domingo, 10 de junho de 2012

MASSACRE DO MOSTEIRO DE SÃO CUTBERT (GILBERTO)

de Odin Por Margareth Marmori, de Copenhague A descoberta, na Dinamarca, do maior navio viking já encontrado indica que os piratas nórdicos eram a maior potência naval do seu tempo na Europa. A fúria dos bárbaros loiros mudou o mundo. Parece brincadeira, mas não é. Em 1996, o Museu de Navios Vikings, em Roskilde, Dinamarca, a 40 quilômetros de Copenhagen, decidiu ampliar suas instalações. Quando as obras chegaram ao cais, tábuas antigas apareceram. Em setembro de 1997, arqueólogos radiantes anunciaram a descoberta de nove navios vikings, enterrados sob 1,5 metro de areia. Ali mesmo, bem ao lado do museu. "É mesmo incrível", disse à SUPER o antropólogo Max Vinner. "O antigo cais de Roskilde foi um dos mais importantes do período viking." O assombro aumentou quando os historiadores examinaram o casco do navio Rolskilde 6. Com 36 metros de comprimento e espaço para 100 homens (74 dos quais, remadores), é a maior embarcacão viking já encontrada. O Roskilde 6 era um drakkar, um "dragão", uma nau de guerra de um tamanho bem maior do que se admitia aos navios nórdicos. "Esses barcos longos e estreitos", diz o arqueólogo americano John Hale, "tornaram os vikings a maior potência naval da Europa entre os anos 800 e 1100." Glória de uns e flagelo de outros. Os vikings eram camponeses marinheiros que viviam nos territórios atuais da Dinamarca, Suécia e Noruega. Na virada do primeiro milênio, eles dobraram a Europa de joelhos. Durante 400 anos pilharam o que puderam e abriram novas rotas comerciais. Descobriram a América e construíram uma aldeia no Canadá, quase cinco séculos antes de Colombo chegar à ilha de Cuba. E mais: levaram seu sangue e civilização a outros povos, ajudando a formar a Inglaterra, a França e a Rússia. Esta é a saga viking. Um bando de piratas em um navio ágil "Por pouco não erguemos o museu sobre navios enterrados", afirma o antropólogo Max Vinner. Com exceção de um, os barcos batizados de Roskilde, de 1 a 9, eram navios de carga, os knarr, fabricados entre os séculos XI e XIV. A exceção, o Roskilde 6, foi construído durante o reinado de Canuto I, o Grande, o rei dinamarquês que, de 1028 a 1035, reinou sobre um império viking unificado que incluía a Dinamarca, a Inglaterra, a Noruega e o sul da Suécia. Havia barcos próprios para guerra, pesca, comércio e transporte. O Skuldelev 3, que faz parte do acervo do Museu de Navios de Roskilde, tinha 14 metros por 3,4 metros de largura. Os knarr eram menores e mais largos; os drakkar, longos, estreitos e mais rápidos. A velocidade média do Roskilde 6 era de 5 nós (9 quilômetros por hora), sem remos. Mas, com vento a favor e a força dos remadores, alcançava 20 nós (37 quilômetros por hora). Os remos permitiam manobras rápidas. Navegava-se sem perder a terra de vista e os melhores pilotos eram aqueles que conheciam as costas. A precariedade dos instrumentos de navegação tornava as grandes travessias um grande risco. Os barcos vikings tinham calado curto (a distância entre a superfície da água e o fundo do casco). Num drakkar de 30 metros de comprimento e tripulação de 100 homens, o calado não chegava a 1 metro. Num knarr com 25 toneladas a bordo e oito homens, era de 1,3 metro. Praticamente deslizavam na água. O calado facilitava a travessia do mar aberto e a navegação em rios rasos. Como eram leves, podiam ser colocados sobre toras e "rolados" por terra, puxados por escravos e cavalos. Durante a Idade Média ­ quando os rios europeus eram bem mais profundos ­, era mais fácil ir do Mar Báltico ao Mar do Norte pelo interior da Dinamarca do que dando a volta pela costa. Atacar e fugir A agilidade dos barcos explica o sucesso militar dos vikings. As naus não dependiam de portos. Podiam se aproximar de qualquer ponto da costa inimiga e cair sobre as aldeias como raios. Um "dragão" de guerra como o Roskilde 6 podia despejar 100 guerreiros numa praia, pilhar tudo e fugir, sem dar tempo para qualquer tipo de resistência. A simbiose do guerreiro com o navio ia até a morte. Os barcos serviam de caixão quando seus donos morriam. Nos funerais mais ricos, até escravos eram sacrificados (veja a página 81). Os bens depositados no navio atestavam a importância do morto. Quem não possuía um tinha o túmulo coberto por pedras, que descreviam o formato de uma nau. A morte era a última viagem viking rumo ao desconhecido. Bárbara ousadia: 30 000 vikings saqueiam Paris O grande medo estreou na Europa num dia sinistro, 8 de junho de 793, quando os noruegueses atacaram o desolado mosteiro de Lindisfarne, no norte da Inglaterra. Foi um massacre. Iniciava-se uma era violenta, na qual os bárbaros piratas espalharam o terror pela costa européia. Um século depois de Lindisfarne, os cristãos rezavam: "Da fúria dos nórdicos, livrai-nos, ó Senhor". Assaltar igrejas era como roubar doce de criança. Os mosteiros eram desprotegidos e quase sempre estavam repletos de tesouros eclesiásticos e vinho. Monges e freiras podiam ser resgatados em troca de ouro ou prata. E se ninguém os quisesse, podiam ser vendidos como escravos. Um atrás do outro, bandos de noruegueses, dinamarqueses e suecos caíram sobre as aldeias. Em comum, os saqueadores tinham a mesma língua, o modo de vida, a religião pagã e a maestria na navegação. Ninguém estava a salvo. Até cidades do interior foram atacadas por frotas que desciam os rios, como Tours, na França, em 843, e Sevilha, na Espanha, no 844. No século X, boa parte da Irlanda e da Inglaterra estava sob domínio viking. Os suecos controlavam áreas no Mar Báltico e rios russos. Em 930, os noruegueses colonizaram a Islândia e, em 986, a Groenlândia. Cidades como Dublin, na Irlanda, York, na Inglaterra, e Kiev, na Ucrânia, foram fundadas por vikings. Até Constantinopla foi atacada, em 907. Em 963, os gregos bizantinos ­ que chamavam os suecos de rus ­ aliaram-se aos inimigos e os converteram ao cristianismo ortodoxo. Dessa fusão surgiu a Rússia. Na França, eles ocuparam a Normandia. Em 885, atacaram Paris com 700 navios e 30 000 homens. O rei Carlos I, o Calvo, pagou 3 000 quilos de prata para levantarem o cerco à cidade ­ o primeiro de uma série de resgates que entrou para a História como danegeld (dinheiro dinamarquês). Em 911, o domínio viking virou Ducado de Normandia. Raízes agrárias Eram mesmo um povo violento. "Quase todos os túmulos de homens que encontramos continham armas", disse à SUPER o arqueólogo norueguês Arne Emil Christensen, do Museu de Antiguidades Nacionais de Oslo. Mas também havia comerciantes. Muitos negócios foram feitos com os árabes. "O crescimento da população nórdica", explica Christensen, "que bateu 2 milhões de pessoas no início do século IX, determinou a expansão viking. Havia mais gente do que terra para produzir alimentos. Muitos deixaram tudo buscando novas áreas para cultivar." Essas sociedades agrárias tinham três classes: escravos, homens livres (artesãos, pescadores, marinheiros) e nobres (bondi), agricultores proprietários que não pagavam impostos a ninguém. No verão, os bondi e seus companheiros livres partiam para saquear. Os deuses também eram violentos. Odin era o mais poderoso. Thor, seu filho, deus do trovão, dono de um martelo invencível, protegia os guerreiros. Freya era a deusa do amor. O viking morto em combate ia para o Walhala. No paraíso, passava a eternidade fazendo o que mais amava: comer e lutar. Periodicamente, havia assembléia no Thing, um parlamento primitivo que elaborava leis e julgava crimes. A aliança de nobres ricos, com o apoio dos Things, unificou regiões e evoluiu até a organização de Estados. Em 885, o rei Harald Bela Cabeleira unificou os noruegueses. Svein Barba de Gato virou rei da Dinamarca em 985. Olaf Skautkonung, rei da Suécia em 993. Foi a expansão do cristianismo, a partir do século X, que arrefeceu o ímpeto dos bárbaros loiros. O alfabeto rúnico da Escandinávia tinha 16 letras. Os vikings deixaram memoriais com inscrições de Londres até a Turquia. Este, em Skarby, na Suécia, anuncia: "Kaulfr e Autir ergueram esta pedra em memória de Tumi, seu irmão, que possuía Gusnava" (uma aldeia) A verdadeira descoberta da América Banido em 982 pelo Thing da Islândia, o arruaçeiro Eric, o Vermelho, reuniu aventureiros e partiu em busca de uma ilha remota, avistada meio século antes. Descobriu-a, demarcou uma aldeia e voltou para trazer colonos. A ilha foi batizada de Grönland, "Terra Verde", para atrair imigrantes para o investimento. Era a Groenlândia, gélida. Em 1001, Leif Ericsson, filho de Eric, navegou para oeste e chegou ao nordeste do Canadá. Descobriu a América. Construiu cabanas na Enseada de Meadows, no nordeste da província de Quebec, para passar o inverno, e voltou à Groenlândia. Num outro esforço de marketing, batizou o local de Vinland, "Terra das Vinhas". Em 1009, 250 homens fundaram uma colônia no Canadá. Foi abandonada após três anos de lutas com os nativos, chamados de skraelings, "homens feios". Não ficou ninguém. Viagem difícil As grandes travessias eram baseadas apenas em observação astronômica e feitas a bordo dos knarr. Réplicas modernas desses barcos ajudaram a avaliar a audácia da expansão nórdica. O Saga Siglar, réplica do Skuldelev 1, demonstrou que as embarcações, apesar dos conveses abertos, eram capazes de navegar em oceano mesmo em condições adversas. O Saga foi o primeiro barco "viking" a completar uma circunavegação do globo, entre 1984 e 1986. O antropólogo Max Vinner fazia parte da tripulação. "Entre a Groenlândia e o Canadá", conta, "encaramos tempestades de ventos de 130 km/h. Com a vela recolhida, o barco conseguiu manter-se no rumo durante 8 horas. Desorientou-se, mas depois voltou ao curso e chegamos à colônia viking do Quebec sem problema." Pense bem. Mulheres, crianças e animais iam a bordo. Da Noruega à Groenlândia a viagem durava três semanas. "Eles faziam fogueira a bordo, para cozinhar e se aquecer", diz Vinner. Comiam carne e peixe seco ou defumado e bebiam cerveja e leite azedo. A água era mantida em sacos de pele. Apesar do convés aberto, conservavam-se secos ­ menos, é claro, durante as tempestades. O Mar do Norte era encapelado e o frio, cortante. Os knarr balançavam menos do que os drakkar mas, ainda assim, os naufrágios eram freqüentes. Os enjôos, diz Vinner, eram tremendos e podem ter contribuído para a colonização das terras árticas. Muitos vikings talvez desejassem voltar para a Escandinávia mas acabavam ficando. "Era preciso muita coragem para repetir a experiência da viagem. Pense nas semanas de enjôo." Adeus a um nobre Em 922, o viajante árabe Ibn Fadlan assistiu, perplexo, a um enterro viking na Rússia. Veja o que ele escreveu. "O corpo do viking foi embalsamado por uma mulher chamada de Anjo da Morte. No dia do funeral, vestiram-no com roupas de brocado e botões de ouro, e o levaram para dentro de um barco transportado para a terra. "Deitaram o morto ao lado das armas e o Anjo da Morte espalhou bebidas e comida em volta dele. Mataram um cachorro, cortaram em dois pedaços e colocaram no barco. Duas vacas, um galo e uma galinha também foram mortos. "Uma jovem escrava, que se oferecera para morrer com seu senhor, decepou uma galinha e lançou-a no navio. Depois, embriagada, cantou para se despedir dos amigos. Parecia alegre. Entrou em várias tendas e manteve relações sexuais com os seus proprietários. "Então, o Anjo da Morte levou-a para uma tenda montada sobre a nau. Ela tirou as jóias e se despediu, bebendo e cantando. Parecia desvairada. Deitaram-na ao lado do senhor com as pernas e os braços presos. Do lado de fora, os guerreiros batiam paus contra escudos para abafar seus gritos, para que outras moças não se impressionassem e viessem a se recusar a morrer junto com os senhores. "Mais seis homens entraram no barco e tiveram relações sexuais com ela. Afinal, amarraram seu pescoço com uma corda. Dois homens seguraram cada ponta. Ao mesmo tempo que o Anjo da Morte a esfaqueava, a estrangularam. "Inteiramente nu, o parente mais próximo do morto incendiou o barco, ajudado pelos presentes. Quando o fogo se extinguiu, o navio-túmulo foi coberto por um monte de terra." Para saber mais na Internet The Viking Age: http://www.vikingage.com Viking Network Web - http://viking.no Transcrito da revista Super Interessante - Junho de 1998. Edição 129. (Edição Rafael Nobre) COPYRIGHT AUTOR DO TEXTO

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