segunda-feira, 18 de junho de 2012
FALÊNCIA DO VALE DO PARÍBA
APOGEU E DECLÍNIO DO ESPAÇO AGRÁRIO
NO MÉDIO VALE DO PARAÍBA: SÉCULO XIX AO XXI.1
Alexandre Wagner Longhin2
O presente artigo trata do processo de transformação da paisagem do Médio Vale do Paraíba e tem como
foco principal, acompanhar as modificações do espaço agrário desta região historicamente ocupada e alterada
por diferentes intenções econômicas e políticas e usos tecnológicos. Um processo de degradação que iniciou
com a retirada da floresta tropical – Mata Atlântica - para dar lugar as plantações de café em meados do
século XIX, para depois passar pelas pastagens que serviu a pecuária bovina leiteira e finalizar, com a
degradação não só ambiental, mas produtiva e social no campo, herança de um quadro histórico que inclui
vários fatores que aqui serão descritos.
O Médio Vale do Paraíba desempenhou, no século XIX, um importante papel na economia do Brasil.
Nesta região acontecimentos políticos e econômicos, envoltos pela cultura do café, marcaram
definitivamente a história deste país. Ao se referir ao Vale do Paraíba, alguns autores tais como, Luiz Corrêa
de Azevedo, Sheila S. de Castro Faria, Humberto F. Machado, Moacir Werneck de Castro,3 entre outros,
tratam de focalizar os momentos principais da historiografia da região.
Uns enfatizaram o período do apogeu quando, em meados do século XIX, barões competiam entre si por
terras virgens, mão-de-obra escrava, plantações de café e nobres palacetes. Este período não só colocou o
Vale em evidência na economia e na política do Império, como tratou de inserir o Brasil num cenário de
destaque internacional como grande produtor agrícola.
No entanto, outros autores destacaram o período do declínio, no final do século XIX, quando chegaram ao
fim a escravidão, as terras virgens e ricas do Vale e o acesso aos créditos bancários. Para piorar o cenário, a
baixa cotação dos preços do café no mercado internacional resultou na repercussão negativa do
desenvolvimento rural do Vale. Tal crise gerou a falência de numerosos proprietários, arruinando todo um
sistema baseado na cultura do café com utilização de mão-de-obra escrava, e que não foi capaz de encontrar
saídas sustentadas por ações políticas e econômicas que mantivessem esta região com a vocação ao setor
agrícola.
Para o espaço geográfico do Médio Vale do Paraíba ser o nosso objeto de estudo, foi preciso reunir os
acontecimentos físicos e humanos da região, como: natureza, cultura, política e economia, para que
pudéssemos mostrar a situação atual da região. Faz-se necessária à análise de como tudo isto ocorreu e a
maneira pelo qual, este setor da economia continua sendo afetado na região. Embora a economia cafeeira,
ainda hoje, represente fortemente o país nos mercados internacionais, a realidade do espaço agrário na região
do Médio Vale do Paraíba que nada mais significa para a produção cafeeira se iguala ao um ostracismo
produtivo, pois generaliza-se a ausência de produção de porte de quaisquer produto.
Chegamos à conclusão de que a ocupação no Vale foi responsável pela exploração da madeira, do solo,
das águas, a ponto de causar um desequilíbrio produtivo e influenciar, demasiadamente, no Capital Natural4 e
1 Artigo baseado na dissertação de mestrado apresentada a Universidade Severino Sombra, Programa de Estudos em História
Social, em 11 de outubro de 2007, sob o título: “Apogeu & Declínio: Fazenda Ribeirão Frio no Médio Vale do Paraíba “
2 Mestre em História Social pela USS, especialista em Análise Regional do Espaço Geográfico pela Universidade Federal do Acre
e graduado em Licenciatura de Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - SP
3 AZEVEDO, Da cultura do café. Memória sobre a fundação e custeio de uma fazenda na província do Rio de Janeiro em 1877.
Brasília: Senado Federal, 1985. FARIA, Fortuna e Família em Bananal no século XIX. In: CASTRO, Hebe Maria Mattos de
Castro; SCHNOOR, Eduardo Achonoor. (org.) Resgate: uma janela para o Oitocentos. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.
MACHADO, Escravos, Senhores e Café: A Crise da Cafeicultura Escravista do Vale do Paraíba Fluminense: 1860-1888. Niterói:
Cromos, 1993. WERNECK DE CASTRO, Org. No tempo dos barões: histórias do apogeu e decadência de uma família
fluminense no ciclo do café. Rio de Janeiro: Bem-te-vi Produções, 2004.
4 Capital Natural (termo utilizado pelo economista Enrique Leff) é constituído pelos recursos oferecidos pela natureza. É um fator
de produção que pode ser usado para consumo e para investimentos e tem valor econômico. Alimenta os processos produtivos
humanos e oferece minerais, madeira, cultivos, permitindo a acumulação de outras formas de capital (físico, humano e intelectual)
e, em alguns casos, limita os processos produtivos. O Capital Físico se refere ao estoque de máquinas, equipamentos, edifícios,
conseqüentemente, na difícil recuperação do espaço agrário como área produtiva e retentora de mão-de-obra
no campo. Como resultado, este mesmo Capital Natural decaiu, suprimindo as inúmeras alternativas de
produção posteriore ao apogeu da cultura cafeeira do século XIX. Infelizmente, ainda hoje, perpetua um
marasmo produtivo na região do Vale, especialmente na região do sul-fluminense, devido a fatores como:
ausência de florestas tropicais nativas ou reflorestadas, novas e atuantes políticas agrícolas regidas pelo
Estado do Rio de Janeiro, ao estado precário do poder aquisitivo dos proprietários, aos conflitos familiares
com disputas judiciais pela divisão das terras, a baixa capacidade de sustentabilidade do solo, o desequilíbrio
constante do volume hídrico e a pressão gerada pela urbanização e industrialização da região.
A base para a elaboração deste artigo está além da integração de diversas ciências, está nos relatos
literários atentos às transformações da região, escritores viajantes que foram capazes de absorver e transmitir
importantes dados da paisagem e da forma produtiva. Dentre as literaturas, a que mais atraiu como
estimuladora na profusão de dados, foi a passagem de Zaluar pelo Vale, registrada na obra Peregrinação pela
Província de São Paulo.5 Foi também necessário resgatar documentos de fazendas, cartórios e realizar
entrevistas com vários proprietários.
Os registros de viajantes, políticos, fazendeiros e outros que relataram suas impressões, traçando,
inclusive, perspectivas para o futuro das propriedades, abordam as diversas formas de desperdício dos
recursos naturais e financeiros e a confusa e crítica situação agrária sempre presente. Estes registros serviram
de valiosas fontes documentais e comprovam o declínio do Médio Vale do Paraíba e do Capital Natural.
Atualmente, o que se vê na região é uma imagem congelada, estagnada, cujo “marasmo” produtivo em
nada se compara ao século XIX, um período de imensa produtividade e prosperidade. Hoje temos a
compreensão de que, nos séculos passados, a sociedade agroprodutora acreditava que tinha conquistado
definitivamente o reino da natureza, mesmo às custas da destruição de enormes áreas e da redução, ou até
extinção, de algumas espécies. Porém, ainda que pregue uma nova consciência ambiental neste início do
século XXI, a forma predominante do homem de se apropriar e utilizar os recursos naturais provocou, e ainda
provoca, inúmeros desastres que direta e indiretamente atinge a sociedade em crise, e o Vale do Médio
Paraíba é a própria prova desta ação.
Sabemos que a utilização da natureza pelas sociedades humanas é um processo longo, múltiplo e
complexo. Somos todos contemporâneos de um impasse civilizatório, cujo princípio está no modelo de
desenvolvimento praticado que absorve rapidamente os recursos naturais, de modo a causar impactos
negativos na sustentabilidade desses recursos, especialmente nas formas de vida. Os atuais modelos de
produção e consumo dominantes constituem o eixo de sustentação que entende a natureza apenas como fonte
de matéria-prima e energia.
Hoje, as propriedades ao longo do Médio Vale do Paraíba carregam um valor venal muito mais
relacionado ao conjunto histórico do passado de cada uma delas, do que efetivamente da capacidade
produtiva agropecuária. Por isso é tão difícil acreditar que o crescimento econômico através de atividades
relacionadas à agropecuária, em uma propriedade do Vale, possa recuperar o lugar no cenário agroeconômico
do país, com o uso da terra para produção de alimentos ou de bio-combustível.
