domingo, 3 de junho de 2012
CASTELO DE PORTUGAL
Os castelos medievais portugueses e os poder régio
na Baixa Idade Média
Lukas Gabriel GRZYBOWSKI
UFPR
Para tratarmos da relação entre os castelos portugueses e o poder régio, percebemos
a necessidade inicial de traçar um breve histórico da presença dos castelos em Portugal, na
Idade Média, bem como seus modelos de implantação durante os primeiros reinados
portugueses.
Os castelos portugueses têm em sua maioria origem nos antigos castros romanos.
Estes, no entanto, diferentemente das construções romanas, exclusivamente militares,
passaram a ter, além do caráter de vigilância e defesa, a função de moradia do senhor das
terras onde ele se encontrava.
Os castelos eram construídos em regiões estratégicas para o domínio e controle do
reino. Sendo assim observa-se uma distribuição planejada pelo território português. Essa
distribuição, que faz parte de um pensamento estratégico e intencional, acaba por formar
linhas de defesa, que asseguram a integridade do espaço físico de Portugal em oposição aos
outros reinos ibéricos, notadamente o reino de Castela e, em menor escala e num período
mais inicial, de Reconquista, os resquícios dos reinos islâmicos na península.
O avanço da Reconquista para o Sul foi acompanhado por planos de restauro de
castelos, assim como de construção de novas torres e castelos a fim de garantir a defesa dos
territórios reconquistados e a proteção da população que iria ocupar esses novos espaços.
Nesse período grande parte dessa responsabilidade de conservação dos territórios
reconquistados recaiu sobre as Ordens Militares que fundaram, segundo Mário Barroca,
“uma rede de pontos fortificados ao longo dos grandes eixos de circulação”.1
Essa estratégia de construção de castelos já aparece desde o século XII, mas ela se
mostra mais evidente a partir do reinado de D. Dinis (1279-1325). Apesar de não ser um
reino muito próspero nesse período, Portugal já percebeu a necessidade de povoar e
1 Mario Jorge Barroca apud MONTEIRO, João Gouveia, Os castelos portugueses dos fineis da Idade Média,
Lisboa, Edições Colibri, 1999, p. 22.
construir fortificações nas regiões raianas para garantir a preservação da fronteira
negociada com Castela em 1297, no tratado de Alcañides. Tem-se com certeza o número de
57 fortificações mandadas erguer ou reconstruir por D. Dinis, mas o número pode chegar a
86 segundo estudos mais recentes.
Mais tarde, já no reinado de D. Fernando (1367-1383), o sistema físico de proteção
militar, ou seja, a malha de fortificações existentes no reino, já havia alcançado um elevado
grau de coerência, incrementado ainda mais pelas intervenções desse monarca, com suas
políticas de amuralhamentos, e de seu sucessor, D. João I (1385-1433).
E isso meesmo fez veer os castellos de que guisa estavom, e mandouhos repairar de muros e torres e
cavas darredor, e poços e cisternas omde compriam; e aas portas paredes travessas e pontes levadiças
e cadafaises, e forneçellos darmas e cubas e doutras vasilhas, segumdo os logares homde cada huuns
eram. (crônica de D. Fernando cap. 1)
No período tardo-medieval, a partir da segunda metade do século XIV, nota-se a
presença de nada menos que 173 castelos em Portugal, propositadamente concentrados em
determinadas regiões, sendo que o Alto Alentejo é a região de maior destaque, com 36
fortalezas, seguido por Trás-os-Montes e Alto Douro, com 27 castelos. “É portanto,
bastante claro que a política de construção e restauro de castelos levada a cabo pela Coroa
portuguesa nos finais da Idade Média obedecia a um planejamento estratégico
concentrado”.2
Nos fins da Idade Média portuguesa os castelos mudaram seus sistemas de defesa,
de sistemas passivos (românico) a sistemas ativos (gótico).
É preciso ressaltar também que nos fins da Idade Média, três quartos dos castelos
portugueses já não funcionavam como centros militares privilegiados, o que, no entanto,
não lhes eliminou a associação ao poder local.
Portugal possui uma característica especial no que concerne à relação dos castelos
com o poder régio. No reino português a construção de castelos é uma política da casa
régia, diferentemente do que ocorre, por exemplo, na França, onde os castelos são
2 MONTEIRO, João Gouveia, 1999, p. 29.
construídos em sua maioria por detentores locais do poder.3 Em Portugal o rei dá grande
importância à implantação de castelos, pois é através destes que ele garante a sua soberania,
ou sua existência. O Contexto de Reconquista ibérica é fundamental para entendermos essa
preocupação, que não se observa em regiões como a França e a Inglaterra.
Para manter esses castelos sob seu domínio o rei faz uso de uma política de
favorecimentos, através da qual nomeia funcionários para atuarem como administradores
desse castelo e também da jurisdição na qual ele se insere. Tal política se fundamenta
justamente nas relações de caráter feudal. Os senhores dos castelos são provenientes de
famílias eminentes, em geral, com as quais o rei se liga através de laços de fidelidade
vassálica. Há casos também em que o monarca nomeia um nobre de extração inferior como
maneira de recompensa por algum serviço feito por tal nobre. O espaço de atuação de poder
desses favorecidos é chamado alcaidaria e seu comandante, o alcaide.
