quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O REALISMO EM PORTUGAL


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O Realismo

Génese do Realismo

Na segunda metade do século XIX, a Europa vê-se sacudida de lés a lés por novos ventos políticos, científicos, sociais e religiosos: a Espanha proclama a república em 1868; a França imita-a pouco depois; Vítor Manuel destrói os Estados Pontíficios em 1870; anos atrás desfazia-se a Santa Aliança, último reduto contra a expansão do Liberalismo. Lamark insiste na evolução dos seres por influência do meio; Darwin apregoa a mesma evolução pela selecção natural; Huxley aplica as doutrinas transformistas ao próprio homem; Mendel descobre as leis da hereditariedade. Começa desta maneira a gerar-se uma visão materialista, pampsiquista e monista do Cosmos ao mesmo tempo que se abre o caminho para o estudo do homem sob os aspectos psíquico e físico.



A Revolução Francesa tinha conduzido ao apogeu a burguesia capitalista. Para maior desequilíbrio económico, o motor de explosão e o eléctrico lançam agora no desemprego milhares de braços. O proletariado começa a ser um facto alarmante. Engels e Carl Marx apontam a solução comunista para a "questão social". Saint Simon, Proudhon, Fourier e outros preferem o socialismo utópico. A luta de classes prepara-se para deixar na literatura o seu rasto de dor e sangue. O cristianismo histórico e racionalista curva-se sobre as fontes do cristianismo. Harnach, Renan, Reinach e outros, sem negarem o facto cristão, desvirtuam-no e procuram explicá-lo pela fé puramente idealista.



Depois de 1850 os homens de letras constatam que a Química, a Física, a Biologia, a Zoologia, a Botânica, para não falarmos da Matemática, numa palavra, constatam que todas as ciências procuravam alicerçar-se em comprovadas certezas e que até os cultores da Arte se esforçavam por serem verídicos. Desta maneira, em todos os ramos do saber se ia dizendo adeus a velhas teses, outrora admitidas sem discussão mas agora arrumadas já como falsidades. Ora, sendo estas coisas assim, porque é que os literatos haviam de continuar presos a um sentimentalismo doentio, a um idealismo aéreo, divorciado da realidade, a uma expressão hipócrita da paixão amorosa, a um carpir inútil de saudades, à idealização de um mundo ideal? Sentindo que perdiam um comboio a correr vertiginosamente para o campo da verdade nua e crua, reagiram. Como as restantes actividades do espírito humano, a literatura começou a buscar a realidade, não a deformada pelos românticos, mas a autêntica, tal qual se apresenta sem artifícios, sem retoques. Ainda por analogia com a técnica, a indústria e a ciência, que não conhecem fronteiras mas são as mesmas em qualquer clima, a nova arte literária deixou de ser nacionalista e revestiu-se de carácter cosmopolita. Como consequência desta reacção, nasceu o Realismo na literatura.



O Realismo em Portugal

Portugal, nesta época, já não estava separado do resto da Europa. O caminho de ferro encurtara a distância Coimbra-Paris em meses. A barreira dos Pirinéus era ineficaz para suster o avanço rapidíssimo destas novas ideias. Por isso, a sua influência entre nós não se fez esperar.



No primeiro período do Romantismo, como dissemos, os escritores portugueses sofreram influências do romance histórico de Walter Scott e Vítor Hugo (Nossa Senhora de Paris sobretudo), da poesia sentimental e tradicionalista de Lamartine da evocação histórico-religiosa de Chateaubriand, do espiritualismo filosófico de Vítor Cousin, da teoria da literatura de Madame de Staël e de Shlegel. Agora, novas influências vão entrar em acção. De França, sobretudo, chegam a Coimbra livros onde se aponta à literatura uma orientação muito diferente da seguida nas décadas anteriores. E todas as especializações do pensamento humano e da cultura vão ser afectadas em Portugal por doutrinas inovadoras nascidas no estrangeiro.



