quinta-feira, 21 de junho de 2012

CRISE DA BORRACHA AMAZÔNICA

CAPITULO 2 - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 O EXTRATIVISMO NA AMAZÔNIA A região Amazônica brasileira constitui um território bastante extenso, com cerca de cinco milhões de quilômetros quadrados, onde uma enorme floresta tropical com uma rica fauna e grandes quantidades de recursos florestais, rios, igarapés e igapós (áreas de várzeas) constituem sua maior riqueza. A colonização dessa região, antes ocupada pelos índios, deu-se em um primeiro momento ainda quando o Brasil era colônia de Portugal, com o principal objetivo de proteger o imenso território da invasão de outros povos e na tentativa de detectar as possibilidades de exploração dos recursos florestais. Foram os missionários e sertanistas os primeiros a desenvolverem atividades econômicas logo no inicio da colonização, catequizando índios e colhendo as especiarias (drogas do sertão) para a coroa portuguesa. De acordo com Santos (1980:182): " ...em 1890 figuravam entre os principais produtos extraídos da floresta a castanha, a piassava, a salsaparilha e o urucu; por vezes, as pautas registravam também a andiroba (óleo), a copaíba, o puxuri, a acuaba, o patauá, etc". Entretanto, quando a borracha transforma-se de "droga do sertão" em matéria-prima estratégica para as indústrias dos EUA e Europa, configurando-se na quase única fonte de riqueza desta parte do Brasil, provoca segundo Martinello (1988:23-24) "...o período de maior expressão política, cultural e sócio-econômico da região Amazônica, gerando condições materiais e de vida nunca antes experimentadas, propiciando novos espaços vitais para a nação, além da revitalização de seu organismo social e financeiro". O aparecimento da vulcanização em 1839 descoberta por Charles Goodyear e, principalmente, a invenção dos pneumáticos por Dunlop em 1888, como também a invenção do automóvel e a massificação do uso da bicicleta, onde a borracha constituía-se na matéria-prima fundamental, são os fatores responsáveis pela grande "corrida" às fontes fornecedoras dessa matéria-prima, notadamente para a Amazônia que possuía grandes densidades de seringueiras. Esta região, então, torna-se a principal fornecedora mundial. Desta forma, a Amazônia brasileira que até então vinha passando por um processo de ocupação lenta baseado em atividades bem definidas (coleta extrativa das drogas do sertão e uma agricultura paralela), começa a sofrer transformações importantes. Sua principal atividade econômica passa a basear-se no monoextrativismo gumífero e um grande esforço em busca da nova riqueza é estabelecido. A medida que os preços da borracha subiam no mercado internacional, quantidades enormes de brasileiros embrenhavam-se na densa mata amazônica extraindo borracha. A grande indústria internacional, que necessitava da matéria-prima, criava todas as condições necessárias para a exploração da "hévea". De acordo com o quadro 01 a seguir, é possível visualizar as exportações brasileiras de borracha de 1856 a 1939. QUANDO 01 EXPORTAÇÕES DE BORRACHA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA 1856-1939 (em toneladas) ANOS QUANT ANOS QUANT ANOS QUANT ANOS QUANT 1856 1861 1866 1871 1876 1881 1886 1891 1896 1.906 2.215 5.434 6.765 7.909 8.506 12.690 16.650 19.500 1900 1901 1902 1903 1904 1905 1906 1907 1908 23.650 27.940 27.120 29.076 27.086 31.887 31.364 34.452 34.270 1909 1910 1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 34.700 34.248 33.518 37.178 32.141 29.925 29.772 28.305 29.217 1918 1919 1920 1921 1922 1930 1935 1939 - 24.713 33.252 23.586 17.439 19.855 14.138 12.370 11.861 - Fonte: Le Cointe, I-433-434; IBGE, Anuário Estatístico 1930-40 apud Santos (1980) A forma de relações de produção utilizada para produzir borracha na Amazônia foi o sistema de aviamento. Segundo Duarte (1987:19): "..este sistema consistia na