Essa noção de que os alcaides eram funcionários nomeados pelo rei pode ser
claramente percebida nos documentos, e pouco se coloca em dúvida uma certa liberdade
que o rei possui para faze-lo.4 Não pretendo colocar em questão essa verdade, mas apoiado
na bibliografia que utilizei para realizar esse trabalho, o rei sofre, também, algumas
pressões no que diz respeito à nomeação dos alcaides. As famílias de nobreza mais
tradicional, os ricos-homens, grupos de nobres mais próximos ao rei farão certa pressão
para que seus preferidos sejam nomeados ou mantidos na chefia de alcaidarias.5 Nota-se em
alguns documentos que, em situações emergenciais, em virtude da morte do alcaide sem
que se pudesse ter designado alguém para comandar a alcaidaria após a sua morte, deveria
assumir essa alcaidaria um parente seu, em idade e que seja homem, e caso não se encontre
um parente, que seja elevado ao cargo um homem da região que apresente boas
qualificações, e deverão comunicar a alteração ao rei, esperando desse a mercê.6
Aparecem aí e em outros documentos referências à existência de mecanismos de
sucessão familiar no comando das alcaidarias, e José Mattoso deixa isso claro quando
escreve: “Quanto aos alcaides, parece evidente que, na maioria dos casos, são de nomeação
régia. Isto não impede de se verificar uma certa tendência para a sucessão familiar, como
3 FOURQUIN, Guy. Senhorio e feudalidade na Idade Média. Lisboa, Edições 70, trad. Fátima Martins
Pereira. 1970.
4 Crônica de D. Fernando cap. 1; 36; 39; 79; 88; 117
5 MATTOSO, José. Ricos-homens infanções e cavaleiros. A nobreza medieval portuguesa nos séculos XI e
XII. Lisboa. Guimarães editores. 1998.
6 Ordenações Afonsinas apud MONTEIRO, João Gouveia, 1999, p. 237.
acontece em Santarém com a família dos Dades e em Atouguia com a família de mesmo
nome. Pode acontecer, porém, que o rei intervenha também, mesmo nestes casos, devido a
acidentes sucessórios naturais. De facto, a sucessão daquelas famílias verifica-se apenas
durante duas ou três gerações”.7
Como pudemos observar, existem mecanismos de sucessão familiar, mas para que
eles tenham validade é preciso que ocorra uma aceitação por parte do rei, confirmada pela
cerimônia de menagem. Era da praxe dos monarcas, logo após assumirem o trono, realizar
durante algum período as confirmações, onde reafirmavam os cargos de alcaides nomeados
por seus predecessores.
O caso da sucessão familiar é um primeiro exemplo de que as nomeações de
alcaides deve obedecer uma certa regra, não documentalmente estabelecida, senão parte de
uma tradição e necessidade de apoios políticos. Um outro exemplo, talvez ainda mais
complexo que o primeiro, é quando observamos a interferência dos concelhos ou de
poderosos senhores locais na escolha dos alcaides. Como exemplo o caso do Concelho da
Guarda nas Cortes de Lisboa de 1439. Nessa reunião das Cortes “os procuradores da
Guarda alegaram que, segundo o foral da cidade, quando falecia o alcaide do castelo, os
homens-bons deviam eleger por alcaide um tal que o merecesse; e era mercê do rei entregar
a alcaidaria àquele que por eles tivesse sido escolhido e, conseqüentemente, receber dele
menagem pela fortaleza”.8
Observa-se ainda que por vezes a monarquia encontrava dificuldades ao nomear
determinados personagens como alcaides-mores de determinadas fortalezas. Na maioria das
vezes era possível contornar a situação e o rei colocava efetivamente a pessoa que queria no
comando da alcaidaria, noutras situações, no entanto, o rei era forçado a ceder. Esse é um
dos motivos pelos quais a nomeação dos alcaides costumava basear-se em ‘apresentações’
feitas pelos poderes regionais.
Vale ainda destacar o caso das Ordens Militares, que em Portugal dominavam
muitos castelos, principalmente na região sul do país, onde foram responsáveis pela
manutenção das fronteiras e a organização do povoamento desde as épocas da Reconquista.
Essas Ordens merecem destaque, pois dentro de seus regulamentos internos há trechos que
proíbem a entrega, por parte dos Mestres dessas Ordens, de castelos da Ordem a seculares.
