoas acima de 24 anos) é indicativo de déficit energético nos indivíduos. Índices entre 18,5 e 25,0% são considerados pesos normais, e índices acima de 25,0% são indicativos de obesidade. Registre-se, contudo, que o referido índice não leva em conta a massa muscular do indivíduo, de forma que o cálculo do índice não substitui uma avaliação clínica do indivíduo para se determinar a obesidade. 8 TABELA 3. Faixa de Altura dos Entrevistados (1) Faixa de Altura Quant. ( %) Rural (%) Urbano (%) De 1,35m a 1,45m 4,40 5,43 1,89 De 1,46m a 1,55m 50,00 48,06 54,72 De 1,56m a 1,65m 36,81 38,76 32,08 De 1,66m a 1,75m 5,49 6,20 3,77 De 1,76m a 1,85m 1,10 0,00 3,77 Não consta 2,20 1,55 3,77 Fonte: BNB - Pesquisa Direta. 3.1. Escolaridade Quanto ao nível escolar, 30% dos entrevistados declararam-se sem instrução; outros 18% são alfabetizados e 42% possuem primeiro grau incompleto3. A título de comparação, a taxa de analfabetismo do Nordeste é de 23,3%. Essas três faixas de escolaridade são mais comuns entre os pesquisados na zona rural. Os indivíduos com níveis educacionais mais elevados (primeiro grau completo e acima) encontram-se no meio urbano. Nesse conjunto, as duas únicas pessoas que informaram possuir ensino superior completo residem no meio urbano (Gráfico 1). GRÁFICO 1. Nível de Escolaridade dos Beneficiários do Programa Fome Zero 36,43 15,09 24,03 1,89 34,11 60,38 0,78 5,66 9,43 4,65 3,77 3,77 0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00 70,00 Rural Urbano Sem Instrução Alfabetizado Primeiro Grau Incompleto Primeiro Grau Completo Segundo Grau Incompleto Segundo Grau Completo Superior Incompleto Superior Completo Fonte: BNB – Pesquisa Direta 3 O Ministério da Educação adota atualmente a nomenclatura de “ensino fundamental”, que equivale ao antigo sistema de primeiro grau; o “ensino médio” corresponde ao segundo grau. 9 Registre-se que a oferta de escolas, nos municípios pesquisados, é ainda restrita. Com a exceção do município de Irauçuba, as demais localidades possuem apenas uma escola de nível médio. Não existem faculdades ou escolas de nível superior nesses municípios pesquisados. Ao todo, são 201 escolas de ensino fundamental nos seis municípios em questão (Tabela 4). TABELA 4. Quantidade de Escolas por Município Escolas Ceará Piauí Rio Grande do Norte Quixelô Irauçuba Betânia do Piauí Guaribas Cerro Corá Taipú Ensino Fundamental 35 61 34 16 27 28 Ensino Médio (1) 1 2 1 1 1 1 Fonte: IBGE – Censo Escolar, 2003. Nota: Todas as escolas pertencem à rede pública estadual. 3.2. Condições de Habitação Quanto à responsabilidade domiciliar, cerca de 30% dos entrevistados são os chefes do domicílio, outros 63% são cônjuges do chefe e 5% são filhos dos chefes. Foram encontrados 18 idosos (pessoas acima de 65 anos), o que significa dizer que 10% dos domicílios têm pelo menos um idoso.A média de residentes por domicílio é de quatro pessoas para ambas as áreas, assim como a média de uma criança por domicílio. O número médio de cômodos é de quatro (meio rural) e cinco (meio urbano), sendo dois destinados para dormitório (ambas as localidades). Cerca de 88% dos entrevistados no meio rural e 72% no urbano residem em moradia própria, enquanto que 6% residem em casas alugadas. Em contraposição, 3% das pessoas no meio rural afirmam que sua condição de moradia é “sem-teto”. Presume-se que essas famílias, não tendo moradia própria, morem “de favor” em casa de parentes, vizinhos ou amigos. Essa condição pode ser agrupada a outros tipos de convivência tais como moradia emprestada ou cedida (10% da amostra). Em relação à caracterização da moradia, a maior parte dos residentes rurais (45%) vivem em casas rústicas (de taipa) e casas de alvenaria (36%). No meio urbano, as moradias de alvenaria 10 representam 74% e taipa, 8%. Na classificação “construções rústicas”, a quantidade total de casas de adobe, para ambas localidades, é de 16% . Quanto às fontes de energia, na zona urbana, a grande maioria (quase 94%) dos domicílios utilizam a rede elétrica e somente 6% servem-se de querosene. Para o meio rural, 60% utilizam a rede elétrica; 33% usam querosene; e 8%, gás. Como era esperado, a população rural encontra-se menos atendida em relação a serviços de infra-estrutura, em comparação com os moradores da zona urbana. Assim, conforme o Gráfico 4, temse somente 2% dos domicílios rurais com rede pública de esgotamento sanitário, contra 19% dos