terça-feira, 19 de junho de 2012

a a libertação dos escravos

TOPOI, v. 5, n. 8, jan.-jun. 2004, pp. 170-198. O pós-abolição como problema histórico: balanços e perspectivas Ana Maria Rios Hebe Maria Mattos Introdução As visões da última geração de escravos brasileiros sobre seus planos e destinos, após o 13 de maio, finalmente começam a emergir como um dos problemas históricos cruciais na historiografia brasileira sobre o período. Até a década de 1990, aproximadamente, apenas a marginalização dos libertos no mercado de trabalho pós-emancipação era enfatizada nas análises historiográficas. Os últimos cativos e seu destino após a abolição atraíam compaixão e simpatia, mas não pareciam apresentar maior potencial explicativo para a história do período. Com a abolição do cativeiro, os escravos pareciam ter saído das senzalas e da história, substituídos pela chegada em massa de imigrantes europeus. Apesar disto, inúmeros trabalhos se dedicaram a estudar os projetos das elites a respeito dos libertos e da utilização dos chamados “nacionais livres” como mão-de-obra. Detalhes sobre diagnósticos e projetos de construção nacional, produzidos por elites invariavelmente conservadoras, pautaram por muito tempo a discussão historiográfica sobre o período pósemancipação. 1 Melhor dizendo, o pós-abolição como questão específica se diluía na discussão sobre o que fazer com o “povo brasileiro” e a famosa “questão social”. Não é nossa intenção desqualificar a importância da análise dos projetos dominantes, que são vários e multifacetados e nos ajudam na compreensão dos projetos de Brasil em debate no cenário político a partir da perspectiva do fim da escravidão. Nossa intenção é tentar demonstrar até que ponto estes projetos estiveram informados por um conhecimento pragmático das elites agrárias sobre as expectativas dos últimos libertos e de que A PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 171 maneira interagiram com as atitudes e opções adotadas por eles após o fim da escravidão. Alguns aspectos comparativos do pós-abolição Desde os anos 1970, quando preocupações macro-econômicas constituíam o principal aspecto analisado em termos comparativos nas sociedades pós-emancipação, muito se avançou nas discussões historiográficas sobre o tema. O acentuado declínio da produção açucareira da Jamaica após a abolição da escravidão, em contraste com continuidade sem quebras expressivas desta indústria em Trinidad, chamavam a atenção para as diferentes atitudes dos libertos quando da emancipação do trabalho no Caribe Britânico. As diferenças foram explicadas enfatizando a existência de uma fronteira agrária aberta na Jamaica, com espaços montanhosos e inúteis para os canaviais, contraposta a uma fronteira agrícola fechada, como em Barbados, por exemplo. A existência ou não de uma fronteira agrícola aberta seria o elemento determinante para o entendimento da diferença do comportamento dos libertos nas duas ilhas, o que seria muitas vezes generalizado para outras regiões. Assim, nas condições de fronteira aberta, os libertos tenderiam a buscar a autonomia, a se retirarem do trabalho nas plantations e a criarem um estilo de vida camponês, vivendo próximo aos limites mínimos de subsistência, com efeitos desastrosos para a economia destas regiões. Ao contrario, onde a fronteira se encontrasse fechada, os libertos teriam que se submeter às condições de trabalho propostas pelos empregadores, e os efeitos das mudanças na situação jurídica dos trabalhadores seriam minimizados.2 Da mesma forma, alguns trabalhos brasileiros das décadas de 1970 e 1980 enfatizaram um relativo paralelismo com esta situação. As dificuldades de reter na grande lavoura a chamada “mão-de-obra livre nacional” nas áreas escravistas do Centro-Sul, enfatizada pela dependência dessas áreas dos fluxos internacionais de trabalho imigrante e pela desarticulação da lavoura escravista de alimentos da região, substituída pela formação de um campesinato negro, foi considerada, por alguns autores, função da fronteira agrícola ainda aberta nestas áreas, em oposição ao fechamento dela nas antigas áreas açucareiras do nordeste.3 172 • ANA MARIA RIOS • HEBE MARIA MATTOS Mas a vida não é assim tão simples. A “fronteira agrária” não é puramente um dado geográfico, e a experiência da mesma Jamaica, estudada mais de perto, mostrou que a utilização desta fronteira, para a formação das vilas camponesas, foi palco de encarniçada luta política, na qual o estado jogou toda sua força. Pesados impostos e taxas sobre os produtos camponeses e sobre a terra, leis coercitivas ao trabalho nas plantations, redefinições sobre direitos consuetudinários, estabelecidos no período escravista, e até mesmo novos códigos de conduta e moralidade a serem aplicados aos libertos relativizaram bastante a proeminência da fronteira agrária aberta na Jamaica como fator determinante nos destinos daquela sociedade após a escravidão, enfatizando a dimensão de luta política dos libertos, desenvolvida em várias frentes, desde demandas no terreno jurídico até revoltas abertas e violentas.4 Também neste aspecto, a historiografia brasileira seguiu percurso semelhante, passando a enfatizar os embates entre as expectativas dos libertos, que se definiam na forma de um “projeto camponês”, e as condições políticas de acesso à terra e de garantia da sobrevivência em diferentes situações regionais. Especialmente, ficou empiricamente demonstrada que paralelamente à formação de um campesinato negro, manteve-se a centralidade do liberto, enquanto força de trabalho, nas fazendas das antigas áreas escravistas do sudeste, nas décadas que se seguiram imediatamente à escravidão.5 O campo aberto para os estudos do pós-abolição passou assim a incluir variáveis e preocupações múltiplas. O papel do estado, dos ex-senhores, as condições em que eram exercidas as atividades que empregavam os escravos às vésperas do fim da escravidão, a existência ou não de possibilidades alternativas de recrutamento de mão-de-obra (imigração) etc. Incluiu também a recontextualização de conceitos como cidadania e liberdade e seus possíveis significados para os diversos atores sociais. Robert Blackburn, historiador inglês, definiu o grande ciclo das revoluções atlânticas nas Américas, como uma “era das abolições”, identificando na superação da escravidão africana e no acesso à cidadania entendida nos termos do novo ideário liberal, a principal transformação revolucionária do continente.6 De fato, até meados do século XVIII, a legitimidade da escravidão, mesmo que em contextos específicos, era compartilhada pelo pensamento cristão ocidental – católico ou protestante – e pelas muitas A PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 173 sociedades africanas envolvidas no tráfico. Foi a partir de meados do século XVIII que emergiram discursos abolicionistas no contexto da Ilustração européia, questionando progressivamente a legitimidade da escravidão. Desde então, por diferentes caminhos, desde a emancipação escrava no Haiti, em 1794, até a abolição definitiva da escravidão no Brasil, em 1888, a instituição escravista foi legalmente extinta em praticamente toda a Afro- América. Num contexto de emancipações políticas sucessivas em nome da liberdade dos novos cidadãos, a questão dos direitos de cidadania dos libertos, o pensamento racial emergente nas novas nações em construção, bem como suas relações com os cânones do ideário liberal e com as variadas conjunturas históricas em que as diferentes sociedades escravistas viveram o processo da emancipação escrava ao longo de todo o século XIX, são variáveis que passaram a ser cada vez mais consideradas. Da mesma forma, características específicas da escravidão e da população escrava passaram a ser analisadas para apreender aquilo que se tornou um diferencial marcante nos modernos estudos do pós-abolição: os projetos dos libertos, sua “visão” do que seria a liberdade, os significados deste conceito para a população que iria, finalmente, vivenciá-la, e não apenas para os que o definiram nos diferentes momentos do processo de emancipação. Em termos concretos, a liberdade alcançada com o fim legal da escravidão teve significados diferentes para ex-escravos urbanos e rurais, com habilitações profissionais ou “de roça”, homens ou mulheres. Foi diferente para ex-escravos que, como na Jamaica, eram majoritariamente africanos ou filhos destes, em relação àqueles que, como nos EUA, eram a várias gerações nascidos em terras americanas, ou ainda em situações como Cuba e Brasil, nas quais as várias situações se misturavam. Foi diferente para populações que se acostumaram a misturar-se e a relacionar-se, por laços de vizinhança, compadrio, amizade ou casamento, a uma população livre pré-existente. Foi diferente para os que se viram livres em sociedades com forte construção legal relacionando igualdade e acesso à cidadania política, com presunção de plenos direitos a todos os cidadãos (desde que livres e homens) ou em sociedades onde esta presunção não existia na prática, nas quais relações pessoais se faziam definidoras de direitos num quadro de manutenção de relações hierárquicas e clientelísticas, como a brasileira. 