manutenção da dependência do produtor direto, no caso o seringueiro, através do fornecimento, a crédito, de bens de consumo e instrumentos de trabalho. O seringueiro ficava obrigado a vender sua produção ao barracão do seringalista (dono do seringal) que lhe aviava (fornecia) as mercadorias de que necessitava. Os seringalistas por sua vez, eram abastecidos pelas casas aviadoras situadas em Belém e Manaus... ." Sobre o sistema de aviamento, Ferreira da Silva (1982:72/73) aponta que "o controle exercido pelo capital mercantil era de tal ordem que conseguia criar a população para a exploração do látex, reinventando o trabalho compulsório no momento mesmo em que o Brasil assistia o final da escravatura". Dessa forma, a grande industria internacional controlava todo o processo e, através de seus agentes, realizava a apropriação de todo excedente gerado na economia gumífera amazônica pelos seringueiros. Ainda sobre o aviamento, Oliveira (1985:2) destaca: "...o trabalhador era um escravo do barracão. Desde a partida do Ceará, principiava a dever. A passagem até Belém, de Belém ao seringal nos altos rios, os utensílios de trabalho, os víveres para três meses, tudo lhe era debitado... Nos anos iniciais de seu trabalho, não conseguia saldar o débito com o seringalista no barracão. Tinha que aviar-se com o patrão e os preços eram por ele ditados, pesadamente majorados. Era obrigado a pagar a renda da borracha e vendê-la ao seringalista, que também estipulava o preço em referência ao preço pago pelas Casas Aviadoras". Como visto, no início deste século a borracha apresentava-se como um dos produtos importantes de exportação do Brasil. Seu preço mantinha-se elevado devido, principalmente, a não ser possível atender completamente a demanda mundial. Dessa forma, a concorrência foi inevitável. Desde 1876, os ingleses vinham produzindo borracha de forma organizada em suas colônias na Ásia. Com o passar dos anos, essa produção começa a alcançar níveis elevadíssimos de produtividade o que, mais tarde, levaria a derrocada da exploração amazônica de borracha silvestre, principalmente devido aos altos custos da produção brasileira. Na tabela 02 a seguir, apresenta-se um comparativo entre a produção de borracha da Amazônia e Asiática de 1888 a 1913. QUADRO 02 PRODUÇÃO AMAZÔNICA E ASIATICA DE BORRACHA NATURAL 1888 – 1913 (em toneladas) ANO AMAZÔNICA ASIATICA 1888 1900 1902 1904 1906 1908 1910 1912 1913 21.900 26.750 28.700 30.000 35.250 38.850 38.150 40.500 40.000 1 4 8 43 646 2.120 8.103 28.500 40.000 FONTE: The Indian Rubber World (setembro/1913), apud Rodrigues da Silva (1996). A partir de 1913, com a produção asiática alcançando a amazônica, inicia-se um processo de crise no extrativismo com a estagnação da produção de borracha na região, situação que perdurou até a Segunda Guerra Mundial (1945), quando os japoneses invadiram os seringais da Ásia levando as indústrias usuárias a buscarem novamente na Amazônia a importante matéria-prima que necessitavam, dinamizando, embora de forma bem menos intensa que nos anos anteriores, a produção brasileira. Este período ficou conhecido como "batalha da borracha". Após a guerra, novamente o extrativismo gumífero amazônico entra em decadência. Entretanto, conforme Ferreira da Silva (1982), outros produtos como a Castanha-do-Brasil ganham importância. 