O contrário deveria estar acontecendo nesta região do Brasil cuja concentração populacional, capital e
tecnologia são significativas para o uso de forma intensa do espaço rural. Neste caso, a aplicabilidade
produtiva dirigida ao abastecimento da grande urbanização que ocupou a região também seria responsável na
contenção do êxodo rural acometido pela falta de perspectiva que o campo tem gerado nos últimos anos. E
infra-estrutura, entre outros, acumulado através de investimentos realizados ao longo dos anos. O capital humano refere-se às
habilidades adquiridas e incorporadas no indivíduo, que incrementa o seu potencial produtivo. Já o Capital Intelectual é o estoque
de conhecimento útil não incorporado.
5 Antonio Emílio Zaluar, Filho do major José Dias de Oliveira Zaluar, nasceu em Lisboa em 14 de fevereiro de 1825, naturalizouse
brasileiro em 1856, e faleceu no Rio de Janeiro em 3 de abril de 1882. Escritor português responsável por várias obras, inclusive
a Peregrinação pela Província de São Paulo, 1860-1861. Um conjunto de relatos que não só apresenta as paisagens mas as
dificuldades de locomoção, as práticas produtivas, as ações políticas, os modos culturais de uma sociedade que ostentava títulos
nobiliários. Enfim, descreve um Vale que não existe mais porém já assinalava um futuro enigmático.
ainda, serviria de palco para o uso de tecnologia de ponta associadas as maiores universidades e empresas do
país que aqui se encontram.
Vale ressaltar que a grande maioria das práticas agrícolas aplicadas hoje na região, são resultados
enraizados nos modos e na mente daqueles acostumados à cultura da abundância. Essa mesma cultura se
mostra ausente de conhecimento, de técnicas e políticas sérias de caráter agrário ou ambiental. Coopera
também para esta situação a falta de ações e capacidade dos órgãos competentes de apoiar, fiscalizar e
motivar proprietários de terras a produzir a contento. Muitos deles em estado de falência, com baixa estima,
estagnados, totalmente desmotivados a quaisquer tentativas que os faça sair do estado de crise financeira que
se abateu por todo o espaço agrário do Vale do Paraíba. Mas como e quando tudo isto começou?
A MATA ATLÂNTICA E O IMPACTO DO EUROPEU.
“Para o homem, a coexistência com a floresta tropical sempre foi problemática”.6 Com a Mata Atlântica
não foi diferente, o europeu encontrou enormes dificuldades em coexistir com a abundância de floresta
densa, fechada e escura. De fato, a mata possui um ambiente adverso daquele acostumado a conviver com
extensos campos. Explorar esta mata significava abrir caminhos, deixar permear a luz e tratar de modificar a
paisagem, tornando-a similar ao seu continente, para só então explorar.
Para conhecermos melhor a formação natural, partimos da estrutura geológica desta região do Médio Vale
do Paraíba que foi esculpida pela natureza ao longo do tempo. Ações geológicas executaram nas camadas
rochosas, dobramentos cristalinos, um desígnio geológico que significa sobreposição de camadas antigas de
rochas e contorcendo toda a parte externa desta região, provocando o enrugamento da superfície, expondo
pequenos cumes com arestas que ao longo do tempo, desgastes constantes de agentes erosivos como vento e
a chuva, deram-lhe a forma arredondada, batizada como mares de morros7.
Sabendo do valor das explicações geológicas que formaram o Vale no decorrer de milhões de anos,
partimos do pressuposto de que o ecossistema da Mata Atlântica é “recente”, formado da união dos fatores
físicos do interior da Terra e externos da superfície, combinados com a evolução dos seres vivos que
povoaram esse espaço no decorrer de milhões de anos, fez do Médio Vale do Paraíba uma paisagem de
floresta tropical pluvial. Esta característica, que identifica esse ecossistema hoje, surgia ao mesmo tempo em
que nossos ancestrais hominídeos lidavam com o fogo e ferramentas de pedras em busca de caça pela África
e Europa8.
A vegetação que caracterizou-se como a Mata Atlântica teria iniciado seu desenvolvimento enquanto os
continentes africano e sul-americano se separavam. Conforme foi se aproximando da zona climática tropical,
o descolamento diminuiu de intensidade enquanto a vegetação crescia em intensidade, porém o relevo
acidentado sobre granitos e gnaisses abundantes no sul-fluminense não forneceu condições ideais para uma
boa fertilidade (para os interesses agrícolas) e nem profundidade. Primeiro, porque a desagregação mineral
dessas rochas não oferece solos ricos. Segundo, porque o relevo acidentado não permite o acúmulo
demasiado de material particulado, que levado pelo vento e principalmente pela água das grandes
precipitações, é carregado pelo próprio sentido da gravidade às bases dos morros onde estão os vales.
Somente nestes é que encontramos solos mais profundos. De qualquer forma, biológicamente, o tempo de
formação da Mata Atlântica é recente e assim não houve tempo e condições topográficas que permitissem
solos “ricos” e profundos nos “mares de morros”.
É certo que os nativos habitantes desse território, bem antes da chegada dos europeus, também praticavam
desmatamentos. Entretanto, suas técnicas eram menos destrutivas e seu processo produtivo não exigia
acúmulo de capital. Não havia propriedade privada da terra, muito menos, valor de mercado, deste modo
preservou-se o potencial sustentável da floresta. A história da devastação da Mata Atlântica espalhada ao
longo da costa leste do Brasil, consiste logo da chegada dos portugueses que deram início à exploração do
pau-brasil no século XVI. Mais tarde, com o início efetivo da colonização, foi a vez das lavouras de cana-deaçúcar
no Nordeste e no século XIX, a vez do café, no Médio Vale do Paraíba, exterminando as florestas
6 DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: A história da devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras,
1996.Op. Cit. p. 23-24.
7 Denominação criada pelo geógrafo Pierre Deffontaines para as colinas na zona entre as serras do Mar e Mantiqueira.
8 BITAR, Omar Yazbek. Meio Ambiente & Geologia. São Paulo. SENAC. 2004. p. 55.
intensas desta região. A Mata Atlântica, de florestas densas encobrindo mares de morros, foi substituída
brusca e rapidamente por uma outra paisagem. Segundo Drummond, foi a maior floresta tropical destruída
pela atividade humana nos tempos históricos e talvez pré-históricos9.
Vivenciávamos o “ouro verde”, um momento da economia brasileira que transformaria a paisagem dessa
região para sempre, influenciando vivamente as questões políticas do país. Um passado rico determinado não
só pelo café, que tornou conhecida a região do Médio Vale do Paraíba, mas também pelo ecossistema de
grande diversidade que pode ter colaborado para a ocupação da região, abundante em terras agriculturáveis,
madeira, água e caça.
No início, a agricultura apresentou-se muito viável nos solos da antiga floresta. Esta profusão de elementos
como temperatura elevada e chuvas abundantes, se sobrepondo a um verde intenso, que “aparentemente” se
traduzia baseada em solo rico, ajudou a produzir grandes safras. O que não se discutia era a resistência deste
solo, se suportaria ou não a cultura cafeeira sem a proteção da floresta10. Mas em pouco tempo de produção,
apenas uma geração, e a resposta veio à tona.
POR QUE AS TERRAS DO VALE?
Até o início do século XVIII, a floresta espalhada pelo Vale permanecia pouco violada. Os caminhos,
legais ou ilegais, que levavam aos locais de exploração de ouro e pedras preciosas das Minas Gerais eram
ínfimos no sentido de causar grandes desmatamentos. Havia apenas pontos isolados, áreas ocupadas por
posseiros que aos poucos tomam as terras vizinhas aos caminhos que cruzam o Vale. São roçados dedicados
às culturas como feijão, mandioca e milho. Alguns poucos garantiam além da subsistência enquanto outros
sustentavam às tropas que circulavam pela região a caminho das Gerais e dos portos de Paraty e Rio de
Janerio.11
Um comércio de gêneros alimentícios e de animais que originário de Minas Gerais, se articulava com o
Rio de Janeiro, deu origem a um setor de subsistência mercantil o qual foi, também, responsável pela
ocupação no interior fluminense. Os recursos e os caminhos das tropas tiveram um lugar de destaque na
expansão da economia cafeeira. Assim, por essas vias de penetração foram se estabelecendo sítios e pousos
de tropeiros, os quais forneciam à capital, gêneros de açúcar, além dos primeiros cafezais.12
Até então, o interesse por terras no Vale do Paraíba parece não ter grande destaque, não há notícias de
proprietários de terras que tenham enriquecido por abastecer tropas que carregavam ouro ou mantimentos
entre o litoral e o sertão, nem imposições da Corte para que famílias ali se fixassem. A necessidade por terras
no Médio Vale do Paraíba cresce conforme eleva os interesses pela cultura do café, após a metade do século
XVIII.