174 • ANA MARIA RIOS • HEBE MARIA MATTOS Necessariamente as expectativas concretas e projetos possíveis de inserção no mundo livre haveriam de sofrer diferenças conforme estas variáveis. Apesar destas diferenças, muitos dos comportamentos e projetos das últimas gerações de escravos se mostraram semelhantes nas Américas. Dentre eles, destacam-se a busca generalizada por mais autonomia e controle sobre tempo e ritmos de trabalho, a busca da proteção da família com a luta (nem sempre vitoriosa) pela retirada das mulheres e crianças do trabalho coletivo nas gangs ou “turmas”, a recusa ao trabalho e as revoltas contra o tratamento que lhes lembrasse a escravidão, dentre eles restrições à mobilidade espacial e os castigos físicos.7 No Brasil, o fim da escravidão e as reconfigurações sociais no pósabolição tiveram também contornos regionais específicos. A instituição praticamente se “dissolveu” no nordeste, terminando ali mais cedo do que no centro-sul. Um deslocamento maciço de escravos das regiões nordestinas, com destino principalmente ao sudeste, com base no tráfico interno, foi responsável por mudanças profundas nas duas regiões. No sudeste, às vésperas da abolição, o vale do rio Paraíba, de ocupação mais antiga (início do século XIX), apresentava escravarias assentadas, com algumas gerações de escravos já nascidas na região. Já nas áreas de ponta da cafeicultura paulista – que demandavam um crescente número de trabalhadores – disciplinar os recém chegados que vinham continuamente às fazendas que se abriam, mostrou-se mais problemático. Ainda hoje, o processo de abolição da escravidão no Brasil foi bem mais estudado do ponto de vista econômico e político do que de uma perspectiva social ou cultural. Enquanto problema econômico, quase naturalmente tendeu-se a privilegiar a questão da substituição do trabalho nas áreas mais prósperas da cafeicultura paulista e a substituição quase absoluta do escravo negro pelo imigrante europeu. Aparentemente substituído pelo imigrante no Oeste Paulista e, em parte, também na cidade de São Paulo, tendeu-se a generalizar a experiência paulista para o conjunto do país. Sintomaticamente, os primeiros estudos de fôlego que trataram do liberto após a emancipação, de uma perspectiva sócio-cultural, diziam respeito a São Paulo, desde o clássico de Florestan Fernandes aos trabalhos mais recentes de Reid Andrews e Maria Helena Machado.8 A PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 175 O caso paulista, entretanto, não pode ser considerado isoladamente para se pensar a inserção social do liberto após a emancipação. O vertiginoso crescimento, tanto da lavoura cafeeira paulista quanto da cidade de São Paulo, após a abolição do cativeiro, demograficamente embasado na imigração subvencionada, subverteu muito rapidamente as relações de dependência entre ex-senhores e libertos, permitindo, conforme desenvolve Andrews, que aqueles pudessem muito mais facilmente ignorar as reivindicações colocadas por estes. Além disto, apesar de contar com a terceira população escrava do país, o impacto demográfico da escravidão, especialmente no Oeste Paulista, não tem paralelo com o das antigas áreas escravistas do nordeste ou com o das regiões vizinhas, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em outras áreas da própria província de São Paulo. Neste artigo procuraremos trabalhar com alguns aspectos centrais já discerníveis das pesquisas sobre o período pós-abolição no Brasil, buscando enfatizar o papel jogado neste processo pelos últimos libertos e por suas expectativas e atitudes em relação à liberdade. Nossa análise se concentrará, especialmente, no velho Vale do Paraíba, onde a escravidão enquanto instituição manteve até tardiamente sua vitalidade e a imigração estrangeira foi muito limitada. Buscamos, assim, contribuir para uma espécie de “química fina” deste processo, procurando cercar e problematizar aspectos do que entendemos como as principais demandas por inclusão, ou cidadania, perseguidas pela última geração de escravos e por seus filhos e netos. Entendemos que estas demandas se organizaram a partir de noções de direito peculiares a esta população que, obviamente, também mudaram ao longo do tempo. Indícios dos elementos que constituíram estas expectativas de direitos puderam ser percebidos através da documentação do registro civil, de notícias de jornais e da análise de processos criminais. Trabalhos recentes, que resultaram em dissertações e teses ainda não publicados reforçaram a validade de algumas idéias que já vínhamos discutindo e contribuíram decisivamente para os resultados deste ensaio.9 Utilizamos também um outro tipo de fonte. São depoimentos de descendentes da última geração de escravos, ou de seus filhos, já beneficiados pela lei do ventre livre. Em geral os netos desta geração. Sobre a utilização destes depoimentos, e o problema das fontes para uma abordagem histórica do pósabolição de modo geral, gostaríamos ainda de fazer alguns comentários. 176 • ANA MARIA RIOS • HEBE MARIA MATTOS O pós-abolição e o problema das fontes Apesar de uma anteriormente propalada falta de fontes, sabemos hoje que são inúmeras e ainda insuficientemente exploradas as fontes relativas à escravidão no Brasil, tendo em vista o estatuto jurídico específico que recaía sobre os escravos e que os transformava numa categoria classificatória necessária em quase quaisquer tipos de fontes primárias do período. Quando se trata do período pós-emancipação, entretanto, tem-se apenas (e mesmo assim precariamente) as designações de cor como via de acesso aos ex-cativos. Esta é uma dificuldade geral nas pesquisas sobre a experiência histórica pós-emancipação nas Américas. No Brasil, entretanto, é especialmente acentuada, não apenas pela inexistência de práticas legais, baseadas em distinções de cor e raça ou pela presença demograficamente expressiva, e mesmo majoritária, de negros e mestiços livres, antes da abolição, mas pelo desaparecimento, que se faz notar desde meados do século XIX, de se discriminar a cor dos homens livres nos registros históricos disponíveis.10 Processo cíveis e criminais, registros paroquiais de batismo, casamento e óbito, na maioria dos casos, não fazem menção da cor e, mesmo nos registros civis, instituídos em 1888, onde citar a cor era legalmente obrigatório, em muitos casos, ela se faz ausente. Apesar da ênfase da utilização de classificações de cor no censo de 1890, o que denota as preocupações racialistas da quase totalidade do pensamento social brasileiro do período,11 este recenseamento é considerado estatisticamente precário para qualquer análise demográfica minimamente confiável. Depois dele, o recenseamento de 1920 incorporaria o desaparecimento da cor às estratégias estatísticas do governo brasileiro, que só voltariam a