2.2 O CASO DO ACRE Como visto, historicamente a Amazônia brasileira teve a sua presença garantida no cenário nacional graças aos recursos que podiam ser extraídos de sua floresta. A região onde hoje localiza-se o Estado do Acre antes do surgimento da borracha como matéria-prima estratégica para a grande indústria norte-americana e européia não despertava interesse e, inclusive, pertencia à Bolívia. Mas, a partir da Segunda metade do século XIX, devido aos motivos expostos anteriormente, esta região torna-se atrativa para as indústrias internacionais. De acordo com Duarte (1987:110): " ...na segunda metade do século XIX a região foi, aos poucos sendo ocupada por amazonenses, paraenses e cearenses, que subindo pelos afluentes do Amazonas e seus subafluentes, iam em busca da seringueira (Hévea brasiliensis), arvore gumífera da qual se extrai o látex, para fazer borracha. Aos poucos, todas as vertentes do Purus, Juruá, Acre, Iaco e outros rios, onde havia maior concentração de seringueiras, estavam ocupados por brasileiros". O Acre incorpora-se ao ciclo da borracha e começa a configurar-se economicamente para o monoextrativismo gumífero. Neste sentido, as terras acreanas sofrem um grande processo de crescimento populacional e a produção de borracha começa a aumentar significativamente, chegando o Estado a ocupar o primeiro lugar entre as regiões produtoras do Brasil, em 1907, segundo Júnior apud Duarte (1997). Esse crescimento mantém-se até a crise do extrativismo comentado no tópico anterior, que atinge o Acre drasticamente na medida em que a economia baseava-se quase que exclusivamente no monoextrativismo de borracha. Com a crise, os seringais aqui existentes são abandonados. Cidades que antes serviam de entreposto comercial esvaziam-se e os seringueiros são obrigados a diversificar suas atividades. Os remanescentes, agora "livres" da dependência do seringalista, passaram a dedicar-se a coleta de castanha -do-brasil, à caça, pesca e agricultura de subsistência etc. Oliveira (1985:21), com grande propriedade, resume o que acaba-se de delinear acerca da ocupação das terras acreanas da seguinte forma: "...o povoamento do Acre ocorreu, pois, sob o signo da extração gumífera, dirigida por elementos da intrincada rede mercantil que comandou desde o início essa atividade econômica". No território acreano, como em toda a Amazônia, após a crise que abalou o extrativismo de borracha a atividade estagna-se completamente, só voltando a apresentar alguns sinais de crescimento durante o período conceituado anteriormente como "batalha da borracha". Depois disso, o extrativismo gumífero novamente entra num processo de estagnação. Entretanto, vale notar que a base econômica do Acre continua sustentada nos recursos da floresta, borracha principalmente, configuração esta que caminha até os anos 70 quando mudanças importantes começam a ocorrer. Neste período pós-guerra, o extrativismo praticado na região acreana pode ser caracterizado como um aviamento reciclado, nas palavras de Souza (1990:11-12): "... a fase de exploração do látex em que, após a derrocada da maioria dos patrões seringalistas e o abandono destes dos seringais, a atividade contínua a sobreviver com novas relações de produção diferenciadas, onde surge a figura do seringueiro dito autônomo, meeiros, regatões e marreteiros, os quais passam a intermediar a produção através de um comerciante urbano que financia o sistema". Sobre o seringueiro dito autônomo, o Conselho Nacional dos Seringueiros - CNS (1992) destaca que o mesmo constitui uma categoria que representa o extrativista livre dos laços do patrão, porém tal liberdade refere-se às relações de submissão mantidas anteriormente, na medida em que continuou vivendo basicamente do extrativismo da borracha e da castanha, e que pelas condições de comercialização e abastecimento continuou dependente, agora dos marreteiros e /ou da política de preços para os produtos extrativistas. É importante observar que a condição de autonômo foi fundamental para o avanço político dos seringueiros como será apresentado posteriormente, pois são eles que, organizados em sindicatos e associações, iniciam a elaboração da proposta de criação das Reservas Extrativistas. 