segunda-feira, 18 de junho de 2012

AS RICAS FAZENDAS DE CAFÉ PAULISTAS

COTIDIANO DO IMIGRANTE E ESTRUTURAÇÃO ESPACIAL DAS COLÔNIAS NAS FAZENDAS DE CAFÉ DE RIBEIRÃO PRETO - SP Natalia Alexandre Costa nataliaac87@gmail.com Maria Ângela Pereira de Castro e Silva Bortolucci mariacsb@sc.usp.br ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Cotidiano Do Imigrante E Estruturação Espacial Das Colônias Nas Fazendas De Café De Ribeirão Preto - Sp Resumo A presente pesquisa é o resultado da Iniciação Científica realizada nos anos de 2006 a 2009, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP. O seu principal objetivo foi analisar as colônias de imigrantes das fazendas de café da região de Ribeirão Preto-SP, no período do final do século XIX e início do XX, buscando compreender sua formação e localização dentro da fazenda cafeeira (com uma possível relação com as antigas senzalas) e sua organização espacial nos diferentes exemplos remanescentes. O estudo abrange o colono, seu cotidiano e, principalmente, a forma como a localização da sua casa no ambiente da fazenda e das próprias colônias interferiu na vida e nos hábitos dos imigrantes, e vice-versa. Para isso, foram feitos estudos em seis fazendas selecionadas por preservarem ainda algumas casas de colônia e serem representativas da época determinada. Levantamentos em campo (desenhos, fotos etc.) ajudaram na caracterização das casas e sua implantação, bem como o auxílio de documentos antigos com o fornecimento de dados relacionados à formação destas instalações. A realização de entrevistas, com antigos colonos que viveram, ou vivem, nas fazendas da região no período estudado, foi de extrema importância para complementar o estudo e facilitar a compreensão do objeto. Palavras chave Patrimônio histórico; configuração espacial; arquitetura rural; memória. 1. Introdução Desde a época do Brasil-colônia, a produção nacional supria as demandas do mercado externo, através do “pacto colonial”. Todavia, a independência do país e o fim desse pacto não ocasionaram a mudança dessa situação e a produção brasileira continuou vinculada ao mercado externo. Foi a partir de tal conjuntura que se desenvolveu a agricultura cafeeira. Desde a primeira metade do século XIX o café se destacou como principal produto de exportação. Iniciando seu cultivo na parte ocidental da Província do Rio de Janeiro e no Vale do Paraíba, sob o regime de trabalho escravo, o café mostrava ser, cada vez mais, um produto seguro e com garantia de lucro. Dessa maneira, expandiu-se para o interior do estado de São Paulo, no chamado Oeste Paulista. A cidade de Ribeirão Preto foi escolhida para ser estudada devido à importância que teve durante o final do século XIX e início do XX, ao grande valor histórico e arquitetônico das fazendas cafeeiras da região e ao seu pioneirismo com a introdução da mão-de-obra assalariada com a vinda de imigrantes europeus. A região apresenta hoje inúmeras fazendas que um dia produziram o café que enriqueceu a cidade, mas a degradação de algumas delas é um fator que pede atenção. A expansão da cidade Ribeirão Preto, com novos loteamentos rumo à antiga zona rural, ocupa áreas que pertenciam às fazendas, ilhando as edificações remanescentes. Tais terras são cada vez mais valiosas, devido à proximidade com a área urbana e com algumas das principais rodovias do interior de São Paulo, como a Anhanguera, o que aumenta em muito a especulação imobiliária da área analisada. A expansão da cultura canavieira contribuiu com o processo, fazendo com que a maioria das fazendas arrendasse suas terras a usinas de álcool. Devido a essa mudança de produção, entre outras coisas, seguida pela mecanização da agricultura, as fazendas se tornaram menos povoadas, por não necessitarem de grande quantidade de mão-de-obra. As antigas casas de colônia foram destruídas, aproveitando suas terras e evitando que elas ficassem sujeitas às intempéries e ao vandalismo. Fazendas que possuíam centenas de casas de colônias hoje contam com um número restrito de exemplares que, na maior parte das vezes, resistiram por estarem localizadas perto da sede. Dentre as antigas fazendas de café da região de Ribeirão Preto que foram identificadas, seis foram selecionadas por apresentarem: casas de colônia com moradores, muitos dos quais antigos colonos; uma diferenciação entre as