se alterar com o censo de 1940.12 Neste contexto, a exploração de depoimentos orais de descendentes da última geração de escravos brasileiros, que começaram a ser produzidos de forma mais ou menos sistemática por diferentes pesquisadores desde o centenário da abolição, em 1988,13 apresentou-se como uma fonte alternativa para a abordagem histórica do período pós-emancipação. Entre estas iniciativas, desde 1994, o projeto Memórias do Cativeiro reuniu no LABHOIUFF diversos pesquisadores, num esforço de documentação e pesquisa, que buscava conseguir produzir fontes de memória capazes de embasar uma A PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 177 abordagem histórica da inserção social do liberto após a abolição da escravidão. Este acervo se constituiu fundamentalmente a partir do arquivamento no acervo do Laboratório das entrevistas produzidas pela pesquisa para a tese de doutorado de Ana Maria Lugão Rios, sobre a história da experiência familiar dos descendentes de libertos nas antigas áreas cafeeiras do Rio de Janeiro e de Minas Gerais; para a tese de Robson Luís Machado Martins, desenvolvida em uma comunidade rural do Estado do Espírito Santo (município de Alegre), formada por descendentes de antigos escravos da região; além da produção de entrevistas diretamente pela equipe do LABHOI, sob a coordenação de Hebe Maria Mattos.14 De forma geral, escravidão e liberdade aparecem com diferentes significados nestes depoimentos. Significados que por vezes estavam referidos à abordagem do entrevistador, à história de vida do entrevistado ou ao contexto específico de cada entrevista. Para responder às perguntas dos entrevistadores, os entrevistados freqüentemente recorreram a contos populares ou ao que uma vez aprenderam nos livros didáticos, na igreja ou nos sindicatos, bem como às informações veiculadas sobre o tema pelo cinema e pela televisão. Neste processo, o seriado americano Raízes (Roots), por exemplo, tornou-se referência recorrente das respostas dos informantes em algumas entrevistas realizadas em 1988. Apesar disto, alguns padrões de referência à escravidão e ao processo de emancipação apresentaram-se incrivelmente similares nos diversos conjuntos de entrevistas analisadas permitindo identificar uma memória coletiva produzida no âmbito da tradição familiar dos descendentes dos últimos libertos, especialmente no antigo sudeste cafeeiro, onde majoritariamente aqueles se concentravam. A análise das fontes orais assim produzidas possibilitou não apenas complementar as lacunas das fontes escritas para o estudo das populações libertas. Elas abriram perspectivas de análise das várias formas possíveis de passagem da escravidão para a liberdade. Mostram como, ainda sob a vigência daquela instituição, alguns marcos desta passagem (como a lei do ventre livre, por exemplo) ficaram marcadas na memória familiar, apropriadas e ressignificadas por seus descendentes ao longo do conturbado século XX. A exploração sistemática de reminiscências do trabalho na infância, a construção de genealogias e a exploração de coincidências narrativas sobre 178 • ANA MARIA RIOS • HEBE MARIA MATTOS o “tempo do cativeiro” foi a base comum do tratamento metodológico do nosso trabalho com as fontes orais para repensar o período pós-abolição. Especialmente o uso de genealogias permitiu acompanhar verdadeiras sagas familiares que remontam ao início do século XIX e desdobram-se até as últimas décadas do século XX.15 Os resultados assim alcançados, associados com o conhecimento acumulado através da análise de fontes demográficas, cartorárias e judiciais, permitiram abordar aspectos do processo de inserção social dos últimos libertos após o fim do cativeiro que as abordagens exclusivamente baseadas em fontes escritas, até então, não haviam conseguido explorar. Dentre estes aspectos, comecemos pelas opções que se abriram para os recém libertos sobre permanência, mobilidade em uma mesma região e migração, uma das primeiras decisões a serem tomadas. Mobilidade e migração no pós-abolição As discussões sobre mobilidade espacial têm ocupado posições de destaque nas abordagens historiográficas sobre o devir do mundo rural do sudeste escravista e pós-emancipação.16 Ainda antes da abolição uma das preocupações centrais dos senhores era a possibilidade dos escravos deixarem as fazendas nos quais foram cativos. Dentre as estratégias senhoriais para evitar este abandono estava a de procurar ligá-los a si e às fazendas por laços de gratidão, antecipando-se à abolição e concedendo alforrias em massa. A possibilidade de despertar-lhes a gratidão ligava-se ao entendimento senhorial de que os escravos deveriam receber a liberdade de suas mãos, e não do Estado, e percebê-la como uma dádiva senhorial.17 Esta estratégia, de eficácia bastante duvidosa, não era a única fonte de esperança de reter os libertos após o inevitável fim da escravidão. Muitos senhores percebiam que a mobilidade de parte significativa de seus escravos apresentava-se seriamente comprometida pelas próprias características das comunidades de escravos que habitavam suas senzalas. No Vale do Paraíba, boa parte dos escravos estava ligada entre si por extensas redes de parentesco, de por vezes até três gerações em uma mesma fazenda. Os provenientes do tráfico interno, parte dos quais foram adquiridos juntamente com suas famílias, encontraram nas novas fazendas oportunidades maioA PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 179 res de constituir família e relações entre os escravos já residentes, do que encontrariam seus conterrâneos vendidos para as novas fazendas que se abriam nas áreas de expansão do café, como o chamado “oeste novo”, na província de São Paulo. Nas fazendas mais antigas, em geral, a relação homem/ mulher era bem mais equilibrada que nas fazendas novas, as comunidades apresentavam-se mais estáveis, as rivalidades étnicas mostravamse em boa parte superadas, tornando-as um ambiente bem mais acolhedor do que o mundo essencialmente masculino e desenraizado das fazendas novas.18 Este momento na história das escravarias da região, de consolidação de parentelas e de superação de rivalidades ancestrais não passou despercebido pelos senhores mais argutos, que consideravam, nas palavras do barão Luiz Peixoto de Lacerda Wernek, “impolítico” separarem-se escravos de há muito acostumados a viverem juntos.19 Senão pela gratidão, pelos laços que os escravos haviam construído entre si, que os amarravam a parentes idosos e crianças, o abandono das fazendas ou da região em que cresceram mostrou- se uma razão poderosa para fixar os libertos. Após um primeiro momento de intensa movimentação, inclusive com as passagens de trem subsidiadas pelo governo imperial, boa parte dos libertos considerou vantajosa a permanência na região em que já eram conhecidos e nas quais já contavam com uma rede de parentes e amigos. Assim foi possível, nos anos de 1994 e 1995, encontrar pessoas como Seu Valdemiro, Seu Izaquiel, Seu Pedro Marin, Dona Zeferina, Dona Bernarda e muitos outros que viviam na mesma região, na mesma fazenda ou até na mesma casa em que seus avós, da primeira geração de libertos, viveram. Foi possível também encontrar remanescentes de antigas escravarias que permaneceram conformando comunidades de libertos de uma mesma fazenda, como as do Paiol, em Bias Fortes (MG) e a de São José, em Valença (RJ).20 Deixar ou não as fazendas onde conheceram o cativeiro foi uma decisão estratégica a ser tomada pelos últimos cativos após a abolição. O exercício da recém adquirida liberdade de movimentação teria que levar em conta as possibilidades de conseguir condições de sobrevivência que permitissem realizar outros aspectos tão ou mais importantes da visão de liberdade dos últimos cativos, como as possibilidades de vida em família, mo180 • ANA MARIA RIOS • HEBE MARIA MATTOS radia e produção doméstica, de maior controle sobre o tempo e ritmos de trabalho e, de modo geral, sobre as condições dos contratos a serem obtidos (de parceria, empreitada ou trabalho a jornada) tendo em vista as dificuldades então colocadas para o acesso direto ao uso da terra. Estas condições, no imediato pós-abolição, apareceram como favoráveis aos libertos, em um momento de demanda por mão-de-obra e de fixação incipiente de normas de contrato de trabalho no campo. A ilusão historiográfica da marginalização e “anomia” dos libertos se fez, em grande parte, porque a maioria deles conseguiu, em poucos anos, recursos sociais suficientes para não mais ser atingida pelo estigma da escravidão, seja negociando condições de trabalho que privilegiavam a utilização do trabalho familiar nas antigas fazendas ou nas novas áreas de expansão – contra as pretensões de manter uma organização coletivizada do trabalho no eito dos últimos senhores –, ou ainda procurando situar-se como produtores independentes em áreas de subsistência.21 As condições favoráveis a esta capacidade de negociação dos libertos tinham, entretanto, como principal limite, exatamente a continuidade das identidades sociais, construídas ainda durante o cativeiro; as distinções entre ex-senhores, libertos e homens nascidos livres, que os próprios libertos buscavam arduamente tornarem obsoletas. Nem só sua pressão agiu neste sentido. A República, ao queimar as matrículas de escravos e ao promulgar uma Constituição de cunho liberal, de certo modo contribuiu para que este processo de assimilação entre libertos e nascidos livres se efetivasse, mesmo que, num primeiro momento, ao reforçar o controle privado dos ex-senhores, em relação às instâncias públicas de repressão, tenha incentivado, em sentido oposto, a estratégia senhorial de se apoiar nos dependentes nascidos livres para forçar os libertos a continuarem onde sempre haviam estado.22 Sob a égide republicana, ainda, rapidamente se concluiu o processo de positivação das normas jurídicas relativas à propriedade da terra, revogando os últimos vestígios de uma legislação que confundia freqüentemente o legal com o costumeiro e que podia ser acionada a favor dos mais fracos, pelo menos se este tivesse um bom protetor. A lei Torrens, que atribuía aos Estados a tarefa de demarcar as terras devolutas, revelou-se mais eficaz que a Lei de Terras, que a precedeu, para declarar, como tais, terras ocupadas A PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 181 por situantes sem título de propriedade, retirando os últimos resquícios de legitimidade deste tipo de ocupação. Os negócios e os espólios com situações (lavouras e benfeitorias) nos cartórios fluminenses, que decresciam desde a aprovação da Lei de Terras, simplesmente desaparecem, a partir da década de 1890. Mesmo que ainda se “vendessem” informalmente lavouras, até mesmo em terras de meação, esta prática já não produzia nenhum título legal, a semelhança do que as pesquisas com inventários post-mortem identificaram para o século XIX. Também o estabelecimento de impostos territoriais, em finais do século XIX, tanto no Rio de Janeiro quanto em Minas Gerais, mesmo permanecendo aparentemente letra morta, do ponto de vista das rendas estaduais e do cerceamento do latifúndio, comprometeram a transmissão de herança das pequenas propriedades.23 Com o correr dos anos, portanto, a mobilidade passou de opção ou exercício de liberdade para uma espécie de maldição para os últimos libertos. Famílias como as da liberta Tibúrcia, sua filha Clotilde e sua neta Dona Nininha, entre outras, tiveram nos constantes deslocamentos uma história de privações extremas e de desestruturação da vida familiar.24 M. Craton aponta como uma das características do pós-abolição no Caribe a tendência das fazendas de açúcar de manter um corpo permanente restrito e de recorrer a trabalhadores sazonais. Este corpo permanente, ainda segundo Craton, seria composto pelos trabalhadores mais antigos e confiáveis e suas famílias.25 O mesmo parece ter acontecido em pelo menos parte do Vale do Paraíba, com um agravante. Com a cafeicultura em crise, muitos fazendeiros optaram pela criação extensiva de gado, atividade que exigiria ainda menos trabalhadores do que a manutenção das fazendas de café. O tempo viria cristalizar na região, para os libertos e seus filhos, duas possibilidades básicas, ou dois extremos polares em um continuum possível de situações. Por um lado, a estabilidade via contratos, no mais das vezes informais, que seriam socialmente sedimentados com o passar do tempo e que aparecem, no discurso de filhos e netos destas famílias de camponeses negros, como de grande flexibilidade e tolerância. Por outro, uma extrema mobilidade tanto para alguma famílias como para uma maioria de homens que, solteiros ou casados, iriam habitar os barracões das fazendas que abrigavam os trabalhadores sazonais. Para as famílias, uma trajetória vivida em casas precárias, emprestadas ou construídas por elas, na qual habitariam 182 • ANA MARIA RIOS • HEBE MARIA MATTOS por um período limitado de tempo. Algumas vezes este período foi tão limitado, que não puderam nem mesmo colher os frutos do que haviam plantado em suas roças. Já para os homens que migravam em busca de trabalho, a habitação coletiva dos barracões e a comida fornecida pelas cozinhas das fazendas tinham ainda a agravante de contratos de trabalho “a molhado”, que reduziam substancialmente o salário se comparado com o salário “a seco”, no qual o trabalhador recebia a comida de sua família.26 Dentre a gama de entrevistas de filhos e netos de libertos, a alternativa de migração para as cidades, em especial para Juiz de Fora e para o Rio de Janeiro, mas também para as pequenas cidades da região, aparece como forte alternativa para a geração dos depoentes ainda em sua juventude. Nestes casos, pudemos detectar determinados padrões que aparecem recorrentemente a partir da década de 1930. Aurora, uma das netas mais velhas da liberta Francisca Xavier seguiu ainda adolescente, nos anos 1940, uma prima que já trabalhava no serviço doméstico no Rio de Janeiro. Antes disto, Ormindo, irmão mais velho de Izaquiel, tinha seguido para o cinturão rural de Nova Iguaçu, a convite de um primo, para plantações de laranja na encosta dos morros e com acesso mais fácil aos mercados da cidade. Nos anos 1930, também por motivos bastante fortes, seu Cornélio foge para ser aprendiz de padeiro, a primeira dentre uma série de ocupações urbanas, em Juiz de Fora.27 O fato de a maior parte dos casos nos quais se detectou a migração para as cidades ter seguido a lógica do convite anterior por um parente, ou, especialmente nos casos das mulheres que saíram para se empregar no serviço doméstico, de famílias conhecidas na região de origem, não é uma novidade em estudos sobre migração. O dado específico que coloca o estudo desta migração, em particular, como um dos elementos da história do pósabolição é que ela se origina de um contexto criado tanto no processo de fixação das novas formas de trabalho no campo, quanto da ausência de políticas especificamente destinadas a garantir algum tipo de acesso à terra e ao crédito aos libertos e seus descendentes. Voltando aos anos imediatamente após a abolição podemos detectar alguns outros elementos da experiência dos libertos que permaneceram no meio rural, dentre os quais alguns aspectos culturais, como a busca de regularizar formalmente suas relações familiares, de enfatizar o poder paterno e A PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 183 de construir uma imagem positiva enquanto trabalhador, traduzida na idéia de “boa reputação”, estão entre os mais importantes. Casamento e família Em 1889, quando da instalação do registro civil de óbitos, nascimentos e casamentos em Paraíba do Sul (RJ), o cartório da antiga freguesia de Cebolas (atualmente Cartório de Inconfidência, terceiro distrito da cidade) admitiu procedimentos um tanto singulares nos registros, especialmente os de óbitos e de nascimentos. Ali, naquele ano, compareceu um pai para declarar o óbito de sua filha, que foi registrado assim: Aos doze