quinta-feira, 11 de outubro de 2012

FERANDO PESSOA iNSANO OU MEGALÔMANO?

MENSAGEM




1ª Parte 2ª Parte 3ª Parte Comparação com Os Lusíadas

Vectores da Mensagem Sebastianismo Quinto Império Sebastianismo vs Quinto Império



No universo poético de Fernando pessoa, a Mensagem foi o seu único livro que não teve como tema o próprio EU do poeta mas sim a nação portuguesa que ele via mergulhada num profundo negativismo e marasmo.



Este pequeno livro constituído por 44 poemas, possui uma essência épica e encontra-se dividido em 3 partes distintas: BRASAO, MAR PORTUGUES E ENCOBERTO.



D. Sebastião havia deixado a nação entregue aos Filipes, e desde então o país não mais se erguera da mediocridade.



A crença neste mito seria decisiva pois levaria toda a nação a acreditar que havia ainda um destino grandioso a alcançar e que faltava " CUMPRIR-SE PORTUGAL".



O desafio lançado por Pessoa revela a sua insatisfação com o tempo presente que se vivia em Portugal e de forma megalómana e mística sente-se o arauto de um sonho quase utópico.



Integração de Mensagem no universo poético Pessoano:



Integra-se na corrente modernista, transmitindo uma visão épico-lírica do destino português, nela se salientando o Sebastianismo, o Mito do Encoberto e o V Império.



Estrutura formal e simbólica de Mensagem



Mensagem é a expressão poética dos mitos – não se trata de uma narrativa sobre os grandes feitos dos portugueses no passado, como em Os Lusíadas, mas sim, de um cantar de um Império de teor espiritual, da construção de uma supra-nação, através da ligação ocidente/oriente: não são os factos históricos propriamente ditos sobre os nossos reis que mais importam; são sim as suas atitudes e o que eles representam, sendo o assunto de Mensagem a essência de Portugal e a sua missão a cumprir. Daí se interpretem as figuras dos reis nos poemas de Mensagem como heróis mas mais que isso, como símbolos, de diferentes significados.



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1ª Parte – BRASÃO: o princípio da nacionalidade (em que fundadores e antepassados criaram a pátria)



“Ulisses” – símbolo da renovação dos mitos: Ulisses de facto não existiu mas bastou a sua lenda para nos inspirar. A lenda, ao penetrar na realidade, faz o milagre de tornar a vida “cá em baixo” insignificante. É irrelevante que as figuras de quem o poeta se vai ocupar tenham tido ou não existência histórica! (“Sem existir nos bastou/Por não ter vindo foi vindo/E nos criou.”). O que importa é o que elas representam. Daí serem figuras incorpóreas, que servem para ilustrar o ideal de ser português.



“D. Dinis” – símbolo da importância da poesia na construção do Mundo: Pessoa vê D. Dinis como o rei capaz de antever o futuro e interpreta isso através das suas acções – ele plantou o pinhal de Leiria, de onde foi retirada a madeira para as caravelas, e falou da “voz da terra ansiando pelo mar”, ou seja, do desejo de que a aventura ultrapasse a mediocridade.



“D. Sebastião, rei de Portugal” – símbolo da loucura audaciosa e aventureira: o Homem sem a loucura não é nada; é simplesmente uma besta que nasce, procria e morre, sem viver! Ora, D. Sebastião, apesar de ter falhado o empreendimento épico, FOI em frente, e morreu por uma ideia de grandeza, e essa é a ideia que deve persistir, mesmo após sua morte (“Ficou meu ser que houve, não o que há./Minha loucura, outros que a tomem/Com o que nela ia.”)



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2ª Parte – MAR PORTUGUÊS: a realização através do mar (em que heróis empossados da grande missão de descobrir foram construtores do grande destino da Nação)



“O Infante” – símbolo do Homem universal, que realiza o sonho por vontade divina: ele reúne todas as qualidades, virtudes e valores para ser o intermediário entre os homens e Deus (“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”)



“Mar Português” – símbolo do sofrimento por que passaram todos os portugueses: a construção de uma supra-nação, de uma Nação mítica implica o sacrifício do povo (“Ó mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal!”)



“O Mostrengo” – símbolo dos obstáculos, dos perigos e dos medos que os portugueses tiveram que enfrentar para realizar o seu sonho: revoltado por alguém usurpar os seus domínios, “O Mostrengo” é uma alegoria do medo, que tenta impedir os portugueses de completarem o seu destino (“Quem é que ousou entrar/Nas minhas cavernas que não desvendo,/Meus tectos negros do fim do mundo?”)



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3ª Parte – O ENCOBERTO: a morte ou fim das energias latentes (é o novo ciclo que se anuncia que trará a regeneração e instaurará um novo tempo)



“O Quinto Império” – símbolo da inquietação necessária ao progresso, assim como o sonho: não se pode ficar sentado à espera que as coisas aconteçam; há que ser ousado, curioso, corajoso e aventureiro; há que estar inquieto e descontente com o que se tem e o que se é! (“Triste de quem vive em casa/Contente com o seu lar/Sem um sonho, no erguer da asa.../Triste de quem é feliz!”) O Quinto Império de Pessoa é a mística certeza do vir a ser pela lição do ter sido, o Portugal-espírito, ente de cultura e esperança, tanto mais forte quanto a hora da decadência a estimula.



“Nevoeiro” – símbolo da nossa confusão, do estado caótico em que nos encontramos, tanto como um Estado, como emocionalmente, mentalmente, etc.: algo ficou consubstanciado, pois temos o desejo de voltarmos a ser o que éramos (“(Que ânsia distante perto chora?)”), mas não temos os meios (“Nem rei nem lei, nem paz nem guerra...”)



Fernando Pessoa acreditava que, através dos seus textos, poderia despertar as consciências e fazê-las acreditar e desejar a grandeza outrora vivenciada. Espera poder contribuir parar o reerguer da Pátria, relembrando, nas 1ª e 2ª partes da Mensagem, o passado histórico grandioso e anunciando a vinda do Encoberto (3ª parte), na figura mítica de D.Sebastião, que anunciaria o advento do Quinto Império.



Preconizava para Portugal a construção de um novo império, espiritual, capaz de elevar os Portugueses ao lugar de destaque que outrora ocuparam a nível mundial. Esta projecção ficar-se-ia a dever a um “poeta ou poetas supremos” que, pela sua genialidade, colocariam Portugal, um país culturalmente evoluído, como líder de todos os outros.



Na realidade, Fernando Pessoa antevê a possibilidade da supremacia de Portugal, não em termos materiais, como no tempo de Camões, mas em termos espirituais É nesta nova concepção de Império que assenta o carácter simbólico e mítico que enforma a epopeia pessoana e que, inevitavelmente, destacará a figura deste superpoeta, em detrimento da de Camões.



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A comparação entre "Os Lusíadas" e a "Mensagem" impõe-se pelo próprio facto de esta ser, a alguns séculos de distância e num tempo de decadência - o novo mito de pátria portuguesa.







Os Lusíadas Mensagem



ü Homens reais com dimensões heróicas mas verosímeis;





ü Heróis de carne e osso, bravos mas nunca infalíveis;

ü Heróis mitificados, desincarnados, carregando dimensões simbólicas





Brasão ® Terra ® Nun’Álvares Pereira



Mar Português ® Mar ® Infante D. Henrique



O encoberto ® Ar ® D. Sebastião





(de uma terra de dimensões conhecidas parte-se à descoberta do mar e constrói-se um império. Depois o império se desfez e o sonhos e o Encoberto são a raiz a esperança de um Quinto Império)



ü Herói colectivo: o povo português



ü Virtudes e manhas

ü Heróis individuais exemplares (símbolos)



ü D. Sebastião (rei menino) a quem Os Lusíadas são dedicados;



“tenro e novo ramo”



ü D. Sebastião mito “loucura sadia”



Sonho, ambição



(repare-se que d. Sebastião é a última figura da história a ser mencionada, como se se quisesse dizer que Portugal mergulhou, depois do seu desaparecimento num longo período de letargia)



ü Celebração do passado – história

ü Glorificação do futuro – símbolos



ü Messianismo a mola real de Portugal



ü



ü Narrativa comentada da história de Portugal (cf. Jorge Borges de Macedo)

Teoria da história de Portugal

ü Metafísica do Ser português



ü Três mitos basilares:



o Adamastor



o Velho do restelo



o A ilha dos amores

ü Tudo é mito



“o mito é o nada que é tudo”



ü acção

ü contemplação



ü altiva rejeição do real



ü império feito e acabado

ü Portugal indefinido, atemporal



ü

ü Saudade profética ® saudades do futuro



ü Façanhas dos barões assinalados

ü Matéria dos sonhos



ü Temporalidade

ü Atemporalidade mística



ü Síntese pagão e cristão

ü Síntese total (sincretismo religioso)



ü D. Sebastião como enviado de Deus para alargar a Cristandade

ü Portugal como instrumento de Deus



(os heróis cumprem um destino que os ultrapassa)



ü cabeça da Europa

ü Rosto da Europa que aguarda expectante o que virá









O projecto da Mensagem é o de superar o carácter obsessivo e nacional d’Os Lusíadas no imaginário mítico-poético nacional. Os Lusíadas conquistaram o título de “evangelho nacional” e foram elevados à categoria de símbolo nacional. A Mensagem logo no seu título aponta para um novo evangelho, num sentido místico, ideia de missão e de vocação universal. O próprio título indicia uma revelação, uma iniciação.



Pessoa previa para breve o aparecimento do “Supra-Camões” que anunciará o “Supra-Portugal de amanhã”, a “busca de uma Índia Nova”, o tal “porto sempre por achar”.

A Mensagem entrelaça-se, através de um complexo processo intertextual, com Os Lusíadas, que por sua vez são já um reflexo intertextual da Eneida e da Odisseia. Estabelece-se portanto um diálogo que perpassa múltiplos tempos históricos. Pessoa transforma-se num arquitecto que edifica uma obra nova, com moderbnidade, mas também com a herança da memória.



Em Camões memória e esperança estão no mesmo plano. Em Pessoa, o objecto da esperança transferiu-se para o sonho, daí a diferente concepção de heroísmo.



Pessoa identifica-se com os heróis da Mensagem ou neles se desdobra num processo lírico-dramático. O amor da pátria converte-se numa atitude metafísica, definivel pela decepção do real, por uma loucura consciente. Revivendo a fé no Quinto Império, Pessoa reinventou um razão de ser, um destino para fugir a um quotidiano

absurdo.



O assunto da Mensagem é a essência de Portugal e a sua missão por cumprir. Portugal é reduzido a um pensamento que descarna e espectraliza as personagens da história nacional.



A Mensagem é o sonho de um império sem fronteiras nem ocaso. A viagem real é metamorfoseada na busca do “porto sempre por achar”.



“A Mensagem comparada com Os Lusíadas é um passo em frente. Enquanto Camões, em Os Lusíadas, conseguiu fazer a síntrese entre o mundo pagão e o mundo cristão, Pessoa na Mensagem conseguiu ir mais longe estabelecendo uma harmonia total, perfeita, entre o mundo pagão, o mundo cristão e o mundo esotérico.” (Cirurgião: 1990,19)



“A Mensagem é algo mais, muito mais, que uma mera viagem temporal e espacial pela mitologia, pré-história e história de Poortugal. É essencialemente uma viagem pelo mundo labirintico dos mistérios e dos enigmas e dos símbolos e dos signos secretos, em demanda da verdade.” (Cirurgião: 1990,155) Cirurgião, António



1990 O olhar esfíngico da Mensagem de Fernando Pessoa INLC, Ministério da Educação



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A Mensagem reparte-se em dois vectores:



ü busca ôntica – procura da essência da lusitanidade e definição da nossa idiossincrasia



ü inquirição – questionação do mesmo histórico a seguir e a fazer seguir como projecto nacional colectivo



Pessoa é um exemplo desta obsessão nacional – a espera de um Messias.

A história de Portugal não oferece problemas à elaboração de um mito nacional. Ela está cheia de elementos e contém já um grande mito, o sebastianismo. Pessoa distinguiu o seu sebastianismo, apelidando-o de racional. O regresso de D. Sebastião é associado ao aparecimento do Quinto Império. Pessoa abandona os Impérios materiais para elaborar impérios espirituais – Grécia, Roma, Cristandade, Europa pós-renascentista e, agora, Portugal. O Quinto Império já estava escrito nas trovas do Bandarra e nas quadras do Nostradamus. O nacionalismo tradicional é superado por um nacionalismo cosmopolita.



Pessoa, criador do fundo e da forma do mito, anuncia-se como um supra Camões. A realidade é activada pelo Mito (força catalizadora).



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Sebastianismo



O sebastianismo é um mito nacional de tipo religioso.