colônias das fazendas em relação à forma, localização e relevo, tornando-as particularmente interessantes; disponibilidade dos proprietários e atuais moradores das colônias para contribuir com esta pesquisa e por haver material bibliográfico como suporte para algumas delas. As fazendas são: Boa Vista, Monte Alegre, Sant’Anna, Santa Rita, São Manuel e Timboriu. Tais propriedades se tornam mais representativas do período estudado na medida em que todos os proprietários exerciam um grande poder político na região, trata-se, portanto, da moradia de alguns dos coronéis do período. Assim encontramos nas fazendas analisadas um complexo cafeeiro e outras construções auxiliares e de moradia que são de grande valor histórico e arquitetônico. 2. Objetivos Estudar o cotidiano do colono na fazenda de café, seu modo de vida, seus costumes e a forma como ele interferiu na paisagem da fazenda. “Na realidade, o imigrante encontrou à sua espera um cenário pré-fabricado, com centenas de casinhas, todas no mesmo estilo, construídas com o mesmo material (alvenaria), pintadas da mesma cor, com as mesmas dependências interiores” (PEREIRA, 2002), em nada se assemelhando com o que estavam acostumados. Com o tempo, tais construções passaram a refletir o estilo de vida dos seus moradores (hábitos alimentares, técnicas, concepções e atividades econômicas, padrões de convivência familiar, entre outros) e estes começaram a fazer uso da restrita margem de atuação que lhe restara. Dessa forma, foram analisadas a organização da colônia e de seus elementos, tendo em vista a ação dos imigrantes, bem como a implantação das colônias na fazenda, com a possibilidade de estabelecer comparações entre os exemplares selecionados. A pesquisa também visou contribuir no conhecimento da arquitetura das colônias das fazendas cafeeiras, resgatando a história de trabalhadores imigrantes que deixaram importantes contribuições arquitetônicas e culturais as quais foram, posteriormente, transferidas das fazendas para o cenário urbano. 3. Metodologia A metodologia da pesquisa se resume basicamente em pesquisa bibliográfica, pesquisa de campo e organização e análise dos dados. O primeiro item engloba a leitura da bibliografia e a busca de documentos da época analisada, como discursos e posições dos cafeicultores com relação à imigração, livros, periódicos e outras fontes primárias que complementem a pesquisa. Tal trabalho foi realizado em instituições como Arquivos Municipais, Secretaria de Planejamento e Gestão Ambiental, Câmara Municipal, IBGE, Museus, acervos pessoais, entre outros. A pesquisa de campo foi constituída de levantamento iconográfico e métrico das fazendas, gerando os desenhos de implantação das propriedades e a planta e as elevações das casas de colônia; e por fim a realização de entrevistas com ex-colonos, atuais moradores das colônias e proprietários das fazendas. As entrevistas foram de suma importância para a pesquisa, uma vez que tivemos acesso a famílias de primeira geração no Brasil, tornando-nos possível a reconstituição de antigos hábitos e da memória de edificações não mais existentes em alguns conjuntos cafeeiros. Organização e análise dos dados é um item de grande importância para a boa realização da pesquisa. Os dados coletados na pesquisa bibliográfica também foram fichados em formato Word, explorando recursos do próprio programa para organização e busca de dados. Após a obtenção do levantamento métrico e fotográfico das casas de colônias é necessária a produção dos desenhos das mesmas em AutoCAD. Já com relação à implantação das fazendas, realizamos desenhos feitos à mão e depois digitalizados em formato Jpeg, com a inclusão de legendas. As entrevistas foram transcritas e salvas em PDF. Tal é a descrição da organização do material coletado, mas após todo esse procedimento houve a análise dos produtos obtidos para a elaboração dos relatórios, que foram a somatória de cada etapa acrescida da nossa análise crítica. Fazenda Boa Vista Com data de surgimento entre 1886 e 1896, a fazenda teve grande produção de café. Tendo como proprietário o coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, muito conhecido como coronel Quinsinho, ela possuía muitos trabalhadores e era servida por duas companhias de estrada de ferro. A Boa Vista possui os terreiros como centro distribuidor das outras edificações