Enquanto corria o dinheiro com os bons resultados que o ouro lograva pelo sertão das Minas Gerais, a
cidade do Rio de Janeiro, capital da Corte, experimentava os sabores de uma exótica bebida conhecida como
café. As primeiras mudas chegaram ao Rio de Janeiro por volta de 1752 e 176213, e em princípio ficaram
restritas a quintais e chácaras nos arredores dos vales montanhosos, próximos ao litoral. Eram plantados de
forma caseira, sem regras de espaçamento porque a produção era doméstica, para consumo próprio.
Aos poucos o café logo se torna matéria-prima para uma bebida apreciada pelas classes urbanas da Europa,
do Rio de Janeiro e de Minas. Esta planta originária das florestas do planalto etíope ganha mercado tanto
externo quanto interno, o que passa a provocar interesse por culturas maiores, até mesmo pela igreja que
rapidamente utiliza terras na baixada fluminense com grandes lavouras.
Passa a haver uma corrida pela produção cafeeira e às terras do Médio Vale do Paraíba tornam-se atrativas
devido principalmente, às condições climáticas. O volume provocado pelas chuvas no decorrer do ano era
mais intenso e as temperaturas mais amenas que as registradas na baixada, e por fim, sob a floresta havia um
9 DRUMMOND, José A. Mata Atlântica: a história de uma destruição. Revista Estudos Históricos, RJ, n. 17, 1996. p. 2
10 DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: A história da devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras,
1996. Op. Cit. p. 44.
11 MACHADO, Humberto F. Escravos, senhores & café: a crise da cafeicultura escravista do Vale do Paraíba Fluminense 1860 –
1888. Niterói: editora Cromos. 1993 p. 22.
12 Ibid.,. p. 22.
13 DEAN W. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras. 1996. Op
Cit p. 194.
solo rico em matéria orgânica essencial a um bom desempenho desta planta. “Abatida à floresta, jaziam no
terreno troncos das grandes árvores, cortados a 80 ou 100 cm do solo, no período da estiagem. Depois de
seca a ramagem à vegetação miúda, o fogo vinha calcinar o remanescente”14.
Inicia-se uma dedicação exaustiva a cafeicultura. Rompe-se florestas independente da existência de
encostas acidentadas, de solos frágeis ou da possibilidade de grandes precipitações acumuladas em uma única
tormenta de verão. Pensava-se na oportunidade daqueles espaços naturais serem produtivos por algo tão
cobiçado no mercado externo como era com o café na Europa.
As terras de preferência se requeria ao Rei através das sesmarias e calculava-se o número de escravos
necessários à labuta. O importante era fazer como todos faziam: derrubar, queimar e plantar, para depois
aguardar e colher a semente do fruto tão apreciado. Cerca de três anos após o cultivo definitivo na cova a
rentabilidade da planta ocorria mas seu vigor máximo seguia dos cinco aos dez anos, e depois decaía até
minguar com aproximadamente quinze anos.15
A ocupação passou a ser mais intensa por volta de 1800 quando a economia baseada na mineração entra
em crise, pois as jazidas do precioso metal se rarefazem e não há uma compensação imediata por outros
produtos de igual valor que substitua na região produtora. Assim, mineradores buscam se fixar no Médio
Vale do Paraíba como fazendeiros e se estabelecem às margens dos velhos “caminhos do ouro”.
Aos mais pobres coube o desenvolvimento de uma pequena agricultura de gêneros alimentícios. Já outros
chegaram ao Vale, enriquecidos do sertão das Gerais pelo ouro, é o caso da família Werneck, uma das
pioneiras no cultivo do café na região, ligadas à aristocracia rural fluminense, e que tiveram forte influência
na vida econômica, social e política da região.16
Enquanto prosseguia a crise do ouro, se estabelecia uma crise política manifestada em várias capitanias
pela elite proprietária contra o absolutismo da Coroa. Em meio a esta dificuldade administrativa, soluções são
emanadas e a distribuição de sesmarias é uma das tentativas de amenizar a situação. Aos moldes do século
anterior, a doação de terras era uma aposta no comércio de produção de grãos, só que desta vez, age-se nas
terras às margens do Rio Paraíba do Sul, principal recurso hídrico do Vale. Desta forma, cresce a pressão
sobre os nativos expulsos e aldeados até mesmo sobre aqueles europeus que já se encontravam na região
como posseiros.
Não só latifúndios ocuparam as terras, existiam várias fazendas menores e sítios que produziam café e
alimentos para o mercado local e regional. Abasteciam não só as tropas de viajantes como as fazendas
lotadas de escravos e café, cidades do sertão das Gerais e a própria metrópole, utilizando-se de mão-de-obra
escrava. Era o início da grande investida sobre as terras do Médio Vale do Paraíba. Os desmatamentos
pontuais, elaborados por nativos e por aqueles que posteriormente vieram a se fixar junto aos caminhos dos
sertões, dão lugar a uma rápida investida pela terra nua, pronta a receber as mudas de café.
Em São João Marcos, Piraí e Barra Mansa, ano de 1827, segundo o depoimento constante do livro O
Tombo, em geral registrava o que constituía uma parte integrante da Fazenda Santa Cruz, que pertencera aos
jesuítas. Fora incorporada ao domínio da Coroa e ocupada por várias centenas de pessoas que se haviam
instalado naquelas terras, loteando-as e transformando-as em propriedades privadas. Havia 176 fazendeiros
que dispunham de 6.309 escravos, a produzirem 173.820 arrobas.17
Os interesses eram muitos. Por parte dos fazendeiros havia o empenho na produção do café. Do lado da
Coroa existia o interesse em arrecadar impostos, e até por parte dos comerciantes de escravos que passariam
a ser peça fundamental para o sistema produtivo da época. Por estes motivos, a transformação da paisagem
foi súbita. A necessidade de abastecimento de todo este contingente com alimentos e a geração de capital
para proprietários e governo, fincaria no Médio Vale do Paraíba um destino que selaria negativamente o
potencial de seu Capital Natural. As auguras que passariam a ser praticadas para sustentar toda uma época de
ostentação, se refletiriam na derrocada, na decadência vindoura que trataremos mais adiante.
14 Ibid., p. 116
15 CANABRAVA, Alice. P. História econômica: estudos e pesquisas. São Paulo: Hucitec, 2005. p.113.
16 MACHADO, Humberto F. Escravos, senhores & café: a crise da cafeicultura escravista do Vale do Paraíba Fluminense 1860 –
1888. Niterói: Editora Cromos. 1993 p. 32.
17 HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da Civilização Brasileira. Difusão Européia de Livros, SP. 1972. 3ª edição. Vol.
2. p. 331
O uso da mão-de-obra escrava na cultura cafeeira pelo Médio Vale do Paraíba apenas acentuou uma
prática que já vinha sendo utilizada no território, principalmente nas regiões onde ocorria a exploração de
ouro e de outras pedras valiosas.
Compreendendo a dimensão de uma floresta, densa e diversificada como é a Mata Atlântica sob terrenos
conhecidos como “mares de morros” e ainda habitada por animais peçonhentos, não é de se estranhar que a
cultura cafeeira implantada naquela época exigisse muitos esforços para substituir a floresta e manter no
lugar às novas e frágeis mudas de café em constantes capinas. O objetivo era evitar que pragas e a própria
regeneração da floresta sufocasse e privasse os cafezais de crescerem. Deste modo, a ausência de técnicas
mais apuradas levou à solução mais “conhecida”: o uso da mão-de-obra escrava.
A ORIGEM DOS MUITOS MISERÁVEIS E A DISTRIBUIÇÃO DE TERRAS.
Mesmo com pressões do governo inglês para a extinção do tráfico africano, o início do século XIX foi
marcado por grandes levas de escravos que entravam pelo porto do Rio de Janeiro, para satisfazer a ânsia dos
proprietários em transformar logo a floresta em cafezais. Esta pressão inglesa de coibir este mercado de
cativos acentuou o contrabando, foi uma reação advinda pela necessidade daqueles que se sentiam
prejudicados pelas medidas que forçava a uma possível interrupção deste comércio. A ausência do cativo
gerou a elevação de preços suficientes para aguçar os traficantes a burlar e arriscar o controle marítimo feito
pelos ingleses e garantir o abastecimento desta mão-de-obra.18
Na época havia uma relação entre o número de escravos e de pés de café, com capacidade para sustentar a
riqueza do fazendeiro, e além de assegurar um prestígio social, servia também para garantir créditos, pois
eram considerados como qualquer outro objeto de valor. A procura no mercado era maior que a oferta e
assim provocou uma rede de negociantes que burlavam os impedimentos ingleses.