«D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco...»



O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em volta duma figura nacional, no sentido dum mito. No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la com o regresso dele, regresso simbólico ( como, por um mistério espantoso e divino, a própria vida dele fora simbólica ( mas em que não é absurdo confiar. D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa indica, evidentemente, um renascimento anuviado por elementos de decadência, por restos da Noite onde viveu a nacionalidade.



ü D. Sebastião não morreu porque os símbolos não morrem. O desaparecimento físico de D. Sebastião proporciona a libertação da alma portuguesa.



ü D. Sebastião aparece cinco vezes explicitamente na Mensagem (uma vez nas Quinas, outra em Mar português e três vezes nos Símbolos).

Aliás, pode mesmo dizer-se que o Brasão e o Mar português são a preparação para a chegada do Encoberto, na sua qualidade de Messias de Portugal.



ü D. Sebastião faz uma espécie de elogio da loucura (condenação da matéria e sublimação do espírito)



O três é um número que exprime a ordem intelectual e espiritual (o cosmos no homem). O 3 é a soma do um (céu) e do dois (a Terra). Trata-se da manifestação da divindade, é a manifestação da perfeição, da totalidade.





O sete assume também uma extrema relevância, senão vejamos, sete foram os Castelos que D. Afonso III conquistou aos mouros, sete são os poemas de Os Castelos .



O sete corresponde aos 7 dias da criação, assim como as 7 figuras evocadas são também as fundadoras da nacionalidade (Ulisses fundou Lisboa, Viriato uma nação, Conde D. Henrique um Condado, D. Dinis uma cultura, D. João uma dinastia, D. Tareja e D. Filipa fundaram duas dinastias). Pessoa manteve na sua obra a ideia do número sete como número da criação.





O sete é o número da perfeição dinâmica. É o número de um ciclo completo.

O sete articula-se com o quatro. Os 7 protagonistas de Os Castelos vêm dos 4 cantos do mundo (França, Inglaterra, Ibéria e Grécia). Note-se que cada período lunar tem 7 dias e existem 4 fases que fecham o ciclo. Perpassa a ideia de algo que se completa, de um ciclo que se fecha. O sete é um símbolo de totalidade, de união do feminino com o masculino. Consciente dessa tradição, Pessoa divide o 7 em duas partes – D. João, o primeiro e D. Filipa de Lencastre, ou seja, o animus e a anima, o yin e o yang, o Adão e Eva, o Sol e a Lua.





O cinco está ligado às chagas de Cristo, às Quinas e aos cinco impérios sonhados por Nabucodonosar. Os quatro impérios já havidos foram a Grécia, roma, a Cristandade e a Europa pós-renascentista. Se o 5º império fosse material, Pessoa não teria dúvidas em apontar Inglaterra, mas como o 5º Império é o do ser, da essência, do imaterial, o poeta não tem dúvidas em apontar Portugal.



Se o sete é o número da perfeição, o três da divindade, o cinco é o número da evolução espiritual do homem.



Pessoa escolheu cinco mártires da nação para corresponderem às cinco quinas (D.Duarte, D. Pedro, D. Fernando, D. João e D. Sebastião). O Brasão está dividido em 5 partes, tantas quantas as partes do nosso símbolo heráldico – Campos, Castelos, Quinas, Coroa e Grifo).





N’Os Lusíadas as quinas representam os cinco reis vencidos por D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique.



O doze assume relevância na segunda parte da Mensagem - Mar Português. Doze são os poemas de Mar Português , 12 eram os discípulos de Cristo, 12 os Cavaleiros da Távola Redonda, 12 os meses do ano, 12 os signos do zoodíaco. O número 12 é o número da acção. Nesta parte da Mensagem, Portugal está fundado na vida activa (a posse dos mares).



O oito é o número das pontas da Cruz da Ordem de Cristo, a cruz que as caravelas ostentavam. Oito letras tem Portugal e oito letras tem Mensagem.







ARTIGOS

Sebastianismo



As controvérsias sobre o Sebastianismo de Pessoa deixam sempre no grande público, e também, afinal no que, por oposição, teríamos que chamar «pequeno público» dos entendidos, a vaga impressão de que nesse campo teremos que admitir, sem discutir, as convicções que às vezes parecem de louco ou megalómano, e não são do domínio do racional. Como essa de acreditar que o Encoberto, o Desejado, o que traria para o Império Português a sua nova Idade de Ouro era, nem mais nem menos do que ele, Fernando Pessoa. Mas temos que nos lembrar que a vinda do Encoberto era apenas por ele encarada «no seu alto sentido simbólico» e não literal, como faziam os Sebastianistas tradicionais, de quem toma distância, e que esse Desejado não seria mais do que um «estimulador de almas». E que, mesmo assim, como ouvimos afirmar, apenas podia «compellir cada alma a, de facto, operar a sua própria salvação». Se tudo isto entendermos, sem esquecer que o Quinto Império era afinal «o Império Português, subordinado ao espírito definido pela língua portuguesa», não obedecendo nem «a fórmula política nem ideia religiosa», e que «Portugal, neste caso, quer dizer o Brasil» também perceberemos que o projecto de Pessoa era desmesurado, sim mas louco, não.



Teresa Rita Lopes. Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. Lisboa: Livros Horizonte, 1993, pp. 33-34.



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Quinto Império



É evidente que Pessoa não inventou o Sebastianismo, encontrou-o na tradição portuguesa; mas, ao adoptá-lo, aprofundou-o e transfigurou-o. Sobretudo, uniu-o de uma forma pessoal ao outro grande mito tradicional português, o do Quinto Império. A ideia do Quinto Império vem de muito longe na mitologia judaico-cristã. Todos concordam em ver a sua origem no sonho de Nabucodonosor, contado no Livro de Daniel. O rei vê em sonhos uma estátua de dimensões prodigiosas: a cabeça é de ouro, o peito de prata, o ventre de bronze e os pés de barro misturado com ferro. De súbito, uma pedra bate no barro, o que faz com que toda a estátua venha abaixo; e a pedra transforma-se numa alta montanha que cobre a terra inteira. Daniel interpreta assim o sonho: o ouro representa o império da Babilónia, e a prata, o bronze e o barro misturado com o ferro significam os outros três impérios que irão suceder-lhe. Esses quatro impérios serão destruídos. A pedra que se transforma em montanha profetiza a vinda de um Quinto Império universal, que não terá fim. (...)



Para Pessoa, os quatro primeiros impérios já não são os da tradição, mas os quatro grandes momentos da civilização ocidental: a Grécia, a Roma antiga, o Cristianismo, a Europa do Renascimento e das Luzes. Já não se fala da Assíria nem da Pérsia, nem, aliás, do Egipto ou da China: o mundo é europeu. Mas, sobretudo, quando fala do Império vindouro, já não se trata de todo do exercício de um poder temporal, nem sequer espiritual, mas da irradiação do espírito universal, reflectido nas obras dos poetas e dos artistas. Ele condena a força armada, a conquista, a colonização, a evangelização, todas as formas de poder. O Quinto Império será «cultural», ou não será. E se diz, como Vieira, que o Império será português, isso significa que Portugal desempenhará um papel determinante na difusão dessa ideia apolínea e órfica do homem que toda a sua obra proclama. Um português como ele, homem sem qualidades, infinitamente aberto, menos marcado que os outros, tem mais vocação para a universalidade. Não há dúvidas de que acreditou que aquilo a que chama metaforicamente o Quinto Império se realizaria por ele e nele; é o sentido de um texto de 1925, em que afirma que «a segunda vinda» de D. Sebastião já se verificou, cumprindo a profecia do Bandarra, em 1888, data que marca «o início do reino do sol».





Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 404-406.



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Sebastianismo e V Império



Excertos de Fernando Pessoa:



A interpretação inicial dos cinco impérios remonta ao Velho Testamento.



"...A divisão é: Império Grego (sintetizando todos os conhecimentos, toda a experiência dos antigos impérios pré-culturais); o Império Romano (sintetizando toda a experiência e cultura gregas e fundindo em seu âmbito todos os povos formadores, já ou depois, da nossa civilização); o Império Cristão (fundindo a extensão do Império Romano com a cultura do Império Grego, e agregando-lhe elementos de toda a ordem oriental, entre os quais o elemento hebraico); e o Império Inglês (distribuindo por toda a terra os resultados dos outros três impérios, e sendo assim o primeiro de uma nova espécie de síntese



O Quinto Império, que necessariamente fundirá esses quatro impérios com tudo quanto esteja fora deles, formando pois o primeiro império verdadeiramente mundial, ou universal.