da propriedade, com o casarão à direita abaixo. Não por isso ela deixa de se mostrar suntuosa, pois apresenta logo na entrada uma escadaria em cascata que conduz a uma grande varanda, com o volume em L e porão habitável em alguns cômodos. É protegida frontalmente pelo jardim e, nos seus fundos, pelo imenso quintal que dá acesso a algumas construções auxiliares e ao grande pomar. Alinhadas à serraria, mas deslocadas alguns metros para a esquerda, estão duas construções das casas de colônia (1 e 2) e outras quatro se encontram do outro lado do córrego (3, 4, 5 e 6), totalizando aproximadamente vinte casas. Das casas da colônia algumas são habitadas permanentemente, outras de acordo com a necessidade e certas alterações são muito comuns em tais moradias, como as novas varandas e garagens. Em contrapartida temos características nitidamente originais das construções, como as telhas de barro, portas e janelas de madeira e paredes de tijolo de barro. Fazenda Monte Alegre A fazenda atingiu seu auge com o alemão e ex-colono Francisco Schimidt que conseguiu comprá-la em sociedade com Arthur de Aguiar Diederichsen, em 1890. Fez desta fazenda sua moradia e chegou a administrar 62 fazendas e aproximadamente 16 milhões de pés de café, além de contar com grande rebanho bovino e alguns engenhos de açúcar. Em 1913, Schimidt é considerado pelo Almanach Illustrado de Ribeirão Preto o “Rei do Café”, por ser o maior produtor individual do Brasil. Com a quebra da bolsa de Nova York de 1929, as terras da Monte Alegre cedem lugar ao Governo, passando a ser um Campus da Universidade de São Paulo. Sua organização é, igualmente, em torno dos terreiros de café, que eram divididos em três, um de terra batida e dois ladrilhados. Implantada em uma área de meia encosta, o casarão está acima dos terreiros, permitindo o controle visual necessário principalmente para o trabalho dos 1. colônia-construção 1; 2. colônia-construção 2; 3. colônia-construção 4; 4. colônia-construção 4; 5. colônia-construção 5; 6. colônia-construção 6; 7. casarão; 8. terreiros; 9. tulha, casa de máquinas e serraria; 10. casa do administrador escravos, mão-de-obra utilizada quando a Fazenda foi construída. Ao lado do casarão existe a casa do administrador e no lado oposto um pouco mais abaixo está a casa de Jacob, filho de Francisco Schimidt, e outras construções auxiliares. Logo abaixo dos terreiros e em um nível mais baixo dos mesmos estão a casa de máquinas e a tulha, construções separadas. Na Fazenda as colônias de imigrante se localizavam próximas a córregos ou em locais de grande declividade nos quais o plantio de café é dificultado, otimizando a ocupação das terras férteis. Tais moradias se caracterizam por serem construções únicas ou geminadas simples e por estarem agrupadas linearmente em diversos lugares da propriedade. A ocupação dessas colônias foi feita de acordo com o local de origem das famílias que ali moravam e dessa forma havia a colônia dos italianos, dos espanhóis, dos alemães e assim por diante. Como os trabalhadores italianos eram os de maior número, suas colônias também se diferenciavam entre si através da utilização de nomes: colônia milanesa e colônia napolitana é um exemplo e ambas possuem casas existentes até hoje. Atualmente, os edifícios necessários para o funcionamento da Universidade nos domínios da antiga fazenda de café fizeram com que a sua configuração inicial fosse bastante modificada, determinando a preservação periférica das suas colônias. A USP adota um sistema para a ocupação dessas casas que varia de acordo com o cargo do funcionário, sendo que o tempo de ocupação é de quatro a dez anos. Os dois conjuntos de colônia remanescentes estão, portanto, muito heterogêneos, pois as casas habitadas recebem cuidados e manutenções, enquanto as outras se encontram em completo abandono. Fazenda Sant’Anna A propriedade pertenceu a Domingos Vilela de Andrade e carrega o nome da sua mulher Anna, que por sua vez era irmã do proprietário da Boa Vista. A Fazenda faz divisa com outras duas fazendas pesquisadas, a Boa Vista e a Santa Rita, todas eram propriedade da família Junqueira. 