dias do mez de março do anno de mil oitocentos e oitenta e nove, nesta parochia de Sant’Anna de Cebolas...compareceu em meu cartório José dos Santos Passos, natural da Bahia, residente nesta parochia, solteiro, jornaleiro, e perante as testemunhas abaixo nomeadas e assignadas declarou que no dia dez do corrente, no lugar denominado – Cordeiro – desta parochia, as seis horas da tarde falleceu de dentição e coqueluche, uma criança do sexo feminino, de cor preta, de nome Cândida, de um anno e tres mezes de idade, natural também desta parochia, filha natural de sua caseira de nome Theodora Maria de Jesus, natural de Pernambuco... disendo mais ele declarante que esta criança era também sua filha e como tal a reconhecia, e que tenciona casar-se com a dita sua caseira com a qual já tem mais dois filhos que são – Paulo, de sete annos, e Mercedes, de três annos (...).28 A informação requerida pelo registro, sobre o local, identidade, filiação e causa da morte de Cândida, foi cumprida. Mas José foi além. Não apenas reconheceu ali sua paternidade, como sua relação com a mãe da criança, os outros filhos que tinha com ela até o momento, suas idades e seu desejo de casar-se. Estas informações não eram requeridas pelo cartório, mas José e o escrivão acharam importante que constassem no documento. Da mesma forma, no registro do nascimento de crianças negras e pardas, filhas de pais não casados, a intenção de casamento e o uso do cartório para registrar os outros filhos do casal foi uma constante. Em 1889, temos 230 crianças negras ou pardas registradas. Dentre elas, 41% são legítimas, 21% não tiveram o nome do pai registrado e 9% foram registradas por seus pais que reconheciam a relação que tinham com as mães dos pequenos, mas alguns escolheram expressar a ligação com as mães de for184 • ANA MARIA RIOS • HEBE MARIA MATTOS ma diferente da de José quando se referiu a Theodora. Estes pais usaram, para designar as mães dos filhos que registravam como “uma mulher que vive em sua companhia” ou “uma mulher que está em sua companhia”. Ambas as expressões, qualitativamente diferente de sua “caseira”, que o Dicionário de Vocábulos Brasileiros da época registrava como a mulher “que vive na casa de seu amante à laia de mulher legítima”. Além dos casos acima citados, o que mais chama a atenção para a nossa discussão, são as restantes 67 crianças (21%) cujos pais também trouxeram para o escrivão informações não requeridas ou necessárias para o registro (vide Tabela 1). Estes pais não apenas reconheciam a paternidade como, a exemplo de José, expressavam a intenção de casar-se com a mãe das crianças, suas “caseiras”, e ainda, conforme o caso, declaravam os outros filhos daquela união. Um exemplo é o de Manoel Ferreira Jr., natural do Ceará, jornaleiro, solteiro, que compareceu ao cartório em 23 de fevereiro de 1889 para registrar o nascimento de sua filha Idalina Perpétua, tida com sua caseira Rachel Perpétua, reconhecer a paternidade da menina, declarar que tinha mais dois filhos daquela união, dar seus nomes e idades e expressar sua intenção de casar-se com Rachel.29 Tabela 1: Situação conjugal dos pais de crianças pretas e pardas segundo o registro civil, em anos escolhidos, Cebolas, Paraíba do Sul (RJ) Fonte: Registro civil de nascimentos. Cartório de Inconfidência, segundo distrito de Paraíba do Sul (RJ). Livros número 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11. Anos 1889 1899 1904 1909 1914 1919 total Casados 94 20 16 10 23 33 196 Pretendem casar 67 0 0 0 0 0 67 Reconhecem a paternidade 21 0 1 0 0 1 23 Ausente 48 4 3 4 3 5 67 Total 230 24 20 14 26 39 353 A PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 185 O novo serviço criado em Cebolas naquele ano estratégico, o seguinte ao da abolição, cumpria o papel que lhe fora confiado. Criado ainda durante o Império, mas cujo alcance só se ampliaria no advento da República, pretendia que o registro dos atos vitais concernentes à vida da população fosse de responsabilidade do Estado. O ano de 1889 foi o mais procurado pelos pais de crianças negras para registrar nascimentos. Estas crianças responderam por 71% dos registros. Em 1890, segundo o recenseamento, a população classificada como “preta” ou “parda” somava 57% da população do município. Este dado, porém, não responde pela procura excepcional de pais de crianças negras pelo registro civil. A queda da procura foi acentuada nos anos seguintes. Ao longo do tempo, em uma mostra de cada cinco anos, tanto o número de crianças registradas, quanto a proporção de crianças negras, caiu drasticamente. Se em 1889 elas respondiam por 71% dos registros, em 1889 foram apenas 8%, 13% em 1904, sobem para 33% em 1909 e 1914 e 43% em 1919 (em 1894 a cor de nenhuma das 74 crianças foi registrada, e por isto o ano foi excluído da mostra, vide Tabela 2: Tabela 2: Porcentagem de registros de crianças pretas e pardas sobre o total de registros em anos escolhidos, Cebolas, Paraíba do Sul (RJ) Obs: no ano de 1894 foram registradas 74 crianças. Em nenhum dos registros apareceu qualquer menção a cor das crianças. Por isto o ano foi excluído da mostra. Fonte: Registro civil de nascimentos. Cartório de Inconfidência, segundo distrito de Paraíba do Sul (RJ). Livros número 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11. Anos 1889 1899 1904 1909 1914 1919 total % de crianças pretas e pardas 230 24 20 14 26 39 353 Total de registros 323 310 156 45 78 90 1020 % de crianças pretas e pardas 71 8 13 33 33 43 34 186 • ANA MARIA RIOS • HEBE MARIA MATTOS De um total de 679 nascimentos registrados, excluídos os de 1889, apenas 102 foram de crianças registradas como “pretas” ou “pardas”. O registro tornou-se “branco” ou muitas vezes “sem cor” e muito menos procurado do que o fora em 1889. Outro dado importante é que também passou a atrair apenas uma parcela daqueles pais de crianças negras com situação civil já regular. A figura das caseiras, as promessas de casamento e as declarações incluindo os demais filhos desapareceram. Uma regulamentação mais clara do que deveria ser registrado pode responder por esta ausência. Mas os pais solteiros reconhecendo as crianças também evitaram o registro. Nos anos cobertos pela mostra, apenas dois reconheceram a paternidade e dezenove crianças negras foram registradas sem que o nome do pai constasse no documento. A parcela mais significativa da população de pais de crianças negras que seguem procurando o registro civil é a de casados. Estes dados tornam o ano de 1889 um ano muito especial para a análise das atitudes dos libertos que puderam ser percebidas no registro civil daquele cartório. A incerteza quanto às normas que regiam a produção do documento criou um escrivão receptivo às informações dos declarantes dos óbitos e nascimentos. Mas o que fez os pais de crianças negras procurarem os cartórios naquele ano muito mais nos que nos seguintes foi uma motivação específica da conjuntura do pós-abolição. Foi a preocupação, claramente expressa, especialmente dos recém libertos, de regularizar e documentar suas situações familiares. Sonia Maria de Souza nos mostra que nas vizinhanças do Vale do Paraíba (Juiz de Fora) e em Minas Gerais, esta preocupação foi registrada, por vezes com uma certa dose de ironia. Proclamas de casamentos de libertos foram publicados em muitos periódicos, assim como notícias de casamentos em massa, como esta do Diário de Minas de 25 de setembro de 1888: Desde 19 de maio a 17 do corrente, quatro mezes mais ou menos, casaramse em São João Nepomuceno 250 libertos. Em Santa Bárbara, termo da mesma cidade, dizem que o número de casamentos de libertos subio a 300.30 Os casamentos em massa são fortes indicadores da importância emprestada pelos últimos cativos à legalização formal de seus laços familiares. De fato, segundo os depoimentos de seus descendentes aqui considerados, seus avós ressaltavam como elementos constitutivos do tempo da liberdaA PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 187 de, a valorização