Este critério tem a confirmá-lo a própria sociologia da nossa civilização. Esta é formada, tal qual está hoje, por quatro elementos: a cultura grega, a ordem romana, a moral cristã, e o individualismo inglês. Resta acrescentar-lhe o espírito de universalidade, que deve necessariamente surgir do carácter policontinental da actual civilização. Até agora não tem havido senão civilização europeia; a universalização da civilização europeia é forçosamente o mister do Quinto Império.



Em geral concebe-se como cristão esse Império, e a ele se alude como, seguindo-se ao Reino de Anticristo, sendo a Segunda Vinda do Cristo. A hipótese, não emergindo necessariamente dos factos - nem dos sociológicos, nem dos proféticos - é contudo aceitável. Não a defenderemos; não a opugnaremos. Contra a primazia, neste ponto imperial, da religião cristã, tem-se oposto o igual direito a uma primazia, que podem invocar as religiões maometana, budista, e outras. Se, porém, o império universal, ou quinto império, há-de ter um carácter religioso, o que, não estando provado, é contudo provável, não é de supor que seja fora do cristianismo. Das duas outras religiões, que poderiam concorrer a esse império maior, a maometana é estreita. A budista, sobretudo na forma teosófica em que se tem espalhado, é mais aceitável como universal, pois, de facto, pretende ser não propriamente uma religião, senão o espírito de todas elas. Sucede, porém, que o budismo está fora do esquema moral da civilização europeia, dentro da qual se há-de dar, ainda que universalizando-se, a formação do quinto império. Qualquer que seja esse quinto império, há-de incluir e sintetizar os quatro que o precederam, pois assim foi cada um deles incluindo, e sintetizando os que vieram antes dele. Ora a cultura grega, a ordem romana, a moral cristã mesmo, em alguns dos seus pormenores, estão fora do esquema budista. De todas as religiões, só o cristianismo tem o preciso carácter sincrético: formado com a base da metafísica grega, distribuído com a base do imperialismo romano, construído já com um sincretismo que inclul as religiões orientais, incluindo aquelas de onde o budismo emergiu, o cristianismo absorverá ainda com facilidade o individualismo inglês, que veio depois, por isso que o cristianismo é essencialmente individualista, como a cultura grega, em que obscuramente se funda. O que não poderá ser é o cristianismo católico. Esse tornou-se incapaz de um sincretismo novo; nem poderia incluir o individualismo inglês, que lhe é oposto, e que, como é o distintivo do quarto império, terá que entrar como elemento no quinto, dada a lei de formação dos impérios adentro de uma civilização...



...Aliás, este triunfo final do cristianismo encontra-se acentuado nas poucas profecias que temos sobre o assunto, e às quais podemos atribuir, no profeta, uma independência das suas próprias opiniões e desejos - único fundamento para tomar a profecia como profecia a valer, e não como expressão de um sonho próprio. Uma é a do verso de Nostradamo, posto no fim das centúrias para que se repare que se reporta ao fim das "coisas" - isto é, da civilização a que pertencemos.



Religion du nom des mers vaincra,



sendo que o cristianismo é a religião dos mares, governada pelo signo de Pisces, e nascido o seu fundador de Maria, que quer dizer "mares" em latim.



A outra é a profecia, ainda mais curiosa, de S. Francisco de Paula. Este diz que haverá uma "religião nova" - repare-se bem, "nova"- (Lusitanus torce inutilmente a frase, ao interpretá-la; se S. Francisco de Paula quisesse dizer uma religião velha para que havia de chamar-lhe nova?); mas essa religião será imposta ou desenvolvida por uns a quem chama "crucíferos". O serem crucíferos indica que a religião é cristã, pois a cruz é o símbolo essencial do cristianismo (embora exista, porém, só acessoriamente, na simbologia de outras religiões); mas o ser a religião "nova" indica que não é católica, pois para S. Francisco de Paula, que era, claro está, católiico, um cristianismo não católico é uma religião nova.



A profecia de Nostradamo é aceitável, por "imparcial", pois assim são todas as profecias desse homem extraordinário; essas e as do Terceiro Corpo do nosso Bandarra. A profecia de S. Francisco de Paula é igualmente aceitável, pois é evidentemente "imparcial" a profecia de um católico que, embora involuntariamente, profetiza a queda da sua própria religião."