1. casarão; 2. terreiros; 3. tulha, casa de máquinas e serraria; 4. rio; 5. lago; 6. colônia milanesa; 7. colônia napolitana A Fazenda tem uma organização espacial predominantemente concentrada no lado direito dos terreiros de café. Na parte superior está o casarão assobradado em formato de L e ao seu lado direito há uma construção linear destinada possivelmente a senzala em um primeiro momento e depois adaptada para colônia. Se distanciando algumas dezenas de metros para a direita dos terreiros está a casa do administrador, onde atualmente moram os proprietários. Abaixo desta construção temos o curral juntamente com depósitos, a escola e outras edificações auxiliares. No entanto, a cobertura do galpão principal está muito danificada pelas intempéries, fazendo com que aproximadamente metade da sua extensão fique descoberta. Em um nível inferior aos terreiros e abaixo deles temos a construção que abriga a tulha e a casa de máquinas juntas. Para melhor compreensão da análise feita, nomeamos os conjuntos de casas de colônia. Fazenda Santa Rita Construída em 1917, a Fazenda pertenceu a Joaquim Firmino Andrade Junqueira. De acordo com as estatísticas de 1904/1905 apresentadas no Almanach Illustrado de 1913, a produção de café de ambos os fazendeiros estava muito próxima, sendo de 650.000 cafeeiros o Quinsinho, contra os 634.400 cafeeiros de Joaquim Firmino. 1 1 RAMOS, Deodoro de Sá &. Almanach illustrado de Ribeirão Preto, 1913 1. colônia – conjunto 1; 2. colônia – conjunto 2; 3. colônia – conjunto 3; 4. colônia – conjunto 4; 5. escola; 6. casarão; 7. terreiros; 8. tulha, casa de máquinas e serraria; 9. casa do administrador; 10. curral; 11. córrego. 11 Figura 19. Fonte: Almanach illustrado de Ribeirão Preto, 1013. Ao entrar na Fazenda, o visitante se depara com o casarão um pouco mais abaixo do que o terreiro ladrilhado, e mais abaixo ainda se desenvolvem as outras construções e atividades da propriedade. Essa implantação é peculiar e causa uma sensação de estranhamento que é somada ao fato do terreiro ser pequeno com relação à grande produção de café que a Fazenda chegou a ter. Porém, ao cruzarmos tal terreiro chegamos a um pomar e notamos que ele é recente e ocupa o lugar de outro terreiro ladrilhado. Novamente chegando ao fim desse pomar a surpresa é maior, pois encontramos um novo e imenso terreiro igualmente ladrilhado e em um nível mais baixo. Desse lugar, podemos ver além dos terreiros a tulha e a casa de máquinas em uma mesma edificação, a casa dos maquinistas e algumas casas de colônia. O segundo conjunto de colônia é constituido pelas antigas casas dos maquinistas, responsáveis pela casa de máquinas. Já o terceiro conjunto está abaixo da tulha e casa de máquinas e é composto por duas construções com quatro casas cada; está desabitado. Já o quarto é mais afastado e engloba cinco edificações, incluindo casas,um grupo escolar e uma farmácia. O quinto conjunto possui poucas modificações e é o conjunto mais habitado com trabalhadores atuais da propriedade. Muitas das casas da colônia são habitadas, como é o caso do primeiro, segundo, parte do quarto e quinto conjunto. Seu número é significativo, mas também o é o das casas desocupadas, terceiro e parte do quarto conjunto. No entanto, todos eles, com exceção do quarto, mantêm uma caracterização fiel quanto às cores, portas e janelas originais de madeira, telhas de barro e técnicas construtivas. Naturalmente algumas rachaduras, fissuras e marcas de material gasto são conseqüências do estado de abandono que acelera em muito esse processo. Temos, portanto, duas situações diferentes a analisar na mesma propriedade: construções habitadas e desabitadas. Fazenda São Manuel Suas terras se originam do desmembramento de uma das primeiras fazendas da cidade de Ribeirão Preto, a Fazenda Lageado. Manuel Maximiliano da Cunha Diniz Junqueira era o proprietário da Fazenda São Manuel que começou a ser construída em 1850, sendo concluída em meados da década de 1890. Abaixo dos terreiros da fazenda e alinhada à tulha, casa de máquinas e serraria, temos a fila de casas de colônia. Esta se distancia da margem do rio aproximadamente 50 metros e muito provavelmente se prolongava seguindo seu curso uma longa distância. Entre o rio e a colônia ainda encontramos antigos tanques usados para lavagem da roupa. Eles são agrupados dois a dois e sua cobertura é de telha de barro, estrutura do telhado de madeira e pilares de tijolo de barro. Aproximadamente a cada duas casas havia uma dupla de tanques. Na outra margem do rio também encontramos ruínas de pequenas construções separadas umas das outras, o que nos sugere a existência de mais um conjunto de colônia em fila. Abaixo dos terreiros e em nível rebaixado do mesmo, temos a construção que abriga de uma só vez a tulha, casa de máquinas e serraria. Esta última é aberta de dois dos seus lados, diferenciando-se das duas outras que possuem paredes bem grossas e pé direito alto. No lado direito do terreiro está o cafezal ainda existente na Fazenda. As casas dos colonos, assim como as outras edificações da Fazenda, possuem uma unidade de técnicas construtivas e de características, no entanto existem aspectos que fazem com que elas se diferenciem umas das outras. A dimensão é o primeiro deles, pois algumas construções abrigam apenas uma casa, outras duas e outras cinco, sendo que nesta última as casas são claramente menores, destinadas a famílias não muito grandes. Outras diferenças 1. colônia – conjunto 1; 2. colônia – conjunto 2; 3. colônia – conjunto 3; 4. colônia – conjunto 4; 5. colônia – conjunto 5; 6. casarão; 7. terreiros; 8 tulha, casa de máquinas e serraria existentes são a utilização de estrutura de madeira aparente, existência ou não de beiral lateral ou de pilares intermediários, determinados pela dimensão da construção. Fazenda Tamboriu “Outro fator, que também deve ser observado, é que, além de estarem próximas aos talhões, as colônias ajudavam a exercer uma vigilância descentralizada das terras da fazenda, uma vez que eram constantes os roubos de café. [...] Em geral, havia de duas a três em uma mesma fazenda, dependendo do seu tamanho e poder econômico. Quase sempre havia uma junto à sede – muitas vezes senzalas adaptadas – e as demais ficavam espalhadas pela fazenda em distâncias que variavam de um a dois quilômetros do núcleo central.” 2 Localizadas, de maneira geral, em uma zona intermediária entre as porções de terras férteis e as zonas mais úmidas, próximas aos córregos, as colônias se estendiam em fila indiana. Essa extensão era proporcional à demanda da fazenda. Um documento de transcrição da Fazenda Boa Vista, de 1933, descreve “42 grupos de casas gêmeas para colonos, 21 casas 2 Vladimir BENINCASA, Velhas fazendas: arquitetura e cotidiano nos campos de Araraquara, 2003, p 198. 1. colônia - construção 1; 2.colônia – construção 2; 3. colônia – construção 3; 4. colônia – construção 4; 5. colônia – construção 5; 6. casarão; 7. terreiros; 8. Casa de máquinas, tulha e serraria; 9. córrego. simples para colonos, 3 casas para fiscaes, 3 casas para retireiros [...]” 3. Esse período não foi o mais produtivo da fazenda e mesmo assim ela apresenta uma colônia grande, o que nos leva a crer na possibilidade de que no auge da produção cafeeira, a Fazenda tenha abrigado mais colonos. Partindo desse pressuposto, as colônias se estendiam no sentido dos córregos, chegando a locais distantes do seu núcleo central, eis o surgimento das secções, sendo a Tamboriu um exemplo de secção da Fazenda Boa Vista. Encontramos o mesmo tijolo de barro em ambas as fazendas, com as iniciais do proprietário Joaquim Junqueira (ver figuras 30 e 31). A Fazenda Tamboriu é constituída atualmente por seis construções: a primeira é a casa do administrador, a segunda é um galpão, ambas construções recentes, e as outras quatro edificações são o que restou de uma colônia. Todas são idênticas, geminadas simples, totalizando oito casas, das quais apenas quatro são habitadas hoje. O conjunto acompanha paralelamente um córrego e apresenta uma modificação muito peculiar. Além das já conhecidas e tão corriqueiras inserção de varandas e banheiros, todas as casas sofreram uma mudança na porta de entrada, que era lateral e passou a ser frontal, dando todas para um mesmo caminho (ver apêndice). De acordo com os relatos obtidos, os moradores se incomodavam com a porta de entrada dando de frente para outra porta de entrada de seus vizinhos, se sentiam inibidos e pediram para que a alteração fosse feita e ela foi, de maneira uniforme em todas as casas. 3 1º Cartório de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto – SP. Transcripção das Transmissões – livro 3-B, Anno 1933, ordem nº 2648, 19 de Abril, Fazenda Boa Vista, Características e Confrontações do Imóvel. 1. casa do administrador; 2. galpão; 3. rio; 4. colônias. 