7 MATTOSO, José, Identificação de um país, vol. II, p. 127
8 MONTEIRO, João Gouveia, 1999, p. 240.
Há também trechos que determinam que nenhum freire deve tomar qualquer castelo das
mãos do rei ou de um rico-homem sem a licença do respectivo Mestre. Havia também a
proibição de que os freires prestassem menagem por qualquer castelo a não ser que fossem
freires fidalgos.9
“O caráter peculiar do comando das fortalezas que estavam sujeitas a tutela das
Ordens Militares transparece também, de forma bastante expressiva, no relato da Visitação
de Sines, realizada em 1480 (...) procedeu a uma espécie de prestação de menagem ao
príncipe, através do Visitador, tendo declarado que tinha a alcaidaria-mor e o castelo de
Sines pelo príncipe e pela Ordem”.10
Ladero Quesada escreve que em Castela a titularidade das fortificações podia estar
nas mãos da realeza, de senhores fortes, bem como das municipalidades, embora
teoricamente o poder de construir ou autorizar a construção de castelos repousasse somente
nas mãos da monarquia. Em Leão, do contrário, a monarquia perdeu o controle dos castelos
para a nobreza senhorial, ocorrendo um processo de patrimonialização das fortalezas, de
modo que a tenências passaram a ser vitalícias e hereditárias.
Observando os processos de nomeação de alcaides em Castela e Leão 11somos
levados a refletir se em Portugal não ocorreram processos semelhantes e quiçá os motivos
de ter ou não ocorrido tal fato. Para tanto utilizaremos um trecho de Oliveira Marques que
escreve a respeito do patrimônio senhorial: “Em muitos casos, nem todo o patrimônio
referido pertencia ao senhor em plena propriedade, como seus bens próprios, por ele
herdados, comprados ou escambados: parte estava nas suas mãos como bens da Coroa
concedidos ‘de juro e herdade’, isto é, transmissíveis aos seus descendentes sem
necessidade de novas doações, mas requerendo confirmação por cada novo soberano; parte
ainda estava em suas mãos como ‘préstamo’ ou ‘graça e mercê’ (a antiga ‘tenência’),
revogável ao arbítrio do rei e limitado por determinadas condições. (...) Por certos bens
doados, quer em préstamo quer de juro e herdade – caso dos castelos – o nobre havia de
prestar ‘menagem’ ao rei ou a outro senhor de quem os tivesse (...)”.
Existiam então duas formas de se obter o controle de um castelo em Portugal. A
guarda do castelo podia ter-se conseguido por “herdamento”, sendo que nesse caso só se
9 MONTEIRO, João Gouveia, 1999, p. 243.
10 MONTEIRO, João Gouveia, 1999, p. 244.
11 Oliveira Marques apud MONTEIRO, João Gouveia, 1999, p. 245
entregaria ao rei em pessoa, ou por “tenência”, e dessa forma o castelo podia ser entregue
ainda ao “certo recado do rei”.
Em suma “a pressão concreta dos acontecimentos e das personagens e/ou
instituições envolvidas deverá ter diminuído a capacidade da monarquia tirar pleno partido
das possibilidades que teoricamente lhe eram conferidas pela modalidade das tenências de
castelos entregues ‘enquanto nossa mercê for’. Tornadas, em alguns casos, vitalícias ou
mesmo hereditárias, estas descaracterizar-se-iam, ilustrando assim as dificuldades do poder
central em dispor livremente do comando de todas as alcaidarias do reino”.12
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARTHÉLEMY, Dominique. Os arranjos do espaço privado: séculos XI-XIII. In: DUBY,
Georges. História da Vida Privada. Da Europa feudal à renascença. São Paulo, Cia das
Letras, trad. Maria Lucia Machado, v. 2, 2001.
CONTAMINE, Philippe. Os arranjos do espaço privado: séculos XIV-XV. In: DUBY,
Georges. História da Vida Privada. Da Europa feudal à renascença. São Paulo, Cia das
Letras, trad. Maria Lucia Machado, v. 2, 2001.
FIGUEIREDO, Jorge de. Os castelos da história de Portugal.[S.l.: s.n.], [197?].
FOURQUIN, Guy. Senhorio e feudalidade na Idade Média. Lisboa, Edições 70, trad.
Fátima Martins Pereira, 1970.
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trad. F. de C. Serra Rafols, 1970.
LE GOOF, J. E SCHMITT, J.-C. Dicionário temático do ocidente medieval. São Paulo,
Edusc, trad. Hilário Franco Junior, 2002.
LOPES, Fernão. Crónica do senhor rei Dom Fernando nono rei destes regnos. Porto:
Livraria Civilização. 1979.
MATTOSO, Jose. Identificação de um País - ensaio sobre as origens de Portugal 1096-
1325. Lisboa: editorial Estampa, 1988. 2 vols.
12 MONTEIRO, João Gouveia, 1999, p. 247.
MATTOSO, José. Ricos-homens infanções e cavaleiros. A nobreza medieval portuguesa
nos séculos XI e XII. Lisboa. Guimarães editores, 1998.
MONTEIRO, João Gouveia. Os castelos portugueses dos finais da Idade Média: presença,
perfil, conservação, vigilância e comando. Lisboa, Edições Colibri, 1999.
PEVSNER, Nikolaus. Panorama da arquitetura ocidental. São Paulo, Editora Martins
Fontes, trad. José Teixeira Coelho Netto e Silvana Garcia, 1982.
SERRÃO, Joel (dir.). Dicionário de história de Portugal. Iniciativas Editoriais.
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