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O GUARDA-LIVROS “FERNANDO PESSOA”
Por Joaquim Fernando da Cunha Guimarães
Agosto de 2006
Revista Electrónica “INFOCONTAB” n.º 12, de Setembro de 2006
Em 2005, algumas revistas e jornais nacionais apresentáram textos sobre Fernando
Pessoa, evocando a efeméride do 70.º aniversário da sua morte (nasceu a 13 de Junho de
1888 e faleceu, com 47 anos de idade, no dia 30 de Novembro de 1935).
Com este breve apontamento pretendemos essencialmente dar a conhecer alguns
aspectos da actividade de guarda-livros de Fernando Pessoa, pois temos a percepção que
muitos profissionais de Contabilidade desconhecem esta sua faceta.
A revista “Focus” n.º 322/2005, em texto da autoria de Eduardo Leão Maia,
referia:
“Em 2005, perfazem-se 70 anos sobre a morte do poeta a quem chamaram
Super – Camões. Vale a pena recordar a vida deste homem apagado que
tanto nos iluminou: Fernando Pessoa; um D. Sebastião!”.
Antes, em 29 de Outubro de 2004, o Jornal de Notícias apresentou um texto com o
título “O livro do desassossego de uma famoso guarda-livros” e, como sub-título, “Na
galeria dos mais mediáticos TOC, terá, forçosamente, que surgir o poeta Bernardo
Soares”, sublinhava:
“Fernando Pessoa – que numa heresia se dirá ser o mais famoso dos
guarda-livros portugueses – dá voz a Bernardo Soares, “ajudante de
guarda-livros” na cidade de Lisboa, uma personalidade literária que ora
Fernando Pessoa
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coincide com o seu criador, ora se distancia, através de fragmentos em que
se cruzam temas e vozes dos múltiplos heterónimos.”.
É, especialmente, no “Livro do Desassossego”, considerado uma das grandes
obras de literatura mundial do século XX, que Bernardo Soares (semi-heterónimo de
Pessoa) retrata a sua faceta de “empregado do comércio”.
O mesmo artigo do “Jornal de Notícias” sublinha com certa curiosidade:
“Será a figura de Bernardo Soares a verdadeira imagem do Guarda-Livros
e a deste a do antecessor do Técnico Oficial de Contas, profissional a quem
já não se associa a pena comercial e a letra francesa, desenhada, mas antes
o informático Excel e outras folhas de cálculo?”.
A mencionada revista “Focus” apresenta a
figura do Bilhete de Identidade (ver figura),
emitido em 28 de Agosto de 1928, que
reproduzimos, registando o nascimento em
Lisboa em 13 de Junho de 1888.
Apesar de Pessoa ser muito conhecido nos
meios literários, é curioso notar o facto do bilhete de identidade referir como
profissão “empregado em comércio”, pois como é sublinhado nesse artigo, para
Pessoa poesia e literatura eram uma vocação, não uma profissão.
Esse texto, sublinha, ainda, que Pessoa efectuava escritas e traduções comerciais
em diversas firmas, sem horário fixo e as suas tentativas de se estabelecer por
conta própria falharam sempre.
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N.º 193/196 da “RCC”
Note-se, também, que a revista de contabilidade mais antiga em
actividade em Portugal, A Revista de Contabilidade e Comércio1,
publicou um número dedicado exclusivamente a Fernando Pessoa, com
o título “Fernando Pessoa e as Ciências Empresariais” (ver figura),
assinado pelo então Director, Almiro de Oliveira, que referiu:
“… daí que, a priori, surpreenda esta pretensão de ver Fernando
Pessoa à luz das ciências empresariais.”.
“… daí que, a posteriori, não surpreenda que Fernando Pessoa tenha de
facto, trabalhado, vivido e escrito no domínio da Economia, da Gestão –
das Ciências Empresariais …”
Mas, já antes, Pessoa colaborou na Revista de Comércio e Contabilidade2, sendo da sua
autoria o primeiro artigo do primeiro número (Janeiro de 1926), sob o título “Palavras
iniciais”, do qual extraímos a seguinte frase:
“Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a
prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a
teoria da prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da
prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria...”.
Nessa revista, Fernando Pessoa, escreveu catorze artigos, cujos títulos passamos a
descrever:
1 A revista iniciou-se no ano de 1933 e último número publicado foi o n.º 234/235 de Junho de 2003. Em
artigo sob o título “70.º Aniversário (1933-2003) da Revista de Contabilidade e Comércio” publicado na
Revista “TOC” n.º 44, de Novembro de 2003, pp. 33-5 e no nosso livro “História da Contabilidade em
Portugal – Reflexões e Homenagens”, pp. 467-74, também disponível no Portal INFOCONTAB em:
www.infocontab.com.pt, destacámos a importância da revista no contexto das publicações nacionais de
Contabilidade e áreas conexas. Nesse artigo, destacámos a Revista dedicada a Fernando Pessoa.
2 Não é a mesma revista referida no parágrafo anterior. Nos títulos das duas revistas aparecem por ordem
inversa as palavras “Contabilidade” e “Comércio”. A Revista de Comércio e Contabilidade apenas
publicou seis números todos no ano de 1926, cujo Director era o cunhado de Fernando Pessoa, Francisco
Caetano Dias.
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− Palavras Iniciais;
− A Essência do Comércio3;
− A Cotação C.I.F. Inclui as Despesas com a Factura Consular?3;
− Como os Outros nos Vêem;
− A Inutilidade dos Conselhos Fiscais e dos Comissários do Governo nos
Bancos e nas Sociedades Anónimas;
− As Algemas;
− Régie, Monopólio, Liberdade3;
− A Evolução do Comércio3;
− Organizar3;
− O Arquivo de Correspondência;
− O Monopólio Internacional;
− Os Preceitos Práticos em Geral e os de Henry Ford em Particular;
− A Reforma do Calendário e as suas consequências Comerciais;
− A Forismos, Preceitos e Considerações Várias, nas Bases das Páginas.
Como podemos verificar, os temas abordam aspectos relacionados com o comércio e a
administração e não propriamente sobre Contabilidade.
Refira-se, ainda, a publicação, após a sua morte, de alguns artigos sobre Fernando
Pessoa nas revistas nacionais de Contabilidade, como passamos a descrever no quadro
seguinte:
3 Este artigo foi republicado na Revista de Contabilidade e Comércio n.º 193/196, de Junho de 1986.
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REVISTA/JORNAL N.º MÊS/ANO AUTOR TÍTULO DO ARTIGO PÁG.
INICIAL
PÁG.
FINAL
TOTAL
DE
PÁG.
Jornal do Técnico de
Contas e da Empresa 269 Jan.º/1988
Enrique
Fernandez
Peña
La Auditoria Empresarial en el Pensamento de Fernando Pessoa 23 24 1
Jornal do Técnico de
Contas e da Empresa 280 Dez.º/1988
Fernando
da
Conceição
Lopes
Fernando Pessoa, Algumas Notas Sobre a Sua Obra Para a História da
Contabilidade e do Comércio em Portugal 237 242 6
Revista de Contabilidade e
Comércio 176 Out.º/ 1980 A. Álvaro
Dória Fernando Pessoa. Teórico de Gestão Comercial 445 458 14
Revista de Contabilidade e
Comércio 193/196 Junho/1986
José
Augusto
Seabra
Fernando Pessoa e os Discursos do Comércio e da Contabilidade 51 57 7
Revista de Contabilidade e
Comércio 193/196 Junho/1986 A. Álvaro
Dória Fernando Pessoa. Teórico de Gestão Comercial 59 72 14
Revista de Contabilidade e
Comércio 220 Jan.º/1999 Almiro de
Oliveira
COPYRIGHT AUTOR DO TEXTO.
A Propósito de Descartes e de Pessoa – Salvemos a Alma dos Sistemas
e Tecnologias da Informação 867 878 12
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É certo que o texto do “Jornal de Notícias” atrás mencionado ao mencionar a expressão
“famoso guarda-livros” apenas pretende associar “a fama” de poeta à actividade menos
conhecida de “guarda-livros”. Assim, pretendemos sublinhar que Fernando Pessoa não
foi, efectivamente, um “guarda-livros famoso” mas um “famoso guarda-livros” pois,
em nossa opinião e salvo melhor, não tem obra de actividade na área contabilística que
justifique tal distinção.
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