Devido à demanda crescente por novas áreas de cafezais neste áureo período, ocorre uma transferência de
escravos lotados nos canaviais nordestinos para minimizar a elevação do custo da mão-de-obra no Médio
Vale do Paraíba.19 O açúcar estava com a cotação muito baixa e a produção brasileira não conseguia
competir com aquela produzida nas Antilhas, muito mais produtiva.
Quanto as terras, as doações por meio das sesmarias teve início no Brasil com Martim Afonso de Souza e
para recebê-las tinha que provar ser “homem de muita posse e família”.20 Era preciso ter posses suficientes
para estabelecer cultura no terreno e comprar os escravos necessários, uma prática que afastaria o pobre da
possibilidade de ter terras regularizadas.21 Porém, no regimento de Tomé de Souza, as terras não deveriam
ser doadas em quantidade além da capacidade de ser trabalhada e cada pessoa só poderia receber uma
doação, tendo que provar que não possuía nenhuma outra. As sesmarias eram terras incultas, não pertenciam
a nenhum senhor, mas já nascia da relação que para tê-las era necessário ter recursos financeiros disponíveis.
O momento era de ocupação portuguesa com o intuito de marcar presença nos territórios destas bandas.
Para a demarcação das sesmarias, as áreas conforme estabelecidas no Alvará de cinco de outubro de 1795
na capitania do Rio de Janeiro, deveriam possuir meia légua em quadra, 450 alqueires22. Uma vez escolhida à
área, os cartógrafos eram enviados aos locais para delinear as quadras e só depois eram distribuídas pela
Coroa aos futuros proprietários. Na prática, devido a uma forma de relevo bastante irregular, a dificuldade
para delimitar cada propriedade deveria ser imensa e o resultado só seria vantajoso para aqueles que
recebessem as primeiras quadras.
As sesmarias cedidas pelo rei D. João VI passam a servir não só aos interesses da Coroa, mas dos
movimentos crescentes de ocupantes por terras incultas na região. Estes procuram granjear áreas e adquirir
ainda mais escravos para um rápido desmatamento, disponibilizando terrenos para o cultivo de café. Neste
momento a administração do Rei estabelece junto à distribuição de terras, os primeiros cursos de agricultura
18 MACHADO, Humberto F. Escravos, senhores & café: a crise da cafeicultura escravista do Vale do Paraíba Fluminense 1860 –
1888. Niterói: Editora Cromos. 1993 p. 36-37.
19 Ibid p. 82.
20 LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil – Sesmarias e terras devolutas. RS: Ed. Sulina. 1954. p. 36.
21MUNIZ, C. M. L. Os donos da terra: um estudo sobre a estrutura fundiária do vale do Paraíba fluminense, no século XIX.
Niterói – RJ: UFF. 1979, dissertação de mestrado. p. 27.
22 Cada alqueire no Rio de Janeiro mede 24 mil metros quadrados.
no Brasil, porém declina as intenções por melhores tecnologias e conseqüentemente, produção, devido à
carência de recursos e docentes capacitados.23
Era base da Lei, ordem da Corte, que membros da igreja como padres e bispos, não poderiam receber
sesmarias.24 E a todos aqueles que por direito a recebessem deveriam, antecipadamente, ter a área fiscalizada
e medida sob forma de observar se realmente estava inculta e se não haveria sobreposições de áreas. Tudo
ocorria após o pedido de Confirmação cedido pelo Rei. Um processo que percorria os trâmites legais
utilizando-se, inclusive, de testemunhas para atestar que as terras eram devolutas, e só após partiam para a
demarcação efetiva da área a ser doada. Entretanto, “no Vale do Paraíba, muitas exigências não foram
cumpridas. As sesmarias doadas na Capitania do Rio de Janeiro deveriam possuir uma ou meia légua em
quadra, porém, o Marquês de Baependi recebeu de D. João VI, 540 quilômetros quadrados, o que
corresponde a 12 sesmarias de uma légua em quadra”.25
Enquanto alguns reclamam o direito por já serem posseiros nas terras do Vale, outros conquistam as
sesmarias pelas posses, porém financeiras. Fazendeiros dispostos a expulsar os posseiros de suas áreas e
desta situação surgem disputas, conflitos judiciais envolvendo não só antigos posseiros e novos fazendeiros,
como também sobreposição de áreas entre os sesmeiros. Para tentar conter os conflitos, em 1817 a Coroa
ordena a quem seja, independente da forma que foi obtida a terra, se por sesmarias, herança ou simples
ocupação, uma vistoria nas demarcações.
A disputa por tanta terra provocou uma distribuição por lotes menores, poucas propriedades passam a
ultrapassar os 500 alqueires.26 Há explicações para isto. Primeiro: o número de requerentes que era grande e
mesmo com a abundância de terras, havia limites não só geográficos, mas fiscais para verificar e controlar
toda região. Segundo: era mais fácil para os fazendeiros manter a guarda dos escravos e desenvolver maior
produção em áreas cujos limites poderiam ser percorridos com certa destreza, tanto pelos patrões quanto
pelos empregados e escravos. “Um dia a cavalo é o tamanho ideal de uma propriedade”27; e por último: a
densa e fechada floresta exigia muito trabalho para ser retirada e mantida “limpa”, isso consumia recursos
principalmente financeiros inviáveis. As poucas propriedades desta região fluminense que alcançaram
grandes áreas resultaram da aquisição, por parte de alguns fazendeiros de terras vizinhas.
TRABALHO, CAFÉ E ESCRAVOS.
Entre 1821-30, o café representava 19,6% das exportações e chegou em 1850 com 61,5%28. Um salto
significativo na economia brasileira sempre baseada na exportação. Neste intervalo de tempo, crises
internacionais foram acometidas no percurso e, como sempre, países periféricos como o Brasil sentiram o
reflexo, mas a cotação média do café chamava a atenção para a cultura, apesar dos riscos. Em 1821, a saca
valia 25$400 réis e em 1848 o valor era de 10$215 réis, cotações menores ocorreram no percurso deste
período, porém mesmo com a depreciação dos valores, a cafeicultura continua a se expandir.29
Havia no uso da mão-de-obra escrava alguns desperdícios, principalmente àqueles ligados a manutenção
de certas mordomias domésticas, como por exemplo, os acompanhantes. Outros eram desviados do trabalho
principal, porém não menos importante, como manter os acessos pelas estradas que escoavam a produção. E,
muitos também trabalhavam em atividades como pedreiros, ferreiros e carpinteiros para ensacar e equipar o
beneficiamento dos grãos colhidos nos cafezais, além de outras necessidades constantes de manutenção dos
casarões.
Mas o maior desperdício ficava por conta daqueles considerados domésticos, pois o requinte do modo de
vida de muitos fazendeiros exigia serviços de copeiros, muitos pajens para os homens, damas de companhia
23 CANABRAVA, Alice P. História econômica: estudos e pesquisas. São Paulo: Hucitec, 2005. p.157.
24 LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil – Sesmarias e terras devolutas.RS: Ed. Sulina. 1954. p.41.
25 MUNIZ, Célia M. L. Os Donos da Terra: um estudo sobre a estrutura fundiária do Vale do Paraíba Fluminense, no século XIX.
Dissertação de Mestrado em História da UFF. 1979. p.29.
opus cit. p. 29.
26 MUNIZ, Célia M. L. opus cit. p. 4.
27 Entrevista cel. Bento D. Gomes, proprietário da fazenda Ribeirão Frio.
28 CANABRAVA, Alice P. História econômica: estudos e pesquisas. São Paulo: Hucitec, 2005. p.145.
29 CANABRAVA, Alice P. História econômica: estudos e pesquisas. São Paulo: Hucitec, 2005. p.145.
para mulheres e crianças brancas. Isto sem contar os cozinheiros e outros tantos tarefeiros prontos a manter
todas as condições de um lar gigantesco e decorado ao estilo europeu.