de alguns elementos básicos ligados à moderna noção de direitos civis (o direito de “de ir e vir”, o direito a constituir legalmente uma família e o direito à integridade física). A busca coletiva de legalizar as relações familiares constituídas ainda sob o cativeiro é um índice expressivo das expectativas formadas a partir dessa nova condição de liberdade. Esta atitude se ligava a uma preocupação ainda maior. A de construir uma imagem positiva da pessoa e da família como parte de um conjunto de valores socialmente reconhecidos e reforçados, a que chamaremos de “reputação”. Reputação Telemos Inácio, pai de Atílio Inácio e avô de Izaquiel Inácio, é protagonista de uma história muito interessante que seu neto relatou em entrevista em 1994. Atílio teria participado da história e foi quem a repetiu para o filho. Nela, Telemos, um escravo, venceu uma turma de outros escravos colhendo mais café do que todos eles em um dia de jornada de trabalho. A reputação de bom trabalhador teria sido o orgulho de seu senhor e a razão pela qual o fazendeiro se arriscou a apostar uma fazenda com outro senhor como seu precioso escravo Telemos, sozinho, era melhor trabalhador do que os outros em conjunto. Não só a boa reputação de Telemos, mas também a de Atílio, um liberto, é valorizada por seu Izaquiel. Para atestar a veracidade da história contada pelo pai ele diz: Pois é, isso meu pai me falou e acredito que seja uma grande verdade, ele não era de mentir, um nada, não era de mentir, se ele falava alguma coisa aquilo era certo, sempre, graças a Deus, ele era um homem muito sério, para todo o lugar aqui em Paraíba eles falam, “você é filho do Atílio”, então aquele era um homem sério... 31 Ser filho de Atílio, no discurso de Izaquiel, aparece como um referendo de veracidade. Algo reconhecido pelas pessoas da cidade, mesmo aquelas que não o conheciam diretamente. Em sua tese de doutorado, Sonia Maria de Souza cita um processo criminal de homicídio no qual uma das testemunhas da acusação, o liberto Malaquias, denunciou o próprio irmão argumentando que o fez para que o nome de sua família não ficasse manchado. Não queria que toda a família fosse vista como criminosa.32 188 • ANA MARIA RIOS • HEBE MARIA MATTOS Os autos de processos de lesões corporais e de homicídios nos quais os libertos aparecem como réus e/ou testemunhas em Juiz de Fora realçam a importância da reputação para a sentença final. Uma boa reputação, estabelecida dentro da própria comunidade liberta, foi freqüentemente garantia de credibilidade ou de penas mais leves.33 Nas diversas entrevistas com descendentes destes últimos libertos, reunidas no acervo Memórias do Cativeiro, os pais ou avós dos narradores apareciam, na maioria dos casos, como Izaquiel Inácio, como escravos privilegiados, inseridos na comunidade escrava mais enraizada, com relações familiares complexas e relações específicas com os senhores, definindo-se como exceções nos quadros de violência próprios do tempo da escravidão. Os vizinhos, amigos e padrinhos que se reuniam para rezar o terço na casa dos pais de Valdemiro e Aurora, segundo se depreende de seu depoimento, emprestavam prestígio e influência a esta e outras famílias de libertos entrevistadas na região. Tornava-as importantes peças no jogo cotidiano da política e do trabalho. Um pequeno poder? Sim, pequeno, mas possível. Ao alcance dos libertos. Um elemento diferenciador para alguns na massa de ex-escravos que abriam seus caminhos no pós-abolição. Pátrio poder e integridade física As entrevistas consideradas, em muitos casos como os citados acima, nos falam de uma definição de cativeiro como ausência absoluta de direitos e de alternativas personalizadas de rompimento com esta condição, através da aquisição de direitos pessoais ou privilégios. Neste contexto, a libertação teria significado a transformação definitiva daqueles privilégios efetivamente em direitos. Para os homens, sobretudo, o direito de controlar o seu próprio corpo e de comandar o trabalho da família. Paulo Vicente Machado nasceu em 1910, filho caçula de Vicente Machado, ex-cativo, que transformou seu nome em sobrenome de toda a família. Era trabalhador aposentado da Estrada de Ferro Leopoldina e morador em São Gonçalo, no Estado do Rio, à época da entrevista. Vicente Machado surge na entrevista de Paulo Vicente, concedida a seu neto Robson Martins, em 1992 como o Velho Vicente, que contava histórias sobre “o tempo do cativeiro” e como o pai todo poderoso, que comandava a família A PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 189 e eventuais auxiliares nos serviços de roça. Decidia também as mudanças de domicílio e os casamentos dos filhos. Paulo Vicente se casou aos 15 anos, por ordem do pai, com D. Ana Cândida, filha de um sitiante vizinho, em Vala de Souza, lugarejo onde a família tornou-se proprietária de um pequeno sítio familiar, ainda nos anos de 1920. Os filhos abandonariam a propriedade paterna, ao longo dos anos 30 e 40. O entrevistado não sabia precisar o destino do sítio após a morte dos pais.34 Segundo seu filho, Vicente teria nascido cativo em Minas Gerais, onde citava especialmente a mãe e onde Paulo ainda conheceu um tio “valentão”. Foi vendido como escravo que Vicente chegara à Fazenda da Presa, na divisa entre Minas Gerais, o Norte Fluminense e o Espírito Santo, onde então se expandia a lavoura do café. A ser correto o depoimento, depreendese que Vicente não perdera o contato com a família em Minas, apesar da venda, ainda criança e nas últimas décadas do cativeiro, para o Espírito Santo. Segundo Paulo Vicente, também Dona Mucolina Umbelina de Jesus, esposa de Vicente, que “não alcançou o cativeiro”, era natural de Minas Gerais. A parte mais rica do depoimento de Seu Paulo diz respeito a sua convivência direta com o pai, durante a infância, na Fazenda da Presa, e à adolescência, em Vala de Souza. Já se haviam passado mais de vinte anos do 13 de maio, quando nasceu o menino Paulo, sétimo filho vivo do Velho Vicente e de Dona Mucolina, meeiros de café na Fazenda da Presa. Nas lembranças do menino, todos os velhos da fazenda, brancos, pretos ou italianos (alguns dos mais velhos meeiros da fazenda o eram), pertenciam ao “tempo do cativeiro”. Foi depois deste tempo que, segundo a narrativa de seu pai, os proprietários decidiram “dividir tudo” com o pessoal, engendrando a organização da fazenda em que nascera e da qual se lembrava. Filho de um liberto, que trabalhava como meeiro na fazenda em que servira como cativo, a memória do trabalho, na infância de Seu Paulo, é marcada por um contexto sobretudo familiar. É a figura do pai que emerge também como patrão, dos filhos e eventuais jornaleiros. Era ele que “botava a gente” (a família) e “botava os empregados” no serviço. Nas palavras de Seu Paulo, “a lavoura era dele”. Esboça-se, assim, das memórias de Seu Paulo, que o funcionamento da Fazenda da Presa, na segunda década do século passado, se fazia baseado no trabalho familiar de meeiros, recrutados inicialmente entre libertos 190 • ANA MARIA RIOS • HEBE MARIA MATTOS e imigrantes, onde o chefe da família controlava pessoalmente a organização da produção, inclusive a contratação de mão-de-obra remunerada auxiliar, nas épocas de colheita. Tendo em vista a ênfase que a historiografia e a literatura antropológica tem dado ao papel da mulher, seja na família escrava, seja nas famílias “negras” das favelas e bairros populares das zonas urbanas do Brasil, de uma maneira geral o papel desta estrutura patriarcal no campesinato negro do centro-sul, quase diretamente formado pelos últimos cativos libertos pela Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, propõe elementos para uma reavaliação tanto da literatura sobre família e relações de gênero nas comunidades escravas, quanto da experiência das comunidades negras nas cidades do centrosul, no processo de migração rural-urbano que caracterizou a história social da região durante este século. Apesar disto, as famílias chefiadas por mulheres