domicílios urbanos. Nesses últimos, também é mais comum o uso de fossas (49% versus 33% no meio rural). O esgoto a céu aberto encontra-se em maior proporção no meio rural (71% versus 43% no meio urbano). Ilustrando a precariedade do fornecimento de água para parte significativa dos entrevistados, quase 20% das famílias se abastecem em olhos d’água, 10% em açudes e 9% em barreiros, ou áreas alagadiças, sendo que, no meio rural, essas e outras fontes improvisadas beneficiam mais da metade da amostra (62%). No meio urbano, diferentemente, a predominância é da rede pública, com encanamento interno, porém em percentual pouco satisfatório (49%). No meio rural, essa proporção é de apenas 9%, ou 12 domicílios, a categoria “rede pública com torneira externa ou chafariz” está presente em 15% e a “cisterna ou poço da própria casa”, em 11%. Em relação ao destino do lixo doméstico, a queima e o depósito em local próximo à residência são as práticas mais comuns no meio rural (53 e 61%, respectivamente). No meio urbano, contudo, verifica-se o serviço de coleta pela prefeitura (em 71% dos domicílios) e o depósito próximo à residência (30%). Fica evidenciada, mais uma vez, a precariedade da oferta de serviços básicos para considerável parcela dos beneficiários. 3.3. Segurança Alimentar No entender de Pessanha (1998), dois fatores determinam o acesso aos alimentos, quais sejam: “o poder aquisitivo necessário para os indivíduos que atuam em mecanismos descentralizados de produção e consumo; e a propriedade de meios de produção de alimentos no caso dos produtores 11 rurais de alimentos de subsistência”. Com base nessa premissa, buscou-se, explorar, nas tabelas a seguir, os conteúdos referentes às questões ligadas à capacidade de acesso da população aos alimentos, bem como à qualidade nutricional dos alimentos por ela consumidos, seja no seu aspecto nutricional ou sanitário4. A quantidade de alimentos ingeridos é insuficiente, de acordo com 72% dos entrevistados – 74% nos domicílios rurais e 68% nos urbanos. Como causas da escassez, as pessoas afirmam que os recursos financeiros são insuficientes (42% das respostas), além disso, 15% apontam a falta trabalho/emprego. Alguns entrevistados explicam que precisam administrar os recursos para o mês inteiro, razão pela qual adquirem poucas quantidades de alimentos diariamente. Essas respostas confirmam um pressuposto do Programa Fome Zero de que a insuficiência de renda é o principal fator que leva as pessoas a não se alimentarem em quantidade adequada. Mais de um décimo (13%) informaram que não tiveram produção agrícola suficiente em decorrência da seca ou falta de inverno (período chuvoso curto), do ataque de pragas, ou mesmo da baixa produtividade por não utilizarem tecnologias adequadas (Projeto Fome Zero, 2001; Pesquisa Direta). Dessa forma, mesmo que, em tese, as famílias que produzem bens agrícolas sejam menos susceptíveis à fome, deve-se lembrar que grande parte delas não produz o suficiente para o autoconsumo. O cruzamento dos dados mostra que, em 98 dos 138 domicílios que produzem grãos, ou seja 71%, a quantidade de alimentos disponíveis para o consumo familiar é insuficiente. Pode-se inferir que esses agricultores entrevistados não dispõem de base material adequada (recursos financeiros, terra/água etc) para garantir a subsistência da própria família. Ademais, deve-se lembrar a forte interação desses agricultores com o meio agroecológico, tornando-se bastante vulneráveis a fatores adversos como as estiagens e secas, comuns no semi-árido nordestino. Isso, sem levar em conta a vulnerabilidade decorrente também de eventuais declínios ou flutuações dos preços dos produtos agrícolas. Sobre a qualidade dos alimentos ingeridos no meio rural, um maior número de entrevistados tende a considerá-los de boa qualidade (67%), enquanto os entrevistados urbanos se dividem entre a 4 Cabe considerar que todas as inferências sobre quantidade e qualidade dos alimentos consumidos pelos entrevistados e suas famílias foram feitas com base nos pontos de vista dos próprios entrevistados e no seu grau de entendimento e nível de informação sobre a questão. Significa que o julgamento expresso sobre quantidade e qualidade ideais dos alimentos consumidos não necessariamente reflete as condições ideais em termos de atributos nutricionais e sanitários adequados às necessidades dessas famílias (alimentos com boas qualidades nutricionais e livres de contaminações de natureza química, biológica e física etc). 