Podemos entender que o mecanismo de elevação dos custos nas fazendas de café do Vale do Paraíba
onerava, violentamente, o produto final. Enquanto uma saca de café, em fazendas que utilizavam mão-deobra
livre, custava entre 7$200 e 9$800, naquelas onde predominava o trabalho escravo valia 15$000.30
Muitas doenças atingiam os escravos, algumas vezes já presentes no momento da compra desses devido
aos péssimos tratamentos que recebiam durante o tráfico. Também não era raro ocorrer epidemias pela
região, como a cólera. O risco do capital era alto demais, para ser dilapidado por doenças ou fugas. “O
fazendeiro que comprava 100 cativos calculava tirar no fim de três anos 25 escravos para o seu serviço”.31
A proporção do custo torna-se tão elevada, que adicionado ao fim do tráfico negreiro, os fazendeiros
passam a ter quase metade de sua propriedade avaliada pelo número de cativos. Buscavam até mesmo fazer
seguros para evitar riscos, pois necessitava garantir o capital imobilizado, além do mais, serviam para
garantir empréstimos e hipotecas junto aos bancos. Muitos proprietários seguravam os seus cativos como
forma de garantir o capital imobilizado, prevenindo-se das adversidades inerentes ao próprio sistema. Por
exemplo, a Cia. União Fluminense, de seguro de vida de escravos, constituía-se em uma associação de
pessoas que visavam “segurarem entre si contra os prejuízos provenientes da mortalidade de escravos [...]”.32
O DESPERDÍCIO.
Durante o período colonial, a comercialização do café é dominada pelos comerciantes portugueses que
articulavam as funções de intermediários entre produtores e exportadores. Depois da independência surgem
os comissários, ensacadores e corretores, geralmente filhos dos proprietários responsáveis pela venda do
café, intermediários entre o fazendeiro e o exportador, na maioria dos casos, estrangeiros.33
Percebe-se desta forma que havia uma prática individualista, cada proprietário busca seus interesses
próprios, construindo junto com membros da família os trâmites financeiros e comerciais, como juros para
empréstimos e os valores das sacas. A competição pela melhor aparência e maior ostentação, em especial
exibidas através do requinte dos palacetes, é uma nítida imagem de que cada proprietário buscava superar
metas para ter, principalmente credibilidade superior a seus concorrentes. Estar destacado como grande
produtor e negociador de suas safras não só representava ideal situação para acumular riquezas, mas também,
acesso à posição política privilegiada na administração pública.
Enquanto procurava explorar todas as terras virgens do Vale, não houve uma atenção séria em relação às
formas de produção, bastou reduzir a oferta desse precioso bem, para que houvesse as primeiras
preocupações quanto à continuidade dos rendimentos por parte dos proprietários. A queda da produção, em
algumas propriedades mais antigas, permitiu críticas sobre a necessidade de implantar outras formas de uso
agrícola, com tecnologia mais avançada.
Durante o Império o uso de métodos e tecnologia de plantio através de sementes e mudas de outros países,
conjuntamente com noções de zoologia e moléstias na pecuária, foram divulgadas com intuito de estimular o
uso da ciência no campo. Discutia-se a necessidade urgente em melhorar a relação de produção da terra, já
que “sem instrução agrícola adequada, o país não ofereceria condições para atravessar a crise de
transformação, que se tornava iminente com a mudança no regime de trabalho”.34
Porém, a aceitação de novas práticas no campo por parte dos fazendeiros, enfrentou dificuldades. A
utilização de escravos, os espaçamentos entre as covas, as formas das linhas de plantio e as constantes
capinas entre as plantas para evitar a competição com outras ervas, parecia ter engessado o método de plantio
30 MACHADO, Humberto f. opus cit. p. 91. SIMONSEN, Roberto. Aspectos da história econômica do café. In Revista do Arquivo
Nacional, n. LXV. Contribuição para o Congresso de História Nacional, promovido pelo Instituto Histórico geográfico Brasileiro,
1938, São Paulo, 1940, p. 53.
31 MACHADO, Humberto f. opus cit. p. 91. SIMONSEN, Roberto. Aspectos da história econômica do café. In Revista do Arquivo
Nacional, n. LXV. Contribuição para o Congresso de História Nacional, promovido pelo Instituto Histórico geográfico Brasileiro,
1938, São Paulo, 1940, em. SOARES, Sebastião F. notas estatísticas sobre a produção agrícola e carestia dos gêneros
alimentícios no Império do Brasil. 1860. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1977, p. 134/135.
32 Ibid.,em. Coleção das Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, 1870, p. 248.
33 CANABRAVA, Alice P. História econômica: estudos e pesquisas. São Paulo: Hucitec, 2005. p.142.
34 Ibid., p.158.
e obviamente, o uso da terra. A abundância de tantas áreas com matas, a certa “facilidade” em desmatar a
floresta e a agilidade da “limpeza” com o fogo, asseguravam a continuidade do sistema. O forte
desenvolvimento das mudas que cresciam sobre as cinzas e sobre a fértil camada de húmus, manejadas por
um exército de centenas de escravos, sustentava um coletivo de proprietários contente com os resultados.
O mesmo não ocorria para o beneficiamento do café, neste sim, os investimentos foram considerados pelos
fazendeiros. Acreditava que o lucro maior estava com os grãos selecionados, de melhor qualidade e também,
na capacidade de armazenamento, aguardando preços melhores nas entre-safras.
[...] deve ficar claro que essa repetição do mesmo padrão tecnológico na
lavoura não significa que os fazendeiros fossem avessos a mudanças
tecnológicas. A incorporação de máquinas de beneficiamento movidas a vapor
por esses mesmos fazendeiros demonstra o contrário. As máquinas, na década
de 1870, coexistiam com a rotação de terras e com a enxada e as queimadas nas
roças de café e de alimentos. Por último, temos que sublinhar que essas práticas
agrícolas só são factíveis em condições de baixa relação população-terra, ou
seja, com a presença de uma fronteira agrícola aberta.35
Desde que a cultura do café deixou de ser simplesmente de fundo de quintal e passou a ser comercial, os
métodos de cultivo foram praticados as cegas. Entendia-se que os morros, diferente dos vales, eram locais
mais propícios para a cultura porque permitia que o excesso da umidade, provocado pelas abundantes chuvas,
escorresse a tempo de não comprometer o bom desenvolvimento das plantas. Assim, as florestas nos morros
foram rapidamente transformadas em fileiras de cafés, alinhadas e tomadas do extremo topo até as partes
mais baixas. Este método também servia para facilitar a observação dos trabalhadores escravos empenhados
na lavoura. Alice P. Canabrava utiliza-se do termo “vigilância” marcada por capatazes que mantinham os
olhos atentos naqueles agarrados nas plantações. Infelizmente, o alinhamento veio por facilitar o escoamento
da camada fértil e sensível do solo superficial, conforme despejavam as fortes chuvas. Sem haver barreiras
nestes terrenos íngremes, valas entre os pés de cafés se formavam carregando os sedimentos, provocando
erosão e arrastando para os vales e rios os nutrientes essenciais para o bom desenvolvimento das plantas.
Os fazendeiros sabiam da necessidade desta cultura por solos ricos, clima quente e umidade abundante,
como também da boa iluminação que a planta deveria receber por inteiro, favorecendo a floração e a
maturação dos frutos. Desde as primeiras culturas comerciais, adotaram-se espaçamentos de 2,20 metros
entre as fileiras. Somente após a metade do século XIX é que se passa a utilizar 16 palmos, ou 3,52 metros
como o mais indicado, o que dá ainda maior distância entre as plantas, resultando em áreas ainda mais
desprovidas de cobertura vegetal. O resultado desta medida é um solo mais exposto aos processos erosivos.
Nos cafezais novos, com três até quatros anos de idade, intercalavam-se culturas de base da alimentação
que serviam de sustento para todos; desde os proprietários até os seus escravos, plantava-se principalmente
milho, feijão “o pai da casa, como era chamado” e mandioca. Esta medida acabava contribuindo para a
conservação do solo, impedindo o arrasto pela água das fileiras nuas entre os pés, mas só ocorria nos
primeiros anos da cultura. Depois que as plantas adquiriam porte e produção não havia interesse em
preservar, entre o cafezal, culturas que atrapalhassem o principal produto da fazenda.
Como fora dito, pelas extensões de terras e necessidades de mercado, o uso da mão-de-obra escrava era
algo incontestável na época. Cada escravo colhia em média três alqueires por dia, cerca de 46 quilos, e
sempre na base de sofrimento pungente para manter um ritmo. A pressão deste tipo de trabalho, obviamente
não gerava por parte dos escravos, cuidados e outras formas de atenções ao solo ou ao desenvolvimento das
plantas, de forma a reverter à degradação.