não eram incomuns, mesmo nas zonas rurais. E também para elas, é a defesa dos direitos civis básicos recém adquiridos que vão definir os principais aspectos e disputas imediatamente após a abolição do cativeiro. Dona Nininha, entrevistada em 1994, se disse neta da escrava Tibúrcia, e filha caçula de D. Clotilde. Vivia em Paraíba do Sul quando gravou histórias sobre sua avó e sua mãe. Dentre as recordações da mãe, que faleceu em 1993, aos 94 anos, está uma frase que ela, ao que parece, gostava de repetir para justificar diversas atitudes. “Minha mãe foi escrava, eu não sou. E mamãe falava, vamos embora”. Em alguns lugares, os irmãos de D. Nininha eram colocados para impedir que os passarinhos comessem a plantação de arroz, sob ameaça de surras. Segundo D. Nininha o proprietário “prometia bater, mas não me lembro se batia não. Isso não me lembro. Minha mãe falava assim ‘no dia em que bater no meu filho, a gente vai embora’. Isto não impedia que a própria D. Clotilde batesse. Ela podia, mas mais ninguém.”35 A título de conclusão: os vários caminhos da cidadania e as visões de liberdade. Em resumo, um rápido balanço sobre a historiografia das sociedades pós-emancipação nas Américas, permite perceber que esta redefiniu, nos últimos anos, alguns dos conceitos chave para a abordagem da história do A PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 191 período. É comum percebermos nos textos sobre o assunto expressões que passaram a ganhar significado próprio. Uma delas e provavelmente a mais importante é a de “significados da liberdade” ou “visões da liberdade”. A partir dessas expressões, os historiadores vêm tentando resgatar a agência social dos libertos na construção das sociedades pós-abolição, buscando perceber em que medida o evolver das sociedades que atravessaram este processo foi também moldado pelas ações dos próprios libertos. A nosso ver, este foi um passo fundamental para que pudéssemos colocar no palco os atores que faltavam. Deste ponto de vista, o próximo e necessário passo desta discussão é ainda uma questão em aberto. Não mais sobre as possíveis visões de liberdade geradas na escravidão. Não mais sobre o cabo de guerra para a sobrevivência da plantation. O próximo passo lógico e necessário é saber em que medida este processo abriu uma rediscussão sobre pertencimento ou inclusão. Trata-se, fundamentalmente, de reconhecer que o processo de destruição da escravidão moderna esteve visceralmente imbricado com o processo de definição e extensão dos direitos de cidadania nos novos países que surgiam das antigas colônias escravistas. E que, por sua vez, a definição e o alcance desses direitos esteve diretamente relacionado com uma contínua produção social de identidades, hierarquias e categorias raciais. De fato, trata-se agora de recuperar a historicidade dos diferentes processos de desestruturação da ordem escravista e seus desdobramentos, seja no que se refere às relações de trabalho, às condições de acesso aos novos direitos civis e políticos para as populações libertas, de forma a conseguir historicizar também as formas de racialização das novas relações econômicas, políticas ou sociais. Trata-se, portanto, de rever as clássicas relações entre escravidão, racialização e cidadania. Este último, um dos conceitos mais importantes do mundo contemporâneo e, por isto mesmo, um conceito perigoso de trabalhar historicamente. Não basta defini-lo nos moldes do século XIX, que assistiu a maior parte dos processos de fim da escravidão nas Américas. Há que redefini-lo respeitando as várias percepções que os atores históricos tiveram deste momento. A grande preocupação das elites contemporâneas aos processos de emancipação era definir quem poderia ser cidadão. Enquanto historiadores, fomos atormentados por muito tempo sobre fantasias a respeito de “estoque racial”, males ou benefícios da miscigenação 192 • ANA MARIA RIOS • HEBE MARIA MATTOS etc... exatamente porque passamos muito tempo discutindo as visões das elites a respeito de cidadania, e não a dos “novos cidadãos”, os ex-escravos. É exatamente esta questão que a discussão sobre o pós-abolição nos permite estabelecer em uma nova perspectiva. Cidadania, na compreensão dos novos estudos sobre o pós-abolição, é um conceito essencialmente mutável, e apenas começamos a nos aproximar de uma história que dê conta de suas múltiplas facetas. Bibliografia ALMEIDA, Fernanda Mouttinho. E depois do Treze de Maio? Conflitos e expectativas dos últimos libertos de Juiz de Fora (1888-1900). Dissertação de mestrado. História, Niterói, Universidade Federal Fluminense, 2003. ANDREWS, George Reid. Blacks and whites in São Paulo, Brazil – 1888-1988. Madison: The University of Wisconsin Press, 1991. 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CRATON, Michael. The transition from slavery to free wage labour in the Carebbean, 1789-1890: a survey with particular reference to recent scholarship, In: Slavery and Abolition, 13:2, 1992. CROSS, Malcom & HEUMAN, Gad (ed.). Labour in the Carebbean: from emancipation to independence. Londres: Macmillan, 1988. A PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 193 EISEMBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco, 1840-1910. Rio de Janeiro: Paz e Terra / Campinas: Unicamp, 1977. FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. FERNANDES, FLorestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática, 1978. FERREIRA, Marieta de Moraes. Em busca da idade do ouro: as elites políticas fluminenses na Primeira República (1889-1930). Rio de Janeiro: UFRJ, 1994. FLORENTINO, Manolo e José Roberto Góes. 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Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2003. Notas 1 Neste sentido, cf., entre outros, COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. Rio de Janeiro: DIFEL, 1966; KOWARICK, op. cit.; AZEVEDO, Célia Marinho. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 e LAMOUNIER, Maria Lúcia. Da escravidão ao trabalho livre. Petrópolis: Vozes, 1988. 2 Diversos textos foram consultados para traçar esta visão geral dos rumos da discussão do pós-emancipação, especialmente no Caribe, mas também nos EUA. Dentre eles, destacamos principalmente os que apresentam, em parte ou no todo, uma abordagem comparativa: FONER, Eric. Nada além da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988; FRAGINALS, Manuel M, ENGERMAN, Stanley & PONS, Frank. Between slavery and free labour: the Spanish Caribbean in the Nineteenth Century. Baltimore: John Hopkins University Press, 1985; SCOTT, Rebecca. Slave emancipation in Cuba: the transition to free labour, 1680-1899. Princeton: Princeton University Press, 1985; HIGMAN, B. W. ed. Trade, Government, and society in Caribbean history, 1700-1920. Kingston: WI/ Heinemann Educational Books, 1983; CROSS, Malcom & HEUMAN, Gad (ed.). Labour in the Carebbean: from emancipation to independence. London: Macmillan, 1988. Em 1992, A PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 195 Michael CRATON publicou um ensaio no qual discute a historiografia sobre a transição para o trabalho livre no Caribe, com ênfase nos resultados dos debates da tese de Eric Williams, intitulado “The transition from slavery to free wage labour in the Caribbean, 1780-1890: a survey with particular reference to recent scholarship”, 1992. Desde então, outras obras de referência foram publicadas, entre elas: BUTTLER, Karthleen Mary. The Economics of emancipation: Jamaica and Barbados, 1823-1843. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1995; BECKLES, Hilary e Verene Shepherd (ed.). Caribbean Freedom: society and economy from emancipation to the present. Kingston, Jamaica: Randle, London, 1993; McGLYN, Frank e DRESHER, Seymour (ed.). The Meaning of freedom: economics, politics, and culture after slavery. Pittsburg: University of Pittsburg Press, 1992; HOLT, Thomas. The problem of freedom: race, labour and politics in Jamaica and Britain, 1832-1938. Baltimore: The Jihn Hopkins University Press, 1992 e, em especial, COOPER, F., HOLT, Thomas & SCOTT, Rebecca. Beyond Slavery: explorations of race, labor and citizenship in postemancipation societies. Chapel Hill e Londres: The University of North Carolina Press, 2000, cuja introdução levanta questões importantes para a conclusão deste artigo. 