1.Irreligiosismo: os novos de Coimbra comentam asserções de Loisy e de Renan, que no seu criticismo bíblico separavam o Cristo da história do Cristo da fé. Agrada-lhes sobretudo uma religião sem dogmas, de cunho panteísta. Assumem atitudes vincadamente anticlericalistas.

2.Inconformismo com a tradição: graças ao avanço da ciência e da técnica, os nossos escritores convencem-se de que o homem pode superar muitas limitações que paralisaram os antigos; e, conseguindo o nivelamento de classes, acreditam que a consciência humana não mais se importará com os entraves que lhe opunha outrora a sociedade absolutista, burguesa e feudal. Sob traçado de Michelet, muitos escritores nossos (Eça, Antero, Oliveira Martins) tentam desmontar peça por peça a sociedade lusa, apeá-la do pedestal da tradição e alicerçá-la em novos princípios de justiça e dinamismo.

3.Supremacia da verdade física: as ciências exactas e experimentais, secundadas pelo avanço da técnica, levaram os estudiosos a considerar a verdade física como a única válida. Facto que não se demonstre empiricamente, será facto para arrumar. Esta posição materialista ante a realidade abortou nas teorias filosóficas a que nos vamos referir em seguida.

4.Novas teorias filosóficas: a Geração Coimbrã de 70 estuda com avidez o idealismo de Hegel, o socialismo de Proudhon, o positivismo de Comte, o evolucionismo de Darwin e Lamarck.

5.Materialismo optimista: ao mesmo tempo, todos se deixam contaminar por uma esperança firme no bem estar material dos tempos futuros, devido ao auxílio da máquina. E explicam o atraso do passado por os homens se terem deixado conduzir por forças espirituais, sobretudo pela religião. Daí o manifestarem-se contra todos os cultos revelados.

Características do Realismo

Numa conferência proferida no "Casino", disse Eça de Queirós a respeito do Realismo: "É a negação da arte pela arte; é a proscrição do convencional, do enfático, do piegas. É a abolição da retórica considerada arte de promover a emoção, usando da inchação do período, da epilepsia da palavra, da congestação dos tropos. É a análise com o fito na verdade absoluta. Por outro lado, o Realismo é uma reacção contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento; o Realismo é a anatomia do carácter, é a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos - para condenar o que houver de mau na nossa sociedade". E sobre os preceitos a seguir na nova escola, acrescentou o mesmo romancista: "A norma agora são as narrativas a frio, deslizando como as imagens na superfície de um espelho, sem intromissões do narrador. O romance tem de nos transmitir a natureza em quadros exactíssimos, flagrantes, reais".



Estas frases do autor de Os Maias são elucidativas. Aí se encontram as principais características do Realismo, que podemos resumir nas alíneas que seguem:



1.Análise e síntese da objectividade, da realidade, da verdade, em oposição ao subjectivismo e idealismo românticos;

2.Indiferença do "eu" subjectivo e pensante diante da Natureza que deve ser reproduzida com exactidão, veracidade e abundância de pormenores, num retrato fidelíssimo;

3.Neutralidade do coração e do espírito diante do bem e do mal, do vício e da virtude, do belo e do feio;

4.Análise corajosa dos aspectos baixos da vida, sobretudo dos vícios e taras, não os ocultando e chamando-os pelo seu nome;

5.Relacionação lógica entre as causas (biológicas e sociais) do comportamento das personagens do romance e a natureza (exterior e interior) desse comportamento;

6.Admissão na literatura do país de temas cosmopolitas em vez dos nacionais e tradicionais dos românticos;

7.Uso de expressão simples e tom desafectado, de modo que as ideias, sentimentos e factos transpareçam sem esforço e sem convencionalismos (o oposto ao tom declamatório dos românticos).

Lembramos que o romance romântico é, por vezes, absolutamente verosímil e pode mesmo propugnar uma tese. Mas, na sua base, é todo fruto da imaginação e do sentimentalismo do autor, que, por isso, lança mão de lugares comuns arredados da objectividade: o quimérico e o prodigioso, o ideal e o sentimento, o monstro e o super-homem. Nisto se afasta do romance realista.



A Estética Naturalista

A filosofia positivista de Comte, as doutrinas de Taine, afirmando que a "virtude e o vício são produtos como o vitríolo e o açúcar", as teorias de Darwin e Haeckel sobre a hereditariedade, a adaptação ao meio e a luta pela vida levaram Zola a uma concepção determinista da existência humana.



Por causa disso, o citado escritor entendeu que o romancista não devia limitar-se a observar os acontecimentos e expô-los, como faziam os realistas; teria de mostrar, com rigor próprio da ciência, que os factos psíquicos estão sujeitos a leis rígidas como os fenómenos físicos. Então o romance adquirirá valor social e cientifico.



Tal foi o princípio da chamada estética naturalista, muito afim, sem dúvida, do Realismo, a qual cedo entrou em Portugal também. Júlio Lourenço Pinto publicou na revista "Estudos Livres" (dirigida por Teófilo Braga e Teixeira Bastos) uma série de artigos sobre esta matéria, os quais depois reuniu em volume com o título de Estética Naturalista (1885). Os seus princípios podem considerar-se como características da nova corrente:



1.Não há distinção entre Realismo e Naturalismo;

2.A literatura naturalista é a expressão dos progressos da ciência (Fisiologia, Sociologia, estudo dos caracteres, da evolução, da influência do meio, etc.);

3.O romance naturalista inspira-se na vida quotidiana, comum;

4.O Naturalismo deve usar o método psicológico, isto é, deve descrever as emoções através das suas manifestações físicas, com base no estudo dos fisiologistas.

Início do Realismo em Portugal

Em Portugal, os princípios do Realismo foram um pouco turbulentos. Isso deve-se ao facto de Castilho ser o mentor de grande parte dos literatos nacionais e não estar disposto a transigir com novidades que achava perigosas e condenadas a um desaparecimento próximo. Por outro lado, a mocidade de Coimbra, que considerava ultrapassado o didactismo do poeta cego, desvencilhou-se das redes em que o grupo de Lisboa a queria prender, e seguiu o seu caminho, a golpes de polémica acesa e nem sempre calma. Esta esgrima entre os discípulos de Castilho e os irrequietos moços de Coimbra ficou conhecida na história pelo nome de "Questão Coimbrã".



1. A "Questão Coimbrã"

1.Castilho aprecia mal Teófilo e os realistas: em 1864, Teófilo Braga publicou Visão dos Tempos e Tempestades Sonoras; e, no ano seguinte, saíram as Odes Modernas de Antero. Talvez por deferência para com o velho romântico e não por desafio, Teófilo ofereceu a Castilho Tempestades Sonoras. Castilho leu. Gostou dos versos mas ficou alarmado com as teorias da escola realista expostas no prefácio. Escreveu então ao jovem poeta uma careta, onde diz não atinar com a revolucionária doutrina do prólogo, que condena abertamente. Ao contrário, confessa que nas poesias encontrou "milhares de belezas de primeira ordem e assomos de uma verdadeira inspiração". Parafraseando o título da obra, classifica as teorias do prólogo como "tempestades que ensurdecem, desorientam, terrificam"; as poesias, essas considera-as "sonoras e mais e melhor do que sonoras, lustrosas e sólidas de oiro incandescente e de diamante e montanhas de luz.

2.Castilho apresenta "O Poema da Mocidade": em 1865, Pinheiro Chagas publicou "O Poema da Mocidade", Castilho apadrinhou a obra e o autor numa carta endereçada ao editor António Maria Pereira, apensa ao volume. Alude nessa carta aos caminhos perigosos por onde tentavam arrastar a Literatura alguns grupos de Coimbra (por exemplo, a Sociedade do Raio, emigrada no Porto, constituída contra medidas tomadas pelo Reitor da Universidade). Remédio para essa desorientação afirma só conhecer um: a nomeação de Pinheiro Chagas para professor de Literatura no Curso Superior de Letras. Pretendiam também o lugar Antero, Teófilo e Vieira de Castro. Como bom patrono de Pinheiro Chagas, Castilho pôs objecções a todos estes. Enquanto reconheceu talento e futuro a Vieira de Castro, apodou Antero e Teófilo de jovens sem experiência, entusiasmados por teorias deletéreas, que, passados dez anos, como diz, não deixarão de repudiar. Critica-os asperamente e quase lhes pede em troca agradecimentos, que a crítica que lhes estava fazendo só contribuía para lhes antecipar, e muito, a experiência, etc.

3.Reacção de Antero: num opúsculo em forma epistolar, conhecido pelo nome de "Bom Senso e Bom Gosto", Antero de Quental respondeu nesse mesmo ano de 1865 às críticas de Castilho. Examinando uma por uma as obras do velho poeta, disse mal de todas; atacou as concepções românticas a que estava preso o "Bardo da Primavera"; e desceu ao insulto, negando-lhe experiência e confessando-se sem nenhuma consideração por ele.

4.Intervenções pró e contra Castilho: a defender Castilho vieram à liça Pinheiro Chagas, José de Castilho, Júlio de Castilho, Brito Aranha, Camilo Castelo Branco. Ao lado de Antero enfileiraram Teófilo Braga, Oliveira Martins, Eça de Queirós e outros.

Antero escreveu um segundo opúsculo, "A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais" (1865) e Teófilo outro com o título "Teocracias Literárias" (1866). A questão foi-se avolumando, tendo saído pró e contra Castilho 44 folhetos.



Entretanto Ramalho Ortigão, durante algum tempo neutral, lembrou-se de intervir como árbitro e escreveu o panfleto "Literatura de Hoje" (1866). Aí critica a escola de Castilho, vaga de conteúdo; mas não perdoa a Antero o ter insultado um velho cego e chama-lhe cobarde. Antero não gostou nada do insulto e mete-se a caminho do Porto para dar uma tareia em Ramalho. Deambulando pelas ruas do velho burgo portuense, foi cumprimentado efusivamente por Camilo, que tinha no prelo um folheto contra ele e Teófilo - "Vaidades Irrritadas e Irritantes" (1866) - e que, por isso, também ficou cheio de medo. Convenceu o autor das Odes Modernas a citar Ramalho para um duelo formal, em vez de o desancar à bengalada. Antero acabou por aceitar o duelo. Travou-se na Arca d'Água, ficando Ramalho Ortigão ligeiramente ferido. A teimosia e a convicção de Antero são um símbolo. A nova escola tinha de vingar. Aos poucos os velhos românticos foram ficando em silêncio e o Realismo fez a sua época triunfante.



2. As "Conferências do Casino"

Quando se deu a Questão Coimbrã quase todos os adeptos do Realismo eram estudantes na Lusa Atenas. Terminados os cursos, cada um foi para o seu sítio, permanecendo, porém, unidos no ideal. Antero viajou pela França, América e Açores. Regressando a Lisboa, lembrou-se, juntamente com outros, de organizar uma série de conferências onde se expusessem "as grandes questões contemporâneas religiosas, literárias, políticas, sociais e científicas, num espírito de franqueza, coragem e positivismo" como disse em carta a Teófilo Braga. Se passavam a vida a ler Proudhon, Hegel e até Carl Marx, bom seria - afirmava - que cada semana se lançasse "uma ideia ou duas para o meio da massa adormecida do público". A iniciativa foi avante e começaram as chamadas "Conferências Democráticas do Casino Lisbonense", numa sala de aluguer da esquina da Travessa da Trindade (hoje Largo Rafael Bordalo Pinheiro).



1.Finalidade das Conferências: numa proclamação, publicada n'A Revolução de Setembro de 18 de Maio de 1871 e assinada por Antero, Adolfo Coelho, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Germano Meireles, Guilherme de Azevedo, Batalha Reis, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Sáragga e Teófilo Braga, vem expressa com clareza a finalidade das conferências:

Expor ideias e trabalhos que se preocupem com a transformação social, moral e política dos povos;

Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada;

Procurar adquirir consciência dos factos que nos rodeiam na Europa;

Agitar na opinião pública as grandes questões da filosofia e da ciência moderna;

Estudar as questões da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa;

É curioso notar que este programa se orientava para uma dupla finalidade: livre discussão de ideias, por princípio mas também propaganda aberta, senão imposição, dum ideal revolucionário: republicanismo, socialismo, religiosismo interior sem dogmas e sem hierarquia, função social da arte, etc. Bem vistas as coisas, a segunda finalidade asfixiava a primeira.



2.Conferências realizadas: a sala das conferências estava aberta a toda a classe de pessoas, exigindo-se apenas o pagamento de um tostão para despesas. E começaram; após um discurso inaugural de Antero com o título "O Espírito das Conferências" (22 de Maio de 1871), ele mesmo proferiu, em 29 de Maio a primeira conferência.

1ª. Conferência: "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares" - segundo o autor, essas causas reduzem-se a três:

a cintura em que o Catolicismo da Contra-Reforma isolara a Península das ideias do resto da Europa;

a centralização do poder nas mãos dos reis e a coartação das liberdades concelhias;

o excessivo desenvolvimento das conquistas, que arruinaram a economia portuguesa.

2ª. Conferência: "Literatura Portuguesa" - teve lugar em 5 de Junho e proferiu-a Augusto Soromenho, professor do Curso Superior de Letras. Afirmou que Portugal só tivera autêntica literatura em Gil Vicente, Camões, Soares dos Passos e Júlio Dinis. Mostrou-se apologista de gostos estéticos universais, negando que a literatura verdadeira tenha de andar sujeita ao paladar dos tempos e escolas. Também não admite a literatura como expressão da sociedade. Disse que entre nós não se sabia ainda o que é o romance. Causas desta decadência? A Imprensa. Remédios? O regresso à educação e à literatura com base na moral e com Deus por finalidade (aprovação do Romantismo à Herculano - posição um tanto retrógrada).

3ª. Conferência: "O Realismo como nova expressão da arte" - fez esta conferência, em 12 de Junho, Eça de Queirós. Defendeu teorias estéticas relativistas (estética condicionada pelo solo, clima, raça, cultura, política, etc.), inspiradas em Proudhon. Condenou a fórmula "arte pela arte", tão divulgada por Ariosto na Renascença. A arte deve ser teleológica, isto é, deve ter uma finalidade: corrigir e ensinar. Para isso, tem de basear-se na lei moral e científica. Só no Realismo é que é possível criar uma arte assim, uma arte capaz de revolucionar a sociedade. Segundo Eça, a arte literária deve ter três qualidades essenciais: ser bela, justa e verdadeira. Esta conferência contradiz em parte a anterior.

4ª. Conferência: "O Ensino" - pronunciou-a Adolfo Coelho, em 19 de Julho. O conferencista, professor do Curso Superior de Letras, criticou todas as instituições escolares portuguesas desde a escola primária à universidade, como no século XVIII fizera Verney. Propugna o desenvolvimento dos estudos filosóficos e sociais e defende o laicismo no ensino.

3.Proibição das Conferências: estava anunciada para 26 de Junho a conferência de Salomão Sáragga sobre "Os Historiadores Críticos de Jesus". Naturalmente que ia ser um eco das doutrinas de Renan e Strauss. Quando o público já se dirigia para a sala foi notificado de que uma portaria assinada pelo Marquês de Ávila e Bolama, presidente do Ministério, proibia de vez a continuação das conferências, sob pretexto de atacarem a religião e as instituições políticas do Estado. Os organizadores, furiosos, dirigiram-se ao Café Central no Rossio. Aí redigiu Antero um comunicado de protesto, que veio publicado nos jornais do dia seguinte. De nada adiantou.