Outros excertos de Fernando Pessoa que aludem ao espírito imperial português



"...Portugal grande potência construtiva, Portugal Império ( aqui, sim, é que, através de grandeza e de decadência, se revela o nosso instinto, e se mantém a nossa tradição. Somos, por índole uma nação criadora e imperial. Com as Descobertas, e o estabelecimento do Imperialismo Ultramarino, criámos o mundo moderno ( criação absoluta, tanto quanto socialmente isso é possível, que não simples elaboração ou renovação de criações alheias. Nas mais negras horas da nossa decadência, prosseguiu, sobretudo no Brasil, a nossa acção imperial, pela colonização; e foi nessas mesmas horas que em nós nasceu o sonho sebastianista, em que a ideia do Império Português atinge o estado religioso.



Portugal tem pois condições orgânicas para ser uma grande potência construtiva ou criadora, um Império. Uma coisa, porém, é dizer-se que Portugal tem condições para sê-lo; outra é predizer que o será. A pergunta não exige esta segunda demonstração, que, aliás, por extensa não poderia ser aqui dada. Nem há mester que se diga, também, em que consistirá presumivelmente essa criação portuguesa, qual será o sentido e o conteúdo desse Quinto Império. Fora preciso um livro inteiro para o dizer, nem chegou ainda a hora de dizer-se."



"....Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas de El-Rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as Descobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora. Foi-se embora em Alcácer Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sempre, e continuam estando, à espera dele. Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi aquele D. Sebastião que caiu em Alcácer Quibir, e presumivelmente ali morreu, é no símbolo do regresso de El-Rei D. Sebastião que os portugueses da saudade imperial projectam a sua fé de que a família se não extinguisse..."







O Sebastianismo, o Desejado, o Encoberto



"O sebastianismo é um mito nacional de tipo religioso.



«D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco...»



O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em volta duma figura nacional, no sentido dum mito.



No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la com o regresso dele, regresso simbólico ( como, por um mistério espantoso e divino, a própria vida dele fora simbólica ( mas em que não é absurdo confiar.



D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa indica, evidentemente, um renascimento anuviado por elementos de decadência, por restos da Noite onde viveu a nacionalidade. O cavalo branco tem mais difícil interpretação. Pode ser Sagitário, signo do zodíaco, e conviria, em tal caso, perceber o que a referência indica, perguntando, por exemplo, se há referência à Espanha (de quem, segundo os astrólogos, Sagitário é signo regente), ou se há referência a qualquer trânsito de planeta no signo de Sagitário. O Apocalipse porém, fornece outra hipótese sobre este assunto. De difícil interpretação, também, é a Ilha....



....O que seja propriamente o sebastianismo - hoje mais vigoroso do que nunca, na assombrosa sociedade secreta que o transmite cada vez mais ocultamente de geração em geração, guardado religiosamente o segredo do seu alto sentido simbólico e português, que pouco tem que ver com o D. Sebastião que se diz ter morrido em África, e muito com o D. Sebastião que tem o número cabalístico da Pátria Portuguesa -, eis o que não é talvez permitido desvendar. Mas, para interesse dos leitores, não é talvez mal cabido explicar qual a data marcada para o Grande Regresso, em que a Alma da Pátria se reanimará, se reconstituirá a íntima unidade da Ibéria, através de Portugal, se derrotará finalmente o catolicismo (outro dos elementos estrangeiros entre nós existentes e inimigo radical da Pátria) e se começará a realizar aquela antemanhã ao Quinto Império." (Fernando Pessoa)







As profecias do Bandarra anunciam o Quinto Império, o regresso de D. Sebastião e os destinos de Portugal.



«Há muitas vezes acontecimentos cuja importância é velada no tempo em que se dão.»



São três os pontos essenciais da profética do Bandarra: o Quinto Império, a ida e regresso de El-Rei D. Sebastião, e os destinos de Portugal. O primeiro ponto preocupa-o em comum com toda a profética europeia, e, em certo modo, a hebraica; o segundo ponto preocupa-o mais que a outros profetas, estranhos. A nossa nação; como, porém, em um dos seus sentidos, o "regresso" de D. Sebastião se prende com a mesma ideia do Quinto Império, não faltam em profetas estranhos, e nomeadamente em Nostradamus, alusões inequívocas - que veremos - a este "regresso".... (Fernando Pessoa)



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