12 classificação boa (55%) e ruim (45%). Por meio da correlação entre consumo e produção agrícola familiar, infere-se que a melhor qualidade dos alimentos no campo é decorrente da produção agrícola praticada em grande número dos domicílios rurais. Para aqueles entrevistados que avaliam como ruim a qualidade dos alimentos ingeridos, 44% deles informam que os produtos de melhor qualidade são caros e, sendo a renda insuficiente, adquirem os produtos mais baratos, supostamente de menor qualidade. Outros 19% indicam que o consumo é pouco diversificado e o mercado local não oferece bons produtos. A partir do cruzamento das informações relativas à produção e consumo, nota-se que o feijão é o alimento de maior produção e consumo. Em relação à mandioca, o consumo ocorre em maior quantidade de domicílios, quando comparado com aqueles que a produzem. Em contraposição, o milho apresenta maior contingente de produtores que de consumidores. Supõe-se que a mandioca é o produto freqüentemente demandado no mercado local enquanto o milho é ofertado (Tabela 5). TABELA 5. Bens Mais Produzidos versus Freqüência com que São Consumidos Pelas Famílias (%) Periodicidade BensMais Produzidos X Consumo de Alimentos Diariam ente 6 ou 5 Vezes/ Semana 4 ou 3 Vezes/ Semana 2 ou 1 Vez/ Semana Raramente Não Consome Feijão (139 domicílios produzem) 73,08 2,20 1,10 0,00 0,00 0,00 Tubérculos / Raízes – mandioca (32 domicílios produzem) 26,37 2,75 9,34 15,93 15,38 1,65 Milho / Derivados (130 domicílios produzem) 5,49 2,20 1,65 1,65 5,49 1,10 Fonte: BNB - Pesquisa de Direta Notas: (1): bem produzido por 40% das famílias.(2): bem produzido por 18% das famílias. (3): bem produzido por 71% das famílias. Conforme a Tabela 6, os alimentos comumente ingeridos (no mínimo 3 vezes por semana) são arroz, feijão, açúcar/doces/rapadura, óleos e gorduras, milho/derivados e raízes/tubérculos. Em contraposição, os “não consumidos” ou “raramente consumidos” são representados por queijos/requeijão, peixes, frutas, margarina/manteiga/nata, leite e legumes/verduras. Registre-se que tais alimentos têm grande importância na composição da dieta alimentar do dia-a-dia, em virtude do conteúdo equilibrado de nutrientes fundamentais para a manutenção da saúde humana. Entretanto, as 13 populações de baixa renda não têm acesso a esse tipo de alimento, em virtude de serem oferecidos a preços incompatíveis com a capacidade de aquisição dessa camada da população. Sabe-se que a segurança nutricional depende da superação de carências essenciais de minerais e vitaminas que se superpõem e influenciam umas às outras. No caso dos legumes e verduras, pela sua composição em termos de vitaminas, ferro, sais minerais e fibras, existe a recomendação, por parte de especialistas, de que pelo menos quatro porções componham o cardápio diário de um adulto. Importante observar que a mistura de feijão e arroz equivale a uma combinação protéica de origem vegetal de bom aproveitamento biológico. Esses alimentos se completam, tendo em vista que a quantidade do aminoácido lisina, que é limitante no arroz, é abundante no feijão. Essa condição propicia a síntese da proteína no organismo. Por outro lado, a carência de proteínas de origem animal é evidente, tendo em vista o baixo consumo de carnes, leite, ovos e peixes. Tomando-se a freqüência “2 ou 1 vez por semana”, é possível verificar que a ingestão de alimentos como carne, ovos, pães, bolachas e macarrão - fontes importantes de proteína e carboidratos - se dá de maneira esporádica. Aqui cabe lembrar a baixa estatura apresentada pelos entrevistadas (Tabela 2), a qual pode estar relacionada à carência de ingestão de Vitamina A, que prejudica o crescimento e o desenvolvimento do organismo humano nos primeiros anos de vida. A carência de Vitamina A no organismo resulta da falta de ingestão (ou pouca ingestão) de alguns alimentos de origem vegetal (folhas da cor verdeescuro, frutos e verduras nas cores amarelo, alaranjado ou vermelho) e animal (fígado, gema de ovo, leite, manteiga, queijo), todos com baixo índice de consumo cotidiano pelo grupo pesquisado. Observou-se, ainda, variação da periodicidade das refeições para adultos e crianças. Enquanto os primeiros almoçam e jantam com mais freqüência, os lanches e merendas são mais comuns às crianças. Para todos os grupos – rural, urbano, adulto ou infantil – as principais refeições são o almoço e o jantar, sendo também presente em mais de 50% dos casos o desjejum ou café da manhã. Entretanto, a regularidade de 3 refeições diárias não é observada em nenhuma estratificação por grupo. Quanto à conservação de alimentos, apenas 30% das residências dispunham de geladeira, sendo que nos domicílios rurais e urbanos referidas porcentagens são de 23% e 45%, respectivamente. A disponibilidade de fogão a gás é menos restrita, considerando que 62% dos domicílios rurais e 77% dos urbanos possuíam esse equipamento. 14 TABELA 6. Tipos de Bens Mais Produzidos versus Freqüência com que São Consumidos Pelas Famílias (%) Alimentos Diariamente (a) 6 ou 5 vezes por semana (b) 4 ou 3 vezes por semana (c) Sub-total (a+b+c) 2 ou 1 vez por semana Raramente Não consome 1. Carnes 2,75 1,65 17,58 21,98 32,42 15,93 0,55 2. Peixes 4,40 0,00 6,04 10,44 7,69 19,23 33,52 3. Ovos 14,84 2,75 13,19 30,77 16,48 18,13 4,95 4. Arroz 56,59 2,75 6,59 65,93 4,95 0,00 0,00 5. Feijão 66,48 2,20 1,65 70,33 0,55 0,00 0,00 6. Milho / Derivados 28,02 1,65 10,44 40,11 14,84 12,64 2,75 7. Tubérculos / Raízes 26,37 1,65 4,95 32,96 12,64 17,58 7,69 8. Legumes / Verduras 11,54 0,55 4,95 17,03 12,64 29,12 12,09 9. Frutas 1,65 0,00 3,85 5,50 11,54 31,87 21,43 10. Leite 21,98 1,10 4,95 28,02 5,49 17,58 19,78 11. Queijos / Requeijão 0,55 1,10 0,55 2,20 2,20 9,34 56,59 12. Pães / Bolachas 12,64 1,65 12,64 26,93 19,78 16,48 7,69 13.Macarrão 19,78 1,10 9,34 30,22 15,93 18,68 6,04 14. Açúcar / Doces / Rapadura 62,64 2,75 3,30 68,68 1,65 0,55 0,00 15.Margarina / Manteiga / Nata 14,29 3,30 8,24 25,83 8,79 13,74 21,98 16. Óleos / Gorduras 54,40 3,85 7,69 65,94 2,20 1,10 1,10 Fonte: BNB – Pesquisa Direta. 4. OCUPAÇÃO E RENDA Os produtores rurais constituíram a categoria de maior representação dentre os entrevistados (82%). Dentre esses produtores rurais, cerca de 30% são ocupantes e 28%, proprietários, percentual superior à soma dos arrendatários e parceiros. Podem ocorrer casos em que o produtor se enquadra em mais de uma opção (Tabela 7). O número de diaristas declarados, menos de 1%, é bastante inferior ao observado em outras respostas do questionário. Supõe-se que isso ocorra devido à condição irregular e eventual do trabalho, razão pela qual os entrevistados não citam essa atividade. Isso talvez sirva de explicação para o enorme contingente de trabalhadores informais, especialmente no campo. 15 Aproximadamente 9% dos entrevistados se intitula “sem terra”, o restante se distribui entre proprietários de até 10 hectares (57%) e proprietário de 11 a 30 ha (10%). Apenas 1 (ou menos de 1%) entrevistado declara possuir propriedade de 201 a 500 ha (Tabela 8). TABELA 7. Condição de Produtor Rural Condição de Produtor Rural % em Relação aos Entrevistados % em Relação aos Produtores Rurais Proprietário 23,16 28,39 Arrendatário 12,63 15,48 Parceiro 11,58 14,19 Ocupante 24,74 30,32 Diarista 0,53 0,65 Sem Terra 8,95 10,97 Outra 0,00 0,00 Não é Produtor Rural 18,68 --- Fonte: BNB – Pesquisa Direta. Quanto à profissão, 70% dos entrevistados e 71% dos chefes de família são “agricultores, pescadores ou trabalhadores rurais”; outros 16% dos entrevistados são donas de casa e 12%, trabalhadoras domésticas. Essas duas últimas categorias possuem maior representatividade na zona urbana. Sabe-se que no meio rural, é comum as mulheres, assim como todos os membros da família, se engajarem nas atividades agrícolas, isso explica a grande proporção de entrevistadas que se declaram, simultaneamente, donas de casa e agricultoras, implicando acúmulo de funções individuais. Entre os homens, a dupla função também é habitual, com o diferencial de que esses, além de trabalharem na própria lavoura, fazem serviços esporádicos em outras propriedades agropecuárias, ou exercem atividades não-agrícolas em açougues e construção civil. A taxa de ocupação na família é de apenas uma pessoa, em média, representando uma baixa proporção, considerando-se que o número médio de indivíduos por domicílio é de 4 pessoas tendo, em média, apenas uma criança. Isso significa níveis de desocupação elevados, que podem ser verificados com os números da pesquisa: dentre os chefes da família, 2/3 estão desempregados. Desse montante, 84 são agricultores e 10, donas de casa. A duração do desemprego é superior a 2 anos para 30%; para 16%, o tempo de desemprego situa-se entre 1 a 2 anos, e para 12%, menos de 1 ano. Contudo, é preciso atentar para o fato de que as definições de desemprego e desocupação se confundem nas falas 16 dos entrevistados. Além disso, as ocupações de doméstica e de agricultor na própria propriedade não são consideradas como emprego, constituindo-se, às vezes, em refúgios de parte da mão-de-obra familiar que, em tese, deveria se inserir no mercado de trabalho. TABELA 8. Tamanho da Propriedade Rural Tamanho da Propriedade Rural % Família Sem-terra 8,95 Até 10 Hectares 57,14 De 11 a 30 Hectares 9,89 De 31 a 50 Hectares 2,20 De 51 a 100 Hectares 1,65 De 101 a 200 Hectares 0,00 De 201 a 500 Hectares 0,55 Acima de 500 Hectares 0,00 Fonte: BNB - Pesquisa Direta Em relação a rendimentos, verificou-se que 57,1% dos domicílios entrevistados possuem renda per capita mensal de até R$ 30,00 (aproximadamente US$ 10), e 93,3% dos entrevistados possuem renda per capita mensal de até R$ 100,00 (aproximadamente US$ 33). Apenas 6,7% das famílias entrevistadas declararam possuir renda per capita mensal acima de R$ 100,00. Considerando-se a linha de pobreza adotada pelo Banco Mundial, que considera que as pessoas que ganham menos de US$ 1 por dia podem ser reputadas como pobres, verifica-se que a quase totalidade da amostra pesquisada encontra-se na faixa de pobreza definida por aquela agência de desenvolvimento. Registre-se que, no cálculo dessa renda, estão computados os auxílios governamentais recebidos por essas famílias. Quando se exclui as transferências governamentais, a renda média dessas famílias se deteriora consideravelmente. Assim é que, excluindo-se as transferências governamentais, 21,9% dos entrevistados não teriam renda monetária, enquanto que 69,7% dos entrevistados teriam renda per capita de até R$ 20,00 por mês (aproximadamente US$ 7). Nessas condições, apenas 5,5% dos entrevistados possuíam renda per capita acima de R$ 100,00 por mês (Tabela 9). 17 TABELA 9. Faixas de Renda versus Recebimento de Auxílio Monetário (1) Escalas de Renda (R$) Renda Familiar Per Capita + AuxílioMonetário (%) Renda Familiar Per Capita Sem Auxílio Monetário (%) Sem renda 2,20 21,98 0,50 – 10,00 6,59 26,92 10,00 – 20,00 24,73 20,88 20,00 – 30,00 23,63 6,59 30,00 – 40,00 13,19 6,59 40,00 – 50,00 7,14 3,85 50,00 – 60,00 6,59 3,30 60,00 – 70,00 3,30 1,10 70,00 – 80,00 2,75 2,20 80,00 – 90,00 2,75 0,55 90,00 – 100,00 0,55 0,55 100,00 – 150,00 3,85 3,30 150,00 – 200,00 1,10 1,10 + de 200,00 1,65 1,10 Fonte: BNB - Pesquisa Direta. Nota 1: transferências do governo, auxílios sociais e ajudas em espécie. Em termos médios, a renda mensal por domicílio importou em apenas R$ 173,53 (aproximadamente US$ 58), o que perfaz uma renda per capita mensal de R$ 35,32 (aproximadamente US$ 12). As transferências governamentais estão computadas no cálculo dessas rendas monetárias. Em média, referidas transferências representavam R$ 66,43 (aproximadamente US$ 22) por domicílio pesquisado. A renda média mensal per capita, excluindo as transferências governamentais, importou em R$ 21,80 (aproximadamente US$ 7), conforme Tabela 10. TABELA 10. Renda Média, em (R$ 1,00) Variável Urbano Rural Total RendaMédia Mensal por Domicílio (A) 210,23 158,46 173,53 Média dos Auxílios Monetários (B) 64,01 67,43 66,43 % (A) / (B) 30,45 42,55 38,28 Mensal per Capita 42,85 32,24 35,32 RendaMédia Mensal per Capita, exceto (B) 29,80 18,52 21,80 Fonte: BNB - Pesquisa Direta. 18 Constatou-se, também, que as rendas não são constantes para 70% das famílias pesquisadas, em função dos entrevistados possuírem ocupações esporádicas – como diarista, especialmente (24%) e considerando que as condições climáticas (seca ou falta de chuvas suficientes) reduzem a oferta de trabalho para 18% (Tabela 11). TABELA 11. Motivo pelo qual a Receita da Família não é Constante Motivos % Ocupação Fora da Lavoura é Esporádica 23,94 Depende do Inverno/condições Climáticas 18,31 Falta Emprego/trabalho 12,68 Família Depende de Repasses do Governo (bolsas) 11,97 Fatores Adversos à Lavoura (pragas, etc) 5,63 Não Possui Tecnologias 4,23 A Produção é Irregular (entressafras) 4,23 Há Períodos de Entressafra - Outras Respostas 19,01 Fonte: BNB – Pesquisa Direta. A maioria dos entrevistados (80%) afirmou não receber ajuda de entidades de apoio social, parentes, amigos ou governo (cesta-básica); 11% recebem dinheiro; e outros 9% são ajudados com o fornecimento de leite, arroz, feijão, carne e açúcar ou refeições. Apenas 4% dos entrevistados informaram que os auxílios têm caráter diário; para outros 12%, essa ajuda é mensal ou ocasional. Quanto a outros benefícios governamentais, 88% das pessoas informaram receber vale-gás, 74%, bolsa ou cartão-alimentação e 32%, o bolsa-escola (Tabela 12). Registre-se que alguns entrevistados, quando da realização da pesquisa, embora estivessem cadastrados no Programa Fome Zero, ainda não estavam recebendo o cartão alimentação ou outro tipo de transferência governamental. De fato, 3,8% dos entrevistados declararam que não estavam recebendo, naquela ocasião, benefícios governamentais. 19 TABELA 12. Outro Tipo de Ajuda ou Benefício Recebido pelo Entrevistado Tipo de Ajuda/Benefício Total (%) Bolsa-Escola 32,42 Ajuda em Dinheiro 2,20 Cartão do Cidadão 15,93 Vale-Gás 87,91 Bolsa/cartão Alimentação 73,63 PETI (1) 5,49 Outras 3,30 Fonte: BNB – Pesquisa Direta. Nota: (1): Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Quanto ao pagamento de instituições para fins de aposentadoria, somente 27% o fazem, e dentre esse conjunto, 82% das contribuições são destinadas aos sindicatos de trabalhadores rurais. Entre os que recebem algum tipo de previdência (14%), o INSS e o FUNRURAL aparecem em 3% das respostas, cada. Outros 5% informaram receber aposentadoria, sem, contudo, especificar a fonte pagadora. Vale frisar que os recursos de aposentadoria e de pensão tornam-se responsáveis por parcela significativa da renda dessas famílias. Entre o público que possui idade acima dos 46 anos, 12% recebem algum tipo de previdência, dos quais, 10% são mulheres. 5. PRODUÇÃO EMERCADOS Considerando-se os entrevistados que exercem atividades agropecuárias (80% dos entrevistados), as práticas mais comuns são o cultivo de grãos, especialmente feijão e milho, e a criação de galinhas caipiras. O artesanato e a construção civil são as atividades não-agrícolas mais praticadas, atentando para o fato de que 128 entrevistados não exercem atividades não-agrícolas (Tabela 13). O feijão e o milho são produzidos em mais de 80% dos estabelecimentos rurais pesquisados. Seguida de longe, em terceiro lugar, aparece a produção de mandioca. Os produtores informam ainda que a produção desses três bens é destinada ao consumo da família. Por outro lado, a comercialização, essencialmente destinada aos mercados locais, é realizada por parcela pouco significativa, sendo a mandioca o bem mais comercializado. Tal fato confirma o que Garcia Jr. (1989) denominou de “alternatividade”, ou seja, o produto destina-se ao consumo doméstico, mas pode ser levado ao 20 mercado para obtenção de renda monetária para adquirir bens de primeira necessidade (sal, querosene, açúcar, roupas, calçados) ou outros bens de consumo não produzidos na unidade familiar. Tabela 13. Tipos de Atividades Agropecuárias Praticadas Tipos de Atividades Agropecuárias Praticadas Total Grãos 75,82 Fruticultura 4,40 Hortaliças 4,40 Bovinocultura 6,59 Ovinocaprinocultura 6,59 Galinha Caipira 21,43 Pesca 1,65 Nenhuma 19,78 Suinocultura 8,24 Tubérculos 7,14 Farinha 1,10 Raízes 1,10 Outras 1,10 Fonte: BNB - Pesquisa Direta. A venda a intermediários é mais comum para o feijão e o milho, e as principais dificuldades encontradas no processo de comercialização são o desconhecimento do mercado e de compradores potenciais; as tarifas e impostos elevados; a falta de veículo de transporte ou de representantes; e ainda, impossibilidade de participar de feiras. Ressalte-se, contudo, que todos esses apontamentos foram verificados em menos de 3% da amostra. A mandioca é mais comercializada em feiras, diretamente ao consumidor final e, segundo os entrevistados, não existem dificuldades na comercialização desse produto (Tabela 14). Em termos de gerenciamento dos empreendimentos agrícolas, 1/3 dos entrevistados – 34% no meio rural e 28% no meio urbano – afirmou haver dificuldade na aquisição de matérias-primas e insumos. Os motivos citados foram demora no fornecimento de sementes, o consumo alimentar concomitante com a seleção de sementes para plantio e a falta de recursos financeiros. 21 Como exposto em item anterior, percebe-se, entre os produtores, extrema dependência a fatores climáticos, sujeição a estragos causados por pragas, períodos de entressafra não aproveitados e baixa produtividade devido ao tipo de tecnologia empregada. Tabela 14. Destino da Produção Produtos (%) Destino da Produção Feijão Milho Mandioca Consumo da Família 95,90 93,88 90,74 Mercado Local 3,38 6,12 9,26 Mercado Regional (Nordeste) 0,00 0,00 0,00 Mercado Nacional (resto do país) 0,00 0,00 0,00 Mercado Externo 0,00 0,00 0,00 Fonte: BNB - Pesquisa Direta. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em termos da disponibilidade física de alimentos, existe suficiência alimentar para toda a humanidade. O que significa dizer que a fome no mundo hoje é muito mais uma “questão política e ética”, que poderia ser sanada pela decisão dos governos de garantir o direito de acesso aos alimentos a todos os cidadãos, através da implementação de políticas re-distributivas que reduzissem as desigualdades entre os diversos segmentos e estratos sociais. O acesso aos alimentos é um direito humano fundamental, ao qual as políticas econômicas e comerciais, nacionais e internacionais, deveriam subordinar-se e não sobrepor-se (Pessanha, 1998, citando Drèze e Sen, 1989). Infelizmente, o Brasil acumula essa dívida com grande parte da população, a qual está impossibilitada de exercer o direito fundamental de alimentar-se diariamente, em quantidade e qualidade adequadas, por pura incapacidade de acesso aos alimentos, principalmente em virtude de insuficiência de renda. A pesquisa realizada nos seis municípios delineou uma situação de insegurança alimentar elevada e complexa. O nível de pobreza das famílias elegíveis para o PFZ decorre de vários fatores, em destaque: baixos níveis de escolaridade; precariedade na inserção ocupacional e no sistema de produção familiar; renda insuficiente; ausência de atendimento das necessidades coletivas; e baixo grau de organização social. 22 Segundo os entrevistados, a escolaridade das crianças tem sido assegurada; vale lembrar que um dos compromissos das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família é a manutenção dos filhos em idade escolar na escola. Porém, o nível educacional dos beneficiários permanece baixo. Quanto à inserção no mercado de trabalho, vemos que a pluriatividade é comum nos grupos estudados, para ambos os sexos, sendo, contudo, esporádica ou irregular. A produção agrícola é, do mesmo modo, irregular e suas dificuldades impactam de forma grave o bem estar familiar, especialmente, a alimentação. Esses fatores implicam insuficiência de renda e alto grau de dependência dos donativos e das transferências governamentais. A baixa qualidade e quantidade nutricional atestada pelo público estudado é forte indicativo da intensidade da fome e da pobreza. A falta de renda é o fator central nas falas que justificam a má alimentação. A Pesquisa de Orçamentos Familiares – do IBGE, em suas várias edições, indica que o estado nutricional e a renda são variáveis correlatas. A pesquisa do IBGE, assim como o presente estudo, confirma também o inadequação alimentar, já que o consumo de hortaliças e frutas é pequeno nas famílias de baixa renda, especialmente naquelas da zona rural nordestina. Nesse estrato, o desequilíbrio de peso, para mais ou para menos está relacionado à má alimentação, uma vez que os açúcares e os farináceos consumidos em excesso provocam aumento de peso, mas não alimentam. Vale destacar ainda que a desnutrição pode ser causada também pela higiene alimentar precária e infecções recorrentes que debilitam o organismo impedindo uma boa absorção dos nutrientes ingeridos. Tem-se, portanto, desenhado no público pesquisado, uma complexa sucessão de carências, não apenas do ponto de vista da segurança nutricional, mas de fatores variados como saúde e condições de moradia. Verificou-se também que a quase totalidade do público não utiliza crédito algum para o andamento de suas atividades produtivas, nem mesmo o crédito informal é mencionado. A desconfiança e a ameaça representada pelo comprometimento com dívidas é fator a ser discutido e contornado por meio de ações públicas. Os baixos níveis de organização social necessitam ser igualmente questionados. Porém os incentivos para a conformação de um forte tecido social – um dos pilares do Programa – não podem ser exclusivamente exógenos. Quanto ao cadastro de famílias não pertencentes ao público-alvo, tal como detectado pelo Tribunal de Contas da União (Brasil, 2003), o TCU recomenda capacitação dos agentes envolvidos no 23 processo de cadastramento e estabelecimento de críticas no sistema de registro a fim de melhor