Assim, ficaram para sempre silenciosos nos linguados, além da citada de Salomão Sáragga, as conferências já anunciadas de Batalha Reis (O Socialismo) ,de Antero de Quental (A República), de Adolfo Coelho (A Instrução Primária) e de Augusto Fuschini (Dedução Positiva da Ideia Democrática). Não obstante a sua curta duração, não podemos deixar de assinalar o impulso que estas conferências deram às doutrinas do Realismo, já expostas nos folhetos da "Questão Coimbrã".

3. "As Farpas"

1.Publicação: no mesmo ano em que tiveram lugar as conferências o duunvirato Eça/Ramalho iniciou a publicação de "uma crónica mensal da política, das letras e dos costumes" (como diz Eça em carta a Emídio Garcia). Saiu essa crónica com o nome sugestivo "As Farpas". Por mais de uma vez Eça comparou a sociedade portuguesa do seu tempo a um animal dorminhoco, pachorrentamente imobilizado na arena do mundo. Entendeu que a arte realista tinha por missão farpear esse animal, a ver se sairia da imobilidade glacial em que hibernava. Não quis usar bons modos nem palavras mimadas; preferiu a sátira e a ironia. Essa é a razão de ser do periódico.

2.Colaboração de Eça: Eça não colaborou n'"As Farpas" durante muito tempo. Em 1872, retirou-se para Cuba, ficando Ramalho sozinho na liça. Enquanto Eça pontificou, "As Farpas" encheram-se de críticas verrinosas a muitas instituições e costumes tradicionais e à literatura romântica. Por esta razão, contribuíram também para o advento do Realismo, como a "Questão Coimbrã" e as "Conferências do Casino".

Sob o aspecto literário, Eça critica: o lirismo romântico, hipócrita e mentiroso; o romance passional, apoteose de adultérios; o teatro, puramente declamatório. O estilo é sempre humorístico, zombeteiro. Desejavam os críticos emendar o mundo com o riso, de harmonia com o ridendo castigat mores "o riso é um castigo; o rios é uma filosofia" - afirmavam os dois, armados em bandarilheiros. E acrescentavam: "passa-se sete vezes uma gargalhada à volta de uma instituição, e a instituição alui-se". Os artigos de Eça de Queirós foram reunidos em dois volumes e publicados com o título de Uma Campanha Alegre (1890-1891).

3.Colaboração de Ramalho: o temperamento e a educação de Ramalho Ortigão não eram de molde a levá-lo a passar a vida a dar pontapés na entorpecida sociedade portuguesa. Saído da velha geração romântica, só tarde aderiu ao Realismo. Deixou-se levar por Eça na corrente. Porém, logo que pôde, saltou para a margem e orientou a actividade literária para destino diferente. Continuou a publicação d' "As Farpas", lançando para as mãos dos leitores um total de 15 volumes. Mas o conteúdo começou a ser outro. Sem deixar de fazer crítica acerba, procurou ser mais construtivo do que demolidor. E ei-lo transformado em mestre que ensina: orientações pedagógicas, princípios higiénicos, normas de conduta social. Peregrinando através das terras de Portugal, viu-se enfeitiçado pela paisagem e pelo povo e descreve com entusiasmo e gosto: o colorido das feiras e arraiais; a beleza das cidades, vilas e aldeias; a policromia dos trajes regionais, o pitoresco das praias e termas.

Ramalho Ortigão arredou-se do caminho inicial, como se vê, e em 1908 encontramo-lo totalmente convertido ao neogarrettismo. Em último "As Farpas", atreve-se a criticar até os primeiros anos do governo republicano e o liberalismo.

4. Conclusão

O movimento realista, iniciado com a "Questão Coimbrã", recebeu enorme impulso das "Conferências do Casino" e começou a ser concretizado nos artigos d'"As Farpas". Depois de 1870, mesmo os seus mais irredutíveis adversários, como Camilo, vergavam a cerviz ao jogo das novas teorias da arte. E ou as tentavam (foi o caso do velho romancista) ou então perdiam os leitores. Eça de Queirós não tardaria a captar as simpatias do público com os seus romances e com uma prosa diferente da antiga. O Romantismo sofreu uma remodelação total.



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