4. Resultados e Discussões 4.1 Implantação das colônias A escolha do sítio onde a fazenda de café seria implantada era de suma importância. Eram levados em conta inúmeros aspectos, como a fertilidade do solo, a presença de água, entre outros. Geralmente o local escolhido para a implantação do conjunto do casarão era à meia encosta, pois os cumes dos morros se mostravam impróprios pela necessidade de utilização da água na propriedade para os mais diversos fins, portanto, procuravam-se as nascentes e se implantavam mais abaixo. As baixadas também não eram muito apropriadas para implantação do conjunto do casarão, pois acarretaria em problemas com as geadas nas épocas mais frias do ano. De uma maneira geral, a senzala sempre esteve localizada próxima ao casarão da fazenda, devido ao alto valor agregado ao escravo. “No período servil, a senzala é uma identificação. Se tôda a organização girava em torno do servo é claro que era preciso alojá-lo de modo adequado. Escravo não pode ser mantido em liberdade. Por isso o curro representa a garantia da permanência do trabalhador na fazenda. Mas não se explicaria uma senzala longe das vistas do proprietário. Tôdas elas se situavam nas proximidades ou mesmo fazendo corpo com a casa-grande.” 4 (MENDES, TEIXEIRA, MENDES, p. 01-02) A mudança mais notável dentro da organização espacial da fazenda cafeeira do século XIX, principalmente após a abolição, foi o desaparecimento gradual das senzalas, ou sua adaptação, e a difusão das inúmeras colônias. As colônias normalmente eram formadas por um conjunto de habitações para os trabalhadores livres, imigrantes ou não, constituídas por pequenas casas enfileiradas que se estendiam em diversas partes da fazenda. Se diferenciando dos escravos que custavam um alto valor e necessitavam de uma constante vigilância, os trabalhadores livres não eram mais o objeto que demandava a atenção principal. Tal atenção se focalizava no seu trabalho e zelo com as plantações de café, preocupação que era igualmente do trabalhador, uma vez que seu salário dependia da sua produção. Dessa forma, não era um problema as colônias se distanciarem do núcleo da propriedade, devido à importância de sua proximidade com seus locais de trabalho, as plantações de café, também conhecidas por “talhões”. Essa dispersão pela propriedade era ainda vantajosa ao fazendeiro, pois ajudava a vigiar, de forma descentralizada, as terras da fazenda. Mas esse distanciamento das colônias com o núcleo do casarão da fazenda não significa que não houvesse uma forma de controle sobre os colonos, pois surgiu um profissional até então inexistente no período de trabalho servil: o fiscal, que já tinha seu grupo de colonos previamente estabelecido para supervisionar. 4 MENDES, J. E. Teixeira; MENDES, José Castro. Lavoura cafeeira paulista (velhas fazendas do Município de Campinas). p.01-02. Os locais destinados à implantação das colônias não eram os melhores, elas eram instaladas nas zonas mais baixas da fazenda, em áreas alagadiças e insalubres, onde não era possível o plantio do café. Também os locais muito inclinados tinham tal finalidade, uma vez que eram igualmente impróprios ao cultivo do café devido à erosão. No entanto, mesmo em tais condições, as casas de colônia possuíam algumas características recomendadas pelos sanitaristas, como janelas, portas e ausência de forro em quase todos os cômodos, propiciando uma boa ventilação. Em tais áreas, as colônias eram distribuídas em filas, formando a tão usual colônia linear. Assim, ocupavam uma zona intermediária entre as duas situações limites: as plantações e os rios. De outra maneira, formando ruas ou pátios internos, elas seriam um grande desperdício de terras para o fazendeiro, além do que, propiciariam um centro de convivência entre os colonos de modo a fortalecer sua união, facilitando possíveis manifestações e protestos. 