Outra atividade fundamental na cultura do café estava relacionada ao controle de pragas e doenças.
Conforme a cultura se expandiu a monocultura tomou conta da paisagem. Os cafezais condensados passaram
a ser alvos de ataques biológicos, típicos quando há concentração de uma mesma espécie, ainda mais se a
potencialidade do solo passa a decair como ocorreu, diminuindo assim a defesa imunológica. Uma vez
identificados os problemas que atingiam as lavouras e, conseqüentemente à produtividade, medidas de
controle passavam a ser buscadas na tentativa de recuperar a plantação, muitas vezes sem critérios científicos
e partiam dos próprios produtores.
35 LINHARES, Maria Yedda (org). História Geral do Brasil. RJ: Elsevier, 1990. p. 151.
A praga mais comum era a formiga-cortadeira, saúva. Em uma única noite, um exército deste inseto
dizimava folhas, flores e ramos jovens de vários pés ao chão para depois carregá-los por alguns dias seguidos
até o ninho, onde permaneciam por meses sem outro ataque às plantações. Outra praga foi “a borboletinha”
(Elachista Coffela), inseto noturno responsável por decréscimo considerável nas lavouras. Os ovos eram
depositados nas plantas, cuja eclosão de larvas devoravam as folhas.36 Houve também, doenças como o “malde-
cantagalo” que, em princípio, ocorreu no município de São Fidélis, Rio de Janeiro, e que depois se
espalhou. Esta doença é provocada por um nematóide Heterodera Radicícola que atinge as raízes e
enfraquece a planta. Esta moléstia rapidamente atingiu as plantações nas cidades vizinhas e em pouco tempo,
cerca de 300.000 hectares estavam comprometidos, obrigando os fazendeiros a substituir as plantações por
cana-de-açúcar.37
Apesar da rusticidade das técnicas aplicadas aos bilhões de pés de café espalhados pelo Médio Vale do
Paraíba, a produção por um tempo foi bastante satisfatória para a maioria dos fazendeiros. Preocupados em
galgar outros anseios, como investir em títulos de empresas ferroviárias e ostentar casarões luxuosos e
requintes de festas com os recursos adquiridos nas safras, como já afirmamos, novas técnicas agrícolas foram
praticamente desprezadas ou tiveram seu uso retardado. A ausência de investimentos direto na lavoura e o
desperdício de parte dos recursos financeiros em ostentar as aparências numa sociedade aristocrata levaram
muitos a uma situação de instabilidade.
A prática do arado com tração animal no lugar da enxada chegou tardiamente para agilizar o trabalho no
campo. Os golpes individuais que os escravos gastavam dias para revolver a terra com suas enxadas pesadas
e largas, só viriam a prejudicar ainda mais a produtividade do solo, pois danificavam demasiadamente as
raízes superficiais e facilitava a erosão. Porém, o desperdício maior estava na manutenção da prática das
fileiras de “vigilância”, que deveriam ser substituídas por curvas de nível para impedir o rápido escoamento
do solo. E, até mesmo a cultura em terraços que consiste em plantações em patamares escavados nas
encostas, técnica já conhecida e aplicada na Europa, América Andina e no Oriente, foi aqui, completamente
desprezada.
A CRISE.
Somente em 1878 é que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro o Congresso Agrícola. Discutiu-se a falta de
investimentos na lavoura e o uso de técnicas mais avançadas no campo e no beneficiamento. Os fazendeiros
aproveitaram para culpar a retração de créditos e restava na época, apenas o Banco do Brasil e alguns
comissários oferecendo empréstimos, mas os juros estavam elevados.38 Os demais bancos e muitos
comissários – agentes do capital comercial responsável pela compra e venda das safras de muitos fazendeiros
– não queriam arriscar devido a uma crise eminente que se aproximava.
Todo o processo que culminou na abolição da escravatura gerou mudanças significativas no Médio Vale
do Paraíba. O sistema produtivo da cultura cafeeira baseada no uso desta mão-de-obra retardou uma
estratégia que substituísse o antigo método exploratório. Certo que as despesas com a cultura seriam enormes
e os lucros menores, os fazendeiros em sua maioria não viam saída para continuar no ramo. Muitos irão
buscar financiamentos a títulos de investimento na produção, porém, além de tardios e taxados por elevados
juros da época, o solo desgastado repercute em várias e seqüenciais quedas de produção.
A crise alcançada pelos produtores do Vale é, em parte, reflexo da crise política internacional e nacional,
repercutindo em cheio na economia mundial. Países como a Inglaterra, a França e a Alemanha estão em crise
e a renda do trabalhador europeu caiu vertiginosamente.39 Os Estados Unidos enfrentam um problema
interno, como a Guerra da Secessão que consome recursos públicos e privados reduzindo as importações. E,
para finalizar o Brasil entra em guerra com o Paraguai em 1864. Tudo isso é avaliado e largamente debatido
36 DEAN, W. A ferro e fogo: a história e a devastação da mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.
238.
37 CANABRAVA, Alice P. História econômica: estudos e pesquisas. São Paulo: Hucitec, 2005. p.119.
38 MACHADO, Humberto F. Escravos, senhores & café: a crise da cafeicultura escravista do Vale do Paraíba Fluminense 1860 –
1888. Niterói: Clube de Literatura Cromos, 1993. p. 94.
39 MACHADO, Humberto F. Escravos, senhores & café: a crise da cafeicultura escravista do Vale do Paraíba Fluminense 1860 –
1888. Niterói: Clube de Literatura Cromos, 1993. p 147.
pela imprensa já nos anos 50, e intensamente nos anos 60, a expressão “a crise da lavoura” é repetida várias
vezes.40
No mesmo ano da guerra com o país vizinho a firma A.J.A. Souto & Cia. vai a falência.41 A restrição de
créditos e uma reforma que colocou fim à pluralidade de bancos geram uma crise monetária que acerta em
cheio os fazendeiros fluminenses. O governo desfalcado pela guerra e pela seca que se abatia no sertão
nordestino, pouco tinha a oferecer. Letras hipotecárias são lançadas na Europa, mas o país não desperta
interesses e as vendas são fracassadas.
A situação passa a ser crítica e em 1873, o governo Imperial cria a Carteira Hipotecária do Banco do
Brasil, oferecendo empréstimos a 6% de juros ao ano, em 84 já estava a 12% ao ano. A procura é grande e
não há recursos suficientes para atender a todos mas é demasiadamente tarde para recuperar a situação. Sob
efeito dominó, os fazendeiros entram em falência e suas terras passam a serem confiscadas pelos bancos,
principalmente pelo Banco do Brasil.
O final do século XIX seria na região do Médio Vale do Paraíba um momento doloroso. A ferrovia
chegara atrasada quando muitos começavam a falir, para outros faltavam terras boas e os escravos estavam
libertos. Além do mais, os custos com a lavoura tornaram-se elevados e os empréstimos cada vez mais caros
e raros. A degradação do solo era evidente e os fazendeiros ou cafeicultores davam muita atenção às pragas,
enquanto a produção estagnava tornando-se cada vez menos competitiva. Não havendo condições de
concorrer, os fazendeiros que teimaram em desperdícios tiveram de abandonar suas terras, entregando-as aos
bancos.
A ferrovia não foi a única novidade testemunhada pela Mata Atlântica nos últimos anos do século. A
escravidão foi finalmente extinta em 1888, o Império foi substituído por uma república que propunha
diversas reformas com conseqüências ambientais, enormes exército de camponeses europeus foram atraídos
para as plantações de café, um mercado efetivo de terras se tornou mais real, diversas outras maravilhas
tecnológicas foram importadas e adotadas e o capital acumulava-se agora nas cidades.42
Com o Estado Republicano, a terra passa a ser foco de tributos maiores atrelados as suas áreas, não apenas
para gerar mais receita, mas também para estimular práticas agrícolas mais intensivas.43 Como a fiscalização
era deficitária, consolidou-se o continuísmo dos latifúndios, esses proprietários sempre associados aos
homens da lei, burlavam as taxas e multas.
Ambientalmente podemos dizer que neste período houve mais um motivo para a insignificante atenção
dada ao Capital Natural. Enquanto o governo tratava de sobretaxar as áreas improdutivas e que deveria afetar
diretamente aos latifundiários, por conta da corrupção, instala-se nos coletores uma maior perseguição aos
pequenos e médios proprietários. Estes proprietários buscavam arrasar, através da derrubada e do fogo,
qualquer parte relacionada à mata em suas propriedades, fato que acelerou a degradação e provocou, nesses
fazendeiros, uma rejeição ligada à conservação. Ter mata representava ser improdutivo e gerava despesas.