2.3 MUDANÇAS OCORRIDAS NO ACRE NA DÉCADA DE SETENTA A região do Acre até o final da década de sessenta, como visto, baseou seu desenvolvimento econômico em atividades extrativistas, principalmente na extração gumífera seguido da coleta de Castanha-do-Brasil. Entretanto, no início dos anos 70 o significado da geopolítica da região é completamente reformulado. Segundo Alves de Sousa (1998), com o objetivo de modernizar a economia, o Governo militar inicia a adoção de uma série de políticas para a região Amazônica como a criação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia –SUDAM, criação do Banco da Amazônia – BASA/SA , SUFRAMA - Superintendência da Zona Franca de Manaus, Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia –POLAMAZÔNIA etc. No bojo destas medidas, o extrativismo vegetal, que encontrava-se em crise, é duramente penalizado. A questão central é que a atividade extrativa não fazia parte das políticas que moviam os interesses dos militares, apesar de, naquele momento, ainda fosse responsável pela sobrevivência da grande maioria da população da Amazônia e do Acre. A decadência dos seringais nativos foi acentuada principalmente pela política de crédito do Banco da Amazônia S/A (BASA) que levou a maioria dos seringalistas a uma situação de endividamento tal que, para muitos, a solução foi a desativação e o abandono dos seringais. Isto fez surgir no Acre inúmeras áreas de terra disponíveis para transações. Coincidentemente neste momento, como apontado no parágrafo anterior, a Amazônia como um todo está sendo incorporada à política econômica e fiscal de incentivos ao investimento externo. O governo do Acre na época, talvez em busca de facilidades financeiras à sua administração, desencadeia propagandas das terras "férteis e baratas" do Estado no Centro-Sul do país. Os seringais acreanos, então, começam a trocar de donos, e configura-se uma nova exploração econômica das terras, trazendo consigo inúmeros problemas entre os antigos moradores e os novos proprietários. A seguir, enumeram-se de forma resumida fatores que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a corrida pelas terras acreanas. Fatores esses que favoreceram o deslocamento da base econômica tradicional baseada no extrativismo gumífero em favor da implantação da pecuária extensiva, ocorrendo o que ficou conhecido como a mudança da base produtiva. Além da "abertura" aos investidores do Centro-Sul adotada pelo governo local (1971-74), o preço relativamente baixo das terras pode ser considerado um fator explicativo importante. Outro fator que vale destacar, principalmente por estar relacionado com o fator anterior, é a especulação fundiária. Esse aspecto, segundo Ferreira da Silva (1982:45) "...foi a mola propulsora do interesse da maioria dos compradores do Centro-Sul pelas terras do Acre, onde a tônica era adquirir tudo o que fosse possível e garantir a posse à espera de valorização fundiária e, posteriormente, revendê-la com ganhos extraordinários". A exploração das terras acreanas toma nova configuração a partir das transferências do domínio sobre os seringais, provocando mudanças nas esferas econômica e social da região com reflexos importantes nos dias atuais. De acordo com Costa Filho (1995:13): "as derrubadas da floresta para a formação de campos e pastagens foi violenta; grande quantidade de seringueiras, castanheiras, árvores de madeira nobre, entre outras espécies foram derrubadas para a instalação da pecuária. Além disso, os pecuaristas necessitavam de terras sem posseiros, pois a pecuária é uma atividade que ocupa pouca mão-de-obra". Portanto, os seringueiros passam a ser vistos como ameaças aos novos compradores. Eles, que a muito tempo ocupavam as florestas, são tolhidos de seus direitos sendo expulsos das terras em função da mercantilização dos antigos seringais, fato que gerou um problema que até aquele momento o Acre não conhecia: a marginalização urbana. A tabela 03 e a figura 01 demostram a evolução do processo de desmatamento no Acre de 1975 (quanto intensificou-se a derrubada da mata para implantação da pecuária extensiva) a 1998. QUADRO 03 DESMATAMENTOS NO ESTADO DO ACRE 1975/78/80/88 ANOS Km2 % DO ESTADO 1975 1.165,5 0,8 1978 2.464,5 1,6 1980 4.626,8 3,0 1988 19.500,0 12,8 Fonte: Fearnside (1986b) e estimativas do Banco Mundial apud Costa Filho (1995) FIGURA 01 DESMATAMENTOS NO ESTADO DO ACRE 1975/78/80/88 Fonte: Fearnside (1986b) e estimativas do Banco Mundial apud Costa Filho (1995) Sobre a desativação dos seringais e o processo migratório Cavalcante (1993:10) comenta: " a desativação dos seringais e a implantação da pecuária extensiva de corte vai propiciar a formação de contingentes livres de posseiros, seringueiros, arrendatários, etc, que não mais ligados ao trabalho rural, vão migrar para as periferias das cidades...". No quadro 04 pode-se observar o processo de invasão das periferias urbanas, atentando-se para a queda relativa acentuada da população rural de 1970 para 1980, de 72% para 56% respectivamente. QUADRO 04 PARTICIPAÇÃO RELATIVA E VALORES ABSOLUTOS DA POPULAÇÃO RURAL E URBANA NO ESTADO DO ACRE - 1950/1990 Anos Rural Urbana Total Abs. (%) Abs. (%) 1950 1960 1970 1980 1990* 93.483 82 79 72 56 224.271 55 18 21 28 44 186.221 45 114.419 157.970 215.299 301.303 410.492 Fonte: Conselho Nacional dos Seringueiros (1992) apud Rodrigues da Silva (1996) * Valores estimados Sobre este período da história econômica acreana, Porfiro da Silva em artigo no Jornal "A Gazeta" de 5 de dezembro de 1998 aponta que: "...a partir dos setenta, os seringueiros não seriam mais vítimas apenas das intempéries naturais e da lógica econômica e política da economia do extrativismo. Neste instante, milhares de homens, mulheres e crianças seriam arrancados dos seringais pela crise da borracha, pelas políticas governamentais, pelos bovinosman, pelos próprios bovinos, pelas pastagens. Era a urbanização de Rio Branco entrando na modernidade, mesmo que extemporaneamente. Era um movimento contrário aos resultados da modernização selvagem da agricultura brasileira que levava o pequeno proprietário, o posseiro, e o parceiro miseráveis a aventurarem-se na fronteira agrícola. Por aqui os seringueiros, meeiros, aventuravam-se nas expectativas de urbanização do Estado, atraídos pelo surgimento das favelas, etc; era a fuga em direção ao paraíso perdido." Todo o movimento ocorrido no início da década de 70 afeta drasticamente o quadro das relações de produção e de trabalho dos seringueiros no Estado do Acre. No vale dos rios Acre e Purus os seringueiros, como visto, passaram a não mais exercer suas atividades sujeitos ao aviamento tradicional, ou seja, ao patrão e ao barracão. Entretanto, conforme afirma Costa Filho (1995), não fogem a dominação do capital mercantil na medida em que ganha importância a figura do "marreteiro" que adentra a mata substituindo o seringalista, aviando (fornecendo) o seringueiro com produtos industrializados a preços aviltados, um esquema que impedia a vinculação direta do seringueiro com o mercado. Os seringueiros permanecentes iniciam então um movimento de resistência contra a expulsão de suas colocações. Em um primeiro momento, esta luta vai contar com o apoio da igreja católica e CONTAG (Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura). A partir desse impulso inicial, os Sindicatos de Trabalhadores Rurais vão criar várias outras formas de luta contra a expulsão e o desmatamento, dentre elas merecendo destaque o "EMPATE" ( ato de impedir o desmatamento dos seringais praticado pelas famílias seringueiras). Sobre o EMPATE, vale destacar parte da entrevista do seringueiro Raimundo Medes de Barros apud Alberto de Souza (1998) sobre o "fazer-se" do termo: "O Empate foi uma palavra que nós criemo. Dentro do seringal, muitas vezes, numa festa, os companheiros queriam brigar, entrava dois e empatava deles brigar. É...o cara tava ali querendo avançar, querendo passar por dentro da minha estrada, com a estrada dele, eu fui lá e empatei dele passar, fiz ele fazer um arrodeio. O próprio seringueiro empatou do outro passar com a estrada dele dentro da dele. Então,... para impedir do sujeito desmatar a colocação, nós vamos lá empatar que esse sujeito faça isso. Então, a origem da palavra empate vem disso aí"(Depoimento oral do seringueiro e sindicalista Raimundo de Barros, Xapuri, 1994). Entretanto, os seringueiros necessitavam de alternativas para continuarem habitando as florestas. Foi assim, segundo Cavalcante (1993: 14), que "...surgiu a proposta do 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, como também, dentro das propostas aprovadas, surge uma alternativa econômica e ecológica para justificar a luta contra os desmatamentos na Amazônia: AS RESERVAS EXTRATIVISTAS". 2.4 AS RESERVAS EXTRATIVISTAS Como apontado anteriormente, a reserva extrativista "Chico Mendes" representa a região alvo de estudo do presente trabalho. Desta forma, nos parágrafos a seguir apresentam-se considerações acerca desse tipo de espaço territorial que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, o Conselho Nacional dos Seringueiros e a Central Única dos Trabalhadores apud Paula (1991:222) definem como: "...a reforma agrária do seringueiro. É o reconhecimento de áreas da floresta, ocupadas tradicionalmente por seringueiros e outros extrativistas, como áreas de domínio da União, com usufruto exclusivo dos seringueiros organizados em cooperativas ou associações. Na reserva extrativista não há títulos individuais de propriedade. Nelas serão respeitadas as culturas e formas tradicionais de organização e trabalho dos seringueiros, que continuarão a realizar a extração de produtos de valor comercial como a borracha, a castanha e muitos outros, bem como a caça e pesca não predatórias, juntamente com pequenos roçados de subsistência em harmonia com a regeneração da mata. ...A reserva extrativista, não é apenas a reforma agrária do seringueiro mas também uma forma de preservação da natureza e dos que dela dependem..." Após o processo de mudanças drásticas nas relações de produção e trabalho dos seringueiros no Estado do Acre ocorrido com as mudanças da base produtiva no inicio da década de 70, pouco foi feito por parte dos Governos do Estado e Federal no sentido de amenizar os problemas agrários advindos. Uma das estratégias adotadas pelo Governo Federal foi os projetos de colonização agrícolas. Entretanto, esta alternativa mostrou-se falha na medida em que os seringueiros saiam do interior da floresta para os projetos de colonização e, não adaptados com isso, findavam por deslocarem-se para as periferias da cidades. O Governo Estadual de Geraldo Mesquita (1975-1979) foi um dos poucos a implantar políticas públicas no sentido de amenizar a situação. Como exemplo, pode-se destacar segundo Batista (1995): orientação da pecuária e incentivo à agricultura de subsistência, incentivo à seringais de cultivo, criação da COLONACRE – Companhia de Desenvolvimento Agrário e Colonização do Acre, CAGEACRE – Companhia Geral de Armazéns do Acre, implantação dos Núcleos de Apoio Rural Integrado – NARI`s etc. Mas é o processo crescente de sindicalização dos seringueiros (iniciada por aqueles ditos autônomos) e a generalização dos conflitos contra a expulsão, bem como a pressão da classe dominante local sobre o aparelho estatal por "atuação mais enérgica contra a agitação no campo" (Paula, 1991:113), que refletem de forma direta na redefinição de políticas para a região. Sobre este ponto, Paula (1991) aponta que a intensificação das lutas sindicais no início dos anos oitenta, marcadas por momentos como a ação ocorrida no seringal Guanabara em Assis Brasil denominada pelo Jornal "O Varadouro" de operação pega fazendeiro, bem como o deslocamento de 304 homens para o Município de Boca do Acre/AM liderados por Wilson Pinheiro para auxiliar grupos de posseiros, etc, provocam uma nova estratégia de combate ao movimento por parte de fazendeiros, ou seja, a eliminação das lideranças (na noite de 21 de julho de 1980 três pessoas invadem o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia e eliminam o sindicalista Wilson Pinheiro, sendo que, dois dias após, trinta seringueiros matam a tiros o fazendeiro Nilo Sérgio, principal suspeito da morte de Pinheiro). A partir de 1980 então, crescem as mobilizações coletivas no campo ganhando espaço fora do Estado e, inclusive, no exterior. Em 1985 é realizado o Primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros, onde discute-se a proposta de criação das Reservas Extrativistas que de acordo com Batista (1995), ".. a idéia não deve ser atribuída como particular de uma ou duas pessoas, mas como uma idéia de um conjunto ... que necessitam de um espaço dentro da floresta para viver e trabalhar juntamente com sua família". Para Alegretti (1989:14) "..foi o próprio seringueiro que, através de lutas e experiências acumuladas chegaram a idealizar esse espaço". Então, em 1988 surge a "Alianças dos povos da Floresta" que segundo ainda Batista (1995) tinha como objetivo básico e principal a criação das reservas extrativistas. De acordo com entrevista concedida pelo sindicalista Sebastião Machado ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores - CUT/Ac e atual Diretor da EMATER/Ac em março de 1999, parte do movimento sindical não "se adequava" a proposta das reservas no início, existindo até muitos sindicatos contra. Foi daí que surgiu a proposta de criação do Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS com o objetivo de, segundo ele, "estudar os problemas". No ano de 1988, dois fatos pressionam politicamente as autoridades Estaduais e Federais no sentido da criação das reservas, ou seja, a ocupação da sede do IBDF pelos seringueiros no município de Xapuri/Acre em represália a interferência da polícia no "EMPATE" do Seringal Equador e exigindo explicações para a autorização da derrubada de 120 hectares, como também o assassinato da liderança maior dos seringueiros, com repercussão a nível mundial, Francisco Alves Mendes Filho (Chico Mendes). Em 1990 então, outorga-se o Decreto Presidencial que regulamenta a criação das Reservas Extrativistas. Para compreensão clara do processo histórico que originou e tornou as Reservas Extrativistas uma realidade na Amazônia, a seguir apresenta-se uma cronologia resumida dos principais acontecimentos desde a mudança da base produtiva em 70 até a assinatura do Decreto 98.987 que cria a Reserva "Chico Mendes" em 1990, com base no relatório final do seminário "Planejamento e Gestão do Processo de Criação de Reservas Extrativistas na Amazônia" (1998) apud Rodrigues da Silva (1996). ANOS 70 – início da expulsão de seringueiros das áreas extrativistas para as cidades. Início da organização dos mesmos em sindicatos de trabalhadores nos Municípios de Rio Branco, Xapuri e Brasiléia. Em 1976 ocorre o primeiro "EMPATE" sob a liderança do Presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Brasiléia, Wilson Pinheiro. ANOS 80 – Assassinato de Wilson Pinheiro. Enquadramento de Francisco Alves Mendes Filho (Chico Mendes) na Lei de Segurança Nacional. Criação do Centro de Trabalhadores da Amazônia (CTA), entidade que desenvolve propostas para educação em áreas extrativistas. Em 1985 ocorre em Brasília o I Encontro Nacional dos Seringueiros, onde delineiam-se os primeiros esboços da proposta das Reservas Extrativistas. Em 1987, ações conjuntas de índios e seringueiros dão origem a "Aliança dos Povos da Floresta". Em março deste mesmo ano "Chico Mendes" participa em Miami e Washington, nos EUA, de Fóruns do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que resultam na suspensão dos empréstimos para o asfaltamento da BR – 364 no sentido Porto Velho/RO Rio Branco/AC. Em junho de 1987 o INCRA baixa a portaria 627, que institui como componente do Plano Nacional de Reforma Agrária a figura do PAE – Projeto de Assentamento Extrativista. Em fevereiro de 1988 ocorre em Rio Branco o Seminário "O Desenvolvimento da Amazônia e a Questão Ambiental", onde o Governo local, atendendo a pressões, decreta a criação da Reserva extrativista de São Luis do Remanso, sendo este Decreto referendado pelo INCRA através da Portaria 472, que aprova a destinação do imóvel para Projeto de Assentamento Extrativista. Em Abril de 1988 ocorre o "EMPATE" no seringal Cachoeira, e a posterior invasão de seringueiros a sede do IBDF no município de Xapuri. Em dezembro de 1988 "Chico Mendes é assasinado e o fazendeiro Darly Alves, que teve sua derrubada no seringal Cachoeira empatada, é responsabilizado pelo crime. Em 1989, é aprovado no Congresso Nacional a Lei 7.804 de 8 de julho, que inclui na legislação ambiental a possibilidade de criação das Reservas Extrativistas (art. 9, Inciso VI). ANOS 90 – É assinado o decreto 98.987 que regulamenta a Lei 7.804 e outros dois Decretos que criam no Acre as Reservas Extrativistas "Chico Mendes" (Vale do Rio Acre) e a Reserva do Alto Juruá. No Estado do Acre, atualmente existem duas Reservas Extrativistas – RESEX´s e cinco Projetos de Assentamento Extrativistas – PAE´s. Isto pode ser visualizado na tabela a seguir, que apresenta a localização, ano de criação e área (ha) das Reservas e Projetos de Assentamento Extrativistas da Amazônia Brasileira. QUADRO 05 RESERVAS EXTRATIVISTAS E PROJETOS DE ASSENTAMENTO EXTRATIVISTAS NA AMAZÔNIA Nome/Tipo Localização Ano de criação Área (ha) Chico Mendes /RESEX Acre 1990 976.570 Alto Juruá/RESEX Acre 1990 503.186 Rio Ouro Preto/RESEX Rondônia 1990 204.583 Rio Cajari/RESEX Amapá 1990 481.560 TORAL/RESEX 2.165.899 Antimari/PAE Amazonas 1989 260.227 Maraca III/PAE Amapá 1989 226.500 Terruã/PAE Amazonas 1989 139.295 Maraca I/PAE Amapá 1989 75.000 Santa Quitéria/PAE Acre 1988 43.247 S. Luís do Remanso/PAE Acre 1989 39.752 Riozinho/PAE Acre 1989 35.896 Figueira/PAE Acre 1987 25.973 Cachoeira/PAE Acre 1989 24.973 Maraca II/PAE Amapá 1989 22.500 Porto Dias/PAE Acre 1989 22.145 TOTAL PAE 915.508 TOTAL GERAL 3.081.407 Fonte: Governo do Estado do Acre – Secretaria de Meio Ambiente (1998). Além das RESEX´s e PAE´s, no Acre encontram-se outros tipos de áreas protegidas por Legislação. A tabela 06 destaca as mesmas, bem como seus respectivos tamanhos. QUADRO 06 ÁREAS PROTEGIDAS NO ESTADO DO ACRE CATEGORIA ÁREA ABSOLUTA (Ha) Unidades de Conservação Reservas Extrativistas Projetos de Assentamentos Extrativistas Áreas Indígenas Área de Entorno das UC`s Reserva Legal Áreas de Preservação Permanente TOTAL 922.068 1.476.756 290.699 1.705.489 1.260.120 4.329.838 938.422 10.923.392 Fonte: Instituto de Meio Ambiente/AC –1995 apud FGV/ISAE (1998) UC´s = Unidades de Conservação De um objetivo inicial relacionado com a Reforma Agrária na Amazônia, as Reservas ganharam dimensões muito maiores que podem ser resumidas nas palavras de Costa Filho (1995:20) da seguinte forma: "...os principais elementos ....seriam: o ecológico – sem a floresta não há extrativismo e sem este a terra não interessa aos seringueiros; o econômico – permanecer na terra significa garantir a sobrevivência, e, o sócio-cultural – resistir também vai significar o direito de ser extrativista". Entretanto, como caracterizar economicamente a produção familiar que acontece atualmente na reserva Chico Mendes no Acre? quais seriam as atividades mais eficientes e termos econômicos desenvolvidas pelos seringueiros que lá habitam? São questões importantes que este trabalho tenta responder nos capítulos seguintes. O detalhamento de como a avaliação foi realizada bem como os resultados observados são apresentados a seguir. COPYRIGHT AUTOR DO TEXTO

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