3 Cf., especialmente, EISEMBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco, 1840-1910. Rio de Janeiro: Paz e Terra, Campinas, Unicamp, 1977 e MATTOS de Castro, Hebe Maria. Ao sul da história: lavradores pobres na crise do trabalho escravo. São Paulo: Brasiliense, 1987. 4 Cf. neste sentido, principalmente, HOLT, Thomas, op. cit. 5 Cf. ANDREWS, George Reid. Blacks and whites in São Paulo, Brazil – 1888-1988. Madison: The University of Wisconsin Press, 1991; MACHADO, Maria Helena. O plano e o pânico. Os movimentos sociais na década da abolição. Rio de Janeiro: UFRJ/EDUSP, 1994 e FRAGOSO, João & RIOS, Ana M. L. Um empresário brasileiro nos oitocentos. In: MATTOS, Hebe M. & SCHNOOR, Eduardo. Resgate, uma janela para os oitocentos. Rio de Janeiro: Top Books, 1995. 6 BLACKBURN, Robin. The Overthrow of Colonial Slavery, 1776-1848. Londres: Verso, 1988 (trad. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2002). 7 Sobre estas semelhanças, cf: HOLT, Thomas, op. cit.; MACHADO, Maria Helena, op. cit. e FONER, Eric, op. cit. Ver também MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio. Significados da liberdade no sudeste escravista. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995/ Nova fronteira, 1998 e RIOS, Ana Maria Lugão. My mother was a slave, not me! Black peasantry and regional politics in Southeast Brazil. Tese de doutorado. História, University of Minnesota, nov. 2001. 8 FERNANDES, FLorestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática, 1978; ANDREWS, George Reid, op. cit. e MACHADO, Maria Helena, op. cit. 9 Por exemplo, SOUZA, Sônia Maria de. Terra, família, solidariedade... estratégias de sobrevivência camponesa no período de transição – Juiz de Fora (1870-1920). Tese de doutorado. História. Niterói, Universidade Federal Fluminense, 2003 e ALMEIDA, Fernanda Mouttinho. E depois do Treze de Maio? Conflitos e expectativas dos últimos libertos de Juiz de 196 • ANA MARIA RIOS • HEBE MARIA MATTOS Fora (1888-1900). Dissertação de mestrado: História, Niterói, Universidade Federal Fluminense, 2003. 10 Cf. MATTOS, Hebe Maria, op. cit., capítulo 5, 1998. 11 Cf. SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 12 Cf. AZEVEDO, Aloysio Villela. Os recenseamentos no Brasil. Rio de Janeiro, 1990. 13 Destacamos o projeto Memória da escravidão em famílias negras de São Paulo, coordenado por Maria de Lourdes Janotti e Sueli Robles de Queirós, Centro de Apoio a Pesquisa Sérgio Buarque de Holanda, USP (caixas 1 a 16). Entre os trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores do projeto ver CALLARI, Cláudia Regina. Identidade e cultura popular: histórias de vida de famílias negras. Dissertação de mestrado: História, Universidade de São Paulo, 1993 e JANOTTI, Maria de Lourdes & ROSA, Zita de Paula. Memory of Slaves in Black Family in São Paulo, Brazil. In: BERTAUX, Daniel & THOMPSON, Paul (ed.). Between generation: family models, myths, and memories. Oxford University Press, 1993. 14 Laboratório de História Oral e Imagem do programa de pós-graduação em história – UFF (doravante LABHOI). Todas as entrevistas aqui mencionadas estão arquivadas neste laboratório. Parte delas estão transcritas no site do LABHOI: www.historia.uff.br/labhoi, fazendo parte do acervo do projeto Memórias do Cativeiro (MC). Muitas das análises deste ensaio são retomadas de livro recém concluído a quatro mãos pelos autores deste artigo, com base no trabalho conjunto no projeto Memórias do Cativeiro, com título provisório Memórias do Cativeiro: identidade, trabalho e cidadania no pós-abolição [Civilização Brasileira, no prelo]. 15 Cf. RIOS, Ana Maria Lugão op. cit. 2001; MATTOS, Hebe Maria. Os combates da memória. Escravidão e liberdade nos arquivos orais de descendentes de escravos brasileiros. Tempo, v. III, n. 6, pp. 119-138, 1998. 16 FARIA, Sheila Castro. A colônia em movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998; AZEVEDO, Célia Marinho. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites. Século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 e MATTOS. Hebe Maria, op. cit., capítulo 1, 1998. 17 MATTOS, Hebe Maria, op. cit., capítulos 1 e 12, 1998. 18 Sobre a superação de rivalidades étnicas e o parentesco ver FLORENTINO, Manolo & GÓES, José R. A paz nas senzalas. Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. Sobre as características demográficas de fazendas antigas ver Rios, Ana M. L. Família e transição: famílias negras em Paraíba do Sul, 1870-1920. Dissertação de mestrado. História. Niterói, Universidade Federal Fluminense, 1990. 19 Carta do Barão de Paty do Alferes em 20 de Janeiro de 1858. Apud SILVA, Eduardo, Barões e escravidão, p. 144, 1984. 20 Entrevistas arquivadas no MC/LABHOI (Memória do Cativeiro/Laboratório de História Oral e Imagem, vide nota 12) sob os mesmos nomes referidos no texto. 21 MATTOS, Hebe Maria, op. cit., parte 4, 1998 e MATTOS de Castro, Hebe Maria, op. cit., 1987. A PÓS-ABOLIÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO: BALANÇOS E PERSPECTIVAS • 197 22 FERREIRA, Marieta de Moraes. Em busca da Idade do Ouro: as elites políticas fluminenses na Primeira República, 1889-1930. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994. 23 MATTOS, Hebe Maria, op. cit., cap. 19, 1998. 24 Depoimento de Claudina (Nininha), MC/ LABHOI. 25 CRATON, Michael, op. cit., 13:2. 26 A discussão sobre estabilidade/mobilidade e contratos no pós-abolição está em RIOS, Ana Maria Lugão, op. cit; 2001. 27 Entrevistas dos irmãos Aurora, Valdomiro e Helena, de Izaquiel Inácio e de Cornélio, MC/LABHOI. 28 Cartório de Inconfidência, (segundo distrito de Paraíba do Sul, Rio de Janeiro), registro de óbitos, Livro 1, Termo 44. 29 Cartório de Inconfidência, registro de nascimentos, Livro 1, Termo 23. 30 SOUZA, Sônia Maria de, op. cit., p. 259, 2003. 31 Entrevista de Izaquiel Inácio, MC/LABHOI. 32 SOUZA, Sônia Maria de, op. cit., p. 276 e seguintes, 2003. 33 Cf. os processos de lesões corporais apresentados por ALMEIDA, Fernanda Mouttinho, op. cit., 2003 e os processos criminais em SOUZA, Sônia Maria de, op. cit., 2003. 34 Entrevista de Paulo Vicente Machado, MC/LABHOI. Esta análise retoma com pequenas modificações a abordagem desta entrevista em MATTOS, Hebe Maria, op. cit., capítulo 19, 1998. 35 Entrevista de Nininha (Claudina de Souza), MC/LABHOI. Resumo O artigo discute as variáveis mais importantes nos processos de pós-abolição nas Américas, dando destaque as expectativas alimentadas pela última geração de escravos e suas atitudes nas primeiras décadas após o fim da escravidão. Procura inserir o caso brasileiro e sua especificidade e se detém na análise das atitudes dos libertos do sudeste no sentido de proteger a família, estabelecer uma “boa reputação”, exercer o pátrio poder e valorizar aspectos importantes da cidadania. Utiliza diversas fontes, principalmente o registro civil, jornais e depoimentos de netos de escravos. Palavras-chave: pós-abolição; família; cidadania Abstract The article discuss important variables on post-abolition literature, stressing the expectations and attitudes of the slaves´ last generation in 198 • ANA MARIA RIOS • HEBE MARIA MATTOS the first decades after the end of slavery. It also focuses the Brazilian specific features, analyzing freed people willingness to protect family, to establish a “good reputation”, to exercise rights of fatherhood and to enhance important aspects of citizenship. It uses several primary sources, specially birth records, newspapers and testimonies of slaves grandchildren. Key-words: post emancipation; family; citzenship copyright autor do texto

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