Aos negros libertos pouco restava senão ocupar na base da posse áreas afastadas, desocupadas e
improdutivas. Doar terras aos ex-escravos era um conceito inconcebível para a época e por isso não haveria
atenção dos proprietários quanto às condições expostas com a libertação. A esses cabiam ocupar os “cantos”
e praticar uma agricultura de subsistência e explorar os recursos naturais como caça e lenha. A salvação para
os ex-escravos isolados e abandonados à sorte dependia somente dele. A República, desta forma, devorou em
poucas décadas quase todas a terra da Mata Atlântica que restara ao poder público. Tudo isso foi feito um
século depois dos primeiros clamores por reforma agrária, que se tornaram mais freqüentes com o passar do
século XIX.
As cidades do Médio Vale do Paraíba que cresceram junto com a lavoura de café e ganharam mais
atividades com a chegada da ferrovia, passaram a sentir as ranhuras da crise. Populosas, as cidades são pegas
pelo empobrecimento e passam a enfrentar o êxodo da população rural que amargava situação ainda mais
40 Ibid., p. 152.
41 CANABRAVA, Alice P. História econômica: estudos e pesquisas. São Paulo: Hucitec, 2005. p.163.
42 DEAN, W. A ferro e fogo: a história e a devastação da mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.
227.
43 Ibid., p.231.
crítica. Passam a ter seus núcleos povoados e um desconforto paira por haver tantos desocupados e ausência
de capital no mercado.
Junto com o declínio da renda nas fazendas vem a exploração da lenha como alternativa. Mais uma vez
nota-se que as necessidades econômicas extrapolam as intenções de conservação. Não importa o grau de
degradação, a exploração dos recursos, mesmo ínfimos, passa a ser a saída para a sobrevivência, ainda mais
quando não há vontade política de recuperação. O fato é que não houve medidas por parte do Estado e nem
da União que tratasse da recuperação do setor rural do Estado do Rio de Janeiro, sede de governo na época, e
assim perdura praticamente por todo o século XX.
Arrendar pastos foi uma alternativa que surgiu para aqueles que fariam do leite uma fonte de renda, mas
quando terminavam os contratos as áreas eram devolvidas junto com as cercas quebradas e os pastos cheios
de pragas. Algumas fazendas tornam-se capacidades na produção leiteira, muitas passam a ter bons
resultados na recuperação de áreas abandonadas pelo café mas a maioria recairá devido ao alto grau de
degradação, resultado de contínuos métodos impróprios de uso do Capital Natural.
A passagem do século XX para o século XXI é marcada por profunda crise ambiental e agrícola no Médio
Vale do Paraíba. “A degradação dos solos envolve a redução dos potenciais recursos renováveis por uma
combinação de processos agindo sobre a Terra”.44 As atenções estão mais voltadas às questões urbanas, as
cidades lotadas de problemas gerados pela rápida urbanização e ausência de investimentos estruturais, e
ainda, muito desemprego, faz com que o conceito de conservação ambiental e pleno uso das terras, fique em
último plano.
O RETRATO DO VALE.
Comparado a outras unidades da federação, o Estado do Rio de Janeiro apresenta contrastes entre o
número de pessoas ocupadas no campo, o valor desta produção, a quantidade colhida e o grau de
modernização utilizado. Isto se deve por existir neste território uma agricultura com característica tradicional
– imensa maioria – intercalada com culturas mais aprimoradas. Varia, portanto, da antiga cultura da cana-deaçúcar
até a fruticultura mais aprimorada, porém a imensa maioria está voltada à subsistência, 45 é o próprio
reflexo do quadro desigual de modernização que ocorre.
O desenvolvimento desigual é a expressão geográfica das contradições do capital, isto é, um processo de
desenvolvimento social e econômico que é desigual no tempo e no espaço, inerente ao capitalismo e que
acaba por tornar-se um referencial geográfico básico nos dias atuais.46
Segundo o IBGE, em seu censo demográfico específico sobre as áreas rurais de 1995-96, o sul-fluminense
possui características que variam de baixo a média modernização no seu quadro agrícola. Apesar de não
haver dados mais recentes, percebe-se entre os proprietários agrícolas da região, que pouca coisa mudou na
aceitação do uso de técnicas mais aprimoradas.
As crises continuam a afetar os produtores, ainda mais aqueles que mantêm um sistema tradicional de
cultivo e criação, a produtividade ainda é muito baixa e nem mesmo as indústrias associadas ao
beneficiamento do produto na região contribui. O caso mais relevante ficou por conta da crise da
transnacional italiana Parmalat, que no estado de falência mundial trouxe ao sul-fluminense reflexos àqueles
que têm como atividade a produção leiteira, e que tinham a empresa como a maior beneficiadora do produto.
É expressão clássica da desordem que este país mantém ao setor rural, principalmente quando se trata de
pequenos e médios produtores. Paralelo a esta situação, de pouco apoio a produtores rurais, há a falta de
empenho por parte dos agricultores em busca de tecnologias e tratos ambientais para alcançar a
sustentabilidade da propriedade. Poucos buscam informações adequadas, a maioria acha que conhece e na
ignorância tratam de fazer do jeito que lhes convém. Observa-se muitas propriedades utilizando-se do arado
nas encostas acidentadas no sentido dos seus declives, expondo ainda mais a erosão. É uma técnica perigosa,
há muitos acidentes, depois é preciso entender que as partes mais acidentadas merecem desvios para que as
44 GUERRA, Antonio J. T.& ARAÚJO, Gustavo H. & ALMEIDA, Josimar R. de. Gestão ambiental de áreas degradadas. Rio de
Janeiro; Bertrand Brasil, 2005. p. 19
45 MARAFON, Gláucio J. RIBEIRO, Marta F. (org). Estudos de Geografia Fluminense. Rio de Janeiro: Livraria e Editora
Infobook, 2002. p. 29.
46 Ibid., p. 37.
águas não lavem o pouco solo que existe e faça dali, grandes erosões e até mesmo há época certa de fazer tal
intervenção no solo, o problema é que a maioria dos produtores não procura utilizar as técnicas apropriadas,
reclamam os vários técnicos agrícolas consultados.
Podemos acreditar que a falta de empenho de todas as partes ainda perpetuará nesta região um desafio na
recuperação ambiental e na produção rural. Enquanto não houver medidas corretas, de todas as esferas
públicas e privadas, para esta recuperação será difícil alcançar um futuro promissor. Continuamos a assistir
os mesmos capítulos da destruição do Capital Natural, ouvindo sempre o mesmo discurso: “ninguém sabia
que daria nisto”. O solo continua a ser exposto e lavado, enquanto muitos não possuem trabalho e passam
fome assistindo tanta terra degradada. Há também vários assentamentos de grupos sociais que buscam o
direito a terra junto às margens das principais rodovias da região e fazendas improdutivas. E para finalizar, há
muitos herdeiros impotentes de tomar qualquer tipo de providência devido aos inúmeros casos judiciais que
se arrastam pela ausência de inventários e até mesmo, de recursos financeiros suficientes para resolver os
processos e registros.
Percebe-se nesta região que vários centros urbanos que não se industrializaram, dependem da atividade
rural e assim, passam por dificuldades econômicas. Muitas cidades e distritos são taxados como cidadesdormitório
porque não mais assimilam toda a mão-de-obra local no setor primário. Os trabalhadores têm de
buscar em outros núcleos maiores, atividades mais rentáveis e especialização nos estudos. Este quadro triste e
moribundo já era previsto no início do século XIX.
O cafeeiro conquistava o espaço, fecundava a terra atraindo os elementos da
civilização, para abandoná-lo depois à decadência inevitável. Ao esplendor das
áreas onde se elabora a paisagem típica das fazendas de café, condensadoras de
população e nutridoras de cidades, sucediam-se mais tarde as pastagens mofinas,
salpicadas de vegetação espontâneas de samambaias e sapé, que distingue logo os
solos empobrecidos. Aí, em quietude sonolenta, vegetam as “cidades mortas”,
gasta pela emigração de seu potencial humano e de seus recursos materiais.47
Com toda a crise existente no campo as propriedades ainda são valorizadas, porém os negócios são difíceis
de acontecer. Os valores das terras estão presos aos históricos, seja do café que enriqueceram muitos, seja
dos casarões ainda existentes que lembram esta áurea história da região, entretanto, nenhum deles é levado
em conta neste momento. Vivemos uma situação cujo capital investido precisa ser rapidamente recuperado.