4.2 Tipologia das colônias Todas as fazendas estudadas esbanjam uma elaboração arquitetônica na construção do casarão e de outras construções do complexo cafeeiro, como a tulha e casa de máquinas, mas todas também exemplificam muito claramente o tratamento dado às casas de colônia. Seguindo um modelo simples de construção que se adéqua ao terreno inclinado e atende às necessidades essenciais de uma habitação, as casas de colônia possuíam normalmente uma cozinha, uma sala e um número de quartos que variava de acordo com a capacidade que deveria atender. Dentre as colônias das seis fazendas analisadas, identificamos três tipologias de casas utilizadas: Casa isolada: construção que abriga a moradia de uma família apenas. Assim, ela é privilegiada com melhor ventilação e iluminação, além de desfrutar de maior área de quintal, de grande importância para o colono, pois era fonte de boa parte de sua alimentação. Na maioria dos casos encontrados, estas casas são um pouco maiores e apresentam possibilidade de ampliação. Está presente com outras tipologias nas fazendas Monte Alegre e São Manuel. Casa geminada múltipla: construção composta por casas que possuem as paredes externas laterais em comum com a vizinha. As colônias analisadas apresentam cinco ou mais casas em cada construção, sendo essa tipologia muito utilizada por fazendas que, passando pela transição da mão-de-obra escrava para a assalariada, compartimentaram a antiga senzala transformando-a em casas de colono. Porém, mesmo nas colônias construídas para tal fim, esse tipo é o mais adotado por racionalizar espaço e material, uma vez que muitas paredes são compartilhadas e a área do quintal é menor, representando menor utilização das terras do proprietário. Essa tipologia foi encontrada nas fazendas Boa Vista, Sant’Anna, Santa Rita e São Manuel. Casa geminada simples: mescla das duas anteriores, pois a construção se divide em apenas duas moradias, associando vantagens de ambos os tipos de casa. Ainda com algumas paredes compartilhadas e o quintal reduzido, possui maior ventilação e iluminação do que as geminadas múltiplas. As fazendas Boa Vista, Santa Rita, São Manuel e Tamboriu utilizam essa tipologia de casas. Sabemos, pela literatura estudada, que as casas das colônias eram ocupadas a partir de certos critérios. Em alguns momentos a separação era feita pela nacionalidade de seus moradores e havia os conjuntos de italianos, portugueses, japoneses, entre outros, como é o caso da Fazenda Monte Alegre. As características da habitação também determinavam sua ocupação: as casas menores, chamadas de casas de camaradas, eram destinadas aos solteiros, da mesma forma que as casas maiores, com cinco ou seis cômodos, eram destinadas a famílias mais numerosas. Em alguns casos juntavam-se famílias em uma mesma casa: “[...] quando eu casei, eu fui morar junto com a sogra, meu sogro, morava, com uma cunhada que era casada e tinha três filhos. Todo mundo junto. Ali tinha quatro quartos; a casa era grande, a sala era grande, cozinha grande.” 5 A partir dos relatos obtidos, vimos que algumas vezes as moradias eram ocupadas de acordo com as características da família. Havia casas menores, específicas para os solteiros, conhecidas como casas de camaradas, da mesma forma como as casas maiores, com cinco ou seis cômodos, eram destinadas às famílias mais numerosas. As casas também eram ocupadas de acordo com a nacionalidade dos seus moradores, pois era comum haver colônias de italianos, de portugueses, de japoneses e assim por diante. Mesmo com a relativa separação entre os colonos algumas brigas, desavenças e até preconceito nos foram narrados: Meu irmão falecido, não queria que eu namorava com ele porque ele era moreno [...] não queria de jeito nenhum. Minha mãe também não queria, eles queria me bater [...] Minha família não queria que eu namorava com ele e eu gostava dele e eu fui obrigada a largar né [...] Aí eu casei com outro né, o Pascoal [...]Ele era trabalhador, mas eu gostava do outro né.6 5. Referências Bibliográficas BOTELHO, MARTINHO. Brazil magazine: Ribeirão Preto le pays du café _ Revista Periódica e Illustrada d`Arte e Actualidades, ano V Rio de Janeiro nº 57. COSTA, EMÍLIA VIOTTI DA. Da senzala à colônia. São Paulo: Brasiliense, 1989. FRANCO, M. SYLVIA DE CARVALHO. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: Editora da UNESP, 1997. 5 Trecho da entrevista realizada em 23/07/09 com a ex-colona da Fazenda Boa Vista, Maria. 6 Trecho da entrevista realizada com a ex-colona Rosa, Fazenda São Manuel. GARCIA, MARIA ANGÉLICA MOMENSO. Trabalhadores rurais em Ribeirão Preto: trabalho e resistência nas fazendas de café, 1890 – 1920. Franca: UNESP – FHDSS: Amazonas Prod. Calçados S/A, 1997. MENDES Sº, OCTÁVIO TEIXEIRA. Planejamento da fazenda de café. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1962. COPYRIGHT AUTOR DO TEXTO

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