focalizar os beneficiários. Todos esses condicionantes mantêm aceso o debate sobre os ajuste necessários ao Programa, bem como sobre os rumos do crescimento econômico e a urgência de políticas públicas eficazes na correção da distribuição de renda em nosso país. Neste contexto, é fundamental que seja elaborada uma política nacional de segurança alimentar e nutricional, cuja implementação deve envolver ações de diferentes setores de governo e sociedade, o que requer a construção de pactos nacionais mais amplos, abrangendo as esferas da produção, comercialização, controle de qualidade, acesso e utilização do alimento no nível familiar e biológico. A intersetorialidade é fundamental para a construção desses pactos nacionais, “necessários para o enfrentamento de problemas complexos que exigem ação integrada”. Contudo, para que ela ocorra, é necessário que haja um processo de construção de acordos políticos em torno de um projeto integrador, capitaneado por um Estado forte. Essa proposta se apresenta como um grande desafio na atual conjuntura, na medida em que há grande fragmentação institucional no Brasil, agravada pela preponderância, em termos de poder, da área econômica sobre a área social. Não é possível alterar a atual estrutura socioeconômica brasileira (que produz um abismo entre ricos e pobres) sem que haja uma ação coordenada do Estado, direcionada para unir desenvolvimentos econômico e social. Ou seja, políticas de combate à fome devem ser articuladas com a oferta de outras políticas sociais e de desenvolvimento, tais como saúde, educação, infra-estrutura, emprego e crédito, dentre outras. Atendidas essas premissas, e considerando as informações obtidas entre beneficiários do Programa Fome Zero, pode-se afirmar que o combate à elevada extensão da pobreza poderá realizar-se no curto prazo, com a complementação de renda e, no longo prazo, com a consolidação de um conjunto articulado de políticas sociais, desde que seja desenvolvida uma metodologia que permita a articulação e a orientação dessas ações. 24 BIBLIOGRAFIA ALBUQUERQUE, R. C. Nordeste. Sugestões para Uma Estratégia de Desenvolvimento. Banco do Nordeste do Brasil. Fortaleza, 2002. BARATA, R. C. B. et al. “Gastroenteritis and acute respiratory infections among children up to 5 years old in area of Southeastern Brazil, 1986-1987: I - Acute respiratory infections”. Rev. Saúde Pública. [on-line]. Dec. 1996, vol.30, no.6 [cited 06 September 2004], p.553-563. BELIK, W. Segurança alimentar: a contribuição das universidades. Instituto Ethos. São Paulo:2003. BNB. Retrato do município de Guaribas, Piauí. Fortaleza: BNB-ETENE, 2003. BRASIL, Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à Fome. Fome zero. Brasília, 2003. _______, Tribunal de Contas da União. Avaliação do TCU sobre o Cadastro único dos Programas Sociais do Governo Federal. Brasília, 2003. CNSA (Conferência Nacional de Segurança Alimentar). Construção de uma política de segurança alimentar e nutricional. II CNSA. Olinda, mar. 2004. DELGADO, G. C. e CARDOSO Jr., J. C. A previdência social rural e a economia familiar no Brasil:mudanças recentes nos anos 90. Brasília, 1999. (Mimeografia). FIAN INTERNACIONAL. Combate à fome e o direito humano à alimentação no Brasil: o primeiro ano do Programa Fome Zero do Governo Lula. Heidelberg, Alemanha, 2004. GARCIA JR., A. R. O sul: caminho do roçado. Estratégias de reprodução camponesa e transformação social. São Paulo: Marco Zero; Brasília: Editora Universidade de Brasília; MCTCNPq, 1989. IBGE. Fundação. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003: aquisição alimentar domiciliar per capita. Rio de Janeiro, 2004. INSTITUTO DE CIDADANIA. Política de segurança alimentar para o Brasil. São Paulo, 2001. MALUF, R. S. Ações públicas locais de apoio à produção de alimentos e a segurança alimentar. São Paulo: Polis Papers 4, 1999. NUNES, Eduardo. Em pratos limpos. Revista Carta Capital, São Paulo, janeiro de 2005, (entrevista concedida). PESSANHA, L. D. R. Segurança alimentar como um princípio orientador de políticas públicas: implicações e conexões para o caso brasileiro. Rio de Janeiro: Seropédica, 1998. 25 TARTAGLIA, J.C. Industrialização, alimentação e segurança alimentar no Brasil. In: DUTRADE- OLIVEIRA, J.E.; MARCHINI, J.S. Ciências nutricionais. São Paulo: Sarvier, 1998. copyrigtht autor do texto

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