Uma casa grande e antiga é certeza de muitas despesas de manutenção, e uma terra cansada, com rios
secando, sem ter o que criar nem o que cultivar, é a melhor prova do baixo quadro que se encontra o Capital
Natural e o alto risco de investimento para quem desejar produzir. “O espaço agrário fluminense corporifica
limitações e problemas globais da economia do Estado, dentro de um referencial de imobilidade ou fraco
crescimento”48.
“Estamos em cheio na zona morta que o café desbravou, povoou, enriqueceu e abandonou antes que
criasse raízes o progresso”, descreveu Dantas.49 Associada à crise produtiva está à alteração climática que
ultimamente têm despertado a atenção mundial referente ao aquecimento global. Pouco ou nada é divulgado
sobre as alterações do clima local, mas os proprietários das fazendas reconhecem que a diminuição dos níveis
de precipitação e o aumento das temperaturas têm prejudicado a produção. O clima talvez seja o mais
importante componente do ambiente, pois afeta diretamente os processos geomorfológicos, a formação dos
solos e conseqüentemente o crescimento e desenvolvimento das plantas.
Ao visitar a região, Zaluar teria dito: “Numerosas e ricas fazendas cobrem o solo em todas as direções,
aumentando o valor das propriedades a fertilidade dos terrenos, que são fecundos por abundantes e
excelentes águas”. 50 Hoje, a mesma fazenda do qual o escritor tanto se orgulhou de admirar - fazenda
Ribeirão Frio – nada mais resta que péssima pastagens e nascentes secas.
47 CANABRAVA, Alice P. História econômica: estudos e pesquisas. São Paulo: Hucitec, 2005. p. 113 Opus cit. Saint-Hilaire.
48 GALVÃO, Maria do C. O espaço agrário fluminense – estrutura e transformações. Revista Geográfica, Instituto Panamericano
de Geografia e História, México, n. 105, p. 123.
49 DANTAS Marcelo E. & COELHO NETTO, Ana L. O impacto do ciclo cafeeiro na evolução da paisagem geomorfológica do
Médio Vale do Rio Paraíba do Sul. p. 68.
50 ZALUAR, Augusto Emílio. Peregrinação pela Província de São Paulo (1860 – 1861). São Paulo: Edições Cultura, 1943. p. 26.
A degradação ambiental mostra que além de minimizar o potencial do Capital Natural é capaz de destruir
sonhos e impedir o desenvolvimento do setor rural de toda uma região. Recentemente, programas de políticas
públicas estão sendo anunciados para beneficiar os pequenos e médios produtores da região. Trata-se de
culturas dedicadas à produção de bio-diesel e reflorestamento com eucaliptos.
No entanto, segundo pesquisas divulgadas em 2005 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
sobre a situação ambiental no país, constatou-se que entre os maiores problemas estão os assoreamentos dos
rios devido à retirada da mata ciliar e à erosão. Ainda de acordo com as pesquisas, o Estado do Rio de Janeiro
lidera, entre os estados brasileiros, a péssima reputação gerada pela degradação cometida em todo o seu
território. Porém, de nada valerá estas recentes iniciativas governamentais se não houver uma recuperação
ambiental na região e uma reforma agrária. Além disto, se a consciência sobre conservação não fizer parte
dos proprietários e população em geral, os recursos naturais tendem a beirar o caos e desta forma, não haverá
sustentabilidade alguma de produção.
BIBLIOGRÁFICAS
AB’SABER, Aziz N. Os domínios de natureza no Brasil. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
AZEVEDO, Luiz Corrêa de. Da cultura do café. Memória sobre a fundação e custeio de uma fazenda na
província do Rio de Janeiro em 1877. Brasília: Senado Federal, 1985.
CANABRAVA, Alice Piffer. História econômica: estudos e pesquisas. São Paulo: Hucitec – Unesp, 2005.
DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: A história da devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
DORST, Jean. Antes que a natureza morra. São Paulo: Edgard Blücher, 1973.
DREW, David. Processos Interativos Homem Meio Ambiente. São Paulo: Difel, 1986.
DRUMMOND, José Augusto. Devastação e Preservação Ambiental no Rio de Janeiro. Niterói – RJ: Eduff,
1997.
__________A História Ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisas. In: Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol. 4, n. 8, 1991, pp. 177 – 197.
EISENBERG, Peter L. A Mentalidade dos Fazendeiros no Congresso Agrícola de 1878. Petrópolis: Vozes,
1980.
EKINS, Paul. The Concept of Environmental Sustainability. In: Economic Growth and Environmental
Sustainability. London and New York: Routledge, 2000. (Capítulo 4).
FARIA, Sheila S. de Castro. Fortuna e Família em Bananal no século XIX. In: CASTRO, Hebe Maria
Mattos de; SCHNOOR, Eduardo. (org.) Resgate: uma janela para o Oitocentos. Rio de Janeiro: Topbooks,
1995.
GUERRA, A. T. Dicionário Geológico e Geomorfológico. Rio de Janeiro: IBGE, 1969.
GUERRA, Antonio J. T.& ARAÚJO, Gustavo H. & ALMEIDA, Josimar R. de. Gestão ambiental de áreas
degradadas. Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 2005.
LAMEGO, Alberto. O Homem e a Serra. Rio de Janeiro: IBGE, 1950.
LE GOFF, Jacques. O clima. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.
LENCIONI, Sandra. Região e Geografia. São Paulo: Edusp, 1986.
LEINZ, V. & AMARAL, S. E. Geologia Geral.São Paulo: Nacional. 1975.
LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental. São Paulo: Cortez, 2001.
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil – Sesmarias e terras devolutas.RS: Ed. Sulina.
1954.
LINHARES, Maria Yedda e SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra Prometida: uma história da
questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
LITTLE, Paul. Políticas ambientais no Brasil. São Paulo: Petrópolis, 2003.
MACHADO, Humberto F. Escravos, Senhores e Café: A Crise da Cafeicultura Escravista do Vale do
Paraíba Fluminense: 1860-1888. Niterói: Cromos, 1993.
MAGNANINI, A. Aspectos Fitogeográficos do Brasil. In: Revista Brasileira de Geografia, São Paulo: 1961.
MAGNOLI, Demétrio. O mundo contemporâneo. São Paulo: Atual, 2004.
__________& ARAÚJO, Projeto de ensino de geografia. São Paulo: Moderna, 2001.
MAXWELL, Kenneth. A Devassa da Devassa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Os donos da terra: um estudo sobre a estrutura fundiária do Vale do
Paraíba Fluminense no séc. XIX. Universidade Federal Fluminense, dissertação de mestrado, 1979.
PÁDUA, José Augusto. Um Sopro de Destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil
escravista, 1786-1888. Rio de Janeiro: Zahar. 2004.
__________Ecologia e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço & Tempo/Iuperj, 1987.
PEREIRA, Maria Juvanete F. C. História Ambiental do Café no Rio de Janeiro – século XIX
POPP, José Henrique. Geologia Geral. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos Ed. 1999.
PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1945.
RIBAS, Marcos C. A história do caminho do ouro em Paraty.RJ: Ed. Contest Produções Culturais. 2003.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. São Paulo: Hucitec, 1996.
SCHÄFFER, Wilgold B. e PROCHNOW, Mirim. A Mata Atlântica e Você. Brasília: Apremavi, 2002.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens. In CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS,
Ronaldo. (Organizadores). Domínios da História: Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus,
1997.
SILVA, Wilton Carlos Lima da. As terras inventadas: discurso e natureza em Jean de Léry, André João
Antonil e Richard Francis Burton. São Paulo: Editora da UNESP, 2003.
SOFFIATI, Arthur. Destruição e proteção da Mata Atlântica no Rio de Janeiro: ensaio bibliográfico a cerca
da eco-história. In: Niterói: UFF/PPGHIS. 1997.
TAUNAY, Carlos Augusto. Manual do Agricultor Brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
TAUK, Sâmia Maria (org). Análise Ambiental: uma visão multidisciplinar. São Paulo: Edinup, 1994.
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
WERNECK DE CASTRO, Moacir. Org. No tempo dos barões: histórias do apogeu e decadência de uma
família fluminense no ciclo do café. Rio de Janeiro: Bem-te-vi Produções, 2004.
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
ZALUAR, Augusto Emílio. Peregrinação pela Província de São Paulo (1860 – 1861). São Paulo: Edições
Cultura, 1943.
COPYRIGHT AUTIOR DO TEXTO
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário